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Fibrose pulmonar familiar: um mundo sem fronteiras

Fibrose pulmonar familiar: um mundo sem fronteiras

Autores:

Raphael Borie,
Bruno Crestani

ARTIGO ORIGINAL

Jornal Brasileiro de Pneumologia

versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756

J. bras. pneumol. vol.45 no.5 São Paulo 2019 Epub 07-Out-2019

http://dx.doi.org/10.1590/1806-3713/e20190303

Houve um progresso incrível em nossa compreensão dos distúrbios fibróticos pulmonares nos últimos 20 anos. Isso levou ao desenvolvimento de critérios diagnósticos bem aceitos para fibrose pulmonar idiopática (FPI)1,2 e ao desenvolvimento de dois medicamentos, a pirfenidona e o nintedanibe,3,4 que são capazes de retardar a progressão da doença e podem melhorar a sobrevida. Isso foi demonstrado em diferentes registros clínicos da Austrália,5 Europa6,7 e EUA,8 com perfil aceitável de tolerância. No mesmo período, mutações genéticas raras associadas à fibrose pulmonar familiar (FPF), envolvendo genes relacionados aos surfactantes (SFTPA1, SFTPA2, SFTPC, ABCA3, etc.) e telomere-related genes (TRG, genes relacionados aos telômeros), tais como TERT, TERC, RTEL1, PARN, NAF1, DKC1 e TINF2, foram identificadas. Também foi demonstrado que a presença de um polimorfismo genético comum envolvendo o promotor MUC5B é um importante fator de risco para FPF e FPI esporádica.9 Esses estudos seminais, juntamente com estudos de associação em todo o genoma, permitiram estabelecer a base genética da FPI.10,11 Estudos mais recentes demonstraram que essa base genética era compartilhada por distúrbios fibróticos pulmonares não idiopáticos, tais como pneumonite de hipersensibilidade crônica,12 pneumonia intersticial com características autoimunes13 e doença pulmonar intersticial (DPI) associada a artrite reumatoide.14,15 No presente número do JBP, dois grupos de autores relatam sua experiência com o uso de antifibróticos na FPI e na caracterização da FPF no Brasil.16,17

Embora não haja uma definição consensual, a FPF é geralmente definida por história familiar de dois ou mais parentes com DPI.18 A prevalência de FPI é estimada em 20 casos por 100.000 habitantes,19 e aproximadamente 10% dos casos são de FPF.20 Adultos com FPF são essencialmente indistinguíveis de pacientes com FPI esporádica em termos de apresentação clínica, achados radiográficos e histopatologia, exceto que aqueles com FPF tendem a apresentá-la mais precocemente.21

No presente número do JBP, Hortense et al.17 relatam seus achados em uma amostra com 35 pacientes com FPF. Todos os pacientes foram diagnosticados com DPI fibrosante e tinham pelo menos um membro da família com DPI fibrosante. Os pacientes foram avaliados entre 2014 e 2017. Não houve predominância de gênero, e a mediana da idade foi bem elevada (66 anos). Tabagismo e exposição ambiental foram bem frequentes, em 45% e 80% dos casos, respectivamente. Entre os pacientes, os padrões encontrados na TCAR foram heterogêneos: pneumonia intersticial usual (PIU) típica, em 6 (17%); pneumonia intersticial não específica, em 9 (26%); pneumonia em organização, em 3 (9%); e pneumonite por hipersensibilidade crônica, em 2 (6%). Quando disponível, a histologia pulmonar (n = 6) confirmou a heterogeneidade dos achados de TCAR. Destaca-se que apenas 4 pacientes (11%) apresentavam doença hematológica e/ou hepática sugestiva de mutação em TRG.17

O estudo de Hortense et al.17 confirma que os pacientes com FPF podem apresentar uma grande variedade de características clínicas. Por exemplo, um estudo envolvendo 111 famílias com FPF que comparou 309 indivíduos com DPI com 360 parentes não afetados revelou que sexo masculino (55,7% vs. 37,2%; p < 0,0001), maior idade (68,3 vs. 53,1 anos; p < 0,0001), e história de tabagismo (67,3% vs. 34,1%; p < 0,0001) foram fatores de risco para o desenvolvimento de DPI.21 Além disso, o padrão de PIU foi altamente prevalente, sendo identificado em 85% dos pacientes. No entanto, observou-se uma heterogeneidade patológica intrafamiliar - dois ou mais padrões patológicos foram identificados nos indivíduos afetados em 45% das famílias, evidenciando PIU e histopatologia de pneumonia intersticial não específica em várias famílias, o que sugere que padrões distintos de DPI envolvem vias patogenéticas semelhantes.21 A identificação de tabagismo e de exposição ambiental como fatores de risco para FPI ilustra a interação fundamental entre a susceptibilidade genética e a exposição ambiental no desenvolvimento da fibrose pulmonar,21 o que pode contribuir para a heterogeneidade do padrão patológico.

