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Fibrossarcoma epitelioide esclerosante primário da pleura

Fibrossarcoma epitelioide esclerosante primário da pleura

Autores:

Erlon de Ávila Carvalho,
Daniel Oliveira Bonomi,
Astunaldo Júnior Macedo Pinho,
Paulo Guilherme Oliveira Salles,
Henrique Cunha Vieira

ARTIGO ORIGINAL

Jornal Brasileiro de Pneumologia

versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756

J. bras. pneumol. vol.43 no.6 São Paulo nov./dez. 2017

http://dx.doi.org/10.1590/s1806-37562017000000198

AO EDITOR:

O fibrossarcoma epitelioide esclerosante (FEE) é uma variante rara de fibrossarcoma que ocorre principalmente na musculatura profunda e frequentemente está associado com a fáscia ou o periósteo adjacente.1-4 Foi realizada uma revisão da literatura da patologia em questão nas bases de dados Medline, LILACS, SciELO e MD Consult nos últimos 20 anos.

Gostaríamos de relatar o caso de uma paciente do sexo feminino, 31 anos, que iniciou um quadro de dispneia em 2012. Era previamente hígida e ex-tabagista, com carga tabágica de 14 anos-maço. Procurou atendimento médico em PS. Ao exame físico, observaram-se apenas diminuição do murmúrio vesicular em base esquerda e índice de Karnofsky de 80%.

Foi encaminhada para avaliação pela equipe de cirurgia torácica, que solicitou TC de tórax; houve achados de massa pulmonar e lesão pleural, e a paciente foi submetida a biópsias da pleura e do pulmão. O diagnóstico anatomopatológico sugeriu sarcoma ou mesotelioma sarcomatoide. Realizou-se o re-estadiamento utilizando TCs de tórax, abdome e pelve, assim como ressonância nuclear magnética de tórax. A TC e a ressonância do tórax demonstraram derrame pleural extenso, com septação anterior, formações tissulares captantes de contraste em pleura parietal (a maior posteriormente aos segmentos basais à esquerda, medindo 8,5 × 2,0 cm), com perda volumétrica do pulmão esquerdo, bem como nódulos intraparenquimatosos esparsos pelo parênquima pulmonar esquerdo, o maior deles medindo 1,7 cm.

Foi proposta a realização de pneumonectomia, com toracotomia e linfadenectomia mediastinal. No intraoperatório foi evidenciado o acometimento de toda a pleura visceral e parietal e do pulmão esquerdo subjacente, com invasão por contiguidade da parede torácica anterior do 7º ao 10º arcos costais esquerdos em seus terços anteriores, diafragma esquerdo e pericárdio. Optado por pleuropneumonectomia total em monobloco com excisão de parte do diafragma esquerdo, pericárdio, linfonodos mediastinais das zonas 5, 6, 7, 8L e 9L, e toracotomia com remoção dos arcos costais acometidos com margem macroscopicamente livre (Figura 1). Foi grampeado o coto brônquico principal esquerdo com grampeador de 75 mm e realizada reconstrução da parede com tela de polipropileno (Prolene®; Ethicon, Somerville, NJ, EUA). A drenagem pleural foi fechada. A paciente ficou seis dias sob cuidados no CTI, recebendo alta no 7º dia de pós-operatório. O exame anatomopatológico foi compatível com FEE pleural, localmente avançado, com 5 de 12 linfonodos comprometidos, retirados com margens cirúrgicas livres. A análise histopatológica evidenciou neoplasia composta por células ovoides e epitelioides de núcleos hipercromáticos e nucléolos inconspícuos, dispostas em estroma densamente colagenizado (Figura 2). A pesquisa imuno-histoquímica testou anticorpos para proteína S-100, CD-34, calretinina, produto do oncogene do tumor de Wilms 1 e desmina, todos com resultados negativos, mas o anticorpo para mucina 4 associada à superfície celular foi positivo, e esses achados são consistentes com FEE primário da pleura. A paciente completou 3 anos de seguimento, com controle semestral tomográfico, sem sinais de recidiva local e somente com um discreto derrame pleural esquerdo.

Figura 1 Peça cirúrgica evidenciando ressecção em monobloco de pulmão esquerdo, pleura e arcos costais. 

Figura 2 Fotomicrografia demonstrando neoplasia composta por células ovoides e epitelioides de núcleos hipercromáticos e nucléolos inconspícuos, dispostas em estroma densamente colagenizado (H&E; aumento, 40×). 

