versão impressa ISSN 0102-311Xversão On-line ISSN 1678-4464
Cad. Saúde Pública vol.35 no.6 Rio de Janeiro 2019 Epub 04-Jul-2019
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00159718
The aim of this cross-sectional study nested in a cohort was to describe the targeting and coverage of the Family Income program in children 13 to 35 months of age. Data were obtained from the BRISA Birth Cohorts in Ribeirão Preto, São Paulo State, and São Luís, Maranhão State, Brazil. The cohorts started in 2010 with the inclusion of all the births in Ribeirão Preto (7,794) and 5,236 in São Luís, covering a random sample of one third. In the follow-up waves in 2011 and 2013, 3,805 children returned in Ribeirão Preto and 3,308 in São Luís. The data were used from the time of follow-up and were integrated with the information from the Single Registry (CadÚnico). Two eligibility criteria were considered for receiving the Family Income benefit: monthly per capita family income of BRL 140.00 or less (approximately USD 38.00) and economic classes D/E. The percentages of targeting and covering were estimated for Family Income. Weighting was performed for losses to follow-up. According to family income, the program’s targeting was 33.8% in São Luís and 15.9% in Ribeirão Preto; according to economic class, it was 33.7% in São Luís and 15.3% in Ribeirão Preto. According to per capita family income, coverage was 82.1% in São Luís and 71.6% in Ribeirão Preto; and according to economic class it was 68.9% in São Luís and 46.8% in Ribeirão Preto. The program’s targeting rates were low, while the coverage rates were better. Both indicators were higher in São Luís than in Ribeirão Preto.
Keywords: Poverty; Government Programs; Salaries and Fringe Benefits
Se trata de un estudio transversal anidado en una cohorte, cuyo objetivo fue describir la atención y cobertura del programa Bolsa Familia (PBF), en niños de 13 a 35 meses de edad. Se usaron datos de las cohortes de nacimiento BRISA, en Ribeirão Preto, São Paulo, y São Luís, Maranhão, Brasil. El inicio de las cohortes fue 2010, con la inclusión de todos los nacimientos en Ribeirão Preto (7.794) y 5.236 en São Luís, abarcando un tercio de la muestra aleatoria. En el seguimiento, realizado de 2011 a 2013, regresaron 3.805 niños en Ribeirão Preto y 3.308 en São Luís. Se utilizaron los datos recogidos cuando se realizó el seguimiento y, posteriormente, se integraron en la información que proporciona el Registro Único (CadÚnico). Se consideraron dos criterios de elegibilidad para ser beneficiario del Bolsa Familia renta familiar per cápita mensual de hasta BRL 140,00 y clase económica D/E. Se estimaron porcentajes de atención y cobertura del Bolsa Familia. Se realizó una ponderación respecto a las pérdidas en el seguimiento. La atención del Bolsa Familia, según renta familiar per cápita mensual, alcanzó a un 33,8% en São Luís y un 15,9% en Ribeirão Preto; y según la clase económica, fue de un 33,7% en São Luís y un 15,3% en Ribeirão Preto. La cobertura del Bolsa Familia, de acuerdo con el criterio de renta familiar per cápita mensual, fue de un 82,1% en São Luís y un 71,6% en Ribeirão Preto; y según la clase económica fue de un 68,9% en São Luís y un 46,8% en Ribeirão Preto. Fueron bajos los porcentajes de atención y mejores los porcentajes de cobertura del Bolsa Familia, con estimaciones mayores de esos indicadores en São Luís, en comparación con los de Ribeirão Preto.
Palabras-clave: Pobreza; Programas de Gobierno; Salarios y Beneficios
Apesar da concentração de renda no Brasil ainda permanecer elevada no cenário mundial, ocorreu melhoria consistente deste indicador nas últimas duas décadas, tendo o país superado a meta dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio de diminuir a pobreza extrema, antes do prazo em 2015, de 25,5% (1990) para 3,5% (2012) (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Base de dados, 2018. http://www.ipeadata.gov.br/Default.aspx, acessado em 18/Abr/2018).
Verificou-se redução da desigualdade social no país, com queda do índice de Gini de 0,59 em 2001 para 0,53 em 2009 1, e diminuição do contingente de pobres em torno de 20 milhões de 2003 a 2011 2. Um dos fatores apontados para essa evolução é o programa Bolsa Família, que foi responsável por 21% da redução na queda do Gini até 2004 3.
O Bolsa Família consiste em um programa de transferência de renda condicionada, que objetiva reduzir a pobreza e promover o desenvolvimento do capital humano das gerações posteriores. Criado em 2003, unificou os programas de transferências de renda existentes. Consiste em uma política intersetorial que busca favorecer, além do benefício monetário, acesso a direitos sociais básicos como saúde, educação, assistência social e segurança alimentar, e superação de vulnerabilidades 4. Apresenta grande amplitude e atende a mais de 11 milhões de famílias 5. É um programa focalizado, direcionado exclusivamente às famílias que se encontram em situação de maior vulnerabilidade social, na condição de pobreza e extrema pobreza.
Indicadores de foco e de cobertura permitem avaliar se o Bolsa Família está sendo adequadamente destinado ao seu público-alvo. O foco possibilita identificar se está ocorrendo vazamento do programa, com o benefício sendo destinado a famílias não prioritárias. A cobertura permite verificar a existência de grave distorção do programa, que é a presença de elegíveis não beneficiários. A focalização do programa, assim como sua cobertura, é a dimensão central dos programa de transferência de renda condicionada da América Latina e Caribe, especialmente do Brasil 6.
