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Fenótipo Cintura Hipertrigliceridêmica e mudanças na glicemia de jejum e pressão arterial de crianças e adolescentes após um ano de seguimento

Fenótipo Cintura Hipertrigliceridêmica e mudanças na glicemia de jejum e pressão arterial de crianças e adolescentes após um ano de seguimento

Autores:

Priscila Ribas de Farias Costa,
Ana Marlúcia Oliveira Assis,
Carla de Magalhães Cunha,
Emile Miranda Pereira,
Gabriela dos Santos de Jesus,
Lais Eloy Machado da Silva,
Wilanne Pinheiro de Oliveira Alves

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170

Arq. Bras. Cardiol. vol.109 no.1 São Paulo jul. 2017 Epub 25-Maio-2017

https://doi.org/10.5935/abc.20170067

Resumo

Fundamento:

O fenótipo de cintura hipertrigliceridêmica (CHT) é definido como a presença simultânea de circunferência de cintura (CC) e níveis séricos de triglicérides (TG) aumentados e tem sido associado com risco cardiometabólico em crianças e adolescentes.

Objetivo:

Avaliar a influência do fenótipo CHT na glicemia de jejum e na pressão arterial em crianças e adolescentes em um período de acompanhamento de um ano.

Métodos:

Trata-se de um estudo de coorte envolvendo 492 crianças e adolescentes de 7 a 15 anos de ambos os sexos, que foram submetidos à avaliação antropométrica, bioquímica e clínica no início e também após 6 e 12 meses de seguimento. Os modelos de Equação de Estimulação Generalizada (GEE) foram calculados para avaliar a influência longitudinal do fenótipo CHT na glicemia e na pressão arterial ao longo de um ano.

Resultados:

Foi observada uma prevalência de 10,6% (n = 52) do fenótipo CHT nos estudantes. Os modelos GEE identificaram que os estudantes com fenótipo CHT apresentaram aumento de 3,87 mg/dl na média de glicemia em jejum (IC: 1,68-6,05) e de 3,67 mmHg na pressão arterial sistólica media (PAS) (IC: 1,55-6,08) depois de um ano de acompanhamento, após ajuste para variáveis de confusão.

Conclusões:

Os resultados deste estudo sugerem que o fenótipo CHT é um fator de risco para alterações longitudinais da glicemia e da PAS em crianças e adolescentes em um período de um ano de seguimento.

Palavras-chave: Cintura Hipertrigliceridêmica; Fenótipo; Índice de Glicemia; Jejum; Pressão Arterial; Criança; Adolescente; Estudo de Coorte

Abstract

Background:

The hypertriglyceridemic waist (HTW) phenotype is defined as the simultaneous presence of increased waist circumference (WC) and serum triglycerides (TG) levels and it has been associated with cardiometabolic risk in children and adolescents.

Objective:

The objective was to evaluate the influence of HTW phenotype in the fasting glycemia and blood pressure in children and adolescents over one-year follow-up period.

Methods:

It is a cohort study involving 492 children and adolescents from 7 to 15 years old, both genders, who were submitted to anthropometric, biochemical and clinical evaluation at the baseline, and also after 6 and 12 months of follow-up. Generalized Estimating Equation (GEE) models were calculated to evaluate the longitudinal influence of the HTW phenotype in the glycemia and blood pressure over one-year.

Results:

It was observed a prevalence of 10.6% (n = 52) of HTW phenotype in the students. The GEE models identified that students with HTW phenotype had an increase of 3.87 mg/dl in the fasting glycemia mean (CI: 1.68-6.05) and of 3.67mmHg in the systolic blood pressure (SBP) mean (CI: 1.55-6.08) over one-year follow-up, after adjusting for confounding variables.

Conclusions:

The results of this study suggest that HTW phenotype is a risk factor for longitudinal changes in glycemia and SBP in children and adolescents over one-year follow-up period.

