Compartilhar

Fluidoterapia para a ressuscitação no choque séptico: qual tipo de fluido deve ser utilizado?

Fluidoterapia para a ressuscitação no choque séptico: qual tipo de fluido deve ser utilizado?

Autores:

Thiago Domingos Corrêa,
Leonardo Lima Rocha,
Camila Menezes Souza Pessoa,
Eliézer Silva,
Murillo Santucci Cesar de Assuncao

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.13 no.3 São Paulo jul./set. 2015 Epub 21-Ago-2015

http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082015RW3273

INTRODUÇÃO

O choque séptico é definido como síndrome de resposta inflamatória sistêmica, desencadeada por uma infecção associada à hipotensão refratária, mesmo com a administração de 30mL/kg de peso corporal de fluidos.(1) Trata-se de uma importante causa de morbidade e mortalidade entre pacientes graves, com taxa de mortalidade variando entre 20 e 45%.(2-5) Apesar de a maioria das mortes por choque séptico serem atribuídas à evolução para síndrome da falência múltipla de órgãos, a fisiopatologia da disfunção e da falência de órgãos, relacionada à sepse, ainda não foi elucidada completamente.(6) Inflamação sistêmica, alterações microvasculares, hipoperfusão tecidual, disfunção mitocondrial e intervenções terapêuticas realizadas no paciente séptico podem contribuir para a progressão para falência de órgãos e morte.(6)

A característica principal do choque séptico é a vasodilatação sistêmica com diferentes graus de hipovolemia.(7) A administração de fluidos é a intervenção de primeira escolha para restaurar a hemodinâmica e aumentar a oferta de oxigênio, de modo a atender à demanda por oxigênio em pacientes sépticos.(7) De acordo com as Diretrizes da Campanha Sobrevivendo à Sepse, pacientes sépticos que apresentem hipoperfusão tecidual, hipotensão ou sinais de hipovolemia admitidos no pronto-atendimento devem receber um volume inicial de fluidos cristaloides de 30mL/kg de peso corporal.(1) Pacientes com hipotensão sustentada (ou seja, pressão arterial média − PAM <65mmHg) ou com concentração inicial de lactato arterial >4,0mmol/L devem ser ressuscitados seguindo o protocolo de terapia guiada por metas: ressuscitação orientada pela pressão venosa central (PVC), PAM e saturação venosa central (ScvO2) ou venosa mista de oxigênio (SvO2).(1) As metas a serem atingidas durante a ressuscitação inicial de 6 horas incluem PVC entre 8 e 12mmHg, em respiração espontânea, ou entre 12 e 15mmHg, em pacientes em ventilação mecânica; PAM >65mmHg; e ScvO2 ou SvO2 >70% e 65%, respectivamente. Como alternativa, em vez do ScvO2, pode-se utilizar o clearance de lactato >10% como meta durante as primeiras 6 horas, para pacientes sem cateter venoso central.(8) Fluidos, vasopressores, agentes inotrópicos e transfusão de hemácias são as intervenções terapêuticas disponíveis à beira do leito para os médicos intensivistas e emergencistas conseguirem as metas hemodinâmicas. É importante enfatizar que muitos pacientes podem ser plenamente ressuscitados apenas recebendo precocemente o tipo e a quantidade corretos de fluido intravenoso.

A questão sobre quais fluidos devem ser utilizados durante as primeiras horas de ressuscitação dos pacientes sépticos é assunto discutido há décadas. Até o momento, não há consenso sobre qual tipo de fluido é o mais adequado para uso neste contexto.(9) Assim, nosso objetivo foi apresentar uma revisão narrativa da literatura relacionada aos principais tipos de fluidos para ressuscitação inicial de pacientes com choque séptico.

POR QUE ADMINISTRAR FLUIDOS?

Pode-se justificar a oferta de fluidos para pacientes em choque séptico com base nas alterações do leito vascular. Mediadores inflamatórios agem sobre as células endoteliais e promovem vasodilatação, que resulta em hipovolemia relativa, ou seja, em perda na relação continente/conteúdo.(10) Assim, a reposição adequada de fluidos é crucial para a manutenção da pressão de perfusão e, mais importante, do fluxo sanguíneo tecidual.(11) Podem ser conseguidos perfusão tecidual, fluxo sanguíneo sistêmico e oxigenação restaurando-se o compartimento intravascular pela administração de fluidos.(12)