As famílias precisam estar inscritas no Cadastro Único (CadÚnico) para programas sociais do Governo Federal, sistema vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Social, para serem contempladas no Bolsa Família. Além disso, devem realizar atualização cadastral a cada dois anos. Os municípios são a instância gestora responsável pelo cadastramento das famílias no CadÚnico 7.
As transferências às famílias correspondem a repasses mensais compostos por um valor fixo e outro variável, de R$ 77,00 a R$ 435,00. O valor do benefício depende da composição familiar, sendo elegíveis aquelas que apresentam gestante, nutriz e criança ou adolescente. Entretanto, há repasse incondicional para aquelas famílias que se encontram na extrema pobreza 8.
Além da composição familiar, o programa também adota como critério de elegibilidade para o recebimento do benefício a renda per capita mensal das famílias. Nos anos de 2010-2013, as famílias eram consideradas elegíveis quando se encontravam em situação de extrema pobreza, cuja renda per capita mensal era de até R$ 70,00, ou em situação de pobreza, quando a renda per capita mensal era de R$ 70,01 a R$ 140,00 8.
Dessa forma, o Bolsa Família adota uma concepção monetarista da pobreza, ao considerar a renda como o único critério para caracterizar as famílias em situação de pobreza e extrema pobreza 4. Além da insuficiência de renda, a pobreza pode ser caracterizada pela falta ou dificuldade no acesso aos serviços básicos, informação, trabalho, e participação social e política 9.
Contudo, o programa parece enfrentar problemas quanto à seleção adequada dessas famílias. Schmidt et al. 10 estimaram percentuais de foco do Bolsa Família de 32,4% e cobertura de 63%, no ano de 2010, considerando o critério de elegibilidade de renda per capita. Fizeram uso de dados de uma Coorte de Nascimento em Pelotas (rio Grande do Sul), CadÚnico e Portal da Transparência, no período de 2004 a 2010. Sousa 11, utilizando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD 2006), estimou para o Brasil o percentual de foco do Bolsa Família de 70%, que variou entre as Unidades de Federação. Regiões mais pobres apresentaram melhor focalização (Alagoas, 83,99%; Sergipe, 81,39%; e Maranhão, 78,34%), se comparadas àquelas mais desenvolvidas (Rio Grande do Sul, 46,66% e Santa Catarina, 47%). Não foram identificados estudos sobre foco e cobertura do Bolsa Família em São Luís (Maranhão) e Ribeirão Preto (São Paulo). Os programas de transferência de renda condicionada desenvolvidos no Brasil, Colômbia e México alcançaram taxas de cobertura em torno de 50% a 55%, e percentuais de foco de 35% foram identificados no Equador e 39% no México, no ano de 2010 12.
Diante da importância do Bolsa Família, da escassez de estudos de base populacional sobre foco e cobertura do programa, também avaliando locais com diferentes condições socioeconômicas, e que ainda possibilitem avaliar, além da renda, nível econômico das famílias, este trabalho tem como objetivo avaliar foco e cobertura do Bolsa Família em crianças de 13-35 meses de idade, pertencentes às coortes de nascimento BRISA nos municípios de Ribeirão Preto e São Luís.
Este estudo é transversal, aninhado às coortes de nascimento BRISA (Brazilian Ribeirão Preto and São Luís Birth Cohort Studies), que foram desenvolvidas nos municípios de São Luís e Ribeirão Preto em dois momentos: ao nascimento (2010) e no seguimento (2011-2013), realizado dos 13 aos 35 meses de idade. Para esta pesquisa utilizaram-se dados do momento do seguimento dos dois municípios 13.
Ribeirão Preto encontra-se em uma região desenvolvida e industrializada. No ano de 2010, o seu Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) foi 0,800, considerado muito elevado, e sua população era de 604.682 habitantes. Dentre sua população, 9,46% eram vulneráveis à pobreza. A mortalidade infantil era de 9,58 por mil nascidos vivos e o percentual de crianças extremamente pobres de 1,22%. São Luís está localizada em uma das regiões mais pobres do país, sendo seu IDH-M de 0,768, considerado elevado, e sua população era de 1.014.837 habitantes, em 2010. Dentre sua população, 35,27% eram vulneráveis à pobreza. A mortalidade infantil era de 16,02 por mil nascidos vivos e o percentual de crianças extremamente pobres de 7,34% 14,15.
Na coorte de nascimento BRISA, em Ribeirão Preto, foram incluídos todos os nascimentos de residentes no município, totalizando 7.752 nascidos vivos (únicos e múltiplos), resultando em amostra de 7.684 crianças. No seguimento, houve perda de 3.879 (50,5%), sendo que a amostra final incluiu 3.805 crianças de 13-35 meses de idade. Em São Luís, a amostra do nascimento foi obtida de forma probabilística, sistemática, estratificada e proporcional ao número de partos por hospital, alcançando 94,7% de todos os partos. Em cada hospital com 100 ou mais nascimentos por ano, estes foram sorteados com início casual de um a três. Dos 5.166 nascidos vivos (únicos e múltiplos) de São Luís, houve perdas de seguimento de 1.858 (36%), resultando numa amostra final de 3.308 crianças de 13-35 meses de idade. Em ambos os municípios, as gestantes participantes da pesquisa deveriam ser residentes nos municípios há pelo menos três meses e seus partos terem ocorrido em instituições hospitalares públicas e privadas, de janeiro a dezembro de 2010. Nos dois municípios, a coleta ao nascimento foi realizada diariamente nos hospitais por meio de entrevistas e com base nas informações dos prontuários. Para o momento do seguimento, todas as mães incluídas inicialmente na pesquisa foram convidadas a comparecer para a nova entrevista e avaliação de saúde de seus filhos, de 2011-2013. As perdas de seguimento aconteceram por não localização, recusa e não comparecimento das mães. Também ocorreram óbitos de crianças (Figura 1).