Keywords: Hypertriglyceridemic Waist, Phenotype; Glycemic Index; Fasting; Blood Pressure; Child; Adolescent; Cohort Studies

Introdução

O fenótipo da cintura hipertrigliceridêmica (CHT) é definido como a presença simultânea de circunferência da cintura (CC) e níveis de triglicérides (TG) aumentados.1 Este fenótipo tem sido associado ao risco cardiometabólico, com níveis elevados de insulina, apolipoproteína B, proteína C reativa e colesterol LDL, aumentando o risco de doença arterial coronariana.2

A prevalência do fenótipo CHT tem sido amplamente investigada. Uma meta-análise realizada por Ren et al.,3 demonstraram variação na prevalência do fenótipo CHT de 4% para 47%, com prevalência combinada de 19% (95% IC 14-24%). Esmaillzadeh et al.,4 verificaram prevalência de 6,5% para CHT em adolescentes iranianos (7,3% em meninos e 5,6% em meninas). No Brasil, estudos transversais com adolescentes de 10 a 19 anos identificaram prevalência de CHT variando de 6,4% a 20,7%.5-7 Entretanto, não foram identificados na literatura estudos longitudinais envolvendo crianças e adolescentes.

Evidências sugerem que indivíduos com fenótipo CHT têm maior probabilidade de desenvolver síndrome metabólica e fatores de risco para doenças cardiovasculares.4,8-10 Dentre estes fatores, estão o aumento da glicemia e a hipertensão arterial sistêmica, caracterizada por aumento da pressão arterial, com determinação multifatorial.8 Portanto, o CHT é um indicador simples e confiável para detectar essas doenças e os riscos metabólicos associados à obesidade visceral,9 podendo se tornar uma abordagem prática, viável e de baixo custo, especialmente na Atenção Primária.

Diante do exposto, e considerando a ausência de estudos de coorte envolvendo o assunto, este estudo teve como objetivo avaliar a influência do fenótipo da cintura hipertrigliceridêmica na glicemia de jejum e na pressão arterial dos estudantes após um ano de acompanhamento.

Métodos

Amostra e desenho do estudo

Trata-se de um estudo de coorte que inclui 492 crianças e adolescentes de 7 a 15 anos de idade, de ambos os sexos, de 10 escolas públicas, urbanas e de meio período. Realizou-se uma amostragem aleatória simples, selecionando os alunos de cada escola de uma lista de alunos do ensino fundamental registrados no Departamento de Educação Municipal de um município da Bahia, Brasil, em 2006. Esta amostra tem poder de 97,6% para detectar uma alteração de 10% na de glicemia de jejum média dos participantes, durante um período de 12 meses, considerando a média de 90,2 mg/dL ± 0,3 DE.7 Para a pressão arterial sistólica (PAS), a amostra tem potência de 95% para detectar alteração de 10% nos valores médios, considerando a média de 111,1 mmHg ± 12,9DE; E potência de 94% para detectar uma alteração de 10% na média da pressão arterial diastólica (PAD), considerando uma média de 70,3 ± 9,3 DE.11 Os cálculos do poder de amostragem (1-β) foram baseados no nível de significância de 5% e em dois testes de cauda, indicando que esse tamanho da amostra é suficiente para realizar estimativas imparciais dos parâmetros da população estudada.

Todas as medidas foram coletadas no início e após 6 e 12 meses de acompanhamento.

Critérios de exclusão

Gravidez, lactação ou deficiência física que impediu a avaliação antropométrica foram adotados como critérios de exclusão. No entanto, essas condições não foram identificadas entre os alunos selecionados.

Avaliação antropométrica

Para a medição do peso se utilizou uma balança portátil Filizola® com capacidade para 150 kg e 100 g de precisão, permitindo-se a variação de 100 g. A altura foi medida por um estadiômetro marca Leicester Height Measure, com a medida realizada no milímetro mais próximo. Ambas as medidas foram realizadas em duplicata e a média das duas medidas foi adotada como medida final.12 O estado antropométrico foi avaliado pelo Índice de Massa Corporal (IMC) por idade, tomando como referência as recomendações da Organização Mundial de Saúde13 para indivíduos de 5 a 19 anos.

A circunferência da cintura (CC) foi medida no ponto médio entre a crista ilíaca e a face externa da última costela. As medidas foram efetuadas em duplicata e a média destas duas medidas foi adoptada como definitiva. O corte adotado para classificar o excesso de gordura abdominal foi o percentil 90 da própria amostra, conforme proposto por Freedman et al.14

Dados sociodemográficos e de estilo de vida

A pessoa responsável pela criança / adolescente referiu esta informação. As variáveis demográficas incluíram o sexo e a idade do aluno. O status socioeconômico incluiu o número de quartos na casa e as pessoas que moravam, a principal fonte de iluminação e a ocupação do chefe da família. Estas variáveis originaram o índice socioeconômico. O estado do abastecimento de água do domicílio, a fonte de água potável e o destino do lixo e resíduos foram utilizados para compor o índice ambiental. Estas variáveis apresentaram respostas variando de 0 (pior condição) a 4 (melhor classificação). Assim, os índices socioeconômicos e ambientais variaram de 0 a 16 e foram categorizados em terciles. Apesar de saber que a educação materna está associada a condições socioeconômicas, esta variável não foi incluída no índice socioeconômico e foi avaliada individualmente, uma vez que também representa os aspectos culturais e dietéticos da sociedade onde o indivíduo está inserido.