Os fluidos devem ser administrados com base em duas premissas: na presença de perfusão tecidual insuficiente (hipóxia estagnante), que exija aumento do fluxo sanguíneo, e na presença de responsividade a fluidos, ou seja, a administração de fluidos aumentará o débito cardíaco.(13) Tanto a hipovolemia quando a sobrecarga de fluidos podem ser deletérias para pacientes graves. Desse modo, aconselha-se avaliar, sempre que possível, a responsividade a fluidos antes de sua prescrição, assim como evitar a infusão de fluidos nos pacientes nos casos em que as premissas não se aplicam. Devem-se considerar os agentes inotrópicos para melhorar a oxigenação tecidual em pacientes que necessitam de maior fluxo sanguíneo, mas que não respondem à administração de fluidos.(1)

A identificação precoce e o tratamento imediato são fundamentais para melhorar a sobrevida de pacientes em choque séptico.(14) O início precoce da ressuscitação pode restaurar a oferta de oxigênio, reverter a hipóxia tecidual, e minimizar a progressão para disfunção celular e mitocondrial e para o estabelecimento da síndrome da falência múltipla de órgãos, secundária à inflamação sistêmica e à hipoperfusão tecidual.(15) Além da fluidoterapia, o controle de infecção com administração precoce de antibióticos adequados é essencial para mitigar as lesões secundárias à resposta inflamatória.(16) No entanto, a disóxia tecidual pode ocorrer mesmo após ressuscitação adequada com fluidos, dependendo da intensidade da inflamação sistêmica e da gravidade da doença.

TIPOS DE FLUIDOS

Os fluidos para ressuscitação, podem ser divididos em duas grandes categorias: cristaloides e coloides (Tabelas 1 e2).(9) Diferentes tipos de soluções podem apresentar especificidades em relação à capacidade de expansão volêmica, duração de efeito, impacto sobre integridade vascular, equilíbrio acidobásico, resposta inflamatória, alterações na reologia de hemácias e na hemostase.(9) Essas alterações podem resultar em efeitos benéficos ou deletérios, dependendo das características do paciente e do fluido. Nas seções a seguir, discutiremos os principais tipos de fluidos disponíveis para a ressuscitação em casos de choque séptico.

Tabela 1 Principais soluções cristaloides e sua composição(9) 

Soluções/características Osmolalidade (mOsm/L) pH Sódio (mEq/L) Cloreto (mEq/L) Potássio (mEq/L) Cálcio (mEq/L) Magnésio (mEq/L) Tampões (mEq/L)
Plasma 290 7,4 140 103 4 4 2 Bicarbonato (24)
Solução salina (NaCl 0,9%) 308 5,7 154 154 0 0 0 0
Ringer simples 309 5,8 147 156 4 4 0 0
Ringer lactato 273 6,5 130 109 4 3 0 Lactato (28)
Ringer acetato 275 6,7 131 109 4 3 0 Acetato (28)
Plasma-Lyte 295 7,4 140 98 5 0 3 Acetato (28) Gluconato (23)

Tabela 2 Principais soluções coloidais e sua composição(9) 

Soluções/ características Albumina Hidroxietilamido Dextran Gelatinas
Concentração da solução 4%, 5% 20%, 25% 6%, 10% pentastarch 6% hetastarch 10% de Dextran 40 3% de Dextran 60 6% de Dextran 70  
Peso molecular 69   100-450   40-70   30-35
Osmolalidade (mOsm/L) 300 1.500 300-326   280-324   300-350
Pressão oncótica (mmHg) 19-30 74-120 23-82   20-60   25-42
Expansão plasmática (%) 70-100 200-300 100-160   100-200 80-140 70-100
Duração da expansão plasmática (h) ≤24   ≤12 ≤4-36 ≤4-6 ≤8-24 ≤4-6
Meia-vida plasmática (h) 16-24   2-12   2 ~24 ~2-9
Possíveis efeitos adversos Alto custo, risco de infecção e reações anafiláticas Défice de coagulação, prurido, insuficiência renal aguda e reações anafiláticas Alterações na viscosidade sanguínea, coagulopatia, disfunção renal e reações anafiláticas Hipercalcemia e reações anafiláticas

CRISTALOIDES

Soluções cristaloides são recomendadas como primeira escolha para ressuscitação de pacientes em choque séptico e, atualmente, são o tipo de fluido mais utilizado nos Estados Unidos.(1,9) “Cristaloide” é o termo mais utilizado para se referir a soluções contendo água, íons inorgânicos e pequenas moléculas orgânicas. Essas soluções contêm glicose ou cloreto de sódio e podem ser hipotônicas, isotônicas ou hipertônicas. Algumas podem conter outros componentes, como potássio ou cálcio, e podem utilizar tampões, como lactato ou acetato, para ficarem semelhantes ao plasma.(9)