Figura 1 Fluxogramas amostrais, ao nascimento e no seguimento das crianças incluídas nas coortes de nascimentos BRISA. Ribeirão Preto, São Paulo, e São Luís, Maranhão, Brasil, 2011-2013.
Além dos dados das coortes para estimativa do foco e cobertura do Bolsa Família foram utilizados dados do CadÚnico, fornecidos pelo Ministério do Desenvolvimento Social, em conformidade com o processo regulado pelo Art. 11 da Portaria MDS nº 10/201216. Esses dados incluem informações sobre recebimento e valor do benefício do Bolsa Família, no período de 2011-2013.
Os dados do CadÚnico foram integrados aos das coortes por meio de pareamento probabilístico. Para isso, foram geradas chaves para a ligação dos bancos com base no nome e data de nascimento da mãe da criança. O pareamento foi realizado com o software Stata versão 14.0 (https://www.stata.com).
Para a realização do pareamento fez-se uso do banco de dados das coortes, no momento do seguimento. Das 3.308 crianças em São Luís, 2.057 foram identificadas no banco do CadÚnico, e das 3.805 crianças em Ribeirão Preto foram localizadas 1.033. Em São Luís, 95,1% das crianças identificadas no CadÚnico como não beneficiárias informaram não ser beneficiárias, segundo relato da mãe na coorte. Contudo, apenas 50,6% das crianças identificadas no CadÚnico como beneficiárias se encontravam nessa condição, de acordo com as informações da coorte. Para Ribeirão Preto, esses percentuais foram de 94,2% e 59,6%.
A elevada discordância entre o relato da coorte, no qual a criança não era beneficiária, e a informação do CadÚnico, de que era beneficiária, pode ter ocorrido em função do sub-relato do recebimento do benefício do Bolsa Família e/ou por esta informação ter sido coletada na coorte antes do início do recebimento do benefício pela criança, ainda que dentro do ano vigente da participação da mesma no momento do seguimento da coorte (Tabela 1).
Tabela 1 Informações sobre o recebimento do benefício do programa Bolsa Família, segundo banco de dados do CadÚnico e coortes de nascimento BRISA, em crianças de 13-35 meses de idade. Ribeirão Preto, São Paulo, e São Luís, Maranhão, Brasil, 2011-2013.
CadÚnico | Não beneficiário do Bolsa Família | Beneficiário do Bolsa Família | Total | ||
---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | ||
São Luís - coorte BRISA | |||||
Não beneficiário do Bolsa Família | 426 | 95,1 | 22 | 4,9 | 448 * |
Beneficiário do Bolsa Família | 795 | 49,4 | 814 | 50,6 | 1.609 * |
Não identificado | 1.104 | 88,2 | 147 | 11,8 | 1.251 |
Total | 2.325 | 70,3 | 983 | 29,7 | 3.308 |
Ribeirão Preto - coorte BRISA | |||||
Não beneficiário do Bolsa Família | 261 | 94,6 | 15 | 5,4 | 276 * |
Beneficiário do Bolsa Família | 305 | 40,3 | 452 | 59,7 | 757 * |
Não identificado | 2.683 | 97,2 | 79 | 2,8 | 2.762 |
Total | 3.249 | 85,6 | 546 | 14,4 | 3.795 ** |
BRISA: Brazilian Ribeirão Preto and São Luís Birth Cohort Studies; CadÚnico: cadastro único para programas sociais do Governo Federal, sistema vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Social.
* Crianças identificadas no CadÚnico;
** Há diferenças entre os somatórios dos valores absolutos e o total da amostra, devido a informações perdidas.
A variável denominada beneficiário do programa Bolsa Família (beneficiário do Bolsa Família) foi categorizada em sim ou não. Para definir se a criança era beneficiária ou não do Bolsa Família dois critérios foram utilizados: um considerando apenas as crianças que foram localizadas no banco do CadÚnico e outro incluindo, além das informações do CadÚnico, as informações relatadas nas coortes sobre ser beneficiário do Bolsa Família, para as crianças que não foram identificadas no CadÚnico, mas que recebiam o benefício. Considerando-se que crianças beneficiárias poderiam não ter sido identificadas por meio do pareamento. Esse percentual de crianças não identificadas no CadÚnico foi de 11,7% em São Luís e de 2,8% em Ribeirão Preto. Além disso, crianças de baixa renda, não beneficiárias segundo relato nas coortes, podem não ter sido identificadas no banco de CadÚnico pelo fato de que realmente não são cadastradas no mesmo e, com isto, não são beneficiárias do Bolsa Família (Tabela 1).
As informações sobre a classe econômica, número de pessoas residentes no domicílio há pelo menos três meses, renda familiar mensal e renda familiar per capita mensal foram obtidas das coortes, no momento do seguimento.
Contudo, na informação sobre renda familiar mensal estava incluso o valor do benefício do Bolsa Família. Fez-se a retirada do valor do benefício da renda familiar com base nas informações do CadÚnico. Porém, para as crianças consideradas beneficiárias, segundo relato nas coortes, as quais não foram identificadas no CadÚnico, não foram por consequência considerados os valores do benefício do Bolsa Família. Para essas crianças realizou-se a correção da renda, usando-se a mediana do valor do benefício obtida com base nas crianças beneficiárias que apresentavam estes valores (Tabela 1). Com isso, as informações sobre renda familiar mensal e renda familiar per capita mensal não incluíram o valor do benefício do Bolsa Família.
