versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.27 no.6 São Paulo nov./dez. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20152015059
A modificação da consistência alimentar é uma estratégia comumente empregada no tratamento dos distúrbios da deglutição1. Sabe-se que alimentos líquidos como a água, por exemplo, por fluírem rapidamente, podem ocasionar escape prematuro para faringe em pacientes disfágicos, comprometendo a segurança da deglutição2. Por outro lado, alimentos líquidos viscosos e alimentos sólidos requerem maior força de propulsão da língua. Caso a força na língua ou nos músculos faríngeos não seja suficiente, existe o risco de permanência de resíduos de alimento em recessos faríngeos após a deglutição2. Para garantir uma alimentação segura, o fonoaudiólogo orienta pacientes com dificuldade de deglutição a ingerirem os alimentos nas consistências mais adequadas para cada caso. Para facilitar a modificação das consistências dos alimentos, existem produtos industrializados como os espessantes alimentares. Dietas prontas também estão disponíveis comercialmente3.
Várias são as consistências alimentares utilizadas na prática clínica hospitalar. Apesar da existência de características distintas entre elas, não existe uma terminologia padrão para classificá-las3. A ausência de uma terminologia clara e definições capazes de guiar a produção, a preparação e a utilização clínica das diferentes consistências alimentares, pode comprometer o quadro clínico do paciente e a evolução da terapia de deglutição, pois não se pode garantir que o paciente disfágico recebeu a dieta na consistência indicada pelo fonoaudiólogo. Além disso, a padronização dos nomes das consistências é importante para que a comunicação entre profissionais da saúde, da indústria, cuidadores e pesquisadores seja consistente. Comparações entre diferentes pesquisas tornam-se difíceis diante da heterogeneidade de termos utilizados e ausência de termos comuns4.
Diante disso, em diferentes países foram propostas classificações. Na maioria dos casos, as dietas foram classificadas, de acordo com a consistência, de duas a cinco categorias3. Uma classificação muito utilizada é a proposta por Penman e Thomson em 1998 5. Os autores definem quatro consistências:
1. liquidificada/purê fino - consistência homogênea que não mantém a forma após servida;
2. purê grosso - consistência homogênea que mantém a forma após servida e não se separa em sólido e líquido durante deglutição;
3. picado fino - consistência macia com pedaços pequenos de cerca de 0,5 a 0,5 cm;
4. normal modificada - consistência com texturas variadas que requerem mastigação com pedaços de cerca de 1,5 x1,5 cm.
Em alguns países como Austrália, Reino Unido, Japão e Estados Unidos, foram estabelecidas classificações padrões, com características diferentes entre elas4 5 6 7 8 9. Na última década, surgiu um movimento global para padronização da terminologia utilizada para descrever consistências alimentares e para definição dos alimentos com textura modificada a serem empregados no tratamento da disfagia3. Uma organização composta por membros de diferentes países, The International Dysphagia Diet Standardisation Initiative (IDDSI), vem trabalhando para a criação de uma nomenclatura internacional das consistências alimentares para indivíduos com disfagia1. Uma das primeiras ações da organização foi realizar um levantamento da literatura sobre a terminologia utilizada em vários países1. No Brasil, foi apontado o uso de quatro categorias para alimentos líquidos (normal/fino, líquido mais espesso, néctar/mel e pastoso/cremoso) e duas categorias para alimentos sólidos (sólido e sólido macio ou purê)1. Na prática, observa-se que ainda não existe um consenso e cada serviço de saúde utiliza suas próprias definições10.
Considerando a importância da adequação da consistência dos alimentos oferecidos aos pacientes atendidos nos hospitais, sobretudo àqueles que apresentam dificuldade para a execução correta da deglutição, é preciso que haja uma comunicação harmônica entre os profissionais responsáveis pela liberação da dieta adequada ao paciente, especialmente entre o fonoaudiólogo e o nutricionista.