O solução salina (NaCl 0,9%) é considerado uma solução isotônica, com osmolalidade próxima à do plasma (287mOsm/kg), e contém uma concentração de sódio de 154mEq/L e de cloreto de 154mEq/L, ou seja, a concentração é 1,5 vez maior que a concentração sérica fisiológica de cloreto. Por esse motivo, considera-se o solução salina como solução não balanceada.(9) Como a solução salina normal tem maior concentração de cloreto, as infusões em grande volume podem desencadear acidose hiperclorêmica, também conhecida como acidose hiperclorêmica por diluição, que pode ser explicada pela abordagem de diferença de íons fortes (SID - strong ion difference).(17)

A SID é definida como a diferença entre cátions e ânions dissociados no plasma.(17) Em um homem saudável de 70kg, a concentração plasmática de sódio e cloreto é de aproximadamente 140mEq/L e 100mEq/L, respectivamente, e o volume de água corporal total é de cerca de 42L. Assim, em indivíduos saudáveis, a concentração de cátions excede a de ânions, resultando em uma diferença de 40mEq/L (SID plasmático =40mEq/L). Nessas condições, as concentrações corporais totais de sódio e cloreto são 5.880mEq e 4.200mEq, respectivamente. Se esse indivíduo receber 10L de solução salina, acrescentará 1.540mEq no sódio plasmático e 1.000mEq no cloreto plasmático, o que resulta em sódio e cloreto corporal total de 7.420mEq e 5.200mEq, respectivamente. A água corporal total também aumentará de 42 para 52L. Assim, o SID é reduzido para 32mEq/L, e a concentração de sódio e cloreto aumenta para 142,7 e 110mEq/L, respectivamente.(18,19) Isso ocorre porque a solução salina contém cátions e ânions fortes na mesma quantidade, por exemplo seu SID é zero. Assim, a infusão de solução salina normal reduzirá o SID do plasma e, desse modo, reduzirá seu pH. Em geral, a acidose é leve a moderada, a variação de excesso de base não é maior que -10mEq/L, e o pH raramente atinge menos de 7,30 após compensação respiratória.(20) Se a infusão salina for interrompida, espera-se que os efeitos sejam transitórios e se revertam em 48 horas.(21)

Além da acidose hiperclorêmica, a infusão de grandes quantidades de solução salina pode comprometer a coagulação, a função renal e a resposta imunológica.(22) A coagulopatia dilucional ocorre porque todos os fatores de coagulação serão diluídos pelo volume de solução salina, aumentando o risco de sangramento.(22) Além disso, há cada vez mais evidências demonstrando que a solução salina normal pode afetar a função renal. Em estudos experimentais em animais, demonstrou-se que a hipercloremia induzida pela solução salina diminui o fluxo sanguíneo renal e estimula a vasoconstrição renal.(23,24)

As soluções balanceada foram propostas como alternativa para a solução salina.(25) Uma solução pode ser considerada em equilíbrio ideal quando estiver normotônica com SID de 24mEq/L.(26) O que pode ser conseguido removendo-se 24mEq/L de cloreto de uma solução de cloreto de sódio a 0,9% e substituindo essa quantidade por bicarbonato ou ânions orgânicos, que desaparecem rapidamente após a infusão, como o lactato ou o acetato.(26)Considerando os eventos adversos relacionados a uma solução não balanceada descritos anteriormente, as soluções balanceadas podem ser a resposta ideal para a ressuscitação de pacientes críticos.

As soluções balanceadas utilizadas com maior frequência incluem o Ringer simples, Ringer Lactato, Ringer Acetato e Plasma-Lyte. Ringer Lactato foi desenvolvido no início da década de 1930, acrescentando-se lactato de sódio a uma solução de Ringer como tampão, reduzindo sua concentração de cloreto (109mEq/L), quando comparado à solução de Ringer simples (Tabela 1). Ringer Lactato é uma solução levemente hipotônica (273mOsm/kg) e contém potássio e cálcio. A preocupação de que uma infusão de grande quantidade de Ringer Lactato pudesse aumentar o nível plasmático de lactato em pacientes graves levou à substituição do tampão de lactato pelo de acetato, para criar o Ringer Acetato. A composição do Ringer Lactato e Acetato é quase idêntica, com exceção do tampão adicionado (lactato ou acetato). Plasma-Lyteé outra solução balanceada com osmolalidade de 295mOsm/L, concentração de sódio de 140mEq/L e concentração de cloreto de 98mEq/L. Outros eletrólitos e tampões que compõem essa solução são potássio, magnésio, acetato e gluconato. Em pacientes com função renal comprometida, deve-se evitar esse tipo de solução, devido ao risco de hipercalemia (Tabela 1).

