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Fibroma ossificante periférico na mandíbula: relato de caso atípico

Fibroma ossificante periférico na mandíbula: relato de caso atípico

Autores:

Vinicius R. Gomes,
Giulia Myrna Marques,
Eveline Turatti,
Cibele G. de-Albuquerque,
Roberta B. Cavalcante,
Saulo Ellery Santos

ARTIGO ORIGINAL

Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial

versão impressa ISSN 1676-2444versão On-line ISSN 1678-4774

J. Bras. Patol. Med. Lab. vol.55 no.5 Rio de Janeiro set./out. 2019 Epub 11-Nov-2019

http://dx.doi.org/10.5935/1676-2444.20190048

INTRODUÇÃO

O fibroma ossificante periférico (FOP) é uma lesão benigna, normalmente encontrada nas papilas interdentais, com discreta predileção pela maxila e pelo gênero feminino; ocorre entre a primeira e a segunda décadas de vida. Caracteriza-se como uma massa nodular de base séssil ou pediculada e apresenta crescimento lento com coloração de vermelho a rosa(1).

O trauma e a irritação local são as principais etiologias de desenvolvimento dessa patologia. O diagnóstico definitivo baseia-se no exame histológico, com identificação de tecido conjuntivo celular e presença de osso focal ou outras calcificações. Na radiografia, o FOP pode apresentar-se desde uma lesão totalmente radiolúcida até a apresentação de focos de calcificação dispersos na área central da lesão, com um fino halo radiopaco(2).

A lesão apresenta aproximadamente, na maioria dos casos, 2 cm de diâmetro. Porém, há relatos na literatura de FOP com volumes maiores que o mencionado, os quais podem deslocar elementos dentários; eles recebem a nomenclatura de gigantiforme. O padrão histológico dessa lesão é definido pela presença de fibroblastos, epitélio pavimentoso estratificado íntegro ou ulcerado e tecido mineralizado, podendo ser constituído de cemento, osso ou calcificações distróficas. Tais tecidos mineralizados podem ainda se apresentar de maneira conjunta(3).

Alguns sinônimos são citados na literatura, como: fibroma periférico calcificante, granuloma fibroblástico calcificante, fibroma cemento ossificante periférico e fibroma ossificante. Atualmente, a terminologia mais utilizada é FOP ou granuloma periférico de células gigantes, sendo indistinguível um do outro(2).

Lesões como granuloma piogênico, hiperplasia fibrosa, fibroma de células gigantes e lesão periférica de células gigantes possuem grande semelhança com o FOP devido à necessidade de agentes irritantes para que ocorra seu surgimento; portanto, vê-se a necessidade de um diagnóstico diferencial.

O tratamento de escolha é a enucleação total da lesão juntamente com o ligamento periodontal envolvido e a remoção de possíveis agentes causadores(4). Há relatos de recidivas, mas seu risco é diminuído se a excisão for realizada sob o periósteo(5).

O presente estudo tem como objetivos relatar um caso raro de FOP gigantiforme mandibular em uma paciente jovem e discutir sobre os achados clínicos, radiográficos e histológicos abordados na literatura.

RELATO DE CASO

Paciente A. G. A., 27 anos, sexo feminino, feoderma, compareceu ao serviço de odontologia queixando-se de aumento de volume na face lingual da mandíbula do lado direito, próximo aos elementos dentários 44 e 45. Ao exame físico intrabucal, observou-se uma lesão nodular de aproximadamente 3 cm em sua maior extensão, de base pediculada, com coloração rosa claro, semelhante à mucosa adjacente (Figura 1).

FIGURA 1 Exame clínico inicial, exibindo a lesão nodular do fibroma 

Ao exame radiográfico panorâmico, observou-se ausência dos elementos 46 e 47, além de uma imagem sugestiva de cárie na distal do elemento dentário 45. Já na radiografia oclusal, constatou-se halo radiopaco pela lingual dos pré-molares inferiores direitos (Figura 2).

