versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.114 no.1 São Paulo jan. 2020 Epub 14-Nov-2019
https://doi.org/10.36660/abc.20190111
Introdução
A insuficiência cardíaca (IC) é extremamente prevalente e apresenta impacto considerável na mortalidade e qualidade de vida.1 Afeta cerca de 1-3% da população adulta nos países desenvolvidos, aumentando exponencialmente com a idade e atingindo mais de 10% acima dos 70 anos. Atendendo ao aumento da esperança média de vida, melhores métodos de diagnóstico e aumento de comorbidades é uma provável prevalência crescente.2
É uma síndrome clínica caracterizada por sintomas clássicos (como fadiga e dispneia) que podem ser acompanhados por sinais clínicos (ingurgitamento jugular, fervores pulmonares e edemas periféricos), causados por uma alteração cardíaca estrutural e/ou funcional, resultando na diminuição do débito cardíaco (DC) e/ou elevação das pressões intracardíacas em repouso ou no esforço.3
A principal terminologia usada na descrição baseia-se no valor de fração de ejeção (FE) do ventrículo esquerdo (VE), distinguindo doentes com fração de ejeção reduzida <40% (IC-FEr), intermédia entre 40-49% (IC-FEi) e preservada ≥50% (IC-FEp). Esta classificação é importante atendendo às diferenças de etiologia, fisiopatologia, tratamentos disponíveis e resposta aos mesmos.3 A IC-FEp representa cerca de metade dos casos de IC nos países desenvolvidos.4
A fisiopatologia é complexa, heterogênea e ainda pouco compreendida. A elevada variedade de fenótipos, resultado dos vários mecanismos fisiopatológicos, comorbidades e características clínicas dominantes, tornam o diagnóstico e tratamento extremamente desafiantes.4
Ao contrário da IC-FEr, nenhum tratamento mostrou ainda, de forma convincente, redução da morbidade ou mortalidade na IC-FEp ou IC-FEi. Vários ensaios clínicos, avaliando fármacos comprovadamente eficazes na IC-FEr, falharam na demonstração de benefício prognóstico nestes doentes.4 Atualmente as recomendações existentes baseiam-se no alívio dos sintomas, rastreio e tratamento de comorbidades.3
Novas terapêuticas estão sob investigação, especialmente direcionadas aos mecanismos fisiopatológicos da doença.5 Com esta revisão prende-se abordar a fisiopatologia da IC-FEp e sumarizar a investigação que tem sido realizada em termos de tratamento, incluindo fracassos, esperanças e perspectivas futuras.
Para a estruturação deste artigo de revisão foram pesquisadas nas três bases de dados: Medline - Pubmed, ISI Web of knowledge e Scopus, as seguintes palavras-chave na língua inglesa e portuguesa “Insuficiência cardíaca E fração de ejeção preservada”, “Insuficiência cardíaca E fração de ejeção preservada E fisiopatologia” e “Insuficiência cardíaca E fração de ejeção preservada E tratamento”. A pesquisa decorreu entre Janeiro e Março de 2019. Foram incluídos estudos prospectivos e retrospectivos e excluídos casos clínicos, resumos apresentados em congressos (não publicados sob a forma de artigo) e estudos com menos de 10 doentes. A elegibilidade de cada estudo foi avaliada por três investigadores de forma independente. As opiniões divergentes relativamente à relevância dos artigos foram abordadas por consenso entre os autores.
A fisiopatologia é complexa e ainda pouco compreendida. Sabe-se que, comparando com a IC-FEr, estes doentes são geralmente mais idosos, do gênero feminino e apresentam múltiplas comorbidades cardiovasculares, como a hipertensão arterial (HTA), fibrilação atrial (FA), doença arterial coronariana (DAC), hipertensão pulmonar (HTP), e não cardiovasculares como a diabetes mellitus (DM), a doença renal crônica (DRC), anemia, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), entre outras. Tem também maior percentagem de patologias não cardiovasculares, com grande impacto na morbimortalidade, e menor incidência de infarto agudo do miocárdio (IAM) bem como casos de morte súbita ou morte por IC.6
Historicamente a IC-FEp foi associada exclusivamente a disfunção diastólica, em oposição à IC-FEr, associada a disfunção sistólica. Atualmente sabe-se que não é assim tão linear, podendo ambos os tipos de IC ter compromisso sistólico e/ou diastólico, e sendo vários os mecanismos implicados na IC-FEp. Esta pensa-se resultar de uma complexa variedade de disfunções a nível cardíaco, vascular e sistêmico, com contribuição de diversas comorbidades.4 (Figura 1)
Figura 1 Fisiopatologia da IC-FEp - possíveis mecanismos implicados. DAC: doença arterial coronariana; DM: diabetes mellitus; DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; DRC: doença renal crônica; FA: fibrilação atrial; HTA: hipertensão arterial; HTP: hipertensão pulmonar; IC-FEp: insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada; NO-GMPc- PKG, óxido nítrico, monofosfato cíclico de guanosina e proteína cinase G; SRAA: sistema renina-angiotensina-aldosterona; VD: ventrículo direito.