Foi demonstrado que uma estratégia com restrição de cloreto em pacientes graves estava associada à redução significativa de injúria renal aguda e ao uso de terapia de substituição renal.(27) Além disso, uma grande coorte retrospectiva, com 53.448 pacientes sépticos, demonstrou que a ressuscitação com fluidos balanceados reduz o risco de morte hospitalar em comparação com fluidos não balanceados (risco relativo – RR=0,86; intervalo de confiança de 95% − IC 95%: 0,78-0,94; p=0,001). No entanto, não foram relatadas diferenças significativas na incidência de insuficiência renal aguda, necessidade de terapia de substituição renal, e tempo de internação em unidade de terapia intensiva (UTI) e hospital.(25)

No entanto, o nível de evidência para corroborar o uso de soluções balanceadas na prática clínica é baixo.(28)Metanálise recente sugeriu que a ressuscitação com cristaloides balanceados, em comparação com solução não balanceada (solução salina a 0,9%), pode estar associada a menor taxa de mortalidade (odds ratio – OR=0,78; IC95%: 0,58-1,05).(28) Nesse contexto, ainda é necessário um grande ensaio clínico randomizado, comparando soluções balanceadas e não balanceadas para ressuscitação, em caso de choque séptico.(28)

COLOIDES

Coloides são definidos como substâncias homogêneas não cristaloides formadas por moléculas grandes ou partículas ultramicroscópicas de uma substância, dispersas através da molécula de uma segunda substância com alto peso molecular.(29) Esses fluidos têm duração relativamente maior e capacidade de expansão intravascular com menores volumes, ou seja, uma pressão oncótica mais alta quando comparada à dos cristaloides. Os coloides não conseguem atravessar a membrana vascular impermeável devido ao seu alto peso molecular.(29)

Há dois tipos de coloides: naturais e semissintéticos. A albumina humana em solução salina é a solução coloidal de referência e representa um coloide natural derivado do plasma humano. Coloides semissintéticos, por outro lado, consistem de derivados de três grupos moleculares principais: gelatinas, dextrans e amidos (Tabela 2). Para produzir um coloide, essas moléculas são suspensas em um solvente, que pode ser uma solução salina isotônica ou hipertônica, glicose hipertônica, ou uma solução isotônica balanceada de eletrólitos. A solução salina isotônica é o solvente mais comum utilizado em soluções coloidais. Devido ao escopo dessa revisão, focaremos nas soluções de amido e albumina.

Hidroxietilamido

O hidroxietilamido (HES), uma solução sintética produzida por meio da manipulação de amilopectina cerosa ou de batata (um polímero multirramificado da glicose), tornou-se um dos expansores plasmáticos coloidais mais utilizados em todo o mundo, principalmente devido a seu custo mais baixo em comparação com a albumina.(30) Atualmente, os HES vêm sendo evitados no tratamento de pacientes graves, especialmente naqueles que apresentam sepse. Dados clínicos recentes indicam que os coloides não melhoram o desfecho dos pacientes e podem ser prejudiciais, dependendo do contexto e do tipo de coloide.(31,32)

HES são identificados por três números, por exemplo, 10% HES 200/0,5 ou 6% HES 130/0,4. Sendo classificados de acordo com o peso molecular médio (variação de 70 a 670 kiloDalton) e a frequência de grupos hidroxietil por monômero de glicose (variação de 0,4 a 0,7).(33) O primeiro número indica a concentração da solução, o segundo representa o peso molecular médio em kiloDalton (kDa), e o terceiro e mais significativo é a substituição molar (MS - molar substitution).(33)

Os HES têm um número variável de resíduos hidroxietil ligados às partículas de glicose anidra no polímero. Essa substituição aumenta a solubilidade do amido em água e, em graus variáveis, inibe a taxa de degradação do polímero de amido pelas amilases.(33) Esses parâmetros são muito relevantes para a farmacocinética dos HES. A meia-vida da solução de amido depende de seu peso molecular, do grau de substituição, e da proporção de grupos hidroxietil no carbono C2, em comparação com o carbono C6 do monômero de glicose.(34) Os grupos hidroxietil na posição do átomo C2 inibem o acesso da alfa-amilase ao substrato de forma mais efetiva do que os grupos hidroxietil na posição C6. Assim, espera-se que os HES produzidos com altas proporções C2/C6 sejam degradados mais lentamente.(34) Em geral, o HES é utilizado para estratégias restritivas de fluidos, devido a uma alta capacidade de expansão plasmática com administração menor de volume.

