versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.31 no.2 São Paulo 2019 Epub 18-Mar-2019
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20182018167
A prática baseada em evidência visa à utilização da melhor evidência clínica disponível, somada à experiência clínica profissional e valores e preferências dos pacientes para a tomada de decisão na prática clínica(1), amplamente reconhecida na área médica, disseminou-se também em outras áreas da saúde, incluindo a fonoaudiologia. Revisões sistemáticas (RS) e metanálises estão no topo da pirâmide de evidência, provendo o mais alto nível de evidência para verificar a efetividade de intervenções (2). Buscam coletar toda evidência que se adequa a critérios de elegibilidade pré-definidos para verificar uma questão de pesquisa específica (3). O uso de métodos bem definidos e explícitos visa à minimização de vieses, sendo esta sua principal diferença com revisões bibliográficas da literatura, fornecendo assim resultados mais confiáveis, com os quais conclusões podem ser feitas e decisões tomadas(4).
As RS auxiliam os profissionais da saúde a se manterem atualizados, fornecem evidências para a tomada de decisão, permitindo o julgamento dos riscos e dos benefícios das intervenções, dão subsídio para o desenvolvimento de diretrizes assistenciais, assim como proporcionam informações sobre estudos prévios para potenciais fontes de financiamentos de novas pesquisas(5). Visto isso, a produção de RS de qualidade pode impactar diretamente a qualidade do cuidado em saúde. A definição de critérios de qualidade no desenvolvimento e relato de RS visa incentivar a melhora da produção científica em fonoaudiologia, bem como subsidiar fonoaudiólogos clínicos na identificação de boas fontes de embasamento para sua prática. É de fundamental importância então que os fonoaudiólogos saibam delinear RS de qualidade, bem como procurar por evidências científicas em revisões elaboradas de forma correta.
A Colaboração Cochrane é uma organização internacional que visa subsidiar a tomada de decisão bem informada na prática clínica, preparando, mantendo e promovendo acessibilidade a revisões sistemáticas (3), uma das organizações que trabalham com a produção de evidências atualmente. Esta organização define critérios para o planejamento e execução de RS, sendo a principal referência nesta área. Da mesma forma que o Consolidated Standards of Reporting Trials (CONSORT)(6) auxilia na elaboração de ensaios clínicos randomizados, uma boa RS deve ser reportada conforme o Guideline PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses)(7) com o objetivo de assegurar transparência e qualidade na elaboração e na publicação.
Discorreremos sobre métodos para elaboração de uma RS Cochrane (3): O desenvolvimento de uma RS inicia com uma questão de pesquisa bem definida. De maneira geral, ela contém uma seleção cuidadosa dos critérios definidos pelo acrônimo PICO(T): Participante(s), Intervenção(ões), Comparador(es), Desfecho(s) (Outcomes) e Tipo de estudo. A questão de pesquisa norteia a definição da estratégia de busca e critérios de elegibilidade dos estudos(8).
Indicamos que a busca deve ser realizada, minimamente, nas bases de dados bibliográficos: Medline, The Cochrane Central Register of Controlled Trials e EMBASE, mas com indicação de busca no maior número de bases literárias específicas do assunto estudado, nas quais as pesquisas devem buscar alta sensibilidade, podendo resultar em precisão relativamente baixa, pois ainda não há consenso estabelecido na literatura. As palavras-chave devem ser identificadas no MeSH (Medical Subject Headings) e EMTREE (Embase Subject headings). A inclusão de literatura cinza é importante para reduzir a influência do viés de publicação nos resultados de revisões sistemáticas e contribui para exposição de riscos subestimados em estudos publicados(9). É indicado que a seleção dos estudos seja feita por, no mínimo, dois revisores independentes. Os motivos de exclusão dos textos completos avaliados devem ser registrados e expostos no artigo.
Para uma típica seleção de estudos, Green et al.(4) orientam a: mesclar resultados de pesquisa usando o software de gerenciamento de referência e remover registros duplicados do mesmo relatório, examinar títulos e resumos e remover itens obviamente irrelevantes, adquirir o texto completo de relatórios relevantes e examiná-los seguindo os critérios de elegibilidade da RS. Se os critérios de elegibilidade não forem claros, pode ser apropriado solicitar mais informações, como resultados ausentes. Enfim, tomar decisões finais sobre a inclusão no estudo e proceder à coleta de dados.
Também trazem a importância da aplicação de instrumento para avaliação do risco de viés dos artigos incluídos na pesquisa. O viés é um erro sistemático na condução do estudo, com o risco de superestimar ou subestimar o verdadeiro efeito da intervenção/exposição. A Colaboração Cochrane recomenda a utilização de uma ferramenta específica para avaliar o risco de viés em cada estudo incluído. O julgamento deve ser realizado por minimamente 2 avaliadores independentes, que classificam o viés como “baixo risco”, “alto risco” ou se não tiverem informações suficientes no estudo, “risco incerto”.
Por fim, a metanálise deve ser realizada, se possível. Combinando informações de todos os estudos relevantes, pode-se estimar os efeitos de uma determinada intervenção ou exposição de forma mais precisa do que cada estudo individualmente. No entanto, ela também tem o potencial de enganar, particularmente se os desenhos de estudo utilizados, seus vieses e a variação entre os estudos não forem cuidadosamente considerados. A variação entre estudos (heterogeneidade) deve ser considerada, embora a maioria das revisões Cochrane não tenha estudos suficientes para permitir a investigação confiável das razões para isso. No âmbito fonoaudiológico, muitos estudos são identificados publicados em periódicos nacionais e internacionais, e, muitas vezes, não há significância estatística dos dados, devido ao baixo número de pacientes estudados. A metanálise vem de encontro a isso, proporcionando evidenciar, ou não, alguma informação de interesse com a análise agrupada dos estudos encontrados.
A Cochrane apresenta recentes contribuições fonoaudiológicas de RS. Rimoli et al.(10) realizaram um estudo objetivando verificar a eficácia dos tratamentos para granulomas laríngeos e, através da realização da metanálise, identificaram que não há evidências que comprovem qualquer tipo de tratamento nessa população. Mitchell et al.(11) estudaram intervenções para melhorar a fala em pacientes pós-acidente vascular encefálico e não encontraram ensaios clínicos randomizados, e sim apenas evidências limitadas para sugerir um efeito benéfico sobre os níveis de comprometimento da fala. Essa pesquisa(11) também se torna importante, pois identifica aos fonoaudiólogos que as práticas utilizadas na atuação clínica com esses pacientes e esse objetivo específico não são baseadas em evidências, sem comprovação científica de seus benefícios.
Muitos julgamentos são necessários no processo de preparação de uma revisão Cochrane ou meta-análise, e eles devem ser seguidos em busca de evidências científicas de qualidade. A fim de gerar informações consistentes no âmbito fonoaudiológico, torna-se importante a aplicação das etapas descritas anteriormente, tornando as RS realizadas por fonoaudiólogos mais consistentes e com maior credibilidade perante a literatura nacional e internacional.