A disfunção diastólica está geralmente presente e resulta de alterações estruturais (fibrose, hipertrofia e remodelagem cardíaca), disfunção microvascular e anomalias metabólicas, com aumento da rigidez e diminuição da compliance cardíaca. Isto origina não só um aumento das pressões de enchimento do VE, como pode levar a alterações estruturais e funcionais a nível auricular, pulmonar e do ventrículo direito, por aumento das pressões a montante. Verifica-se também compromisso da reserva sistólica, principalmente à custa de alterações na relação ventrículo-vascular.4
Alterações auriculares, com dilatação e remodelagem, propiciam o aparecimento de FA. A HTP, presente em 53-83% dos casos e associada a pior prognóstico, parece contribuir também para a progressão da doença.7 O aparecimento de disfunção ventricular direita, com congestão venosa sistémica, faz prever também piores resultados, associados a edema, mal absorção, hepatopatia, síndrome cardiorenal e caquexia.
Outro mecanismo envolvido é a incompetência cronotrópica, com variações da frequência cardíaca (FC) inadequadas às necessidades, provável consequência de disfunções no sistema nervoso autônomo.4 A assincronia elétrica e/ou mecânica, sistólica e diastólica, foi também observada em alguns doentes.7 A sua magnitude relaciona-se com a extensão da disfunção diastólica e com a capacidade de esforço.4
Muitas destas alterações não são aparentes nem acarretam qualquer compromisso em repouso, tratando-se de limitações da reserva funcional, só evidentes no esforço.
Alterações neurohormonais como disfunção autonômica e ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) são também importantes mecanismos implicados.4
A nível vascular verifica-se disfunção endotelial, inflamação sistêmica, aumento da rigidez dos vasos e compromisso da vasodilatação. Um potencial mecanismo será a desregulação da via NO-sGC-GMPc-PKG (oxido nítrico, guanilato ciclase solúvel, monofosfato cíclico de guanosina e proteína cinase G), responsável pelo relaxamento do músculo liso, proteção cardíaca, transcrição gênica, permeabilidade endotelial e inibição plaquetária.5 A nível periférico, alterações músculo-esqueléticas, parecem contribuir para a redução da capacidade aeróbica, com menor tolerância ao esforço.
Tanto a idade como as várias comorbidades presentes intensificam estes mecanismos e contribuem para a progressão da doença. A interação entre os vários fatores fisiopatológicos e comorbidades e a dominância relativa de cada um deles tornam esta patologia complexa e heterogênica, dificultando o diagnóstico e a terapêutica. A divisão em subgrupos, com determinados fenótipos, pode agilizar esse processo ao permitir uma abordagem mais particular e dirigida.4
O diagnóstico da IC-FEp é mais desafiante que o da IC-FEr. Foram várias as classificações propostas e diversos os critérios de inclusão dos estudos realizados, contribuindo para a enorme heterogeneidade de doentes envolvidos em ensaios clínicos.1
As orientações atuais, propostas pela European Society of Cardiology, implicam a existência de 3 critérios de diagnóstico: sintomas e sinais de IC, FEVE ≥ 50%, níveis elevados de peptídeos natriuréticos e doença cardíaca estrutural relevante e/ou disfunção diastólica.3 Apesar destas recomendações, atendendo à heterogeneidade clínica, ausência de critérios patognomônicos e a multiplicidade de diagnósticos diferenciais, são vários os desafios e as incertezas.5
Ao contrário da IC-FEr, nenhum tratamento mostrou ainda redução da morbidade ou mortalidade. Perante isso as recomendações atuais baseiam-se no alívio dos sintomas com diuréticos, rastreio e tratamento de comorbidades.3 Os diuréticos estão recomendados em caso de congestão periférica ou pulmonar, independentemente da FEVE, para alívio de sintomas.3 São largamente utilizados, particularmente os diuréticos de ansa, ainda que não existam recomendações específicas quanto à escolha.8
Vários ensaios clínicos testaram o efeito de fármacos comprovadamente eficazes na IC-FEr, no tratamento da IC-FEp. (Tabela 1-A)
Tabela 1 A) Principais estudos realizados na IC-FEp com fármacos eficazes no tratamento da IC-FEr; B) Novos fármacos e novas abordagens na IC-FEp
A | Ensaio Clínico | Ano | Intervenção | Nº sujeitos | Principais características | Duração estudo | Principais conclusões |