Um ensaio clínico prospectivo multicêntrico foi realizado para avaliar a frequência de insuficiência renal aguda em casos de sepse grave e choque séptico em pacientes ressuscitados com HES a 6% (200kDa, 0,60; substituição 0,66) ou gelatina fluida modificada 3%.(35) A frequência de insuficiência renal aguda e oligúria, e o pico da concentração de creatinina sérica foram significativamente mais altos no grupo HES em comparação com o grupo gelatina.(35)Nesse estudo, observou-se que a ressuscitação com HES foi um fator de risco independente para insuficiência renal aguda (OR=2,57; IC95%: 1,13-5,83; p=0,026) em pacientes com sepse grave ou choque séptico.(35) Outros estudos avaliaram amidos com peso molecular alto ou intermediário (200 ou 450kDa) e maior grau de substituição molar (0,5 a 0,7), e apresentaram maior incidência de insuficiência renal ou complicações relacionadas a sangramento.(36)

Defendeu-se a ideia de que os HES de terceira geração, com menor peso molecular e menor grau de substituição molar, teriam um perfil mais seguro e, portanto, estariam associados a menor incidência de eventos adversos (especialmente complicações por hemorragia e lesão renal aguda). Assim, poderiam ser utilizados para o tratamento de pacientes graves. No entanto, essa hipótese não se confirmou nos ensaios clínicos mais recentes.(37-39) Nesses estudos, a ressuscitação com HES de terceira geração foi associada a maior risco de morte, insuficiência renal aguda e necessidade de terapia de substituição renal, especialmente entre os pacientes sépticos.(37-39)Os resultados relatados foram bastante semelhantes, independente da comparação de amidos derivados da batata ou do milho.(40) Em resumo, a literatura mais recente não corrobora o uso do HES durante a ressuscitação de pacientes com sepse grave ou choque séptico.

Albumina

As soluções de albumina são utilizadas em todo o mundo para o tratamento de pacientes graves. Uma metanálise de 1998 associou o uso de albumina a alta taxa de mortalidade.(41)Nesse contexto, a segurança do uso da albumina foi questionada até que o estudo SAFE (Saline versus Albumin Fluid Evaluation) foi publicado, demonstrando que as soluções de albumina, em comparação com cristaloides, não aumentavam a mortalidade.(42)

A administração de albumina pode ser justificada com base em seus efeitos fisiológicos, principalmente ligação e transporte de várias substâncias no sangue (drogas e hormônios, por exemplo); propriedades antioxidantes; modulação de óxido nítrico; e capacidade de tamponamento, que pode ser particularmente relevante para pacientes graves e não apenas para regular a pressão osmótica.(43) Além disso, o nível reduzido de albumina sérica, um achado comum em pacientes graves, está associado a desfechos piores.(44) Por outro lado, há algumas limitações para o uso amplo de soluções de albumina: seu alto custo, risco potencial de transmissão de microrganismos e efeitos alergênicos, quando comparadas com os cristaloides.(44) Até o momento, nenhum ensaio clínico randomizado demonstrou um benefício real para a administração de albumina. Na verdade, pode-se observar que algumas subpopulações, como as vítimas de trauma craniencefálico, podem apresentar maior risco de morte ao receberem soluções de albumina.(45)

A análise de um subgrupo de pacientes em choque séptico incluídos no estudo SAFE apresentou uma tendência à redução na mortalidade a favor da albumina, em comparação com a solução salina normal (OR ajustado 0,71; IC95%: 0,52-0,97; p=0,03).(46)Mais recentemente, o estudo ALBIOS (Volume Replacement With Albumin in Severe Sepsis) randomizou 1.818 pacientes em sepse grave ou choque séptico para receberem 300mL de albumina a 20% mais cristaloide, ou para receberem apenas cristaloide do momento da randomização até o 28o dia ou a alta da UTI, com meta de manutenção da albumina sérica ≥30g/L.(47) Apesar de mais pacientes terem atingido a meta de PAM em 6 horas no grupo da albumina, quando comparado ao grupo dos cristaloides, nem a taxa mortalidade com 28 dias nem a taxa de mortalidade com 90 dias (RR=0,94; IC95%: 0,85-1,05; p=0,29) diferiram entre os grupos.(47)

Podemos concluir que existe a necessidade de um ensaio clínico comparando uma solução de albumina a 4% com cristaloides para ressuscitar pacientes em choque séptico. A solução de albumina, por exemplo, é a única solução coloidal aprovada pelas diretrizes da Surviving Sepsis Campaign para pacientes sépticos que não respondem a infusão de cristaloides.(1)

CONCLUSÃO

Não há consenso sobre qual tipo de fluido deve ser utilizado como primeira escolha para ressuscitar pacientes com choque séptico. As evidências mostram que soluções cristaloides, balanceadas ou não, são a escolha mais aconselhável. Soluções de albumina hipo-oncóticas podem ser utilizadas como alternativa para os pacientes que precisam de grande quantidade de fluido durante a fase inicial de ressuscitação. Os hidroxietilamidos não devem ser prescritos para essa população devido a seus efeitos deletérios. São necessárias novas evidências sobre o uso de albumina e soluções balanceadas nessa população de pacientes.