Visto que dados sobre a renda são passíveis de erros de informação, atenção deve ser dispensada para o seu uso de forma isolada 17,18. Foram utilizadas duas variáveis como critérios de elegibilidade para o recebimento do benefício do PBF, à semelhança do estudo de Schmidt et al. 10. Uma das variáveis utilizada foi a renda familiar per capita mensal, construída baseando-se nas informações sobre o número de residentes no domicílio há pelo menos três meses e a renda familiar mensal declarada. As crianças cujas famílias tinham renda familiar per capita mensal de até R$ 140,00 foram consideradas elegíveis para o recebimento do benefício do Bolsa Família, segundo o critério de elegibilidade por renda familiar per capita mensal do Ministério do Desenvolvimento Social, em 2010 19.
A outra variável usada para a verificação da elegibilidade ao Bolsa Família foi a classe econômica, categorizada em A/B, C, D/E segundo os estratos do Critério de Classificação Econômica Brasil, da ABEP (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa. Critérios Brasil: 2009-2010. http://www.abep.org/criterios-brasil, acessado em 12/Abr/2017), que vigoravam nos anos de 2011-2013. As classes mais pobres (D/E), com menor poder de compra, foram consideradas elegíveis ao recebimento do benefício do programa Bolsa Família. Indicadores de classificação econômica, baseados em bens domésticos e escolaridade do chefe de família, como a classe econômica, são menos sujeitos a erros de mensuração e alteração dos resultados em menor espaço de tempo. Esses indicadores são usados por apresentarem relativa praticidade em sua utilização e se mostrarem mais estáveis na classificação das famílias, de acordo com a situação socioeconômica 17.
O Critério de Classificação Econômica Brasil busca definir uma segmentação da população em classes econômicas, com a finalidade de avaliar o poder de compra de grupos homogêneos de pessoas. Os indivíduos são classificados em cinco classes econômicas, sendo a classe A a mais rica e a E a mais pobre (http://www.abep.org/criterios-brasil).
Devido às perdas amostrais, as estimativas foram ponderadas pelo inverso da probabilidade de comparecimento ao seguimento. Inicialmente, foram calculados os percentuais de participação no seguimento. Por meio do teste do qui-quadrado, variáveis associadas com a participação no estudo, com valor de p < 0,05, foram consideradas preditoras desta participação. Posteriormente foram estimadas, em modelo logístico, as probabilidades de participação no estudo em função das variáveis preditoras do comparecimento ao seguimento. Em seguida, os percentuais de foco e cobertura do Bolsa Família foram estimados utilizando-se ponderação pelo inverso desta probabilidade de seleção. Estimaram-se ainda frequências absolutas e relativas.
Foram calculados os percentuais de foco e cobertura do Bolsa Família, considerando-se os dois critérios de elegibilidade. O foco correspondeu ao percentual de crianças elegíveis ao recebimento do benefício do Bolsa Família, dividido por todas as crianças beneficiárias do Programa. A cobertura do Bolsa Família correspondeu ao percentual de crianças elegíveis e beneficiárias do Programa, dividido pelo total de crianças elegíveis 10.
Empregou-se o pacote estatístico Stata versão 14.0 (https://www.stata.com) para a realização das análises. Nas análises estatísticas foram fixados níveis de significância de 5% e adotados intervalos de 95% de confiança (IC95%).
A pesquisa em São Luís foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (HUUFMA), com o número de parecer 223/2009-30, e em Ribeirão Preto no Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (FMRP/USP), com o número de parecer 4116/2008. Nas duas cidades foram assinados os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelas mães que concordaram em participar do estudo.
Os percentuais de foco e cobertura referentes ao recebimento do benefício do Bolsa Família foram maiores em São Luís, em relação a Ribeirão Preto. Os resultados de foco do programa foram consistentes pelos dois critérios de elegibilidade nos dois municípios, e ainda considerando apenas as crianças com dados do CadÚnico, assim como aquelas com dados do CadÚnico e das coortes para a identificação de ser ou não beneficiário do programa. Para as crianças com dados do CadÚnico e das coortes, aquelas inseridas em famílias com renda família per capita mensal de até R$ 140,00 apresentaram 33,8% de foco em São Luís e 15,9% em Ribeirão Preto e, segundo o critério da classe econômica D/E foi de 33,7% em São Luís e 15,3% em Ribeirão Preto. A cobertura do Programa foi menos consistente para os dois critérios de elegibilidade, nos dois municípios e também pelos dois critérios de classificação das crianças em beneficiárias e não beneficiárias. Para as crianças com dados do CadÚnico e das coortes, a cobertura pelo critério da renda familiar per capita mensal de até R$ 140,00 foi de 82,1% em São Luís e 71,6% em Ribeirão Preto, já pelo critério da classe econômica D/E foi de 68,9% em São Luís e 46,8% em Ribeirão Preto (Tabela 2). Para as crianças inseridas em famílias vivendo em situação de extrema pobreza, com renda familiar per capita mensal de até R$ 70,00, a cobertura foi de 94,9% em São Luís e 91,2% em Ribeirão Preto (dados não apresentados em tabela).
Tabela 2 Foco e cobertura do programa Bolsa Família nas coortes de nascimento BRISA, segundo critérios de elegibilidade, em crianças de 13-35 meses de idade. Ribeirão Preto, São Paulo, e São Luís, Maranhão, Brasil, 2011-2013.