Beta-bloqueadores | SENIORS9 | 2005 | Nebivolol vs. placebo | 2.128 | ≥ 70 anos, FEVE média de 36%, 35% com FEVE > 35%, 68% DAC | 1,8 anos | Bem tolerado e efetivo na redução da mortalidade e hospitalização CV (HR 0,86, IC95% 0,74-0,99; p = 0,039) |
IECAs/ARAs | CHARM Preserved13 | 2003 | Candesartan vs. placebo | 3.023 | > 18 anos, FEVE > 40%, NYHA II-IV | 3 anos | Tendência para redução da mortalidade CV e hospitalização por IC (unadjusted HR 0,89 [95%CI 0.77-1.03], p = 0.118; covariate adjusted 0.86 [0.74-1.0], p = 0.051) |
PEP-CHF14 | 2006 | Perindopril vs. placebo | 850 | ≥ 70 anos, IC sob diuréticos, disfunção diastólica, sem disfunção sistólica ou valvular | 2,1 anos | Sem diferença na mortalidade ou hospitalização (HR 0,92 IC95% 0,70-1,21, p = 0,545). Alguma melhoria dos sintomas, capacidade de exercício e hospitalização por IC no 1º ano de seguimento (doentes mais jovens e com IAM ou HTA) | |
I-PRESERVE12 | 2008 | Irbesartan vs. placebo | 4.128 | >60 anos, FEVE > 45%, NYHA II-IV | 4,1 anos | Sem melhoria da mortalidade ou hospitalizações CV (HR IC95% 0,86-1,05, p = 0,35) | |
Enalapril 15 | 2010 | Enalapril vs. placebo | 71 | 70 ± 1 anos (80% mulheres), FEVE ≥ 50%, IC compensada e HTA controlada | 1 ano | Sem impacto na capacidade de exercício (p = 0,99), distensibilidade aórtica (p = 0,93), volume e massa ventricular (p = 1) ou qualidade de vida (p = 0,07) | |
ARM | Aldo -DHF16 | 2013 | Espironolactona vs. placebo | 422 | ≥ 50 anos, FEVE ≥ 50%, NYHA II-III, disfunção diastólica | 1 ano | Melhoria da função diastólica (E/e' p < 0,001, remodelagem ventricular p = 0,09 e ativação neurohormonal p = 0,03). Sem melhoria da capacidade de exercício, sintomas ou qualidade de vida (p = 0,03) |
TOPCAT17 | 2014 | Espironolactona vs. placebo | 3.445 | ≥ 50 anos, FEVE ≥ 45%, IC sintomática, internamento há <1 ano ou elevação dos peptídeos natriuréticos | 3,3 anos | Sem redução da mortalidade CV, paragem cardíaca ou hospitalização por IC (HR 0,89; IC95% 0,77 to 1,04; p = 0,14). Algum benefício em caso de elevação dos peptídeos natriuréticos | |
INRA | PARAMOUNT19 | 2012 | Sacubitril/valsartan vs. valsartan | 301 | FEVE≥45%, NYHA II-III e NT-proBNP > 400 pg/ml | 12 e 36 semanas | Redução do NT-proBNP às 12s (HR 0,77, IC95% 0,64-0,92, p = 0,005); redução do volume da AE (p = 0,003) e melhoria da classe NYHA (p = 0,05) às 36s |
PARAGON20 | 2019* | Sacubitril/valsartan vs. valsartan | 4.300 | FEVE ≥ 45%, NYHA II-IV, elevação dos peptídeos natriuréticos e doença cardíaca estrutural | >2 anos | Avaliação da mortalidade cardiovascular e hospitalizações por IC | |
Ivabradina | Inibidores correntes If22 | 2013 | Ivabradina vs. placebo | 61 | FEVE ≥ 50%, disfunção diastólica, NYHA II-III, ritmo sinusal, FC ≥ 60 bpm, capacidade exercício < 80% para idade e género | 7 dias | Aumento da capacidade de exercício (p = 0,001), com melhoria do status hemodinâmico durante o mesmo (p = 0,004); melhoria da pressão de enchimento do VE (p = 0,02) |
EDIFY21 | 2017 | Ivabradina vs. placebo | 179 | FEVE ≥45%, NYHA II-III, ritmo sinusal, FC ≥ 70 bpm, NT-proBNP ≥ 220 pg/mL (BNP ≥ 80 pg/mL) | 8 meses | Sem melhoria da função diastólica (HR 1,4 IC90% 0,3-2,5, p = 0,135), capacidade exercício (p = 0,882) ou redução NT-proBNP (FC 1,01, IC95% -0,86-1,19; p = 0,882) | |
Digoxina | DIG PEF23 | 2006 | Digoxina vs. placebo | 988 | FEVE > 40% (média 53%), ritmo sinusal | 3,1 anos | Sem benefício na história natural da doença, mortalidade e hospitalizações CV (HR 0,82; IC95% 0,63-1,07; p = 0,136) |
Nitratos e Nitritos | NEAT HFpEF24 | 2015 | Mononitrato de isossorbido vs. placebo | 110 | ≥ 50 anos, FEVE ≥ 50%, evidência objetiva de IC | 6 semanas | Sem melhoria da qualidade de vida (p = 0,37) ou dos níveis de NT-proBNP (p = 0,22); Reduções do nível de atividade diária (-381 IC95%-780-17, p = 0,06) e aumento dos sintomas de IC |
Inorganic nitrate on exercise capacity25 | 2015 | Sumo de beterraba rico em NO3 vs. placebo (toma única) | 17 | IC sintomática, FEVE > 50% | 12 dias | Melhoria da capacidade de exercício (p = 0,04) (redução da resistência vascular, aumento do DC e aumento da entrega de oxigênio aos tecidos) | |
Sildenafil | RELAX26 | 2013 | Sildenafil vs. placebo | 216 | FEVE ≥ 50%, NYHA II-IV, NT-proBNP > 400 pg/ml, Peak VO2< 60%, ou elevação das pressões de enchimento do VE |