REFERÊNCIAS

.Dellinger RP, Levy MM, Rhodes A, Annane D, Gerlach H, Opal SM, Sevransky JE, Sprung CL, Douglas IS, Jaeschke R, Osborn TM, Nunnally ME, Townsend SR, Reinhart K, Kleinpell RM, Angus DC, Deutschman CS, Machado FR, Rubenfeld GD, Webb S, Beale RJ, Vincent JL, Moreno R; Surviving Sepsis Campaign Guidelines Committee including the Pediatric Subgroup. Surviving sepsis campaign: international guidelines for management of severe sepsis and septic shock, 2012. Intensive Care Med. 2013;39(2):165-228.
.Asfar P, Meziani F, Hamel JF, Grelon F, Megarbane B, Anguel N, Mira JP, Dequin PF, Gergaud S, Weiss N, Legay F, Le Tulzo Y, Conrad M, Robert R, Gonzalez F, Guitton C, Tamion F, Tonnelier JM, Guezennec P, Van Der Linden T, Vieillard-Baron A, Mariotte E, Pradel G, Lesieur O, Ricard JD, Hervé F, du Cheyron D, Guerin C, Mercat A, Teboul JL, Radermacher P; SEPSISPAM Investigators. High versus low blood-pressure target in patients with septic shock. N Engl J Med. 2014;370(17):1583-93.
.ARISE Investigators; ANZICS Clinical Trials Group, Peake SL, Delaney A, Bailey M, Bellomo R, Cameron PA, Cooper DJ, Higgins AM, Holdgate A, Howe BD, Webb SA, Williams P. Goal-directed resuscitation for patients with early septic shock. N Engl J Med. 2014;371(16):1496-506.
.ProCESS Investigators, Yealy DM, Kellum JA, Huang DT, Barnato AE, Weissfeld LA, Pike F, Terndrup T, Wang HE, Hou PC, LoVecchio F, Filbin MR, Shapiro NI, Angus DC. A randomized trial of protocol-based care for early septic shock. N Engl J Med. 2014;370(18):1683-93.
.Holst LB, Haase N, Wetterslev J, Wernerman J, Guttormsen AB, Karlsson S, Johansson PI, Aneman A, Vang ML, Winding R, Nebrich L, Nibro HL, Rasmussen BS, Lauridsen JR, Nielsen JS, Oldner A, Pettilä V, Cronhjort MB, Andersen LH, Pedersen UG, Reiter N, Wiis J, White JO, Russell L, Thornberg KJ, Hjortrup PB, Müller RG, Møller MH, Steensen M, Tjäder I, Kilsand K, Odeberg-Wernerman S, Sjøbø B, Bundgaard H, Thyø MA, Lodahl D, Mærkedahl R, Albeck C, Illum D, Kruse M, Winkel P, Perner A; TRISS Trial Group; Scandinavian Critical Care Trials Group. Lower versus higher hemoglobin threshold for transfusion in septic shock. N Engl J Med. 2014;371(15):1381-91.
.Hotchkiss RS, Karl IE. The pathophysiology and treatment of sepsis. N Engl J Med. 2003;348(2):138-50. Review.
.Angus DC, van der Poll T. Severe sepsis and septic shock. N Engl J Med. 2013;369(9):840-51. Review. Erratum in: Erratum in: N Engl J Med. 2013; 369(21):2069.
.Jones AE, Shapiro NI, Trzeciak S, Arnold RC, Claremont HA, Kline JA; Emergency Medicine Shock Research Network (EMShockNet) Investigators. Lactate clearance vs central venous oxygen saturation as goals of early sepsis therapy: a randomized clinical trial. JAMA. 2010;303(8):739-46.
.Myburgh JA, Mythen MG. Resuscitation fluids. N Engl J Med. 2013;369(13): 1243-51. Review.
.Marx G. Fluid therapy in sepsis with capillary leakage. Eur J Anaesthesiol. 2003;20(6):429-42. Review.
.Ospina-Tascon G, Neves AP, Occhipinti G, Donadello K, Büchele G, Simion D, et al. Effects of fluids on microvascular perfusion in patients with severe sepsis. Intensive Care Med. 2010;36(6):949-55.
.Rady MY, Rivers EP, Nowak RM. Resuscitation of the critically ill in the ED: responses of blood pressure, heart rate, shock index, central venous oxygen saturation, and lactate. Am J Emerg Med. 1996;14(2):218-25.
.Cecconi M, Arulkumaran N, Kilic J, Ebm C, Rhodes A. Update on hemodynamic monitoring and management in septic patients. Minerva Anestesiol. 2014; 80(6):701-11.
.Rivers E, Nguyen B, Havstad S, Ressler J, Muzzin A, Knoblich B, Peterson E, Tomlanovich M; Early Goal-Directed Therapy Collaborative Group. Early goal-directed therapy in the treatment of severe sepsis and septic shock. N Engl J Med. 2001;345(19):1368-77.