Município/Indicador | Critérios de elegibilidade | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
Renda familiar per capita mensal de até R$ 140,00 | Classe econômica D/E (ABEP) | |||||
n | % * (n) | IC95% | n | % * (n) | IC95% | |
Variável beneficiário do Bolsa Família - dados do CadÚnico e das coortes BRISA ** | ||||||
São Luís | ||||||
Cobertura *** | 561 # | 82,1 (461) ## | 0,78-0,85 | 787 # | 68,9 (542) ## | 0,65-0,72 |
Foco ### | 1.406 § | 33,8 (461) ## | 0,30-0,35 | 1.756 § | 33,7 (542) ## | 0,28-0,33 |
Ribeirão Preto | ||||||
Cobertura *** | 144 # | 71,6 (107) ## | 0,66-0,81 | 270 # | 46,8 (128) ## | 0,41-0,53 |
Foco ### | 714 § | 15,9 (107) ## | 0,12-0,17 | 837 § | 15,3 (128) ## | 0,12-0,17 |
Variável beneficiário do Bolsa Família - dados do CadÚnico §§ | ||||||
São Luís | ||||||
Cobertura *** | 459 # | 91,6 (420) ## | 0,88-0,93 | 599 # | 82,2 (491) ## | 0,78-0,84 |
Foco ### | 1.283 § | 33,7 (420) ## | 0,30-0,35 | 1.609 § | 33,4 (491) ## | 0,28-0,32 |
Ribeirão Preto | ||||||
Cobertura *** | 112 # | 91,0 (104) ## | 0,86-0,96 | 151 # | 74,5 (115) ## | 0,68-0,82 |
Foco ### | 647 § | 17,0 (104) ## | 0,13-0,19 | 757 § | 19,4 (115) ## | 0,12-0,17 |
BRISA: Brazilian Ribeirão Preto and São Luís Birth Cohort Studies; CadÚnico: cadastro único para programas sociais do Governo Federal, sistema vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Social; IC95%: intervalo de 95% de confiança.
Nota: há diferenças entre valores absolutos e o total da amostra, devido aos critérios de elegibilidade e tipo de indicador.
* Estimativas ponderadas para as perdas amostrais;
** Variável beneficiário do Bolsa Família: construída considerando-se os dados do CadÚnico e das coortes BRISA, referentes ao recebimento do benefício do programa pela criança;
*** Cobertura: percentual de crianças elegíveis beneficiárias do Bolsa Família entre as crianças elegíveis ao programa;
# Crianças elegíveis ao recebimento do benefício do Bolsa Família;
## Crianças elegíveis e beneficiárias ao recebimento do benefício do Bolsa Família;
### Foco: percentual de crianças elegíveis ao benefício do Bolsa Família entre as crianças beneficiárias do programa;
§ Crianças beneficiárias do Bolsa Família;
§§ Variável beneficiário do Bolsa Família: construída considerando-se apenas os dados do CadÚnico, referentes ao recebimento do benefício do programa pela criança.
Para as crianças com dados do CadÚnico e das coortes para a classificação de ser ou não beneficiário do programa, a proporção de beneficiários do Bolsa Família foi maior em São Luís (52,8%) em relação a Ribeirão Preto (22,4%). Os percentuais de elegíveis ao recebimento do benefício do Bolsa Família estão mais presentes em São Luís do que em Ribeirão Preto, com 20,9% em São Luís e 4,9% em Ribeirão Preto, segundo renda familiar per capita mensal de até R$ 140,00, e 25,8% em São Luís e 9,3% em Ribeirão Preto, segundo classe econômica D/E (Tabela 3).
Tabela 3 Beneficiários do programa Bolsa Família nas coortes de nascimento BRISA, segundo características socioeconômicas, em crianças de 13-35 meses de idade. Ribeirão Preto, São Paulo, e São Luís, Maranhão, Brasil, 2011-2013.
Variáveis | Total (N = 3.308) | Sim (n = 1.756; 52,8% *) | Não (n = 1.552; 47,2% *) | |||
---|---|---|---|---|---|---|
Md (n) | Q1-Q3 | Md (n) | Q1-Q3 | Md | Q1-Q3 | |
São Luís - beneficiários do Bolsa Família | ||||||
Número de residentes no domicílio | 3 (3.308) | 3-5 | 4 (1.756) | 3-5 | 3 (1.552) | 2-5 |
Renda familiar mensal (R$) | 1.016 (2.753) | 540-1.868 | 699 (1.406) | 408-1.176 | 1.500 (n 1.347) | 900-2.850 |
Renda familiar per capita mensal (R$) | 299 (2.753) | 165-562 | 202 (1.406) | 118-330 | 500 (1.347) | 258-858 |
N | % * | n | % * | n | % * | |
Renda familiar per capita mensal (R$) | 2.753 | 1.406 | 1.347 | |||
> 140,00 | 2.192 | 79,1 | 945 | 66,2 | 1.247 | 92,4 |
≤ 140,00 ** | 561 | 20,9 | 461 | 33,8 | 100 | 7,6 |
Classe econômica *** | 3.308 | 1.756 | 1.552 | |||
A/B | 626 | 20,2 | 152 | 9,0 | 474 | 32,8 |
C | 1.895 | 53,9 | 1.062 | 57,3 | 833 | 50,1 |
D/E # | 787 | 25,8 | 542 | 33,7 | 245 | 17,0 |
Variáveis | Total (N = 3.805) | Sim (n = 837; 22,4% *) | Não (n = 2.960; 77,6% *) | |||
Md (n) | Q1-Q3 | Md (n) | Q1-Q3 | Md (n) | Q1-Q3 | |
Ribeirão Preto - beneficiários do Bolsa Família | ||||||
Número de residentes no domicílio | 3 (3.805) | 2-4 | 4 (837) | 3-5 | 3 (3.960) | 2-4 |
Renda familiar mensal (R$) | 1.750 (3.241) | 1.144-2.800 | 1.076 (714) | 666-1.638 | 2.000 (2.960) | 1.320-3.000 |
Renda familiar per capita mensal (R$) | 578 (3.241) | 334-1.000 | 284 (714) | 183-453 | 700 (2.517) | 428-1.166 |
N | % * | n | % * | n | % * | |
Renda familiar per capita mensal (R$) | 3.241 | 714 | 2.517 | |||
> 140,00 | 3.097 | 95,0 | 607 | 84,1 | 2.480 | 98,2 |
≤ 140,00 ** | 144 | 4,9 | 107 | 15,9 | 37 | 1,8 |
Classe econômica *** | 3.805 | 837 | 2.960 | |||
A/B | 1.794 | 48,7 | 155 | 18,5 | 1.634 | 57,5 |
C | 1.741 | 41,9 | 554 | 66,2 | 1.184 | 36,5 |
D/E # | 270 | 9,3 | 128 | 15,3 | 142 | 6,4 |
BRISA: Brazilian Ribeirão Preto and São Luís Birth Cohort Studies; Md: mediana; Q1-Q3: intervalo interquartil.