O nível de atividade física foi avaliado por meio de questionário estruturado com perguntas referentes à frequência de atividades físicas que não estavam incluídas no conteúdo pedagógico da escola, o qual é realizado uma vez por semana. Portanto, a prática de dois ou mais dias de atividade física fora da escola classifica o aluno como ativo; E menos de dois dias de atividade física fora da escola classifica o aluno como menos ativo / sedentário.

Pressão arterial

Para a medição da pressão arterial (PA) foi adotada a técnica recomendada pela 4ª Diretriz Brasileira de Hipertensão. O valor da PA foi classificado de acordo com o Grupo de Trabalho sobre Hipertensão em Crianças do Programa Nacional de Educação sobre Hipertensão Arterial,15 considerando níveis de pressão alta para crianças e adolescentes PA > p90, de acordo com idade, sexo e percentil de altura.

Exames bioquímicos

A coleta de sangue foi realizada pela manhã observando pelo menos 12 horas de jejum, 10 mL de sangue foram coletados por venipuntura e depositados em tubos vacutainer estéreis e descartáveis (BD®), sem anticoagulante. O sangue foi centrifugado a 3000 rpm por 5 minutos, para posterior separação do soro, o qual foi utilizado para determinações bioquímicas. Os parâmetros bioquímicos foram realizados no Laboratório da Cidade de Referência, fornecido pelo Departamento de Saúde. Os valores de triglicerídeos e glicemia foram determinados pelo método enzimático. Para a classificação da glicemia, adotou-se a recomendação da Sociedade Brasileira de Diabetes,16 que caracteriza condições adequadas (≤ 100 mg/dL) e condições aumentadas (> 100 mg/dL). Valores de triglicerídeos < 100 mg/dL foram considerados adequados.17

Fenótipo da cintura hipertrigliceridêmica

O fenótipo CHT foi definido pela presença de aumento da circunferência da cintura (> 90 percentil por idade e sexo da amostra em si) e aumento dos triglicerídeos séricos (> 100 mg/dL) simultaneamente.4

Análise estatística

Calculou-se a prevalência de dados categóricos e a medida da média e desvio padrão para as variáveis contínuas. A comparação das variáveis de desfecho e outras variáveis de interesse de acordo com a variável de exposição foi realizada pelo teste chi-quadrado de Pearson. O valor p inferior a 0,05 foi adotado como nível de significância.

Foram calculadas a média e o desvio padrão da glicemia, da PA sistólica e diastólica. O teste de normalidade de Shapiro-Wilk foi aplicado, e a estatística indica normalidade1 quando estiver perto de 1.8 As distribuições dos valores médios de glicemia, PA sistólica e diastólica de acordo com o fenótipo CHT no início e após o seguimento foram calculadas pelo teste estatístico de comparação média para variáveis contínuas (teste t de Student para variâncias iguais ou desiguais), adotando o valor p inferior a 0,05 como nível de significância.18

Com o objetivo de avaliar a influência do fenótipo CHT na glicemia em jejum e na PA dos estudantes durante 12 meses, foram construídos Modelos de Equações de Estimativa Generalizada (GEE), os quais são adequados para respostas contínuas e medidas repetidas, refletindo a relação entre respostas variáveis e independentes, considerando a correlação entre as medidas em cada momento de tempo. Além disso, o modelo GEE não requer pressuposto de normalidade. Para o presente estudo, a matriz de correlação escolhida foi a autorregressiva, considerando que as medidas têm uma relação autorregressiva em função do tempo.19

Inicialmente, foi realizada a análise univariada, com o objetivo de selecionar as variáveis candidatas ao modelo multivariado, selecionando-se aquelas com valor p inferior a 20%. Estas variáveis foram incluídas no modelo como covariáveis. No modelo final, as demais variáveis foram aquelas que apresentaram nível de significância inferior a 5%.