24 semanas | Sem efeito na capacidade de exercício (p = 0,90), estado clínico (p = 0,85) ou função diastólica (p = 0,16). Agravamento da função renal, NT-proBNP, endotelina-1 e ácido úrico |
Estimuladores sCG | DILATE-127 | 2014 | Riociguat vs. placebo (toma única) | 39 | ≥ 18 anos, FEVE>50% e HTP; mPAP ≥ 25 mm Hg e PCWP> 15 mmHg | 30 dias | Bem tolerado; melhoraria dos parâmetros hemodinâmicos e ecocardiográficos exploratórios; sem impacto na mPAP (p = 0,60) |
SOCRATES-Preserved28 | 2016 | Vericiguat vs. placebo | 470 | FEVE ≥ 45%, NYHA II-IV, elevação dos peptídeos natriuréticos |
12 semanas | Sem alteração do NT-proBNP (p = 0,20) ou volume AE (p = 0,37). Algum potencial na melhoria da qualidade de vida (p = 0,016), particularmente com doses mais elevadas | |
Ranolazina | RALI-DHF29 | 2013 | Ranolazina vs. placebo | 20 | FEVE ≥ 45%, E/E`>15 ou NT-proBNP>220 pg/ml, tau ≥ 50 ms, LVEDP≥18 mmHg | 14 dias | Apesar de melhorias hemodinâmicas às 24h, não houve alteração nos parâmetros de função diastólica |
B | Ensaio Clínico | Ano | Intervenção | Nº sujeitos | Principais características | Duração estudo | Principais conclusões |
Albuterol | BEAT - HFpEF30 | 2019 | Albuterol vs. placebo | 30 | FEVE ≥ 50%, elevação das pressões de enchimento do VE, PCWP > 15 mmHg e/ou ≥ 25 no exercício | - | Avaliação dos sintomas na IC-FEp, através do seu efeito na resistência vascular pulmonar em repouso e no exercício |
Shunt esquerdo-direito | REDUCE LAP-HF I31 | 2017 | Dispositivo de comunicação inter-auricular vs. procedimento simulado | 94 | FEVE > 40% e PCWP elevada | 1 mês | Revelou ser seguro e eficaz; Redução da PCWP (p=0,028) sem aumento significativo da PAP ou resistência vascular pulmonar |
Monitorização | CHAMPION34 | 2014 | Monitorização hemodinâmica vs. controlo | 119 | FEVE > 40% (média de 50,6%), NYHA III | 17,6 meses | Redução significativa das admissões hospitalares por IC (HR 0,50; IC95% 0,35-0.70; p < 0,0001) |
Exercício | EX DHF36 | 2011 | Treino de resistência supervisionado vs. tratamento usual | 64 | > 45 anos, FEVE ≥ 50%, NYHA II-III, disfunção diastólica, ritmo sinusal e ≥ 1 fator risco CV | 3 meses | Revelou ser realizável, seguro e efetivo; Melhoria da capacidade funcional, a função diastólica e a qualidade de vida (p < 0,001) |
Comorbidades | OPTIMIZE-HFPEF38 | 2016 | Rastreio sistemático e tratamento ativo de comorbidades vs. tratamento usual | 360 | >60 anos, FEVE ≥ 50%, NYHA II-IV | 2 anos | Avaliação do estado clínico em melhorado ou deteriorado |
Pacing | RAPID-HF39
(NCT02145351) |
2019 | Marcapasso de dupla câmara com pacing on vs. pancing off | 30* | FEVE≥ 50%, NYHA II-III, disfunção diastólica e incompetência cronotrópica | 4 semanas | Avaliação da capacidade de exercício, sintomas e qualidade de vida |
Suplementação com ferro | FAIR40
(NCT03074591) |
2019 | Carboximaltose férrica IV vs. placebo | 200* | FEVE ≥ 45%, NYHA II-III, disfunção diastólica, deficiência de ferro, Hb 9-14 g/dl | 52 semanas | Avaliação da tolerância ao esforço, qualidade de vida, classe funcional de NYHA, mortalidade e hospitalizações por IC |
Inibidores SGLT2 | EMPERIAL Preserved46
(NCT03448406) |
2019 | Empagliflozina vs. placebo | 300* | FEVE>40%, NYHA II-IV, NT-proBNP > 300 pg/ml, prova de marcha 6 minutos ≤ 350 metros. |
12 semanas | Avaliação da mudança na capacidade de exercício medida pela prova de marcha de 6 minutos |
Preserved-HF47
(NCT03030235) |
2019 | Dapagliflozina vs. placebo | 320* | FEVE ≥ 45%, NYHA II-III, NT-proBNP ≥ 225 pg/ml ou BNP≥75 pg/ml | 12 semanas | Avaliação do NT-proBNP | |
EMPEROR-Preserved48
(NCT03057951) |
2021 | Empagliflozina vs. placebo | 6000* | FEVE > 40%, NYHA II-IV, NT-proBNP > 300 pg/ml | 38 meses | Avaliação da morte CV e hospitalização por IC |
AE: átrio esquerdo; CV: cardiovascular, DAC: doença arterial coronariana; DC: débito cardíaco; IAM: infarto agudo do miocárdio; FEVE: fração de ejeção do ventrículo esquerdo; HR: hazard ratio; HTA: hipertensão arterial; IC: insuficiência cardíaca; IC95%: intervalo de confiança 95%; mPAP: média pressão artéria pulmonar; NYHA: New York Heart Association; PAP: pressão artéria pulmonar; PCWP: pressão de encravamento pulmonar; s: semanas;
*Número alvo estimado.