* Estimativas ponderadas para as perdas amostrais;
** Renda familiar per capita mensal de até R$ 140,00: elegíveis ao recebimento do benefício do Bolsa Família, segundo critério de elegibilidade por renda familiar per capita mensal, no ano de 2010;
*** Classe econômica segundo Associação Brasileira de Empresas de Pesquisas (ABEP);
# Classe econômica D e E (mais pobres): elegíveis ao recebimento do benefício do Bolsa Família, segundo critério de elegibilidade por classe econômica.
O número de residentes no domicílio foi semelhante para os dois municípios. Contudo, os valores de renda mensal são menores em São Luís (renda familiar mensal de R$ 1.016,00 e renda familiar per capita mensal de R$ 299,00) em relação a Ribeirão Preto (renda familiar mensal de R$ 1.750,00 e renda familiar per capita mensal de R$ 578,00). Para as famílias beneficiárias do Bolsa Família essas características se apresentaram da mesma forma, com o número de residentes no domicílio sendo semelhante para os dois municípios. Os valores de renda mensal foram menores em São Luís (renda familiar mensal de R$ 699,00 e renda familiar per capita mensal de R$ 202,00) em relação a Ribeirão Preto (renda familiar mensal de R$ 1.076,00 e renda familiar per capita mensal de R$ 284,00) (Tabela 3).
Foram baixos os percentuais de foco e melhores os de cobertura do Bolsa Família em São Luís e Ribeirão Preto, considerando-se os dois critérios de elegibilidade ao programa e os dois critérios de classificação das crianças em beneficiárias e não beneficiárias (apenas dados do CadÚnico ou dados do CadÚnico e das coortes). Esses indicadores foram maiores em São Luís do que em Ribeirão Preto.
Como limitações do estudo podem ter ocorrido problemas nos relatos da renda familiar/renda familiar per capita mensal, como informações de rendimento incompletas por desconhecimento do informante ou omissão de rendimentos 1. Contudo, utilizou-se a classe econômica como um segundo critério de elegibilidade para o recebimento do benefício do Bolsa Família, a fim de verificar consistência dos resultados. Devido a perdas de seguimento, realizou-se a ponderação das estimativas pelo inverso da probabilidade de comparecimento ao seguimento, no intuito de buscar reduzir viés de seleção.
Dentre os pontos fortes, destaca-se que o estudo foi de base populacional. O nascimento das crianças deste trabalho ocorreu em 2010, sete anos após a implantação do Bolsa Família, ocorrido em 2003, o que possibilitou avaliar características do programa após o período de estruturação e consolidação do mesmo. Dados do CadÚnico foram usados com o intuito de verificar consistência das informações relatadas nas coortes sobre o recebimento do benefício.
Além disso, buscou-se ainda fazer a avaliação dos resultados em dois municípios, cujas condições socioeconômicas são diferentes. Em São Luís, como esperado, por se encontrar em uma das regiões menos desenvolvidas do país, observou-se maior percentual de pobres, quando comparado a Ribeirão Preto. Isso foi evidenciado pela maior proporção de elegíveis ao recebimento do benefício do Bolsa Família, tanto pelo critério de renda familiar per capita mensal quanto pela classe econômica D/E.
Como foram limitadas as variáveis que estavam disponíveis nas coortes, as quais poderiam ser utilizadas como chaves de ligação entre os bancos de dados das coortes e do CadÚnico, é possível que algumas crianças beneficiárias não tenham sido identificadas. Ter considerado essas informações sobre essas crianças seria importante para se buscar estimativas de foco e cobertura mais próximas da realidade. Considerando-se ainda os baixos percentuais de foco, especialmente em Ribeirão Preto, crianças elegíveis podem não ter sido identificadas no banco de CadÚnico por não serem cadastradas no mesmo, e com isto não serem beneficiárias do Bolsa Família ou pelo não pareamento. Dessa forma, as estimativas que possivelmente mais se aproximam da realidade são aquelas que consideraram, além dos dados do CadÚnico sobre o recebimento do benefício, as informações das coortes, mesmo que relatadas.
Pelos dois critérios de classificação das crianças em beneficiárias e não beneficiárias as estimativas de foco em São Luís foram praticamente idênticas na duas amostras, e as de Ribeirão Preto apresentaram uma pequena alteração. Quanto às estimativas de cobertura, verificaram-se valores maiores para a amostra com dados somente do CadÚnico, o que pode representar estimativas de cobertura superestimadas do Bolsa Família com base neste critério.