Para avaliar os dados ajustados do modelo, se utilizou o critério de quase-verossimilhança no modelo de independência corrigido (QICc), que é uma modificação do critério de informação de Akaike (AIC) para a análise do GEE. O QIC é calculado a partir da comparação da quase-probabilidade do modelo de independência com a do modelo completo. Quanto menor o QIC, melhor o ajuste do modelo.20

Todas as análises estatísticas foram realizadas no pacote estatístico Stata / IC para Mac (StataCorp, College Station), versão 12.0.

Aspectos éticos

O protocolo do presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Nutrição da Escola de Nutrição pelo número 03/06.

A participação do estudante no estudo dependia de autorização por escrito dos pais e/ou pessoa responsável. Depois de receber a carta convite, conhecer os objetivos do estudo e concordar com a inclusão do menor na investigação, os pais e / ou responsável assinaram o termo de consentimento esclarecido (TCE).

Resultados

Na Tabela 1 são apresentadas as características sociodemográficas, clínicas e antropométricas dos alunos, de acordo com o fenótipo CHT. Houve maior prevalência do fenótipo CHT entre os estudantes com menor status socioeconômico (14,3%), com glicemia de jejum acima de 100 mg/dL (22,9%) e com excesso de peso, segundo o IMC (31,1%).

Tabela 1 Características sociodemográficas, antropométricas e clínicas na linha de base de estudantes de uma cidade da Bahia, Brasil, 2006 

Fenótipo CHT N (%)
Total N Ausente Presente Valor de p
Gênero
– Feminino 492 255 (88,8) 32 (11,1) 0,620
– Masculino 185 (90,2) 20 (9,8)
Idade
– <10 anos 492 124 (90,5) 13 (9,5) 0,620
– ≥ 10 anos 316 (89,0) 39 (11,0)
Índice ambiental
– 3º Tercil 492 177 (88,9) 22 (11,1) 0,770
– 1º e 2º Tercis 263 (89,8) 30 (10,2)
Índice socioeconômico
– 3º Tercil 492 206 (94,1) 13 (5,9) 0,003*
– 1º e 2º Tercis 234 (85,7) 39 (14,3)
Educação materna
– ≥ 6 anos 439 171 (89,5) 20 (10,5) 0,090
– < 6 anos 233 (93,9) 15 (6,1)
Atividade física
– Ativo 492 133 (86,9) 20 (13,1) 0,113
– Baixa atividade / sedentarismo 284 (91,6) 26 (8,4)
Pressão sanguínea
– < P90 492 324 (91,0) 32 (9,0) 0,467
– ≥ P90 117 (86,0) 19 (14,0)
Glicemia
– <100mg/dL 492 413 (90,4) 44 (9,6) 0,01*
– ≥ 100 mg/dL 27 (77,1) 8 (22,9)
IMC/idade
– < P85 492 369 (94,8) 20 (5,2) 0,000*
– ≥ P85 71 (68,9) 32 (31,1)

*Valor p significativo para o chi-quadrado de Pearson; CHT: cintura hipertrigliceridêmica.

Considerando a amostra inicial deste estudo, a perda de 37 (7,5%) indivíduos foi registrada após um ano de seguimento. A análise dos dados sociodemográficos e clínicos indicou que não houve diferenças estatísticas significativas entre esses fatores para os alunos perdidos e os que continuaram no estudo (dados não apresentados).

As variáveis de desfecho (glicemia de jejum, PA sistólica e PA diastólica) apresentaram distribuição normal, de acordo com o teste de Shapiro-Wilk; sendo aplicado o teste t na comparação média. Assim, a Tabela 2 mostra os valores médios das variáveis de interesse no início e no final do seguimento, de acordo com o fenótipo de CHT. Observou-se que, no início do estudo, os estudantes com fenótipo CHT apresentaram maiores valores médios de glicemia e PA sistólica (p = 0,003 e p = 0,03, respectivamente). Após um ano de seguimento, identificou-se que os indivíduos com fenótipo CHT apresentaram maiores valores médios de glicemia do que aqueles sem fenótipo (p = 0,04).

Tabela 2 Teste de comparação média para as variáveis de interesse de acordo com o fenótipo da cintura hipertrigliceridêmica na linha de base após um ano de acompanhamento em estudantes de uma cidade da Bahia, Brasil, 2006 

Linha de base Após um ano de acompanhamento
CHT (-) CHT (+) Valor de p CHT (-) CHT (+) Valor de p
Média (DE) Média (DE) Média (DE) final Média (DE) final
Glicemia (mg/dL) 81,8 (10,2) 86,0 (11,7) 0,003 83,5 (10,3) 86,1 (11,6) 0,04
PA sistólica (mmHg) 101,3 (12,0) 105,1 (12,1) 0,03 101,3 (11,8) 104,1 (11,0) 0,10
PA diastólica (mmHg) 64,3 (10,1) 66,9 (10,3) 0,09 64,5 (10,6) 66,1 (10,6) 0,09

CHT: cintura hipertrigliceridêmica.

