versão impressa ISSN 1809-2950versão On-line ISSN 2316-9117
Fisioter. Pesqui. vol.26 no.2 São Paulo abr./jun. 2019 Epub 18-Jul-2019
http://dx.doi.org/10.1590/1809-2950/18006426022019
La isquemia crítica de miembro inferior (ICMI) afecta a los sistemas de salud y la calidad de vida y funcionalidad de los individuos diagnosticados. Sin embargo, hay poca evidencia científica que fundamente la intervención fisioterapéutica para pacientes internados por ICMI. El objetivo de este estudio fue elaborar un consenso de especialistas sobre la fisioterapia intrahospitalaria para pacientes con ICMI. Para ello, se utilizó el método Delphi. Se formó un panel de expertos con 18 fisioterapeutas que representaban el 85,7% del equipo de un hospital de referencia en cirugía vascular. Se consideraron, para el consenso, las respuestas con un valor mínimo de concordancia del 70% y media o mediana ≥3,1 en la escala Likert. Los cuestionarios abordaron ítems de evaluación, objetivos y conductas fisioterapéuticas en las fases pre y poscirugía de revascularización. Se definieron como elementos esenciales la evaluación de síntomas y las funciones cognitiva, musculoesquelética y cardiorrespiratoria. En el preoperatorio, control del dolor, reducción de edemas, ganancia de amplitud de movimiento, deambulación y educación en salud son los objetivos; en la fase posoperatoria, la ganancia de fuerza muscular. Los ejercicios pasivos, asistidos, activos libres y circulatorios, incluidos los miembros superiores, se indican antes y después de las cirugías. La educación en salud y la deambulación con reducción de peso en el área de lesión plantar son esenciales en todo el período de internación. La electroanalgesia fue preconizada en el preoperatorio; y, en el postoperatorio, elevación del miembro inferior y ejercicios resistidos.
Palabras clave Enfermedad Arterial Periférica; Isquemia; Extremidad Inferior; Rehabilitación; Consenso
A isquemia crítica de membro inferior (ICMI) é uma manifestação da doença arterial periférica (DAP) ocorrida por redução crítica do fluxo sanguíneo para os tecidos do membro inferior (MI), com risco de amputação caso o MI não seja revascularizado1),(2.
Internações relacionadas às doenças vasculares geram gastos significativos para os sistemas de saúde3. Além disso, a dor isquêmica consequente da ICMI provoca repercussões funcionais e psíquicas importantes. Pacientes com ICMI frequentemente apresentam prejuízo do sono, no desempenho de caminhada ou até mesmo incapacidade de deambular1),(4. O processo isquêmico progressivo pode ainda gerar lesões isquêmicas e perda de força muscular que, se combinados e não tratadas, podem aumentar o impacto na funcionalidade1),(5.
As abordagens na ICMI incluem o tratamento conservador, a revascularização ou a amputação do MI1. Considerando as repercussões físicas, psíquicas e funcionais da ICMI, esses pacientes devem ser abordados por uma equipe multidisciplinar durante períodos de internação hospitalar4. No entanto, não há evidências acerca da intervenção fisioterapêutica nesse contexto. Em situações como essa, a prática clínica dos profissionais pode ser orientada por consensos construídos a partir da opinião de especialistas6. Portanto, este estudo se propôs a estabelecer um consenso de especialistas dirigido à assistência fisioterapêutica intra-hospitalar para pacientes com ICMI, pré e pós-revascularização do MI.
Para obter o consenso utilizou-se o método Delphi, técnica que utiliza questionários aplicados em rodadas para organizar, de forma consensual, a opinião de um painel de especialistas para tomada de decisões clínicas6. Na literatura, os critérios de concordância considerados satisfatórios para obtenção do consenso variam entre 50% e 80%7),(8. Como critério de escolha dos membros do painel de especialistas, é necessário o mínimo de 15 especialistas, com qualificação e experiência no campo sob consideração6),(9. Para compor o painel de especialistas deste estudo, foram selecionados fisioterapeutas com experiência na abordagem de indivíduos com ICMI, evidenciada por assistência mensal de, no mínimo, dez pacientes. Os profissionais foram recrutados em uma unidade de cirurgia vascular de um hospital de ensino em Belo Horizonte, Brasil. O estudo obteve aprovação ética (CAAE 44000215.4.0000.5149) e seguiu as normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos.
Os resultados de cada rodada indicaram os itens acordados e o nível de concordância, sendo esses formulados em formato de orientações direcionadas ao atendimento pré-operatório e de pacientes submetidos, com sucesso, à revascularização, considerado como salvamento do MI e melhora dos sintomas clínicos e da hemodinâmica local de ≥0,10 no índice tornozelo-braquial (ITB) ou melhora isolada de ≥0,15 no ITB1.