.Corrêa TD, Vuda M, Blaser AR, Takala J, Djafarzadeh S, Dünser MW, et al. Effect of treatment delay on disease severity and need for resuscitation in porcine fecal peritonitis. Crit Care Med. 2012;40(10):2841-9.
.Kumar A, Roberts D, Wood KE, Light B, Parrillo JE, Sharma S, et al. Duration of hypotension before initiation of effective antimicrobial therapy is the critical determinant of survival in human septic shock. Crit Care Med. 2006;34(6): 1589-96.
.Seifter JL. Integration of acid-base and electrolyte disorders. N Engl J Med. 2014;371(19):1821-31. Review.
.Kellum JA. Determinants of plasma acid-base balance. Crit Care Clin. 2005; 21(2):329-46. Review.
.Scheingraber S, Rehm M, Sehmisch C, Finsterer U. Rapid saline infusion produces hyperchloremic acidosis in patients undergoing gynecologic surgery. Anesthesiology. 1999;90(5):1265-70.
.Morgan TJ. The meaning of acid-base abnormalities in the intensive care unit: part III -- effects of fluid administration. Crit Care. 2005;9(2):204-11. Review.
.Kellum JA. Saline-induced hyperchloremic metabolic acidosis. Crit Care Med. 2002;30(1):259-61.
.Smorenberg A, Ince C, Groeneveld AJ. Dose and type of crystalloid fluid therapy in adult hospitalized patients. Perioper Med (Lond). 2013;2(1):17. Erratum in: Perioper Med (Lond). 2014;3:3.
.Nashat FS, Tappin JW, Wilcox CS. The renal blood flow and the glomerular filtration rate of anaesthetized dogs during acute changes in plasma sodium concentration. J Physiol. 1976;256(3):731-45.
.Wilcox CS. Regulation of renal blood flow by plasma chloride. J Clin Invest. 1983;71(3):726-35.
.Raghunathan K, Shaw A, Nathanson B, Stürmer T, Brookhart A, Stefan MS, et al. Association between the choice of IV crystalloid and in-hospital mortality among critically ill adults with sepsis*. Crit Care Med. 2014;42(7):1585-91.
.Morgan TJ. The ideal crystalloid - what is ‘balanced’? Curr Opin Crit Care. 2013; 19(4):299-307. Review.
.Yunos NM, Bellomo R, Hegarty C, Story D, Ho L, Bailey M. Association between a chloride-liberal vs chloride-restrictive intravenous fluid administration strategy and kidney injury in critically ill adults. JAMA. 2012;308(15):1566-72.
.Rochwerg B, Alhazzani W, Sindi A, Heels-Ansdell D, Thabane L, Fox-Robichaud A, Mbuagbaw L, Szczeklik W, Alshamsi F, Altayyar S, Ip WC, Li G, Wang M, Wludarczyk A, Zhou Q, Guyatt GH, Cook DJ, Jaeschke R, Annane D; Fluids in Sepsis and Septic Shock Group. Fluid resuscitation in sepsis: a systematic review and network meta-analysis. Ann Intern Med. 2014;161(5):347-55. Review.
.Niemi TT, Miyashita R, Yamakage M. Colloid solutions: a clinical update. J Anesth. 2010;24(6):913-25. Review.
.Basora M, Moral V, Llau JV, Silva S. [Perioperative colloid administration: a survey of Spanish anesthesiologists’ attitudes]. Rev Esp Anestesiol Reanim. 2007;54(3):162-8. Spanish.
.Hartog CS, Kohl M, Reinhart K. A systematic review of third-generation hydroxyethyl starch (HES 130/0.4) in resuscitation: safety not adequately addressed. Anesth Analg. 2011;112(3):635-45. Review.
.Serpa Neto A, Veelo DP, Peireira VG, de Assunção MS, Manetta JA, Espósito DC, et al. Fluid resuscitation with hydroxyethyl starches in patients with sepsis is associated with an increased incidence of acute kidney injury and use of renal replacement therapy: a systematic review and meta-analysis of the literature. J Crit Care. 2014;29(1):185.e1-7. Review.
.Westphal M, James MF, Kozek-Langenecker S, Stocker R, Guidet B, Van Aken H. Hydroxyethyl starches: different products--different effects. Anesthesiology. 2009;111(1):187-202. Review.
.Treib J, Baron JF, Grauer MT, Strauss RG. An international view of hydroxyethyl starches. Intensive Care Med. 1999;25(3):258-68. Review.
