versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.111 no.2 São Paulo ago. 2018
https://doi.org/10.5935/abc.20180141
As taxas anuais de acidentes vasculares cerebrais (AVC) são extremamente elevadas, acometendo cerca de 15 milhões de pessoas no mundo, e gerando um grande impacto de saúde pública e econômico. Aproximadamente 25% dos AVC não têm etiologia determinada, sendo denominados Criptogênicos (AVCc).1 Os AVCc não apresentam causa definida; sua denominação ocorre por exclusão, quando eles não são atribuíveis a cardioembolismo definido, aterosclerose de grandes artérias e nem a doenças de pequenas artérias, a despeito de extensa investigação vascular, cardíaca ou sorológica.2
As taxas de AVCc variam significativamente, dependendo do grau de investigação diagnóstica. Dentro da perspectiva de que a maioria dos AVCc tem origem embólica, recentemente tem sido utilizada uma nova terminologia para os AVC isquêmicos criptogênicos não lacunares: “AVC Embólico de Origem Indeterminada” (ESUS, sigla do inglês Embolic Stroke of Undetermined Source).3
Aproximadamente um terço dos pacientes com AVCc apresenta novo episódio isquêmico em 10 anos,4 sendo que 63% são novamente classificados como criptogênicos.5 Possíveis causas para esta recorrência, a despeito do evento primário, são Fibrilação Atrial (FA) paroxística, tromboembolismo arterial, forame oval patente, doença cardíaca estrutural ou etiologias menos comuns, como trombofilias. A detecção de FA após AVCc ou ESUS oferece a oportunidade de reduzir o risco de recorrência de AVC, pela prescrição de um anticoagulante oral.6 Sem este diagnóstico, o tratamento para AVCC e ESUS é somente a antiagregação plaquetária.7
A utilização de monitorização prolongada melhorou dramaticamente a habilidade de detecção de períodos curtos, raros e assintomáticos de FA em pacientes com AVC. O estudo EMBRACE avaliou 572 pacientes com AVC isquêmico nos últimos 6 meses, sem diagnóstico de FA, com randomização para monitorização contínua de 30 dias (287 pacientes) vs. Holter de 24 horas (285 pacientes). As taxas de detecção de FA (> 30 segundos) foram de 16,1% no grupo com monitorização prolongada vs. 3,2% no grupo Holter.8 Da mesma forma, quando empregados Monitores Implantáveis (MI), como no estudo CRYSTAL-AF (Cryptogenic Stroke and underlying Atrial Fibrillation), as taxas de detecção de FA utilizando MI foram superiores às de detecção padrão em um seguimento prolongado: 8,9%, 12,4% e 30% vs. 1,4%, 2,0% e 3% no período de 6, 12 e 36 meses.9
Nesta edição, Sampaio et al.10 publicam avaliação de uso de dispositivo de monitorização continuada (PoIP) quando comparado a Holter 24 horas no diagnóstico de arritmias atriais em pacientes com e sem AVC, ou Ataque Isquêmico Transitório (AIT), e sem FA. Foram detectados episódios de FA no grupo de pacientes com histórico de AVC/AIT em 23,1% dos pacientes do grupo PoIP e em 3,8% dos pacientes do grupo Holter. Foram também observados menores tempos de gravação nas primeiras 24 horas no grupo PoIP vs. Holter. As taxas de taquicardia atrial foram maiores nos pacientes do grupo AVC quando comparados aos controles. Foi observada importante perda de sinal no grupo PoIP, de 11,4%, devido à instabilidade de rede e a diferentes tecnologias no envio de sinais GPRS vs. 3-4G.
Mesmo com um número restrito de pacientes, a incidência de detecção de FA foi maior no grupo de monitorização prolongada, apesar de não atingir significância estatística. Entretanto, para este tipo de monitorização, precisamos evoluir na qualidade do envio de dados, na estabilidade de redes e tecnologias empregadas para captura, e no envio de sinal, visando à menor perda e à melhor qualidade de dados recebidos.
Recentemente, diversos estudos avaliaram a relação de taquiarritmias atriais diagnosticadas em dispositivos implantáveis com o risco de eventos tromboembólicos. O estudo MOST11 demonstrou que a detecção de períodos > 5 minutos de frequência cardíaca atrial > 220 bpm era relacionada a risco aumentado de FA em seis vezes e a aumento de risco de morte ou AVC nestes pacientes com FA de 2,8 vezes. O estudo TRENDS12 mostrou que os pacientes que apresentavam episódios de FA/TA > 5,5 horas/dia tinham aumento do risco de tromboembolismo (hazard ratio 2,2), quando comparados àqueles com burden de FA/TA de zero. Da mesma forma, o estudo ASSERT demonstrou que a presença de frequência cardíaca atrial > 190 bpm por tempo > 6 minutos foi associada a aumento de 5,6 vezes no desenvolvimento de FA e 2,5 vezes em novos episódios de AVC ou tromboembolismo sistêmico.13 Análise mais recente deste estudo demonstrou que episódios de alta frequência atrial com duração > 24 horas aumentavam o risco de AVC isquêmico e embolia sistêmica para 3,1%/ano - risco comparável ao de FA clínica.14
Apesar de a elevada frequência atrial com aumento de episódios embólicos estar bem documentada, a relação temporal e causal necessita maior elucidação. Subanálise do estudo TRENDS demonstrou a presença de taquiarritmias previamente ao evento embólico em apenas 50% dos pacientes; 73% deles não apresentaram taquiarritmias no período de 30 dias antecedendo o evento embólico. Ainda, o estudo ASSERT corroborou estes resultados, ao apresentar taxas de FA em 51% dos pacientes com tromboembolismo, mas somente 8% deles apresentaram FA no período de 30 dias pré-AVC.15 A avaliação destes estudos nos sugerem que a presença de FA pode simplesmente ser um marcador de risco tromboemlólico e estar indiretamente ligado à ocorrência de tromboembolismos por mecanismo mais complexo que o anteriormente esperado.16