De acordo com os dados e as sugestões obtidas no primeiro questionário, novas perguntas foram elaboradas para refinar as opiniões na rodada subsequente, explorando as respostas concordantes da primeira rodada6.
Após a segunda rodada, todos os participantes foram convidados para uma apresentação e discussão dos resultados, e um terceiro questionário foi elaborado para estabelecer os objetivos do tratamento fisioterapêutico e itens relevantes da avaliação.
Foram calculados os valores de média e desvio-padrão ou mediana, fornecendo a medida de dispersão e indicação do grau de consenso. Na primeira e na segunda rodadas, determinou-se o mínimo de 70% de concordância nas respostas dos participantes para que fosse considerado consenso. Itens que atingiram entre 50% e 70% foram mais bem explorados na rodada subsequente, e os que obtiveram menos de 50% foram excluídos7. Na terceira rodada, os participantes responderam as questões utilizando a escala Likert com valores entre 1 e 5 para avaliar o nível de concordância, sendo 5 o valor indicativo de concordância completa e 1 o de discordância completa. Para concluir o consenso, foram considerados os resultados com média ou mediana ≥3,19.
Dos 21 especialistas elegíveis, um não respondeu ao convite e dois recusaram-se a participar, resultando em 18 participantes para as três rodadas de questionário. O resultado final, após três rodas de questionários, está apresentado na Tabela 1, em escore médio ou mediana.
Tabela 1 Resultado final do consenso de especialistas
FASE PRÉ-OPERATÓRIA | Média/mediana* | Desvio-padrão |
---|---|---|
1. Itens da avaliação | ||
(a) Sintomas | 4,83 | 0,38 |
(b) Função cognitiva | 4,39 | 0,78 |
(c) Função articular | 4,56 | 0,51 |
(d) Função muscular | 4,56 | 0,51 |
(e) Função cardíaca | 4,94 | 0,23 |
(f) Função respiratória | 4,78 | 0,55 |
(g) Mobilidade funcional | 4,89 | 0,32 |
2. Objetivos | ||
(a) Controle da dor | 4,11 | 0,96 |
(b) Drenagem do edema nos membros inferiores, se presente | 3,50* | - |
(c) Ganho de amplitude de movimento, se houver restrição | 3,50* | - |
(d) Incentivo à deambulação | 3,50* | - |
(e) Educação em saúde | 4,83 | 0,38 |
(f) Fortalecimento muscular | 2,50* | - |
3. Condutas | ||
(a) Eletroanalgesia | 4,00* | - |
(b) Elevação do membro inferior, se houver edema | 1,00* | - |
(c) Exercício passivo | 3,94 | 0,94 |
(d) Exercício assistido | 3,72 | 1,13 |
(e) Exercício ativo livre | 4,11 | 0,68 |
(f) Exercício resistido | 2,17 | 1,04 |
(g) Exercícios com os membros superiores | 4,50 | 0,51 |
(h) Exercício respiratório | 4,61 | 0,50 |
(i) Exercício circulatório | 4,00 | 1,28 |
4. Incentivo à deambulação no paciente com lesão trófica plantar | ||
(a) Sem dispositivo de auxílio à marcha | 1,39 | 0,70 |
(b) Com dispositivo de auxílio à marcha e alívio da pressão na lesão | 4,00 | 1,19 |
FASE PÓS-OPERATÓRIA | Média/mediana* | Desvio-padrão |
1. Itens da avaliação | ||
(a) Sintomas | 5,00 | 0 |
(b) Função cognitiva | 4,67 | 0,49 |
(c) Função articular | 4,94 | 0,24 |
(d) Função muscular | 4,89 | 0,32 |
(e) Função cardíaca | 4,94 | 0,24 |
(f) Função respiratória | 4,78 | 0,55 |
(g) Mobilidade funcional | 5,00 | 0 |
2. Objetivos | ||
(a) Controle da dor | 4,11 | 0,76 |
(b) Drenagem do edema nos membros inferiores, se presente | 4,06 | 0,87 |
(c) Ganho de amplitude de movimento, se houver restrição | 4,50 | 0,51 |
(d) Incentivo à deambulação | 4,61 | 0,50 |
(e) Educação em saúde | 4,83 | 0,38 |
(f) Fortalecimento muscular | 4,39 | 0,78 |
3. Condutas | ||
(a) Eletroanalgesia | 3,00* | - |
(b) Elevação do membro inferior, se houver edema | 4,33 | 0,77 |
(c) Exercício passivo | 4,00 | 0,84 |
(d) Exercício assistido | 4, 28 | 0,57 |
(e) Exercício ativo livre | 4,61 | 0,50 |
(f) Exercício resistido | 4,39 | 0,50 |
(g) Exercício com os membros superiores | 4,61 | 0,50 |
(h) Exercício respiratório | 4,67 | 0,48 |
(i) Exercício circulatório | 4,61 | 0,50 |
4. Incentivo à deambulação no paciente com lesão trófica plantar | ||
(a) Sem dispositivo de auxílio à marcha | 1,44 | 0,62 |
(b) Com dispositivo de auxílio à marcha e alívio da pressão na lesão | 3,38 | 1,33 |
Resultado final das rodadas de questionários com os valores que obtiveram ou não consenso segundo o painel de especialistas. Os valores apresentados correspondem à escala Likert, variando entre 1 e 5. Obtiveram consenso os resultados com média ou mediana ≥3,1. * Valores apresentados em mediana.