FIGURA 2 Radiografia panorâmica sem evidências de áreas radiopacas. Radiografia oclusal evidenciando halo radiopaco na região de pré-molares 

As hipóteses de diagnóstico foram FOP, granuloma piogênico e hiperplasia fibrosa. Biópsia incisional da lesão foi realizada para confirmação do quadro. Ao exame histopatológico, obtivemos o diagnóstico de FOP (Figura 3).

FIGURA 3 Exame histopatológico evidenciando uma mucosa revestida de epitélio pavimentoso estratificado paraqueratinizado, tecido conjuntivo denso com áreas de proliferação de células fusiformes e ovaladas em meio à deposição de trabéculas mineralizadas (aumento 10×) 

Após 10 dias do procedimento de biópsia, a paciente retornou ao serviço para a finalização do tratamento, que consistiu na excisão cirúrgica, seguida de osteotomia superficial da região lingual, onde se encontrava o pedículo lesional (acredita-se que era o tecido originário da lesão) (Figura 4).

FIGURA 4 Imagem intrabucal, exibindo a lesão 

A paciente retornou ao serviço de odontologia após dois meses, com a área totalmente cicatrizada (Figura 5).

FIGURA 5 Pós-operatório (dois meses) 

DISCUSSÃO

A patologia em estudo é uma das lesões mais comuns na gengiva. O maior índice de prevalência é entre a primeira e a segunda décadas de vida, embora haja um caso raro em uma paciente de 60 anos de idade(6). O FOP tem predileção pelo gênero feminino, dado que corrobora os achados de nosso caso. Contudo, há relatos diagnosticados como FOP em paciente melanoderma, do gênero masculino, com 77 anos de idade(7).

Durante décadas, o FOP sofreu algumas alterações na nomenclatura, tornando-a confusa, contudo, seus sinônimos podem ainda ser encontrados na literatura pelos nomes de fibroma cemento ossificante periférico, fibroma periférico com calcificação, granuloma fibroblástico calcificante, epúlide fibroide ossificante e fibroma odontogênico periférico(5). No presente estudo, a patologia foi apresentada como FOP, pois consideramos a nomenclatura mais utilizada e disseminada na literatura.

A etiologia do fibroma ossificante periférico é incerta, embora haja relatos de origem das células do ligamento periodontal. Essa patologia aparece como uma resposta a estímulos crônicos de longo prazo. Isso pode ocorrer quando o tecido gengival reage em resposta a irritantes, como biofilme, cálculo subgengival, dentes mal posicionados, restaurações com sobrecontorno, próteses inadequadas, restos de raízes radiculares, corpos estranhos no sulco gengival e lesões causadas por tratamentos ortodônticos(1). A paciente em estudo apresentava lesão cariosa na face distal do elemento dentário 45, o que fez com que acreditássemos que o desenvolvimento da lesão possa ter ocorrido pelo comprometimento do ligamento periodontal.

O FOP apresenta áreas radiopacas interpostas com um halo radiolúcido do tecido mole em suas características radiográficas(8). Foi publicado um caso de FOP com aspectos radiográficos que evidenciaram a estrutura óssea subjacente normal; a lesão estava presente extraperiostealmente(9). O FOP apresentado teve como característica radiográfica um halo radiopaco exofítico pela face lingual dos pré-molares inferiores direitos. Ao exame físico intraoral, observou-se uma massa de aspecto nodular firme à palpação, com aproximadamente 3 cm em seu maior diâmetro, de base pediculada, apresentando coloração rosa claro, semelhante à mucosa adjacente. Assim, pode-se considerar uma média de tamanho dos FOP de aproximadamente 1,3 cm(9).

O tecido celular do FOP é tão característico que o diagnóstico histológico correto pode ser realizado, independentemente de presença ou ausência de calcificação(4). Portanto, a hipótese de diagnóstico do caso se deu a partir de características clínicas e radiográficas, as quais evidenciaram uma imagem radiolúcida na região posterior da mandíbula.

