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Fístula arteriovenosa traumática de artéria temporal superficial

Fístula arteriovenosa traumática de artéria temporal superficial

Autores:

Otacílio de Camargo Júnior,
Márcia Fayad Marcondes de Abreu,
Guilherme Camargo Gonçalves de Abreu,
Sthefano Atique Gabriel,
Isabella Maria Machado da Silva

ARTIGO ORIGINAL

Jornal Vascular Brasileiro

versão impressa ISSN 1677-5449versão On-line ISSN 1677-7301

J. vasc. bras. vol.13 no.1 Porto Alegre jan./mar. 2014

http://dx.doi.org/10.1590/jvb.2014.008

INTRODUÇÃO

Fístulas arteriovenosas da artéria temporal superficial constituem entidades raras, com incidência estimada entre 0,5% e 2,0% dos casos.1 , 2 Em 75% dos pacientes, estas fístulas apresentam etiologia traumática e podem ocorrer devido a trauma penetrante ou fechado e lesão iatrogênica durante procedimentos diagnósticos e terapêuticos.1 , 2

As fístulas arteriovenosas consistem em conexões entre o segmento arterial e o sistema de drenagem venosa, resultando em alargamento e tortuosidade da veia, com o surgimento de segmentos varicosos aneurismáticos, que podem evoluir para trombose, ulceração e rotura.1 , 2

O objetivo deste estudo é relatar um caso de fístula arteriovenosa traumática de artéria temporal superficial, tratado cirurgicamente.

DESCRIÇÃO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 44 anos, hígido, sem história de comorbidades, foi encaminhado ao ambulatório referindo massa pulsátil, não dolorosa, de crescimento progressivo, em região frontal e pré-auricular direita, acompanhado de zumbido pulsátil em ouvido direito.

Há 10 anos, sofreu acidente motociclístico que resultou em lesão cortocontusa em região pré-auricular direita. O paciente referiu que, durante o atendimento hospitalar, foram realizados exames laboratoriais e tomografia de crânio, que não evidenciaram alterações, sendo a lesão cortocontusa tratada com debridamento dos tecidos desvitalizados e sutura local.

Um ano após o acidente, o paciente notou o surgimento de murmúrio em região auricular direita e aumento de volume em região parietal direita, procurando atendimento médico, porém sem receber tratamento. Um ano e três meses após, referiu aumento progressivo do murmúrio e do volume da massa pulsátil em região frontal, parietal e pré-auricular direita, resultando em cefaleia de forte intensidade e importante incômodo craniano e comprometimento estético, além de prejudicar a abertura ocular à direita.

Ao exame físico, observou-se uma massa pulsátil extensa, não dolorosa, não móvel, estendendo-se desde região pré-auricular até região parietotemporal e frontal direita (Figura 1). Sobre a massa, foi palpado frêmito e auscultado sopro contínuo em maquinaria, com acentuação sistólica. O frêmito e o sopro desapareciam durante a compressão da artéria temporal superficial direita. Após minucioso exame físico, foi identificada pequena cicatriz em região pré-auricular direita, local em que, provavelmente, a massa pulsátil se originou. Um detalhado exame neurológico foi realizado, não evidenciando alterações.

Figura 1 Fístula Arteriovenosa de Artéria Temporal Superficial. 

O paciente foi submetido a tomografia de crânio, que não identificou alterações intracranianas. A arteriografia seletiva da artéria carótida externa direita demonstrou opacificação precoce da veia temporal superficial direita, que estava dilatada e tortuosa, e uma fístula arteriovenosa de alto fluxo (Figura 2). A fístula era alimentada pela artéria temporal superficial e drenada através da veia temporal superficial na veia jugular externa. A artéria carótida externa esquerda não apresentou circulação colateral para a fístula. Não foi observada comunicação entre a circulação da artéria carótida interna e a fístula arteriovenosa da artéria carótida externa.

Figura 2 Arteriografia seletiva da artéria carótida externa direita, com opacificação precoce da veia temporal superficial direita, que estava dilatada e tortuosa. 

Optou-se pelo tratamento convencional. O paciente foi posicionado com elevação da cabeça em 20-30 graus acima do nível do coração para melhorar a drenagem venosa. Após anestesia geral, incisões transversais foram realizadas no escalpe com dissecção cuidadosa das malformações arteriovenosas, sendo estas ligadas, seccionadas e ressecadas (Figura 3). A evolução do paciente foi satisfatória, sem infecção e necrose em escalpe, além de evidente melhora do componente estético (Figura 4).

Figura 3 Aspecto intraoperatório. 

Figura 4 Aspecto pós-operatório. 

