versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.16 no.1 São Paulo 2018 Epub 23-Out-2017
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082017rc4014
O princípio de melhora da circulação para atingir um nível mais baixo de amputação é bem conhecido. A preservação da articulação do joelho tem grandes vantagens em termos de reabilitação de um amputado.(1) Qualquer evento que leve à revisão de uma amputação acima do joelho é um grande revés, porque reduz o potencial de reabilitação do paciente por conta da baixa estabilidade e do alto custo energético da marcha de amputados acima dos joelhos.(2,3)
A isquemia de membro inferior é um dos maiores desafios na prática da cirurgia vascular, e implica alto risco de amputação e morte, se não tratada. A terapia trombolítica intra-arterial pode ser considerada padrão no cuidado da obstruções arteriais agudas periféricas. Ela pode restabelecer a perfusão arterial e identificar lesões suspeitas, que podem ser tratadas com técnicas endovasculares.(4)
Este estudo descreve o uso de terapia trombolítica intra-arterial com ativador plasminogênico tecidual recombinante (rTPA) para revascularização em coto de amputação infrapatelar com isquemia aguda.
Paciente do sexo masculino, 56 anos de idade, procurou nosso serviço com histórico de 1 dia de dor aguda em seu coto de amputação infrapatelar. Foi submetido à amputação infrapatelar devido à isquemia crítica do membro secundária a trauma 3 anos antes. Após a amputação, ele teve excelente reabilitação e deambulação independente com próstese.
Ao exame clínico, o paciente tinha pulso femoral normal, ausência de pulso poplíteo, redução da temperatura e cianose no terceiro distal do coto de amputação infrapatelar. A imagem Doppler mostrou obstrução da artéria poplítea suprapatelar.
Administrou-se heparina (80UI/kg), e angiografia de membro inferior direito e trombólise direcionada via cateter com Aspirex® (cateter rotacional para restaurar o fluxo sanguíneo; Straub Medical AG, Wangs, Suíça) foram realizadas como tentativa para salvar o coto de amputação infrapatelar.
A angiografia do membro direito mostrou artérias femorais superficiais e profundas sem lesões e confirmou oclusão da artéria poplítea (Figura 1A). Um fio-guia 0.014 foi passado ao longo da área obstruída, e o cateter para trombectomia foi posicionado intratrombo (Figura 1B). Administrou-se dose inicial de 10mg em bólus de rTPA, e realizou-se trombectomia mecânica com Aspirex® (Figura 1C). A angiografia mostrou recanalização parcial da artéria poplítea (Figura 1D).
Figura 1 Angiografia por subtração digital. (A) Obstrução de artéria poplítea. (B e C) Cateter para trombectomia posicionado intratrombo. (D) Recanalização parcial de artéria poplítea
O dispositivo de trombectomia foi substituído por cateter multiperfurado, e o paciente foi encaminhado para unidade de terapia intensiva para prosseguir com a infusão de rTPA com dose de 3mg/hora e heparinização em dose completa (16UI/kg/hora), por 8 horas, sob vigilância. Uma nova angiografia mostrou permeabilidade da artéria poplítea com estenose residual e trombo (Figura 2). Realizou-se angioplastia com balão Passeo-35 4x20 (Biotronik, Bulach, Suíça), seguida de injeção de 10mg de rTPA (Figuras 3A e 3D). A angiografia final mostrou permeabilidade da artéria poplítea, sem estenose residual ou trombo, e excelente circulação no coto de amputação infrapatelar (Figuras 4A e 4D).
Figura 2 Angiografia de subtração digital. Permeabilidade da artéria poplítea com estenose residual e trombo
Figura 3 Angiografia de subtração digital. (A e B) Angioplastia de artéria poplítea realizada com balão Passeo-35 4x20. (C e D) Recanalização parcial de poplítea
Figura 4 Angiografia final mostrando permeabilidade femoral superficial e artérias poplíteas, sem estenose residual ou trombo
O paciente apresentou remissão dos sintomas e recebeu alta após 5 dias. Após a recuperação, era capaz de deambular independentemente, com prótese. Após 9 anos de seguimento ambulatorial, o paciente permanecia assintomático.