É de extrema importância que o fonoaudiólogo atue, no tratamento dos pacientes disfágicos, em sintonia com o nutricionista, o profissional responsável por adequar a dieta do paciente à consistência alimentar liberada pelo fonoaudiólogo, preservando seu estado nutricional e o prazer que, culturalmente, costuma-se associar à alimentação.
O presente estudo teve como objetivo analisar a concordância entre fonoaudiólogos e nutricionistas com relação à terminologia utilizada na classificação das consistências alimentares nos hospitais de Belo Horizonte e quanto à percepção das possíveis consequências das divergências no modo como os profissionais envolvidos no manejo das consistências alimentares as classificam.
Para a realização deste estudo, o projeto foi enviado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais, aprovado sob o parecer número 601/07.
Neste estudo descritivo transversal foram incluídos 60 profissionais, sendo 30 fonoaudiólogos e 30 nutricionistas, que trabalhavam em 14 hospitais das redes pública e/ou privada da cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, em ocupações relacionadas com a classificação da consistência das dietas alimentares.
Foram considerados como critérios de inclusão no presente estudo: possuir graduação nos cursos de Fonoaudiologia ou Nutrição; trabalhar na área de disfagia em hospital da rede pública e/ou privada da cidade de Belo Horizonte, há pelo menos 2 meses; ter assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foram excluídos os profissionais que não participaram de todas as etapas do estudo.
Inicialmente, foi realizado o levantamento dos hospitais por meio de consulta à lista telefônica, sites de busca e listas de convênios médicos. Todos os profissionais participantes da pesquisa foram convidados a participar do estudo pessoalmente, em visitas das pesquisadoras aos hospitais, ou por e-mail ou telefone, quando eram indicados por outro profissional. Após este primeiro contato, as pesquisadoras agendaram uma data e um local, de escolha do entrevistado, para a realização da pesquisa. Neste encontro, o profissional lia e assinava o TCLE para, somente em seguida, responder aos itens do estudo.
Para a realização da pesquisa, os profissionais responderam um questionário elaborado pelas pesquisadoras (Figura 1), composto de sete perguntas. As questões um e dois abordavam a profissão e o tempo de atuação profissional dos participantes. As questões três e quatro verificavam se o participante percebia divergências no modo como os profissionais envolvidos no manejo das consistências alimentares as classificam e se eles acreditavam que tais divergências podiam trazer prejuízos aos pacientes.
Para o preenchimento dos itens de cinco a sete do questionário, as pesquisadoras apresentaram aos profissionais cinco alimentos, dispostos em recipientes iguais e identificados apenas por números de um a cinco. Os participantes não tiveram acesso às suas embalagens e também não puderam prová-los, mas foram entregues a eles cinco espátulas para a manipulação dos alimentos, a saber:
• Alimento 1 - biscoito Maizena Aymoré(r) 200 gramas;
• Alimento 2 - geleia Fugini(r) 230 gramas, sabor framboesa;
• Alimento 3 - iogurte Itambé(r) 180 gramas com polpa de fruta, sabor frutas vermelhas;
• Alimento 4 - mel Santa Bárbara(r) 280 gramas florada marmeleiro;
• Alimento 5 - refresco artificial Vilma(r) preparado sólido de 240 gramas, sabor manga misturado com a água.
Tendo em vista que este trabalho tem como objeto de estudo as consistências alimentares, as autoras preocuparam-se em selecionar e apresentar aos profissionais os seguintes tipos de alimentos: um alimento duro, que exigisse trabalho mastigatório para consumo (biscoito); um alimento ralo, que pudesse ser sorvido diretamente de um copo (refresco); um alimento de consistência intermediária, mas com pedaços (geleia); e dois alimentos homogêneos com acentuada diferença de viscosidade (iogurte e mel). A escolha dos alimentos líquido e sólido deu-se pelo fato de estes dois tipos de alimentos serem considerados, na prática clínica, como extremos das consistências alimentares. O alimento de consistência intermediária com pedaços foi apresentado pela possibilidade de os resíduos interferirem no modo de classificação dos profissionais. Os dois alimentos homogêneos com acentuada diferença de viscosidade foram incluídos para permitir a observação da importância que é dada pelos profissionais à viscosidade do alimento na definição de sua consistência e, consequentemente, de sua adequação para consumo dos pacientes.