Houve consenso em avaliar sintomas, função cognitiva, articular, muscular, cardiorrespiratória e a mobilidade dos pacientes. Quanto aos objetivos, houve consenso para ambas as fases de controlar a dor, drenar edemas nos MMII e ganhar amplitude de movimento (ADM), caso apresente restrição, além de estimular a deambulação e a realizar a educação terapêutica do paciente. Na fase pós-operatória acrescentou-se o ganho de força muscular.
Houve consenso para o uso da Estimulação Elétrica Nervosa Transcutânea (Tens) e contra indicação para o posicionamento do MI em elevação no pré-operatório. Exercícios passivo, assistido, ativo livre e circulatórios, além dos exercícios com os membros superiores (MMSS) estão indicados antes das cirurgias, sendo contraindicado o exercício resistido. Educação em saúde e deambulação são essenciais durante toda a internação. O uso de dispositivo de auxílio à marcha (DAM) e dispositivos de offloading são recomendados para indivíduos com lesão plantar.
Após três rodadas de questionários foi elaborado um consenso baseado na opinião de um painel de especialistas que pode auxiliar fisioterapeutas na condução de protocolos de tratamento intra-hospitalar para pacientes com ICMI pré e pós-revascularização de membro inferior.
O painel indicou como relevantes a avaliação de sintomas, função cognitiva, musculoesquelética, cardiorrespiratória e as lesões tróficas nos MMII, em todas as fases do tratamento. Avaliar a dor isquêmica é importante por sua relevância no quadro da ICMI e para ponderar a resposta às condutas terapêuticas1. Já a avaliação da função cognitiva permite rastrear e identificar algum grau de disfunção do paciente, frequentemente acentuado no cenário hospitalar. Isso é particularmente importante para as ações de educação em saúde10. Na avaliação musculoesquelética, os especialistas apontaram para a necessidade de avaliar a ADM, a força muscular e a mobilidade funcional. A ICMI é acompanhada de mudanças na morfologia e função dos músculos5, levando a importantes perdas funcionais, sobretudo na marcha, e que tendem a se agravar durante a internação hospitalar, principalmente em idosos, em que a prevalência da doença é maior1),(11. Quanto à deambulação, é importante salientar que os pacientes com ICMI apresentam restrição crítica do fluxo sanguíneo para os MMII e dor isquêmica mesmo em repouso1, não sendo, portanto, adequado o uso dos testes de caminhada para avaliar a capacidade funcional, especialmente em pacientes sob analgesia12. Não foram localizados, na literatura, parâmetros para avaliar a capacidade funcional nesses casos. Após a revascularização é possível realizar os testes de caminhada desde que seja confirmada a melhora da perfusão dos tecidos nos MMII1.
Deve ser realizada uma avaliação criteriosa de possíveis doenças cardiorrespiratórias e estratificação de risco dos pacientes, para a reabilitação segura com exercícios. Além da avaliação, deve-se monitorar a resposta hemodinâmica ao esforço nas sessões de fisioterapia, sobretudo naqueles com indicação de uso de um DAM1. Inclusive, sua prescrição deve ser feita considerando as multimorbidades e o consumo de oxigênio pelo miocárdio. Em um estudo13 investigou-se o consumo de oxigênio, a resposta cardiovascular e percepção de esforço durante a marcha com diferentes tipos de DAM, e foi observado que diferentes tipos de DAM repercutem de forma diferenciada no consumo de oxigênio durante a deambulação. Por fim, quanto aos itens a serem avaliados, caso existam lesões tróficas, é importante identificar sua localização para nortear a tomada de decisão do profissional quanto à sustentação de peso durante a marcha de forma a não prejudicar o processo de cicatrização14.