O estudo Randomized trial to determine the effect of nebivolol on mortality and cardiovascular hospital admission in elderly patients with heart failure “SENIORS”9 avaliou o efeito do nebivolol em doentes acima dos 70 anos com IC-FEr e ICFEp (FEVE > 35%). Apesar da redução na morbidade e mortalidade, a maioria dos doentes apresentava FEVE reduzida (média de 36%) e antecedentes de doença coronária, não sendo possível extrapolar os resultados para doentes com verdadeira IC-FEp. Numa metanálise realizada posteriormente, os BB foram os únicos fármacos a reduzir a mortalidade cardiovascular e por todas as causas.10 No entanto foram incluídos doentes com diferentes FEVE, podendo os resultados dever-se aos efeitos pleiotrópicos em doentes com IC-FEi. Recentemente o nosso grupo mostrou o papel dos BB nos doentes com síndrome coronária aguda e IC-FEi, reduzindo a mortalidade hospitalar, a par da revascularização miocárdica.11
Apesar do efeito comprovado na IC-FEr e em doentes pós IAM, com HTA e/ou elevado risco cardiovascular, o beneficio em pacientes com IC-FEp é limitado.12 O estudo Effects of candesartan in patients with chronic heart failure and preserved left-ventricular ejection fraction “CHARM- Preserved”,13 mostrou que o candesartan, apesar de reduzir as admissões hospitalares, não teve impacto na mortalidade cardiovascular em relação ao placebo. O The perindopril in elderly people with chronic heart failure “PEP-CHF”,14 avaliou o impacto do perindopril em doentes com IC diastólica, não mostrando diferença significativa na mortalidade ou hospitalização. Pareceu no entanto melhorar os sintomas, capacidade de exercício e hospitalização por IC, particularmente em doentes mais jovens e com história de IAM ou HTA. Também o irbesartan não mostrou vantagens em termos de mortalidade, hospitalizações ou qualidade de vida, avaliados no Irbesartan in Patients with Heart Failure and Preserved Ejection Fraction “I-PRESERVE”.12 Outro ensaio clinico mostrou que doze meses de enalapril não tiveram qualquer impacto na melhoria da capacidade de exercício, distensibilidade aórtica, parâmetros ventriculares ou qualidade de vida.15
A ativação dos receptores mineralocorticoides contribui para a fisiopatologia da IC através da retenção de sódio e água, perda de potássio, disfunção endotelial, inflamação, fibrose e hipertrofia.16 Seria de esperar algum benefício dos ARM nestes doentes. O estudo Effect of Spironolactone on Diastolic Function and Exercise Capacity in Patients With Heart Failure With Preserved Ejection Fraction “ALDO-DHF”,16 mostrou vantagens na reversão das alterações estruturais e função diastólica, contudo sem melhoria da capacidade de exercício, sintomas ou qualidade de vida e sem poder suficiente para avaliar mortalidade e hospitalizações. O estudo Spironolactone for Heart Failure with Preserved Ejection Fraction “TOPCAT”17 veio complementar a informação e avaliar o impacto clínico da espironolactona na IC-FEp. Apesar de não reduzir significativamente o outcome primário (morte cardiovascular, paragem cardíaca ou hospitalização por IC), uma análise de subgrupos revelou benefícios em caso de elevação dos peptídeos natriuréticos. Estes resultados levaram as orientações americanas atuais considerarem a espironolactona em grupos selecionados de doentes com IC-FEp sintomática, particularmente aqueles com níveis elevados de BPN, para redução das hospitalizações (Classe IIb).18
Aumentando os peptídeos natriuréticos com INRA, espera-se uma melhoria do relaxamento miocárdico, da natriurese, vasodilatação e atenuação da atividade simpática e fibrótica, com vista a melhorar a função e sintomas cardíacos. The angiotensin receptor neprilysin inhibitor LCZ696 in heart failure with preserved ejection fraction”PARAMOUT”,19 estudo fase II, randomizou 301 doentes com IC-FEp para receber INRA vs. valsartan. O endpoint primário, diminuição do NT-proBNP em 12 semanas, foi significativamente superior no grupo sacubitril/valsartan. Às 36 semanas verificou-se ainda redução do volume do átrio esquerdo (AE), reflexo das pressões de enchimento do VE, e aparente melhoria da classe Funcional de NYHA. Angiotensin Receptor Neprilysin Inhibition in Heart Failure With Preserved Ejection Fraction “PARAGON”,20 de fase III irá avaliar a eficácia clínica e segurança do fármaco na IC-FEp crônica sintomática.