Após a apresentação dos alimentos, os profissionais foram, primeiramente, instruídos a classificá-los, no item cinco do questionário, de acordo com a nomenclatura utilizada em cada serviço. No item seis do questionário o participante escrevia quais eram os termos que ele considerava mais adequado para classificar as consistências alimentares de maneira geral. Feito isso, foi entregue ao profissional uma folha separada com as seguintes nomenclaturas: sólido, pastoso grosso, pastoso fino e líquido11 12, a fim de direcioná-lo a classificar os alimentos. Os profissionais classificaram, no item sete do questionário, os mesmos alimentos, mas, dessa vez, baseados no direcionamento apresentado pelas pesquisadoras.
A análise estatística dos dados foi realizada por meio do programa PASW Statistics 18, empregando-se os testes Exato de Fisher e Z para comparação de proporções, com nível de significância de 5%.
Dentre os profissionais entrevistados, 13 (43%) fonoaudiólogos e 17 (57%) nutricionistas possuíam até 5 anos em área relacionada à classificação de consistências alimentares; 15 (51%) fonoaudiólogos e nove (30%) nutricionistas apresentavam de 6 a 10 anos; e dois (6%) fonoaudiólogos e quatro (13%) nutricionistas apresentavam mais de 10 anos.
Com relação aos fonoaudiólogos, três (10%) trabalhavam até quatro horas diárias, 26 (86,7%) de quatro a oito horas diárias e um (3,3%) por mais de oito horas diárias. Com relação aos nutricionistas, um (3,3%) trabalhava até quatro horas diárias, 21 (70%) de quatro a oito horas diárias e oito (26,7%) por mais de oito horas diárias, sendo que a maioria dos profissionais, tanto fonoaudiólogos quanto nutricionistas, trabalhava por um período de 20 a 40 horas semanais.
Na Tabela 1 é apresentada a percepção dos profissionais entrevistados acerca de divergências na classificação das consistências alimentares e seus possíveis impactos na qualidade de vida do paciente. Não foram observadas diferenças entre os grupos, sendo que todos os fonoaudiólogos e a maioria dos nutricionistas percebem divergência nas classificações. Para grande parte dos profissionais, essa divergência pode prejudicar a recuperação dos pacientes. O teste Exato de Fisher evidenciou que não há diferença significante entre o número de fonoaudiólogos e nutricionistas que percebem divergências no modo de classificação das consistências alimentares (p=0,237) nem entre o número de profissionais dos diferentes grupos que acredita que a existência de tais divergências podem prejudicar os pacientes (p =0,112).
Tabela 1: Percepção acerca de divergências na classificação das consistências alimentares e seus impactos na qualidade de vida do paciente
*Teste Exato de Fisher. **p ≤0,05
Na Tabela 2 é possível verificar a opinião dos profissionais entrevistados acerca dos principais prejuízos causados ao paciente em virtude das divergências na classificação das consistências alimentares. Dentre os problemas relatados, o "risco de aspiração" foi considerado o prejuízo mais importante, uma vez que, de acordo com o teste Z para comparação de proporções, apresentou maior frequência de respostas considerando-se os profissionais em conjunto. Além disso, houve diferença de opiniões entre fonoaudiólogos e nutricionistas na citação dos prejuízos "dieta incompatível com a condição clínica" e "risco de desnutrição".
Tabela 2: Percepção acerca dos principais prejuízos causados ao paciente em virtude das divergências na classificação das consistências alimentares
#Teste Z para comparação de proporções. ##Teste Exato de Fischer. *p ≤0,05
Quando questionados sobre a terminologia que consideram ideal para a classificação das consistências alimentares, 20 (33,3%) profissionais sugeriram quatro termos para a classificação, 19 (31,7%) indicaram cinco termos, 14 (23,3%) apontaram seis termos, quatro (6,7%) sugeriram sete termos, um (1,7%) profissional apontou três termos, um (1,7%) indicou 13 termos e um (1,7%) não respondeu à pergunta.