Os modelos GEE, construídos para avaliar a influência do fenótipo CHT na glicemia e pressão arterial dos estudantes após um ano de acompanhamento, são apresentados na Tabela 3. Para glicemia de jejum, observou-se que os estudantes com a presença de fenótipo CHT tiveram aumento de 3,11 mg/dl na média da glicemia de jejum após um ano de acompanhamento, quando comparados aos indivíduos sem o fenótipo CHT. Ajustando-se por gênero, idade, escolaridade materna, nível socioeconômico, IMC e nível de atividade física, o aumento da média de glicemia de jejum após um ano de seguimento foi de 3,87mg/dl (p = 0,001).Para a PAS, os estudantes com fenótipo CHT apresentaram aumento de 2,97 mmHg na média desta medida após um ano de acompanhamento, quando comparados com indivíduos sem este fenótipo. Esse aumento na PAS significou aumento de 3,67 mmHg em indivíduos com fenótipo CHT após um ano de acompanhamento, quando ajustado pelas variáveis sociodemográficas, IMC e nível de atividade física (p = 0,02).

Tabela 3 Modelos de Equação de Estimativa Generalizada para a relação entre fenótipo CHT e glicemia de jejum, pressão arterial sistólica e diastólica após um ano de acompanhamento em estudantes de uma cidade da Bahia, Brasil, 2006 

– Fenótipo CHT
Ausente
PresenteQICc* * *
Glicemia em jejum
Coeficiente (IC95%); Valor P *
Bruto
Referência
3,11 (1,35-4,86); 0,001
128.540
Modelo final
Referência
3,87 (1,68-6,05); 0,001
112.716
- Fenótipo CHT
Ausente
PresenteQICc
Pressão arterial sistólica
Coeficiente (IC95%); Valor P*
Bruto
Referência
2,97 (-0,11- 6,06); 0,06
125.375
Modelo final
Referência
3,67 (1,55-6,08); 0,02
118.265
- Fenótipo CHT
Ausente
PresenteQICc
Pressão sanguínea diastólica
Coeficiente (IC95%); Valor P*
Bruto
Referência
1,43 (-1,20- 4,05); 0,28
90.724
Modelo final
Referência
1,45 (-1,20- 4,10); 0,29
83.872

Tamanho da amostra - 492; CHT: cintura hipertrigliceridêmica.

*Equação de Estimativa Generalizada - GEE;

Ajustado por gênero, idade, escolaridade materna; Nível socioeconômico e nível de atividade física;

QICC: quase-verossimilhança corrigida sob o critério do modelo de Independência.

Os modelos apresentados foram bem ajustados aos dados, de acordo com o critério QICc, considerando que houve uma redução desse indicador nos modelos finais quando comparados aos modelos brutos (Tabela 3). Não foram identificadas alterações estatísticas significativas na média da PAD em crianças e adolescentes com fenótipo CHT após os 12 meses de seguimento.

Discussão

Os resultados desta investigação indicam maior prevalência de fenótipo CHT em escolares com menor nível socioeconômico, com glicemia de jejum alterada e excesso de peso, indicando importante componente ambiental neste fenômeno. Além disso, a presença de fenótipo CHT favoreceu o aumento dos valores médios de glicemia e PA sistólica após um ano, especialmente após o ajuste por variáveis sociodemográficas, IMC e nível de atividade física.