A importância de manter o maior número de articulações em pacientes amputados se dá principalmente devido ao mecanismo complexo necessário para manutenção da estabilidade. Em pacientes idosos, que já possuem pouca estabilidade por perda de massa muscular e osteopenia, manter a maior quantidade de articulações possível é benéfico para o processo de reabilitação, que é mais difícil nos mais velhos.(3)
Apesar dos avanços tecnológicos em cirurgia vascular, a obstrução arterial periférica aguda é caracterizada por altas taxas de morbidade e mortalidade.(5) A conduta desta condição inclui anticoagulação, revascularização cirúrgica e trombectomia farmacomecânica, dependendo das condições clínicas do paciente.
Até o momento, não há padrão de cuidados para o manejo de coto com quadro de isquemia aguda. Bunt descreveu cinco casos de gangrena ascendente seguida de amputação submetidos à cirurgia de revascularização imediata. A taxa de mortalidade global destes pacientes foi alta (60%).(6)
Para evitar gangrena de coto, a revascularização anterior à amputação é, em geral, recomendada quando há doença vascular grave, principalmente no caso de oclusão de artéria femoral comum ou ilíaca, combinada com obstrução ou estenose de artéria femoral profunda. Wolosker et al., descreveram o uso de stent intraoperatório por meio de abertura de artéria fibular para a melhora da circulação e o alcance de um baixo nível de amputação.(7)
Até onde sabemos, há somente dois estudos sobre revascularização de coto isquêmico infrapatelar para preservação de nível de amputação, e nenhum deles com trombólise.(2) Karkos et al., descreveram uma recanalização de fêmoro-poplíteo subintimal de coto ulcerado em paciente previamente reabilitado. Os autores relataram que o paciente evoluiu sem dor e deambulando no acompanhamento de 6 meses.(2) Warner et al., descreveram angioplastia de artéria femoral profunda em paciente com amputação infrapatelar que não realizou reabilitação e que apresentou dor em repouso, além de não cicatrização de ferida no coto. Após a cirurgia, os sintomas de dor e cicatrização melhoraram significativamente.(8)
Em nosso caso, decidiu-se pela intervenção pelo fato de o paciente apresentar coto com isquemia grave, dor em repouso e cianose. Se a revascularização não fosse alcançada, a única alternativa seria a amputação suprapatelar. Em nosso serviço geralmente opta-se primeiramente por abordagem endovascular e, no caso de falha, realiza-se revascularização com cirurgia aberta. Na literatura, a trombólise com cateter apresenta sucesso em 75 a 92% dos casos.(9)
Não há consenso na literatura em relação à dose de fibrinolítico e à duração da infusão, mas é bem estabelecido que os melhores resultados são observados em casos com menos de 2 semanas de duração.(10) Em nossa prática, as taxas de infusão de 0,5 a 5mg/hora são comumente aplicadas para casos de trombólise arterial, normalmente com controle angiográfico realizado após 6 a 12 horas. É bem conhecido que a infusão direcionada por cateter alcança altas taxas de salvamento de membros (cerca de 80%) comparada com a terapia intravenosa sistêmica (45%), e que o método de administração de agente fibrinolítico (infusão, pulse spray e taxa de dose) não influencia nas taxas de salvamento dos membros.(10)
Em artigo de revisão, Van den Berg concluiu que não há diferença entre a cirurgia e a trombólise, em termos de mortalidade e amputação no caso de obstrução arterial periférica aguda de membro inferior.(4) Apesar do uso da trombólise direcionada por cateter ser razoavelmente segura e efetiva, o risco de sangramento permanece. As complicações relatadas incluem sangramentos maiores (5,1%), sangramentos menores (14,8%) e embolização distal (<1%).(4)
Nos casos selecionados, a fibrinólise intra-arterial parece ser um tratamento seguro e eficaz para amputação de coto com isquemia aguda.