O FEE foi descrito primeiramente em 1995 por Meis-Kindblom et al.5 como um sarcoma raro, de crescimento lento, dos tecidos moles profundos com células tumorais epiteliais em ninhos imersos em estroma fibroso hialinizado, ocorrendo em pacientes de 14 a 87 anos, sem diferença de gênero.1 Concentra-se principalmente em extremidades inferiores, nas cinturas pélvica e escapular (39%) e no tronco (21%).1 Um terço dos casos apresenta-se com massas dolorosas profundas intramusculares associadas à fáscia ou ao periósteo adjacentes.3 Histologicamente é um sarcoma de baixo grau, mas clinicamente agressivo. Possui recorrência local e metástases locais em 30-50% dos casos; porém, a disseminação sistêmica geralmente é retardada por 5 anos ou mais.4 As metástases (de 43% a 86% dos casos) mais comuns são as de pulmão, esqueleto, parede torácica/pleura, pericárdio, cérebro, couro cabeludo, mama e fígado.4,5 O prognóstico em 36 meses é o seguinte: 34% vão a óbito pela doença; 35% continuam vivos com a doença e 31% continuam vivos sem a doença. A localização primária parece estar ligada ao prognóstico: a taxa de mortalidade pela doença em 36 meses é de 46% em localização primária em cabeça e pescoço; de 38%, em extremidade superior; e de 26%, em tronco.1 O sexo e o tamanho parecem não influenciar o prognóstico.2 Não encontramos nenhum relato de caso na literatura de tumor primário de pleura.

O aparecimento de doença à distância, segundo a revisão de Ossendorf et al.,1 independe do tamanho do tumor; porém, nenhum paciente com um tumor primário com ≤ 5 cm inicialmente apresentou metástases. Não existe um consenso em relação à terapêutica ideal, devido à ausência de estudos randomizados.1-4

As principais características histológicas desse tumor compreendem ninhos e cordões de células epitelioides, por vezes arredondadas, cercadas por estroma de colágeno hialinizado. As células são relativamente uniformes, com citoplasma escasso; os núcleos são excêntricos e pleomórficos, de formato oval, alongado ou clivado.1

Os principais diagnósticos diferenciais são tumores hialinos de células fusiformes com grandes rosetas, sarcoma fibromixoide de baixo grau, linfoma esclerosante, sarcoma sinovial, fibroma e fibrossarcoma.1,3 O fibrossarcoma possui uma frequência de recorrência local em > 50% dos casos e metástases à distância em > 40% (principalmente pulmonar, pleural e óssea).5

O FEE é um tumor extremamente raro, muitas vezes de difícil diagnóstico, que poucos patologistas têm encontrado. Apesar de seu baixo grau, é um tumor clinicopatologicamente distinto com potencial maligno, com taxas consideráveis de recorrência, metástase e mortalidade.1,4

Como nos fibrossarcomas de partes moles, o tratamento cirúrgico deve ser a primeira escolha, uma vez que outras alternativas terapêuticas têm pouca eficácia. Precisamos de estudos para verificar se o FEE primário da pleura possui a mesma evolução clínica que a das demais localidades e qual a melhor forma de tratamento.

REFERÊNCIAS

1. Ossendorf C, Studer GM, Bode B, Fuchs B. Sclerosing epithelioid fibrosarcoma: case presentation and a systematic review. Clin Orthop Relat Res. 2008;466(6):1485-91.
2. Chow LT, Lui YH, Kumta SM, Allen PW. Primary sclerosing epithelioid fibrosarcoma of the sacrum: A case report and review of the literature. J Clin Pathol. 2004;57(1):90-4.
3. Smith PJ, Almeida B, Krajacevic J, Taylor B. Sclerosing epithelioid fibrosarcoma as a rare cause of ascites in a young man: a case report. J Med Case Rep. 2008;2:248.
4. Antonescu CR, Rosenblum MK, Pereira P, Nascimento AG, Woodruff JM. Sclerosing epithelioid fibrosarcoma: a study of 16 cases and confirmation of a clinicopathologically distinct tumor. Am J Surg Pathol. 2001;25(6):699-709.
5. Meis-Kindblom JM, Kindblom LG, Enzinger FM. Sclerosing epithelioid fibrosarcoma. A variant of fibrosarcoma simulating carcinoma. Am J Surg Pathol. 1995;19(9):979-93.