.Schortgen F, Lacherade JC, Bruneel F, Cattaneo I, Hemery F, Lemaire F, et al. Effects of hydroxyethylstarch and gelatin on renal function in severe sepsis: a multicentre randomised study. Lancet. 2001;357(9260):911-6.
.Brunkhorst FM, Engel C, Bloos F, Meier-Hellmann A, Ragaller M, Weiler N, Moerer O, Gruendling M, Oppert M, Grond S, Olthoff D, Jaschinski U, John S, Rossaint R, Welte T, Schaefer M, Kern P, Kuhnt E, Kiehntopf M, Hartog C, Natanson C, Loeffler M, Reinhart K; German Competence Network Sepsis (SepNet). Intensive insulin therapy and pentastarch resuscitation in severe sepsis. N Engl J Med. 2008;358(2):125-39.
.Myburgh JA, Finfer S, Bellomo R, Billot L, Cass A, Gattas D, Glass P, Lipman J, Liu B, McArthur C, McGuinness S, Rajbhandari D, Taylor CB, Webb SA; CHEST Investigators; Australian and New Zealand Intensive Care Society Clinical Trials Group. Hydroxyethyl starch or saline for fluid resuscitation in intensive care. N Engl J Med. 2012;367(20):1901-11.
.Guidet B, Martinet O, Boulain T, Philippart F, Poussel JF, Maizel J, et al. Assessment of hemodynamic efficacy and safety of 6% hydroxyethylstarch 130/0.4 vs. 0.9% NaCl fluid replacement in patients with severe sepsis: the CRYSTMAS study. Crit Care. 2012;16(3):R94.
.Perner A, Haase N, Guttormsen AB, Tenhunen J, Klemenzson G, Åneman A, Madsen KR, Møller MH, Elkjær JM, Poulsen LM, Bendtsen A, Winding R, Steensen M, Berezowicz P, Søe-Jensen P, Bestle M, Strand K, Wiis J, White JO, Thornberg KJ, Quist L, Nielsen J, Andersen LH, Holst LB, Thormar K, Kjældgaard AL, Fabritius ML, Mondrup F, Pott FC, Møller TP, Winkel P, Wetterslev J; 6S Trial Group; Scandinavian Critical Care Trials Group. Hydroxyethyl starch 130/0.42 versus Ringer’s acetate in severe sepsis. N Engl J Med. 2012;367(2):124-34. Erratum in: N Engl J Med. 2012;367(5):481.
.Patel A, Waheed U, Brett SJ. Randomised trials of 6% tetrastarch (hydroxyethyl starch 130/0.4 or 0.42) for severe sepsis reporting mortality: systematic review and meta-analysis. Intensive Care Med. 2013;39(5):811-22. Review.
.Cochrane Injuries Group Albumin Reviewers. Human albumin administration in critically ill patients: systematic review of randomised controlled trials. BMJ. 1998;317(7153):235-40.
.Finfer S, Bellomo R, Boyce N, French J, Myburgh J, Norton R; SAFE Study Investigators. A comparison of albumin and saline for fluid resuscitation in the intensive care unit. N Engl J Med. 2004;350(22):2247-56.
.Vincent JL. Relevance of albumin in modern critical care medicine. Best Pract Res Clin Anaesthesiol. 2009;23(2):183-91. Review.
.Vincent JL, Russell JA, Jacob M, Martin G, Guidet B, Wernerman J, et al. Albumin administration in the acutely ill: what is new and where next? Crit Care. 2014;18(4):231. Erratum in: Crit Care. 2014;18(6):630. Roca, Ricard Ferrer [corrected to Ferrer, Ricard].
.SAFE Study Investigators; Australian and New Zealand Intensive Care Society Clinical Trials Group; Australian Red Cross Blood Service; George Institute for International Health, Myburgh J, Cooper DJ, Finfer S, Bellomo R, Norton R, Bishop N, Kai Lo S, Vallance S. Saline or albumin for fluid resuscitation in patients with traumatic brain injury. N Engl J Med. 2007;357(9):874-84.
.SAFE Study Investigators,, Finfer S, McEvoy S, Bellomo R, McArthur C, Myburgh J, Norton R. Impact of albumin compared to saline on organ function and mortality of patients with severe sepsis. Intensive Care Med. 2011;37(1):86-96.
.Caironi P, Tognoni G, Masson S, Fumagalli R, Pesenti A, Romero M, Fanizza C, Caspani L, Faenza S, Grasselli G, Iapichino G, Antonelli M, Parrini V, Fiore G, Latini R, Gattinoni L; ALBIOS Study Investigators. Albumin replacement in patients with severe sepsis or septic shock. N Engl J Med. 2014;370(15):1412-21.