O Bolsa Família é um programa focalizado, que deve contemplar apenas indivíduos que se encontram na condição de pobreza ou extrema pobreza 6. Contudo, observou-se que na seleção das famílias beneficiárias do Programa nos dois municípios essa condição parece não ter sido adequadamente atendida.
Constatou-se aproximadamente o dobro de crianças beneficiárias do Bolsa Família nos municípios de São Luís (52,8%) e Ribeirão Preto (22,4%), em relação às crianças elegíveis ao programa. O percentual de elegíveis, segundo o critério de renda familiar per capita mensal, foi de 20,9% em São Luís e 4,9% em Ribeirão Preto, e para classe econômica D/E foi de 25,8% em São Luís e 9,3% em Ribeirão Preto, o que implicou baixos percentuais de foco do Bolsa Família. Isso configura distorções importantes do programa, com crianças não elegíveis recebendo o benefício, o que desloca parte dos recursos e ações do programa para a população não prioritária.
E mesmo com percentuais de cobertura chegando a mais de 80%, há ainda a presença de crianças elegíveis não contempladas com o Bolsa Família, podendo ser um agravante à efetividade do programa, visto que o mesmo se propõe a oferecer uma renda mínima de subsistência de forma a complementar a renda do trabalho. Essa complementação da renda é bastante necessária, especialmente em regiões menos desenvolvidas, como em São Luís, onde as consequências da pobreza são mais acentuadas, devido à menor oferta e qualidade das diversas políticas públicas direcionadas às populações mais vulneráveis 4.
Corroborando o presente estudo, Schmidt et al. 10 também identificaram problemas no Bolsa Família no que se refere à presença de famílias beneficiárias do programa que não atendiam ao critério de elegibilidade referente à pobreza e extrema pobreza. Os autores constataram um aumento progressivo de famílias beneficiárias do Bolsa Família de 11% (2004) para 34% (2010). Contudo, esse aumento foi proporcional em todos os grupos de riqueza, com 28% do quintil intermediário de renda familiar per capita mensal, os quais não eram elegíveis ao Bolsa Família, recebendo o benefício em 2010.
Os percentuais de foco do Bolsa Família mostraram-se consistentes pelos dois critérios de elegibilidade nos dois municípios. Entretanto, esses foram baixos e ainda menores em Ribeirão Preto (15,9% segundo renda familiar per capita mensal e 15,3% segundo classe econômica) em relação a São Luís (33,8% segundo renda familiar per capita mensal e 33,7% segundo classe econômica). Isso pode ser consequência de uma maior procura pelo benefício do Bolsa Família por famílias de regiões mais pobres, devido à maior gravidade da condição de pobreza destes indivíduos 20. Em regiões com disparidade acentuada entre pobres e não pobres também pode ser mais evidente para os municípios a identificação dos elegíveis ao benefício 21.
Essa provável maior procura da população mais vulnerável pelo programa 20,21 pode estar refletida na estimativa de cobertura do Bolsa Família das crianças que pertenciam às famílias que se encontravam na extrema pobreza, com renda per capita mensal de até R$ 70,00, maior em São Luís (94,9%) em relação a Ribeirão Preto (91,2%) (dado não apresentado em tabela).
Diferenças no foco do programa para determinadas regiões também foram identificadas no estudo de Tavares et al. 20, que usaram dados da PNAD 2004 e verificaram que, segundo o critério de renda per capita, o foco do Bolsa Família é heterogêneo entre os estados, apresentando maiores percentuais nos estados mais pobres, com mais de 60% no Nordeste e menos de 40% no Sul e Centro-oeste. Outro estudo com dados da PNAD 2004 também evidenciou inadequação desse indicador do programa. Rocha 22 utilizou o critério de renda familiar per capita mensal e constatou 48% de foco do Bolsa Família no Brasil. Tais estudos identificaram maiores percentuais de foco do Bolsa Família que os deste trabalho. Isso aconteceu, possivelmente, devido à diferença no período de realização da coleta de dados, ao passo que se observa piora no foco com a expansão do programa, que ocorreu nos anos de 2006-2009, período anterior ao deste estudo (2011-2013).
Também fazendo uso de dados da PNAD dos anos de 2004 e 2006, Soares et al. 23 identificaram 57,5% (2004) e 50,8% (2006) de foco do Bolsa Família para o Brasil. A cobertura do programa foi de 43% em 2004 e 56% em 2006. Com isso, os autores verificaram que, para esse período, ocorreu melhora na cobertura, porém piora no foco. Comparadas ao estudo de Soares et al. 23, as estimativas de foco do Bolsa Família deste estudo se apresentaram menores, entretanto, as de cobertura foram maiores. Esse fato parece reafirmar que a melhora na cobertura do programa ao longo do tempo pode estar sendo acompanhada de uma piora no foco 24.
Verificou-se, ainda, em São Luís, alguns percentuais de vazamento do programa, com 19,5% das crianças que pertenciam às famílias com renda per capita mensal de R$ 140,01 a R$ 210,00, valor acima do critério de elegibilidade do Bolsa Família, recebendo o benefício, e com 14,2% das crianças que pertenciam às famílias com renda per capita mensal de R$ 210,01 a R$ 280,00 também sendo beneficiárias do programa. Para Ribeirão Preto, esses percentuais foram de 16,4% e 17,4% (dados não apresentados em tabela).
