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Fibroelastose pleuroparenquimatosa: relato de dois casos no Brasil

Fibroelastose pleuroparenquimatosa: relato de dois casos no Brasil

Autores:

Paula Silva Gomes,
Christina Shiang,
Gilberto Szarf,
Ester Nei Aparecida Martins Coletta,
Carlos Alberto de Castro Pereira

ARTIGO ORIGINAL

Jornal Brasileiro de Pneumologia

versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756

J. bras. pneumol. vol.43 no.1 São Paulo jan./fev. 2017 Epub 23-Jan-2017

http://dx.doi.org/10.1590/s1806-37562016000000045

INTRODUÇÃO

A fibroelastose é uma pneumonia intersticial rara.1) Casos da doença diagnosticados no Brasil não foram publicados. No presente relato, descrevemos dois casos de fibroelastose pleuroparenquimatosa (FEPP). É feita uma breve revisão da literatura, e são assinalados os achados de interesse nos casos descritos.

CASO 1

Paciente masculino, 67 anos, referia tosse ocasional e anormalidades detectadas há muitos anos em radiografias de tórax. Era ex-tabagista de 11 maços-ano. Apresentava história de exposição a mofo. Os exames iniciais indicaram SpO2 = 95% em ar ambiente, estertores finos na base esquerda e grasnidos na face anterior do hemitórax esquerdo. O restante não apresentava alterações. A prova de função pulmonar evidenciava CVF = 4,28 l (87% do previsto), VEF1 = 3,42 l (92% do previsto), relação VEF1/ CVF = 0,80, CPT = 6,34 l (84% do previsto) e DLCO = 19,0 ml/min/mmHg (54% do previsto). As imagens da TC de tórax mostravam intensa fibrose em região pleural e subpleural, assim como espessamentos septais, que predominavam em lobos superiores (Figura 1). Havia a presença de um nódulo espiculado em lobo superior esquerdo e padrão reticular discreto em lobos inferiores.

Figura 1 TC de tórax em plano coronal (A) e axial (B, C e D) demonstrando intensa fibrose em região pleural e subpleural e espessamentos septais com predomínio em lobos superiores e nódulo espiculado no lobo superior esquerdo.  

Foi realizada biópsia pulmonar cirúrgica com retirada de fragmentos do lobo superior e inferior esquerdo. O exame microscópico evidenciou fibrose compacta com elastose, sem evidência de malignidade no nódulo retirado, e fibrose pleural/subpleural com nítida delimitação entre parênquima não fibrótico com escasso infiltrado de células mononucleares (Figura 2). A biópsia do lobo inferior mostrou fibrose intersticial não classificada (imagem não mostrada).

Figura 2 Fotomicrografias de espécime ressecado da biópsia cirúrgica pulmonar do lobo superior esquerdo. Em A, fibrose pleural/subpleural com nítida delimitação entre parênquima não fibrótico (seta). (H&E, aumento 28×). Em B, fibrose pleural/subpleural e escasso infiltrado de células mononucleares (seta). (H&E, aumento 28×). Em C, fibrose compacta com elastose, sem evidências de malignidade. (H&E, aumento 40×). Em D, aumento de fibras elásticas junto às áreas de fibrose pleural (seta). (Método de Verhoeff para fibras elásticas, aumento 28 ×).  

CASO 2

Paciente masculino, 29 anos, não fumante, com dispneia que evoluiu para dispneia aos pequenos esforços e tosse seca há um ano. Houvera perda ponderal de 12 kg naquele período. Tinha história de exposição a periquito há 10 anos. Trabalhava com corte de plástico. Ao exame físico, apresentava-se emagrecido, taquicárdico (FC = 130 bpm) e com SpO2 = 79% em ar ambiente. À ausculta apresentava estertores finos bilateralmente. A gasometria arterial revelou pH = 7,33; PaCO2 = 69 mmHg; PaO2 = 43 mmHg; bicarbonato = 36,1 mmol/l; excesso de bases = 7,7 mmol/l; e SaO2 = 74,9%. A espirometria mostrou CVF = 0,76 l (15% do previsto); VEF1 = 0,74 l (17% do previsto) e relação VEF1/CVF = 0,97. A TC de tórax mostrava intensa fibrose em região pleural e subpleural, assim como espessamentos septais, que predominavam em lobos superiores. O diagnóstico foi de pneumonite de hipersensibilidade crônica, e transplante pulmonar foi indicado.

Os achados histopatológicos do explante pulmonar são mostrados na Figura 3.

Figura 3 Achados histológicos do lobo superior no explante. Em A e B, presença de espessamento fibroso de pleura visceral e de parênquima pulmonar subpleural com pouco depósito de colágeno denso e abundantes fibras elásticas evidentes à coloração de Verhoeff. Em C, sinais de doença de pequenas vias aéreas ora por obliteração, ora por distorção da parede bronquiolar, acompanhada de granulomas malformados e células gigantes multinucleadas contendo cristais de colesterol, em localização intersticial ou intra-alveolar.  