Os objetivos do tratamento e as condutas foram definidos de acordo com a fase do tratamento. O controle da dor isquêmica é importante principalmente antes da revascularização, quando é mais limitante1. Na literatura, estudos que utilizaram a Tens para eletroanalgesia encontraram resultados para redução da dor isquêmica. No entanto, somente um desses estudos utilizou a Tens em ICMI, tornando inconclusiva a eficácia desse recurso15. Ainda devido à dor isquêmica, esses pacientes frequentemente assumem posições antálgicas com os MMII pendentes, o que pode levar à formação de edema. No pré-operatório, a elevação dos MMII foi contraindicada pelos especialistas por levar a redução ainda maior do fluxo sanguíneo e aumento da dor1. Kawasaki et al.16 avaliaram diferentes posicionamentos e o grau de perfusão tecidual dos MMII em pacientes com ICMI, sugerindo que períodos alternados de sedestação e decúbito estejam dentro do plano de tratamento para auxiliar no controle da dor e prevenir edema nos MMII16. No pós-operatório, a elevação dos MMII pode ser realizada se a revascularização for bem-sucedida1. Além disso, a manutenção de ADM completa de tornozelo é importante para um bom funcionamento dos músculos da perna como eficientes propulsores sanguíneos, prevenindo a formação de edema nos MMII17.
A cinesioterapia e a deambulação na fase pré-operatória visam a manutenção do status funcional do paciente com preservação da força muscular, elasticidade dos tecidos e trofismo muscular até que ocorra a intervenção cirúrgica. Segundo o consenso, os exercícios passivo, assistido, ativo livre e circulatório podem ser realizados, mas o ganho de força muscular não deve estar entre os objetivos da fisioterapia na fase pré-operatória. Enquanto não há correção da baixa oferta sanguínea pela cirurgia de revascularização do MI, exercícios que aumentem excessivamente a demanda muscular por oxigênio podem agravar o processo isquêmico1. Na fase pós-operatória, os especialistas concordaram que um programa de fortalecimento muscular pode trazer benefícios para os pacientes com DAP. Segundo Pereira e colaboradores18, há forte correlação entre a força muscular dos MMII e o desempenho funcional de pacientes com DAP. Ainda em relação à cinesioterapia, Zwierska e colaboradores19 encontraram que os exercícios com os MMSS, por meio de cicloergômetro, melhoraram o desempenho de caminhada dos pacientes com DAP, sendo uma alternativa para pacientes que toleram pouco a movimentação dos MMII. O incentivo à deambulação e às ações educativas devem estar entre os objetivos da fisioterapia na fase pré-operatória, segundo o consenso. É importante preservar a capacidade de caminhada naqueles pacientes que deambulam, utilizando como parâmetro a distância percorrida pelo paciente previamente à internação. O nível de mobilidade dos pacientes com ICMI antes da cirurgia de revascularização do MI é um preditor de tempo de permanência no hospital no pós-cirúrgico e de mobilidade após um ano da alta hospitalar11. Depois da revascularização, espera-se um aumento da distância de caminhada1. Estudos realizados nessa fase demonstraram benefícios de um treinamento supervisionado no aumento da distância máxima percorrida pelos pacientes.
Considerando a presença de lesões plantares, o uso de órteses e DAM, especialmente em pacientes com neuropatia diabética, é recomendado por diretriz internacional para auxiliar no processo de cicatrização, contudo, sua prescrição deve ser realizada de acordo com as características individuais de cada paciente14.
A educação em saúde para os pacientes e familiares deve estar no plano de tratamento para auxiliar na mudança do estilo de vida e no controle dos fatores de risco modificáveis, de forma a postergar novas internações e possibilitar melhor qualidade de vida ao paciente1),(3.
Dentre as limitações do consenso de especialistas está o desenho do estudo, que se encontra na base da hierarquia da evidência científica22. Porém, entende-se que este é o ponto de partida para que trabalhos de maior nível de evidência científica sejam realizados. É desejável que protocolos elaborados a partir desse consenso sejam avaliados em ensaios clínicos aleatorizados, levando em conta os parâmetros para treinamento e seus efeitos a longo prazo23.
Foram definidos como itens essenciais a avaliação de sintomas, função cognitiva, musculoesquelética e cardiorrespiratória. Controle da dor, redução de edemas, ganho de amplitude de movimento, deambulação e educação em saúde são objetivos do pré-operatório e o ganho de força muscular na fase pós-operatória. Exercícios de tipo passivo, assistido, ativo livre, circulatório incluindo os membros superiores estão indicados antes e após a cirurgias. Deambulação e educação em saúde são essenciais em todo o período de internação, com redução de peso em área de lesão plantar. A eletroanalgesia foi preconizada no pré-operatório, e a elevação do membro inferior e os exercícios resistidos no pós-operatório.
O presente consenso pode auxiliar fisioterapeutas na condução de protocolos de tratamento intra-hospitalar para pacientes com ICMI pré e pós-revascularização de MI.