A modalidade de tratamento escolhida por nossa equipe foi excisão cirúrgica, seguida de osteotomia na região lingual mandibular, onde se encontrava o pedículo - tecido originário da lesão. A cicatrização ocorreu por segunda intenção. Embora a cirurgia de excisão seja o tratamento de escolha, a taxa de recorrência pode chegar a 20%, por mais que o FOP mostre um comportamento clinicamente benigno. Em contrapartida, há casos na literatura que utilizaram o laser de diodo para enucleação da lesão, afirmando-o como mais vantajoso pelo fato de ele fornecer campo cirúrgico com melhor visualização, cicatrização mais rápida, menor dor pós-operatória e breve recuperação, bem como aceitação mais satisfatória pelo paciente(10). No entanto, o alto custo é sua principal desvantagem(6).

De uma pesquisa em 27 pacientes com FOP, 30,4% (8,2 pacientes) tiveram recidiva(9).

Após a realização de exame físico, radiográfico e histopatológico, devido à queixa da paciente sobre o aumento de volume em região lingual, concluiu-se que o presente caso se tratava de um caso atípico de FOP. Adotando o padrão proposto pela literatura, o tratamento de escolha foi a remoção total da lesão e do periósteo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Constatou-se que, no caso relatado, após a realização de exames clínicos, radiográficos e histopatológicos, a lesão da qual a paciente se queixava de aumento de volume em região lingual era um caso atípico de FOP. Adotando o padrão proposto pela literatura, o tratamento proposto foi remoção total da lesão e do periósteo. A paciente encontra-se em acompanhamento pós- -cirúrgico há 24 meses, sem apresentar sinais de recidiva.

REFERÊNCIAS

1 Henriques PS, Okajima LS, Nunes MP, Montalli VA. Coverage root after removing peripheral ossifying fibroma: 5-year follow-up case report. Case Rep Dent. 2016; 2016: 6874235.
2 Ogbureke EL, Vigneswaran N, Seals M, Frey G, Johnson CD, Ogbureke KU. A peripheral giant cell granuloma with extensive osseous metaplasia or a hybrid peripheral giant cell granuloma-peripheral ossifying fibroma: a case report. J Med Case Rep. 2015; 9: 14.
3 Sacks HG, Amrani S, Anderson K. "Gigantiform" peripheral ossifying ?broma: report of a case. J Oral Maxillofac Surg. 2012; 70(11): 2610-3.
4 Choudary SA, Naik AR, Naik MS, Anvitha D. Multicentric variant of peripheral ossifying fibroma. Indian J Dent Res. 2014; 25(2): 220-4.
5 Costa DD, Maia CC, Mariano MMC, Falcão AFP. Fibroma ossificante periférico mandibular recidivante. ClipeOdonto. 2012; 4(1): 16-20.
6 Aboujaoude S, Cassia A, Moukarzel C. Diode laser versus scalpel in the treatment of hereditary gingival fibromatosis in a 6-year old boy. Clin Practice. 2016; 6(4): 895.
7 Vieira JB, Gaetti-Jardim EC, Castro AL, Miyahara GI, Fellipini RC. Fibroma ossificante periférico de mandíbula - relato de caso clínico. RFO. 2009; 14(3): 246-9.
8 Kale L, Khambete N, Sodhi S, Sonawane S. Peripheral ossifying fibroma: series of five cases. J Indian Soc Periodontol. 2014; 18(4): 527-530.
9 Mergoni G, Meleti M, Magnolo S, Giovannacci I, Corcione L, Vescovi P. Peripheral ossifying fibroma: a clinicopathologic study of 27 cases and review of the literature with emphasis on histomorphologic features. J Indian Soc Periodontol. 2015; 19(1): 83-7.
10 Chawla K, Lamba AK, Faraz F, Tandon S, Ahad A. Diode laser for excisional biopsy of peripheral ossifying fibroma. Dent Res J. 2014; 11(4): 525-30.