A FC elevada é um fator preditor de piores resultados na IC. A ivabradina, ao inibir as correntes If no nódulo sino-auricular, diminui a FC em doentes em ritmo sinusal.21 Na IC-FEp, o tratamento a curto prazo aumentou a capacidade de exercício, por melhoria das pressões de enchimento do VE.22 Sendo estes doentes maioritariamente sintomáticos durante o esforço, terapêuticas cujo alvo sejam as alterações hemodinâmicas durante o mesmo podem ser úteis. O estudo Effect of ivabradine in patients with heart failure with preserved ejection fraction “EDIFY”21 avaliou o efeito do fármaco ao longo de 8 meses. Ao contrário do estudo anterior que não se verificou qualquer melhoria nos parâmetros avaliados (função diastólica, capacidade de exercício e redução NT-proBNP). Estudos futuros poderão mostrar benefícios em determinados subgrupos.
A digoxina faz também parte do algoritmo terapêutico na IC-FEr, ainda que não seja de primeira linha.3 Um potencial benefício em doentes com disfunção diastólica e IC-FEp poderia advir da sua ação neuro-hormonal. O estudo Effects of Digoxin on Morbidity and Mortality in Diastolic Heart Failure “DIG PEP”23 não mostrou qualquer benefício na história natural da doença, mortalidade e hospitalizações. Ainda que tenha sugerido alguma redução nas hospitalizações por IC, isso não se repercutiu nos resultados gerais, em parte por um aumento não significativo do risco de hospitalização por angina instável.
Outro mecanismo fisiopatológico implicado é a desregulação da via NO-sGC-GMPc-PKG. Uma abordagem terapêutica possível seria com fármacos que atuam a esse nível, como os nitratos, inibidores fosfodiesterase 5, riociguat e vericiguat.
O estudo Isosorbide Mononitrate in Heart Failure with Preserved Ejection Fraction “NEAT- HFpEF”24 avaliou um esquema de mononitrato de isossorbido, em doses crescentes durante 6 semanas. Além de não haver melhoria da qualidade de vida ou do NT-proBNP, verificou-se redução do nível de atividade diária e aumento dos sintomas de IC. Eventualmente outros mecanismos limitam os benefícios hemodinâmicos dos nitratos orgânicos e predispõem os pacientes a hipotensão excessiva e outros efeitos adversos.
A hipótese de que os resultados poderiam ser melhores com nitratos inorgânicos (NO3) foi testada num estudo piloto que avaliou a capacidade de exercício e o impacto na vasculatura e músculo esquelético, usando sumo de beterraba rico em NO3. Apesar de não ter sido atingido o endpoint primário, os resultados foram tendencialmente positivos.25 Será importante confirmar os resultados em ensaios maiores e a longo prazo.
A inibição da fosfodiesterase 5 parece reverter a remodelagem cardíaca e melhorar a função vascular, neuroendócrina e renal, com melhoria clínica em pacientes com hipertensão arterial pulmonar (HAP) idiopática e IC-FEr. O estudo Effect of Phosphodiesterase-5 Inhibition on Exercise Capacity and Clinical Status in Heart Failure With Preserved Ejection Fraction “RELAX”26 avaliou esses parâmetros em doentes com IC-FEp, comparando o sildenafil com o placebo durante 24 semanas. Não só não houve melhoria da capacidade de exercício, estado clínico, remodelagem cardíaca ou função diastólica, como ocorreu agravamento da função renal e dos níveis de NT-proBNP, endotelina-1 e ácido úrico. Talvez no subgrupo de doentes com IC-FEp e doença vascular pulmonar grave os resultados sejam diferentes e mais animadores.5
A HTP é frequente e confere pior prognóstico, podendo constituir um bom alvo terapêutico. O riociguat é um estimulador da guanilato ciclase solúvel (sGC). Através do seu efeito vasodilatador, anti-fibrótico, anti-proliferativo e anti-inflamatório, mostrou eficácia na HAP e na HTP tromboembólica crónica e com disfunção sistólica do VE. O estudo Acute Hemodynamic Effects of Riociguat in Patients With Pulmonary Hypertension Associated With Diastolic Heart Failure “DILATE-1”27 avaliou o seu efeito em doentes com HTP e IC diastólica. Tratou-se de um estudo inicial, com um pequeno número de pacientes e doses únicas de riociguat. Apesar de ter sido bem tolerado e de melhorar os parâmetros hemodinâmicos e ecocardiográficos exploratórios, estudos maiores e mais prolongados são necessários para avaliar o seu efeito clínico a longo prazo.
No estudo Vericiguat in patients with worsening chronic heart failure and preserved ejection fraction “SOCRATES-Preserved”,28 12 semanas de tratamento com vericiguat também não alteraram os parâmetros primários avaliados, NT-proBNP e volume do AE. Foi sugerido algum potencial na melhoria da qualidade de vida, particularmente com doses mais elevadas, o que poderá ser testado em estudos futuros, a longo prazo e usando diferentes doses.
Sabe-se que tanto na IC como na cardiopatia isquêmica existe um aumento da corrente de sódio, com aumento do cálcio intracelular e compromisso do relaxamento cardíaco. Ao inibir os canais tardios de sódio com ranolazina seria teoricamente provável uma melhoria da função diastólica.6 O RAnoLazIne for the Treatment of Diastolic Heart Failure in Patients With Preserved Ejection Fraction “RALI-DHF”29 foi um estudo exploratório que avaliou o fármaco na IC-FEp. Apesar das melhorias hemodinâmicas às 24h, não se verificaram alterações da função diastólica após 14 dias de tratamento.