DISCUSSÃO

A FEPP é uma entidade classificada dentre as pneumonias intersticiais idiopáticas raras.1) Em torno de 100 casos foram publicados.2

Em 1975, Davies et al. relataram os casos de 5 pacientes com fibrose pulmonar confinada às partes superiores dos pulmões, semelhante às lesões observadas na espondilite anquilosante.3 Em 1992, Amitani et al. relataram os casos de 13 pacientes com fibrose localizada em lobos superiores de etiologia desconhecida.4) A avaliação histopatológica foi realizada em nove casos. Diversos casos foram posteriormente descritos no Japão, sendo revistos em 2003 por Kwabata et al.5 Em 2004, Frankel et al. relataram os casos de 5 pacientes com fibrose predominante em lobos superiores, caracterizada por intensa fibrose da pleura visceral e da região subpleural com uma mistura de fibras elásticas e colágeno denso.6) Naquele estudo a doença foi chamada de FEPP pulmonar, designação mantida até os dias atuais.6

Radiologicamente, a FEPP se caracteriza por espessamento fibrótico pleural e subpleural em lobos superiores, com consequente redução volumétrica e retração hilar em direção aos ápices.7) Em nosso meio, é provável que muitos desses casos sejam diagnosticados como casos de tuberculose. Originalmente se considerava que a doença era restrita aos lobos superiores; porém, se demonstrou posteriormente que a doença pode envolver outros lobos, na fase inicial ou na evolução, frequentemente se estendendo dos lobos superiores em direção aos lobos inferiores. Opacidades reticulares em lobos inferiores, semelhantes às observadas na pneumonia intersticial não específica ou com padrão de pneumonia intersticial usual podem ser observadas.8

Dispneia aos esforços e tosse seca são os principais sintomas. Infecções recorrentes do trato respiratório inferior e pneumotórax espontâneo também podem ocorrer.(8,9)

A distribuição etária é bimodal, com picos entre 21 e 30 anos e entre 51 e 60 anos.10 Não há predomínio de sexo.10

O tabagismo parece não ser um fator de risco.2) A doença pode ter progressão lenta ou rápida. A etiologia pode ser desconhecida (idiopática) ou estar associada a diversas causas, como exposições ocupacionais a asbesto e alumínio, transplante de medula óssea e/ou pulmão (a causa mais frequente), tratamento anterior com quimioterápicos, radiação, doenças autoimunes (como espondilite anquilosante e colite ulcerativa), pneumonite de hipersensibilidade e história familiar da doença.2,9-13

Ao exame físico pode ser observado achatamento anteroposterior do tórax (platitórax).13) Estertores são audíveis na metade dos casos.8 O padrão funcional usual é o restritivo, com redução da DLCO.7

Não há tratamento específico. Pacientes têm sido tratados empiricamente com corticosteroides e outros imunossupressores sem evidência de melhora comprovada.2,12

Os casos aqui relatados apresentam alguns pontos de interesse. No caso 1, o paciente era ex-fumante e apresentava, além de espessamento nodular apical e espessamento de septos interlobulares, um nódulo espiculado no lobo superior esquerdo. O nódulo era hipermetabólico à tomografia por emissão de prótons. A análise histológica, após a ressecção, demonstrou que o nódulo representava um foco de fibroelastose. Um caso similar foi publicado em 2011.14 Recentemente, três casos de neoplasias pulmonares (carcinomas de não pequenas células) sobrepostas à fibroelastose foram descritos.15 Fibrose centrada em pequenas vias aéreas e bronquiolite obliterante foram descritas,16,17 explicando os grasnidos auscultados no primeiro caso.

O segundo caso exemplifica a fibroelastose secundária; no caso, à pneumonia de hipersensibilidade, o que foi confirmado pelo encontro de granulomas no explante pulmonar, além dos achados clássicos da fibroelastose. Casos com achados concomitantes de pneumonite de hipersensibilidade têm sido descritos.2,16 Transplantes pulmonares em casos ocasionais de FEPP foram relatados.18

REFERÊNCIAS

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2. Portillo K, Guasch Arriaga I, Ruiz-Manzano J. Pleuroparenchymal fibroelastosis: is it also an idiopathic entity? Arch Bronconeumol. 2015;51(10):509-14.
3. Davies D, Crowther JS, MacFarlane A. Idiopathic progressive pulmonary fibrosis. Thorax. 1975;30(3):316-25.
4. Amitani R, Niimi A, Kuze F. Idiopathic pulmonary upper lobe fibrosis. Kokyu. 1992;11:693-9.
5. Kawabata Y, Matsuoka R. Pathology of idiopathic pulmonary upper lobe fibrosis. Nihon Kyobu Rinsho. 2003;62:S161-S202.
6. Frankel SK, Cool CD, Lynch DA, Brown KK. Idiopathic pleuroparenchymal fibroelastosis. Description of a novel clinicopathologic entity. Chest. 2004;126(6): 2007-13.
7. Watanabe K. Pleuroparenchymal fibroelastosis: its clinical characteristics. Curr Respir Med Rev. 2013;9:299-237.
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13. Camus P, von der Thüsen J, Hansell DM, Colby TV. Pleuroparenchymal fibroelastosis: one more walk on the wild side of drugs? Eur Respir J. 2014;44(2):289-96.
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