Geralmente se observa um modo autossômico dominante de herança com penetrância incompleta na FPF.21 Mutações em TRG são detectadas em aproximadamente 30% das famílias investigadas. Menor idade ao diagnóstico e presença de doença hematológica ou hepática são associadas a aumento da prevalência de mutações em TRG na FPF.10 Tais mutações são associadas a pior prognóstico e maior incidência de complicações hematológicas após transplante pulmonar na FPI.22 Menos frequentemente, pode haver mutações em genes relacionados ao surfactante. Nesse caso, a DPI pode melhorar com o uso de esteroides ou azitromicina em crianças, embora não haja essa evidência em adultos.23 No entanto, na maioria dos casos (60-70%), a FPF permanece geneticamente inexplicada e pode estar relacionada a mutações genéticas únicas ainda a serem identificadas ou a uma transmissão genética não-Mendeliana associada a fatores de risco ambientais. Hortense et al.17 sugeriram que é necessário realizar um diagnóstico preciso e específico para cada paciente, incluindo fenotipagem pulmonar e diagnóstico genético, para a proposição e avaliação do tratamento. No entanto, o acesso à análise e expertise genética é limitado e pode ser um fator limitante para pacientes com suspeita de uma forma genética de fibrose pulmonar. Novas ferramentas de comunicação on-line podem oferecer uma resposta para essa difícil questão. Na França, organizamos uma discussão multidisciplinar (DMD) genética baseada na Web e dedicada a todos os casos suspeitos ou confirmados de fibrose pulmonar herdada utilizando a rede OrphaLung de doenças pulmonares raras. Essa DMD genética oferece a oportunidade de discutir casos de suspeita de formas genéticas de fibrose pulmonar com especialistas na interpretação de dados genéticos, no monitoramento de pacientes e familiares e no tratamento desses pacientes. Essa DMD genética está aberta a participantes internacionais. Até agora, 37 diferentes centros de DPI de nove países diferentes participaram, e mais de 150 casos foram discutidos.

Há evidências limitadas sobre o efeito do nintedanibe e da pirfenidona na FPF. Um estudo retrospectivo multicêntrico europeu que incluiu 33 pacientes com fibrose pulmonar e mutação em TERT ou TERC não conseguiu demonstrar um efeito da pirfenidona sobre o declínio da função pulmonar.24 Uma análise post hoc de dois ensaios identificou 102 pacientes que eram portadores de variantes raras de um TRG.25 Esses pacientes apresentaram declínio mais rápido da CVF do que os pacientes sem a variante rara (1,66% vs. 0,83% por mês), e a pirfenidona reduziu o declínio da CVF naquele subgrupo de pacientes.25 Diretrizes nacionais e internacionais não recomendam uma estratégia específica de tratamento em pacientes com FPF.26-28 Em nosso centro, discutimos o uso de tratamento antifibrótico com nintedanibe ou pirfenidona para cada paciente com FPF. Diferentes moléculas, principalmente os andrógenos, têm a capacidade de estimular a atividade da telomerase.29 Foi demonstrado que o danazol, um andrógeno sintético, aumenta o comprimento dos telômeros de leucócitos do sangue em pacientes com mutações em TRG e distúrbios hematológicos.29 O danazol está sendo testado prospectivamente em pacientes com mutações em TRG e fibrose pulmonar (NCT03710356). Novas moléculas direcionadas ao sistema telômero homeostase estão sendo desenvolvidas na tentativa de se concentrar nesse subgrupo específico de pacientes.30

Estudos colaborativos internacionais são absolutamente necessários para um maior avanço na compreensão da fibrose pulmonar, principalmente da FPF, área na qual os centros especializados são limitados. É nossa responsabilidade compartilhada construir, manter e desenvolver redes mundiais de clínicos e cientistas, utilizando todas as ferramentas modernas de comunicação, para compartilhar dados e conhecimentos, a fim de desenvolver novos programas de pesquisa e oferecer aos pacientes e suas famílias a expertise necessária e merecida.

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