DISCUSSÃO

A artéria temporal superficial é vulnerável ao trauma devido ao seu trajeto superficial sobre o osso temporal e pela proximidade com as bordas ósseas. Além da etiologia traumática, as fístulas arteriovenosas da artéria temporal superficial também podem ser espontâneas ou decorrentes de procedimentos cirúrgicos, tais como, implantes capilares, drenagem ventricular externa e craniotomia.3 - 5 As fístulas traumáticas desenvolvem-se ao longo de meses ou anos após o trauma; enquanto que as fístulas espontâneas podem estar presentes ao nascimento, porém, na maioria dos pacientes, é assintomática até a puberdade.3 , 4 Traumas, alterações vasomotoras, estímulos hormonais e processos inflamatórios causam deterioração dos sintomas.3 , 4

Dois mecanismos são sugeridos para explicar a formação das fístulas arteriovenosas traumáticas no couro cabeludo. No primeiro mecanismo, a laceração simultânea da artéria e da veia adjacente resulta na formação da fístula.6 , 7 O segundo mecanismo refere-se à ruptura dos vasa vasorum da parede arterial, em que a proliferação de células endoteliais a partir dos vasa vasorum lesados formam numerosos pequenos vasos, que resultam em canalículos vasculares que comunicam a artéria com a veia.6 , 7 No paciente em questão, a presença de pequena cicatriz em região pré-auricular direita sugere uma conexão direta entre a artéria e a veia temporal superficial, como produto de uma laceração traumática.

O diagnóstico de uma fístula traumática da artéria temporal superficial baseia-se na história de trauma e no exame físico detalhado.6 - 8 Apesar de a angiotomografia fornecer imagens com tempo de aquisição menor e permitir a reconstrução das imagens em cortes mais finos, a angiografia permanece como exame padrão-ouro, demonstrando os vasos doadores e receptores do fluxo sanguíneo da fístula, excluindo componentes intracranianos e fornecendo informações sobre a direção e velocidade do fluxo sanguíneo.6 - 8. Algumas lesões traumáticas em topografia de artéria temporal superficial podem ser não pulsáteis ou apresentarem pulsatilidade por transmissão de artérias adjacentes, incluindo os pseudoaneurismas, aneurismas verdadeiros, malformações arteriovenosas, cistos, abscessos, hematomas e aneurismas de artéria meníngea média com erosão óssea no diagnóstico diferencial das fístulas arteriovenosas traumáticas de artéria temporal superficial.6 - 8

O tratamento das fístulas arteriovenosas da artéria temporal superficial deve levar em consideração o alto fluxo sanguíneo da fístula, a anatomia vascular complexa e os problemas estéticos envolvidos.9 , 10 O tratamento deve ser indicado para redução da deformidade estética, para prevenção de hemorragia e erosão isquêmica de pele e de outros sintomas como cefaleia e zumbido.9 , 10 As opções terapêuticas incluem excisão cirúrgica, ligadura dos vasos nutridores, embolização transarterial e transvenosa e injeção intralesional de agentes esclerosantes.9 , 10

O tratamento endovascular, por meio de embolização, pode ser utilizado como terapia definitiva ou adjuvante ao procedimento cirúrgico, reduzindo a perda sanguínea durante a remoção da massa pulsátil; entretanto, consiste em um tratamento insuficiente para as fístulas arteriovenosas extensas, fornecendo alívio temporário dos sintomas, alto risco de recorrência e risco de necrose de pele.9 , 10 A remoção cirúrgica da massa pulsátil e ligadura dos vasos nutridores da fístula arteriovenosa permanece como terapia de escolha.9 , 10

REFERÊNCIAS

1. Miekisiak G, Mis M, Sandler A, Druszcz A. Iatrogenic arteriovenous fistula of the superficial temporal artery. Oral Maxillofac Surg. 2008;12(4):219-21.
2. Li F, Zhu S, Liu Y, et al. Traumatic arteriovenous fistula of the superficial temporal artery. J Clin Neurosci. 2007;14(6):595-600.
3. Senoglu M, Yasim A, Gokce M, Senoglu N. Nontraumatic scalp arteriovenous fistula in an adult: technical report on an illustrative case. Surg Neurol. 2008;70(2):194-7.
4. Leal FS, Miranda CC, Guimarães AC. Traumatic pseudoaneurysm of the superficial temporal artery: case report. Arq Neuropsiquiatr. 2005;63(3B):859-61.
5. Bernstein J, Podnos S, Leavitt M. Arteriovenous fistula following hair transplantation. Dermatol Surg. 2011;37(6):873-5.
6. Kelly K, Trites JR, Taylor SM, Bullock M, Hart RD. Arteriovenous malformation of the scalp with cerebral steal. Head Neck. 2009;31(11):1520-3.
7. Hasturk AE, Erten F, Ayata T. Giant non-traumatic arteriovenous malformation of the scalp. Asian J Neurosurg. 2012;7(1):39-41.
8. Mishra SS, Panigrahi S, Parida D, Behera SK. Usefulness of computed tomographic angiography in the management of extracranial scalp arteriovenous malformation. Neurol India. 2012;60(3):357-8.
9. Whiteside OJ, Monksfield P, Steventon NB, Byrne J, Burton MJ. Endovascular embolization of a traumatic arteriovenous fistula of the superficial temporal artery. J Laryngol Otol. 2005;119(4):322-4.
10. Yablonicky KJ, Desai S. A case report of a scalp arteriovenous malformation after trauma. J Emerg Med. 2011;41(5):e117-9.