Os programas de transferência de renda condicionada de outros países também apresentam problemas. A ampliação de suas coberturas intensificou distorções, como o vazamento do programa, com o aumento do percentual de beneficiários não elegíveis ao recebimento do benefício de 46% para 65% no Equador, de 2004 a 2010; e de 40% para 61% no México, de 2002-2010 2. No Brasil, os municípios são a instância gestora responsável pelo cadastramento das famílias no CadÚnico 7. Contudo, percebe-se a dificuldade de restringir a oferta do Bolsa Família apenas para as famílias elegíveis ao mesmo, o que pode ser consequência de equívocos no preenchimento do cadastro, omissão de rendimento das famílias ao cadastro no programa e/ou mudanças frequentes na renda de algumas famílias 8,10,23.
Além da dificuldade em delimitar o cadastramento do Bolsa Família às famílias elegíveis, ocorrem ainda falhas na captação das mesmas pelo programa, pois se observa que um percentual destas famílias não consegue ter acesso ao benefício, visto que os percentuais de cobertura do Bolsa Família estiveram entre 46,8% e 82,1%, nos dois municípios. Esses percentuais foram ainda menores em Ribeirão Preto (71,6% segundo a renda familiar per capita mensal e 46,8% segundo a classe econômica) em relação a São Luís (82,1% segundo a renda familiar per capita mensal e 68,9% segundo a classe econômica).
Tais estimativas de cobertura mostraram-se menos consistentes em relação aos diferentes critérios de elegibilidade nos dois municípios. Isso pode ter ocorrido porque o número de crianças elegíveis ao benefício mostrou-se maior para o critério de classe econômica quando comparado à renda familiar per capita mensal, especialmente em Ribeirão Preto. Também pelo fato de que os dados contidos nos dois critérios de elegibilidade podem não corresponder integralmente às mesmas informações.
Tavares et al. 20 utilizaram dados da PNAD 2004 e se basearam no critério de renda familiar per capita mensal. Tais autores identificaram percentual de cobertura do Bolsa Família de 42%, estimativa menor que a deste trabalho. Provavelmente, isso ocorreu porque tal estudo foi realizado apenas um ano após a criação do Bolsa Família, em 2003, período possivelmente ainda insuficiente para consolidar a ampliação do programa. Sendo que o nosso estudo ocorreu de 2011-2013.
Nessa perspectiva, a utilização apenas da renda monetária como critério de seleção das famílias para o recebimento do benefício pode ser insuficiente para caracterizar a pobreza, podendo levar a distorções de foco e cobertura 25,26. Além da renda, características como disponibilidade de bens e recursos, e acesso às ações e estratégias ofertadas pelas políticas públicas poderiam contribuir para caracterizar situações de pobreza e extrema pobreza 4.
Além do que a adoção de um critério de renda familiar mensal muito baixo pode levar à exclusão de famílias, as quais também se encontram na condição de pobreza e vulnerabilidade, contudo, apresentam faixa de renda um pouco acima do valor estabelecido 27, que atualmente é de até R$ 170,00 5.
Foram adotadas para o Bolsa Família, quando da sua criação, as linhas de pobreza do Programa Fome Zero. Contudo, seus valores não foram indexados a nenhum indicador, como por exemplo, a linha de pobreza do Banco Mundial, e suas correções seriam feitas com base na disponibilidade orçamentária do governo federal. Isso pode levar à dificuldade de atualização das linhas de pobreza do PBF e comprometer uma identificação mais assertiva da população que necessita do programa, por se encontrar em vulnerabilidade social 28,29.
Rocha 22 sugere que a informação inicial, fornecida pelas famílias, sobre renda poderia ser validada por meio do cruzamento de outras informações, a fim de refletir de forma mais aproximada as reais condições de vida dos beneficiários. Nas populações vulneráveis a renda tende a ser informal, incerta, e sujeita a grandes oscilações 2.
Senna et al. 26 destacam que programas focalizados como o Bolsa Família enfrentam dificuldades para a utilização de estratégias de seleção das famílias a serem contempladas, considerando suas reais vulnerabilidades sociais. Elevados percentuais de foco promovem a concentração dos repasses monetários às famílias elegíveis, aquelas que realmente necessitam dos mesmos, priorizando um recurso que sabidamente é limitado. A adequada focalização do Bolsa Família ainda possibilita maior cobertura deste programa 6.
Assim, deve haver maior organização dos municípios, instância na qual ocorre a execução do programa, a fim de favorecer maior identificação das famílias elegíveis e acesso das mesmas ao cadastro no programa. Isso poderia facilitar o gerenciamento e a distribuição do recurso, e talvez possibilitar a adoção de maiores valores monetários destinados às famílias beneficiárias. Maior foco poderia eliminar limites no número de benefícios às crianças e adolescentes e/ou ampliar a faixa de renda familiar per capita mensal para participar do programa. No Brasil, essas questões tornam-se complexas pelas diferenças regionais, econômicas, sociais e políticas, pela existência, especialmente em municípios pequenos, de favorecimentos e desvios de recursos públicos 6.
Diante do exposto, conclui-se que os percentuais de cobertura mostraram-se mais elevados, já os de foco apresentaram-se baixos. Isso indica a ocorrência de vazamento do programa para a população não prioritária e presença de parte das famílias elegíveis não beneficiária do Bolsa Família. Uma mudança nesse cenário faz-se essencial para a melhora dos indicadores de desigualdade e pobreza/extrema pobreza no país, influenciando inclusive para a melhoria de outras políticas públicas ligadas ao programa, como as de saúde e educação. É importante a adoção de estratégias efetivas de captação da população prioritária ao programa, visto que os benefícios monetários e não monetários do Bolsa Família visam a contribuir para que os indivíduos tenham condições de transpor o ciclo da pobreza intergeracional e assim alcançar condições de vida mais dignas 4.