Na Tabela 3 são apresentados os termos sugeridos pelos profissionais entrevistados para a classificação das diferentes consistências alimentares. Dentre os fonoaudiólogos, apenas os termos "líquida" e "sólida" foram citados com significância estatística em relação aos demais, enquanto que, entre os nutricionistas, isso ocorreu com os termos "branda", "pastosa" e "livre/normal". Considerando-se as profissões em conjunto, apenas o termo "líquida" foi citado com significância estatística em relação às demais opções. Houve diferença significativa entre o número de fonoaudiólogos e o número de nutricionistas que sugeriu os termos "sólida", "pastosa fina", "pastosa grossa/engrossada", "líquida grossa/engrossada" e "líquida fina" - mais citados por fonoaudiólogos - e os termos "branda", "pastosa", "livre/normal", "líquida restrita" e "líquida completa" - mais citados por nutricionistas.
Tabela 3: Termos sugeridos pelos profissionais entrevistados para a classificação das diferentes consistências alimentares
#Teste Z para comparação de proporções. ##Teste Exato de Fischer. *p ≤0,05.
Para fins de análise estatística, os termos utilizados pelos profissionais na classificação dos alimentos sem direcionamento teórico foram reduzidos a sete grupos. Para isto, foram escolhidas denominações genéricas de consistências alimentares que melhor abrangiam, segundo o julgamento das autoras, os termos citados (Quadro 1). O termo "livre" foi utilizado para três alimentos: biscoito, iogurte e refresco. As pesquisadoras entenderam que, nesses casos, o termo livre referiu-se à dieta em que tais alimentos poderiam ser oferecidos ao paciente sem restrição de consistência e, em virtude disso, incluíram-no nas três categorias de denominação mais genéricas: sólido, pastoso e líquido, respectivamente.
Quadro 1: Agrupamento de termos empregados na classificação dos alimentos sem direcionamento teórico
Por fim, nas Tabelas 4 e 5 são apresentadas as respostas dos profissionais entrevistados acerca da classificação dos alimentos, respectivamente, sem direcionamento teórico e baseadas na classificação apresentada pelas autoras. Sem direcionamento teórico, verificou-se que houve diferença estatisticamente significante entre os dois grupos na classificação do iogurte e do mel. O iogurte foi mais classificado como "líquido" por nutricionistas e como "pastoso fino" por fonoaudiólogos; já o mel, como "pastoso fino" pelos fonoaudiólogos. Analisando-se os dados com o emprego do direcionamento teórico apresentado, não houve diferença entre fonoaudiólogos e nutricionistas na classificação dos alimentos apresentados (p>0,05).
Tabela 4: Classificação das consistências dos alimentos apresentados sem o direcionamento teórico proposto
*Teste Z para comparação de proporções. **p ≤0,05.
A análise inicial dos dados obtidos pela aplicação do questionário revelou que, tanto entre fonoaudiólogos quanto entre nutricionistas, a maior parte dos profissionais entrevistados desempenha atividades relacionadas à classificação das consistências alimentares de um a 10 anos, por um período de 20 a 40 horas semanais. Os dados demonstram que este mercado de trabalho absorve um número grande de profissionais com pouco tempo de graduação, entretanto, acredita-se que este aspecto não se caracterizou como um fator de influência nos resultados da presente pesquisa, uma vez que a carga horária semanal e o tempo de atuação na área indicam que os profissionais pesquisados lidam muito com essa atividade.
Fonoaudiólogos e nutricionistas concordaram que há divergências no modo de classificação das consistências e perceberam a possibilidade de prejuízos à saúde e à recuperação dos pacientes em decorrência dessas divergências. Ao todo, foram citados 18 possíveis prejuízos ao paciente, sendo o risco de aspiração o mais relevante.