A prevalência do fenótipo CHT identificado neste estudo foi maior do que a encontrada em crianças e adolescentes no Irã (3,3% e 8,5%, respectivamente)4,21 e no Reino Unido (variando de 6,3% a 8,2%).22 Pesquisas envolvendo adolescentes brasileiros constataram a ocorrência de fenótipo CHT de 2,6% a 20,7%.5,6 Essas diferenças entre a prevalência do fenótipo CHT podem refletir a falta de padronização mundial para mensuração da circunferência da cintura e as concentrações séricas de triglicérides para a idade, além disso as variações do corte utilizado para classificar o fenótipo CHT, o que é um obstáculo para a comparação das pesquisas. Além disso, as diferenças de estilo de vida, origem genética e etnia interferem no acúmulo de gordura abdominal e podem explicar os resultados divergentes da prevalência do fenótipo CHT.21,23,24

Os dados deste estudo indicam que o fenótipo CHT aumenta a média de glicemia de jejum após um ano de acompanhamento quando comparado com os indivíduos sem o fenótipo CHT. Trata-se de uma situação clínica importante entre a população estudada, pois a glicemia está relacionada à obesidade visceral, favorecendo o maior risco de desenvolver outras doenças crônicas e não transmissíveis com expressão na vida adulta.25,26 No entanto, diferentes estudos não encontraram a relação entre o fenótipo CHT e a glicemia de jejum em crianças e adolescentes,4,7,21 mas vale ressaltar o desenho transversal dessas pesquisas. O aumento do fenótipo CHT está associado a alterações metabólicas. Sugere-se que com maiores valores de circunferência da cintura, há maiores concentrações de ácidos graxos livres, especialmente no fígado, músculo e pâncreas, resultantes da lipólise de triglicérideos. O excesso de ácidos graxos livres proporciona feedback negativo da glicogênio sintase, que pode induzir resistência periférica à insulina e intolerância à glicose, tanto no músculo quanto no fígado,27,28 o que pode explicar a relação longitudinal entre o fenótipo CHT e a glicemia identificados neste estudo. Embora algumas evidências tenham identificado a associação entre fenótipo CHT e alterações lipídicas e na hiperglicemia em crianças e adolescentes, a relação entre o fenótipo CHT e os níveis de pressão arterial ainda não está estabelecida para esta faixa etária, devido ao número reduzido de publicações que testam esta associação e as limitações dos projetos de estudo transversal. No estudo realizado por Kelishadi et al.,23 PAS maior que o percentil 90º para idade, sexo e altura, foi observado em 8,8% dos meninos e em 17,6% das meninas com fenótipo CHT, enquanto a pressão arterial diastólica foi de 4,4% e 9,6%, respectivamente. Bailey et al.,22 observaram médias maiores de PAD em crianças e adolescentes com fenótipo CHT.

A prevalência de hipertensão arterial em pessoas com fenótipo CHT é de 2 a 3 vezes maior quando comparada àqueles que não apresentam este fenótipo.4,20 Em geral, esta associação enfraquece ou se torna estatisticamente insignificante quando se ajusta o IMC, sugerindo que a obesidade pode influenciar intensamente a pressão arterial e a distribuição de gordura isolada.

Embora seja um estudo de coorte, sabe-se que não é possível estabelecer completamente uma relação causal, sendo necessário realizar estudos confirmatórios sobre essas relações identificadas no presente estudo. Além disso, talvez o período de seguimento não tenha sido suficiente para identificar as variáveis de resultado nessa população. No entanto, o estudo foi metodologicamente bem desenhado, foram adotadas técnicas estatísticas robustas e, além disso, os resultados são biologicamente plausíveis e consistentes com as evidências científicas sobre este tema.

Portanto, no presente estudo, a relação longitudinal entre o fenótipo CHT e a PAS foi mais forte após um ano de acompanhamento, mesmo quando ajustada pelo IMC. Este pode ser o reflexo da força de um estudo de coorte e sugere que a presença do fenótipo é caracterizada como fator de risco para aumento progressivo da PAS neste grupo. Essa relação pode estar relacionada à presença de níveis séricos mais altos de insulina em pessoas com obesidade abdominal, independentemente do peso corporal,29 uma vez que a hormona insulina induz vários sinais que promovem aumento da PA, que inclui indução de vasoconstrição e proliferação de células de músculo liso em vasos sanguíneos; promoção da atividade pró-inflamatória; estímulo da absorção renal de sódio e resposta simpática.30-32

Conclusões

Os resultados do estudo sugerem que o fenótipo CHT é um fator de risco para alterações longitudinais na glicemia e a PAS em crianças e adolescentes. Considerando-se que os componentes deste fenótipo já estão presentes no início da vida, o monitoramento do fenótipo CHT deve ser adoptado no grupo pediátrico, uma vez que é uma ferramenta simples e de triagem de baixo custo para identificação de risco cardiometabólico, e o diagnóstico do risco fornecido prematuramente pode favorecer intervenções nutricionais e de estilo de vida, promoção da saúde e prevenção de doenças crônicas não-transmissíveis na idade mais avançada.

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