O fracasso dos ensaios clínicos com fármacos comprovadamente eficazes na IC-FEr levou à tomada de um novo rumo no tratamento destes doentes. Tentou-se perceber melhor o mecanismo fisiopatológico da doença e atuar nas diferentes vias (Figura 2). Novos fármacos foram testados e novas abordagens estão sob investigação. (Tabela 1-B)
Figura 2 Potenciais alvos terapêuticos e fármacos avaliados na IC-FEp. ARM: antagonistas dos receptores dos mineralocorticoides; BB: Beta-bloqueadores; HTA: hipertensão arterial; IECAs/ARAs: inibidores da enzima de conversão da angiotensina/antagonistas dos receptores da angiotensina II; INRA: inibidores da neprilisina e dos receptores de angiotensina.
Atendendo ao frequente envolvimento pulmonar nestes doentes, outros fármacos com ação neste nível estão sendo testados. É o caso do albuterol, um broncodilatador inalatório. O estudo Inhaled Beta-adrenergic Agonists to Treat Pulmonary Vascular Disease in Heart Failure With Preserved EF “BEAT - HFpEF”30 procura avaliar o impacto deste fármaco nos sintomas, através do seu efeito na resistência vascular pulmonar em repouso e durante o exercício.
Sabe-se que a sobrecarga de volume e pressão a nível auricular, não só contribuiu para o desenvolvimento de sintomas e intolerância ao esforço, como é fator de morbi-mortalidade. A pressão de encravamento capilar pulmonar (PCWP) é um parâmetro hemodinâmico invasivo com valor prognóstico, que reflete a pressão no AE e veias pulmonares. Com base nestas alterações hemodinâmicas e face ao sucesso limitado do manejo farmacológico da IC-FEp, um dispositivo de comunicação inter-auricular foi desenvolvido com vista a reduzir a pressão do AE. O estudo prospectivo, não randomizado e aberto, A Transcatheter Intracardiac Shunt Device for Heart Failure with Preserved Ejection Fraction “REDUCE LAP-HF”,31 avaliou o desempenho e segurança deste dispositivo em 64 doentes com IC-FEp e PCWP elevada. Análises preliminares demonstraram benefício clínico e hemodinâmico aos 6 meses. Reduções da pressão no AE resultaram numa melhoria da capacidade funcional, à custa de um ligeiro aumento da pressão e do DC direito. Estes benefícios persistiram numa avaliação a longo prazo, com melhoria sustentada do perfil hemodinâmico, da classe funcional de NYHA, qualidade de vida e tolerância ao esforço ao fim de um ano, sem evidência de complicações.32
Posteriormente foi realizado um estudo fase 2 randomizado e controlado, com avaliação da PCWP durante o exercício, um mês após a implantação do dispositivo de comunicação inter-auricular vs. procedimento simulado. Os resultados foram positivos em termos de segurança e verificou-se redução da PCWP, sem aumento significativo da pressão ou resistência vascular pulmonar, possíveis consequências da sobrecarga direita.33 Permanece por esclarecer se este efeito hemodinâmico se traduzirá em melhorias clínicas sustentadas.
Sintomas congestivos estão presentes na maioria dos doentes internados por IC descompensada independentemente da FE. Variações do volume corporal e das pressões de enchimento cardíaco são preditivas de eventos adversos. Uma estratégia de monitorização hemodinâmica, com consequente intervenção terapêutica dirigida e precoce, poderá reduzir o risco de hospitalização por IC. O ensaio clínico Wireless pulmonary artery haemodynamic monitoring in chronic heart failure “CHAMPION”34 testou esta hipótese, usando um sensor de pressão microeletromecânico permanentemente implantado durante o cateterismo cardíaco direito. Através da avaliação diária da pressão da artéria pulmonar (PAP) e da redução ativa e protocolada das pressões de enchimento com diuréticos e vasodilatadores, demonstrou reduções significativas das admissões hospitalares. Os benefícios persistiram no subgrupo com IC-FEp, com reduções de 50% nas hospitalizações por IC ao fim de 17meses.35
O exercício físico é benéfico em determinadas condições estritamente relacionadas com a IC-FEp, como a HTA e a síndrome metabólica. Foi avaliado o efeito do exercício físico estruturado e supervisionado na capacidade de esforço, função diastólica e qualidade de vida. O estudo Exercise Training Improves Exercise Capacity and Diastolic Function in Patients With Heart Failure With Preserved Ejection Fraction “EX DHF”36 mostrou que um programa de exercício de resistência/endurance, supervisionado e realizado a curto prazo, é realizável, seguro e efetivo em doentes com IC-FEp. A manutenção do programa a longo prazo e o envolvimento de doentes idosos, em fases avançadas da doença e com múltiplas comorbidades podem ser limitações. Apesar disso é uma estratégia promissora, com potencial sinergismo com outras abordagens farmacológicas e não farmacológicas. É importante definir o regime de abordagem, melhorar a adesão a longo prazo e expandir a disponibilidade.37
Outro dos mecanismos fisiopatológicos propostos envolve a existência de um estado pró-inflamatório sistêmico induzido por múltiplas comorbidades, resultando em disfunção endotelial, remodelagem e disfunção cardíaca. Levantou-se a hipótese de que, rastreando e tratando as comorbidades de forma direcionada, se possa melhorar o prognóstico geral destes doentes. O estudo Optimizing the Management of Heart Failure with Preserved Ejection Fraction in the Elderly by Targeting Comorbidities “OPTIMIZE-HFpEF”38 propõe o rastreio sistemático e tratamento ativo de comorbidades enquanto mecanismo fisiopatológico da IC, ao invés do simples tratamento de patologias concomitantes, já diagnosticadas. Apesar de não possuir poder suficiente para avaliar a relação custo-eficácia, é um bom ponto de partida para testar uma nova abordagem promissora.