A literatura aponta que a falta de uma terminologia padrão pode ocasionar interpretações errôneas de laudos e prescrições de consistências alimentares que, por sua vez, podem colocar em risco não apenas o processo de habilitação/reabilitação do paciente como também sua vida10. O risco de aspiração e o óbito foram citados por outros autores como consequência de incidentes causados por confusão na consistência da dieta ofertada3. Uma estratégia adotada por alguns fonoaudiólogos para evitar mal entendidos nas prescrições da dieta é descrever, além da consistência indicada, os alimentos adequados para os pacientes10.
Ressalta-se que os fonoaudiólogos citaram menos complicações (n=10) do que os nutricionistas (n=16) das 18 possíveis complicações citadas, mais da metade delas (n=10) não foi citada pelas duas categorias, sendo oito apenas por nutricionistas e duas apenas por fonoaudiólogos. Além disso, os profissionais discordaram com relação aos prejuízos "dieta incompatível com a condição clínica do paciente" e "risco de desnutrição", citados com mais frequência, de acordo com a análise estatística, respectivamente, por fonoaudiólogos e nutricionistas.
Esses achados chamaram a atenção para os diferentes pontos de vista sob os quais fonoaudiólogos e nutricionistas analisam o estado de saúde do paciente. O fonoaudiólogo, na sua intervenção, prioriza a adequação da consistência às condições fisiológicas da deglutição e condições pulmonares do paciente. Embora a condição nutricional seja considerada por esse profissional, o nutricionista apresenta melhor competência técnica na identificação da desnutrição. Assim, a definição de condutas quanto à dieta a ser ofertada ao paciente deve levar em consideração diversos fatores, que devem ser discutidos com toda a equipe multiprofissional envolvida.
Quando solicitado aos profissionais que sugerissem os termos mais adequados para a classificação das consistências alimentares de maneira geral, a maior parte dos profissionais (88,5%) sugeriu de quatro a seis termos como a quantidade ideal. Na literatura internacional, a classificação australiana utiliza oito termos: quatro para sólidos e semi-sólidos (Australian food texture scale ) e quatro para líquidos (Australian fluid viscosity scale )4. Nos Estados Unidos, National Dysphagia Diet (US) utiliza, também, oito termos: quatro para sólidos e semi-sólidos e quatro para líquidos6. Já no Reino Unido, onze termos são utilizados: seis para sólidos e semi-sólidos e cinco para líquidos7. Observa-se a distinção entre alimentos líquidos e sólidos/semi-sólidos, com cada uma dessas categorias compondo uma tabela diferente. Uma revisão da literatura sobre as diferentes classificações das dietas encontrou a existência de variações entre duas a cinco categorias para alimentos sólidos e semi-sólidos e de uma a seis categorias de líquidos5.
Sordi et al. ressaltam que os profissionais tendem a utilizar duas estratégias de nomeação. Uma delas apresenta um termo principal, como "líquido", por exemplo, seguido de graduações como "fino", "grosso", etc. Outra estratégia faz uma comparação do alimento em questão com outro de conhecimento geral, como mel, pudim, etc. De acordo com os autores, a nomeação baseada na comparação de alimentos com outros de conhecimento geral apresenta-se como uma estratégia de fácil compreensão no momento de orientação da dieta e facilita a visualização de possíveis alimentos similares, o que auxilia o processo de orientação aos cuidadores, na medida em que o profissional pode se referir a alimentos do cotidiano10.
Observou-se, nas etapas de sugestão de terminologia para classificação das consistências alimentares e de classificação dos alimentos sem direcionamento teórico, a citação de uma enorme variedade de termos, o que, no último caso, exigiu inclusive que as autoras os agrupassem em categorias a fim de possibilitar a análise estatística. Muitos dos termos sugeridos e/ou utilizados pelos profissionais foram de difícil entendimento e, tendo em vista o objetivo deste estudo, inadequadamente empregados, uma vez que se referem à classificação das dietas alimentares, e não das consistências que as compõem. Observou-se, mesmo após as explicações das pesquisadoras, uma dificuldade maior por parte dos nutricionistas em fazer a distinção entre consistência e dieta. As autoras acreditam que isso se deve às diferentes funções desempenhadas pelos profissionais no ambiente hospitalar. Sabe-se que fonoaudiólogos avaliam a capacidade de deglutição do paciente para diversas consistências alimentares e, baseados nessa observação, sugerem a liberação da dieta, padronizada pelo hospital, que contém as consistências adequadas às condições clínicas do paciente. Uma vez feita a sugestão, é papel do médico prescrever a dieta e do nutricionista adequá-la às necessidades nutricionais do paciente, o que indica que, na prática, o nutricionista lida mais diretamente com dietas, e não com consistências.
Na classificação dos alimentos sem direcionamento teórico, os profissionais utilizaram 39 termos para cinco alimentos. Mesmo após o agrupamento dos termos pelas autoras, fonoaudiólogos e nutricionistas concordaram apenas na classificação de dois dos cinco alimentos: biscoito e refresco - "sólido" e "líquido", respectivamente. Uma pesquisa realizada na Austrália identificou 39 termos diferentes utilizados para alimentos líquidos espessados e 95 termos para descrever alimentos com consistência modificada4.
Na América do Norte, uma pesquisa identificou 40 diferentes termos usados para alimentos sólidos e 18 para descrever líquidos engrossados4. Um estudo semelhante com o objetivo de verificar a terminologia das principais preparações utilizadas nas intervenções com pacientes disfágicos, realizado por fonoaudiólogos do estado de São Paulo, verificou que 33 termos foram utilizados pelos 30 fonoaudiólogos para classificar sete alimentos. Assim como no presente estudo, a nomenclatura utilizada pelos fonoaudiólogos foi comum apenas nos dois extremos da escala (líquido e sólido)10.
Considerando-se a geleia, não houve concordância entre fonoaudiólogos e nutricionistas, mas estes últimos concordaram entre si na classificação do alimento como "pastoso". Para os alimentos iogurte e mel, entretanto, não houve concordância entre os grupos nem mesmo entre profissionais da mesma categoria. O iogurte recebeu, de ambas as categorias profissionais, as classificações "líquida", "líquida engrossada", "pastosa" e "pastosa fina", mas nenhum dos termos foi mais frequente entre os grupos. O iogurte foi denominado "pastoso fino" por muitos fonoaudiólogos e "líquido" pela maioria dos nutricionistas. O mel foi denominado "pastoso" pela maioria dos nutricionistas e pela metade dos fonoaudiólogos, sem diferença estatisticamente significante. Quanto à classificação do mel, não foram encontradas referências na literatura pesquisada. O iogurte, no entanto, foi classificado em pesquisas como: pastoso13 14 15 16 17 18, pastoso fino10 11, líquido grosso/engrossado10 19 20, líquido pastoso10, líquido pastoso grosso21.
Alguns profissionais, ao classificar os alimentos, ressaltaram o fato de que os cinco alimentos apresentados não são habitualmente oferecidos aos pacientes nas dietas hospitalares. As autoras acreditam que, especialmente em relação à geleia e ao mel, isso pode ter colaborado para uma menor concordância entre os profissionais.
A existência de divergências entre os profissionais na classificação sem direcionamento teórico corrobora a literatura pesquisada, que afirma que a terminologia utilizada pelas instituições hospitalares para identificar diferentes dietas é incorporada pelo seu uso corrente no cotidiano hospitalar22, o que demonstra a necessidade de haver uma padronização da classificação das consistências entre os serviços hospitalares e, assim, evitar desentendimentos caso o paciente seja transferido para outro serviço.
É importante destacar a necessidade de esclarecimento, por parte da equipe, ao paciente ou seu cuidador sobre a consistência e a diferença das dietas liberadas no momento da alta hospitalar. Neste estudo ficou evidente a variação de termos empregados entre os profissionais da saúde; confusões certamente acontecem na interpretação por parte do paciente e da família.