Doentes com IC-FEp e incompetência cronotrópica poderão se beneficiar de dispositivos de marcapasso, com restauração da normal FC durante a atividade diária e o esforço. O estudo Rate-Adaptive Atrial Pacing In Diastolic Heart Failure (RAPID-HF)39 pretende avaliar o impacto dessa intervenção na capacidade de exercício, sintomas e qualidade de vida a curto prazo.
O estudo da cinética do ferro faz parte da avaliação inicial de doentes com IC. A suplementação com ferro endovenoso faz parte da abordagem terapêutica em doentes com IC-FEr e diminuição das reservas de ferro.3 O estudo Effect of IV Iron Ferric Carboxymaltose, Ferinject on Exercise Tolerance, Symptoms and Quality of Life in Patients With Heart Failure With Preserved Ejection Fraction and Iron Deficiency With and Without Anaemia “FAIR”40 pretende avaliar o efeito do ferro endovenoso na tolerância ao esforço, qualidade de vida, classe funcional de NYHA, mortalidade e hospitalizações por IC, em doentes com IC-FEp e deficiência de ferro, com ou sem anemia.
É frequente a coexistência de IC e DM, associada a maior risco de mortalidade cardiovascular e hospitalização por IC.41 Vários estudos com Inibidores SGLT2 demostraram redução significativa das hospitalizações por IC em doentes diabéticos de elevado risco cardiovascular ou com doença estabelecida (Empagliflozin, Cardiovascular Outcomes, and Mortality in Type 2 Diabetes “EMPA-REG”,(42) Canagliflozin and Cardiovascular and Renal Events in Type 2 Diabetes “CANVAS”,(43) Dapagliflozin and Cardiovascular Outcomes in Type 2 Diabetes “DECLARE”).(44) Atendendo aos potenciais benefícios deste grupo farmacológico na melhoria da função diastólica na IC,45 estão a decorrer estudos que visam determinar o impacto destes medicamentos em doentes com IC-FEp, com e sem diabetes (A Phase III Randomised, Double-blind Trial to Evaluate the Effect of 12 Weeks Treatment of Once Daily EMPagliflozin 10 mg Compared With Placebo on ExeRcise Ability and Heart Failure Symptoms, In Patients With Chronic HeArt FaiLure With Preserved Ejection Fraction (HFpEF) “EMPERIAL - Preserved”,(46) Dapagliflozin in PRESERVED Ejection Fraction Heart Failure “PRESERVED-HF”,(47) EMPagliflozin outcomE tRial in Patients With chrOnic heaRt Failure With Preserved Ejection Fraction “EMPEROR-Preserved”(48).
A IC-FEp é uma patologia frequente, ainda pouco compreendida e até a data sem tratamento comprovadamente eficaz na redução da morbidade ou mortalidade.
Não parece existir uma causa única que justifique o fracasso dos resultados obtidos, podem no entanto identificar-se potenciais contribuições: compreensão incompleta da fisiopatologia, heterogeneidade da população estudada, ausência de critérios de diagnóstico universais com recrutamento de doentes sem uma verdadeira IC-FEp ou em estágios muito precoces, tratamentos pouco dirigidos ao mecanismo fisiopatológico predominante, desenhos subótimos dos estudos ou fraco poder estatístico dos mesmos.
A fisiopatologia da IC-FEp é multifatorial, com vários mecanismos e comorbidades implicadas, e provavelmente diferente da IC-FEr. Resulta de uma complexa interação de fatores que culminam na redução da reserva funcional cardíaca e vascular - afeção ventricular sistólica e diastólica, reserva auricular, ritmo e FC, controlo autonômico, vasculatura e microcirculação. A interação e dominância relativa destes fatores tornam esta patologia extremamente heterogênea. A definição e divisão em subgrupos com determinados fenótipos pode permitir um tratamento mais dirigido, com eventual melhoria dos resultados clínicos.
Vários ensaios clínicos estão sendo realizados, visando diferentes abordagens terapêuticas. É importante relembrar que estes doentes tendem a ser mais velhos e a apresentar múltiplas patologias. Assim sendo, a eficácia dos tratamentos poderá ser melhor avaliada pelo seu efeito nas hospitalizações, estado funcional, sintomas e qualidade de vida.