A análise dos dados da classificação dos alimentos com direcionamento teórico demonstrou um aumento da concordância entre os profissionais, pois deram a mesma classificação para quatro de cinco alimentos: biscoito ("sólido"), geleia ("pastoso grosso"), mel ("pastoso fino") e refresco ("líquido"). O iogurte foi denominado "pastoso fino" pela maioria dos fonoaudiólogos e "pastoso grosso" pela maioria dos nutricionistas. Na literatura nacional pesquisada, três referências11 12 23 utilizaram o termo "pastoso fino", mas apenas uma delas11exemplificou o alimento utilizado para esta consistência, que foi o iogurte Bliss(r). O mesmo aconteceu com o termo "pastoso grosso", exemplificado pelo alimento Danete(r), também em apenas uma das referências11.
O pastoso pode assumir variações na consistência, desde firme, como o pudim, até o que escorre da colher facilmente, como o mel, e o iogurte é um alimento que apresenta variação da consistência dependendo da marca do produto. Uma vez que mínimas variações na consistência do alimento podem gerar grande impacto à saúde do paciente, a consistência de cada alimento deveria ser identificada de maneira mais rigorosa e reprodutível3.
The American Dietetic Association definiu as consistências para alimentos líquidos, de acordo com a viscosidade, em quatro níveis: líquido fino, néctar, mel e pudim, correspondendo a viscosidades de 1-50, 51-350, 351-1.750 e maior que 1.751 mPa.s, respectivamente, medidas a uma taxa de cisalhamento de 50/s6, assim como os sólidos foram divididos em categorias de acordo com o tamanho das partículas. A escala utilizada no Japão para líquidos contem um maior número de categorias: 1-50, 51-150, 151-300, 301-500 e >500 mPa.s, medidas a uma taxa de cisalhamento de 50/s3.
Tais classificações com base no valor medido de características reológicas do alimento seriam bastante convenientes para eliminação de confusões em prescrições alimentares. Para tanto, é importante que tais informações estejam presentes nas embalagens e rótulos dos produtos comercialmente disponíveis24. A classificação utilizada no Japão, além da textura, incorpora conteúdo energético, proteico, dureza e coesão para cada consistência e temperatura (15 ou 45°C)3. O uso de diferentes cores para diferenciar as consistências é outro recurso disponível em algumas classificações3 7 8.
Um estudo pesquisou o número de consistências em que diferenças podem ser percebidas por indivíduos comuns. Os autores verificaram que o número de consistências diferenciadas pelos indivíduos foi maior do que as classificações propõem. Porém, na medida em que a viscosidade aumenta, apenas grandes variações passam a ser detectadas24. Antes, porém, de se propor qualquer classificação, seria interessante realizar estudos que abordassem quais as diferenças de viscosidade são clinicamente relevantes para provocar mudanças fisiológicas ou funcionais na deglutição.
Os resultados deste trabalho reforçam a importância da padronização da terminologia de classificação das consistências alimentares, tendo em vista o aumento da concordância entre os profissionais com o uso de um direcionamento teórico e o fato de que estes reconhecem o aumento dos riscos de aspiração e outras complicações quando há discordância na classificação das dietas. Sugere-se que essa padronização inclua valores das características reológicas dos alimentos líquidos e tamanho das partículas no caso dos alimentos sólidos a fim de evitar ao máximo possíveis confusões entre instituições ou profissionais.
O presente estudo demonstrou que tanto fonoaudiólogos quanto nutricionistas reconhecem a existência de divergências na classificação das consistências alimentares que compõem as dietas hospitalares e que estas divergências podem trazer prejuízos à saúde dos pacientes, sendo o risco de aspiração o mais citado pelos participantes.
Na classificação dos alimentos sem direcionamento teórico, os profissionais utilizaram 49 termos para definir cinco alimentos. Entretanto, verificou-se que, na presença de um direcionamento teórico, a discordância entre fonoaudiólogos e nutricionistas foi consideravelmente reduzida.
Os resultados deste trabalho reforçam a importância da padronização da terminologia de classificação das consistências alimentares para garantir a boa evolução do tratamento da disfagia.