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Força muscular respiratória não influencia no uso da ventilação não invasiva após cirurgia cardíaca

Força muscular respiratória não influencia no uso da ventilação não invasiva após cirurgia cardíaca

Autores:

Christiane Riedi Daniel,
Taissa Driessen,
Andersom Ricardo Fréz,
Cintia Teixeira Rossato Mora

ARTIGO ORIGINAL

Fisioterapia e Pesquisa

versão impressa ISSN 1809-2950

Fisioter. Pesqui. vol.21 no.1 São Paulo jan./mar. 2014

http://dx.doi.org/10.1590/1809-2950/466210114

INTRODUÇÃO

A condição prévia do paciente submetido à cirurgia cardíaca - como a presença de doença pulmonar crônica, a qual pode estar associada a outras comorbidades e hábitos de vida - contribui para a intensidade das alterações respiratórias no pós-operatório (PO), sendo a atelectasia, as infecções e a insuficiência respiratória as alterações mais comumente encontradas1 - 3.

Além destas condições pré-operatórias, também existem fatores perioperatórios que impactam diretamente no maior risco de morbimortalidade, tempo de internação e custos hospitalares1 , 3 - 5. Entre os fatores relacionados ao procedimento estão trauma cirúrgico, dor, anestesia e circulação extracorpórea (CEC), tendo como consequência disfunção diafragmática, redução da função e expansão pulmonar, hipoxemia e acúmulo de secreção5.

Assim, torna-se importante a avaliação pré-operatória, a qual objetiva identificar possíveis riscos para complicações respiratórias. Nesta avaliação deve-se analisar a força muscular respiratória, pois a fraqueza destes músculos no pré-operatório está relacionada às complicações pulmonares no PO1.

Uma das formas de reduzir essas complicações é a intervenção da fisioterapia pré-operatória, a qual inclui treinamento muscular inspiratório. Pacientes que recebem essa intervenção apresentam menor tempo de internação hospitalar no PO de revascularização do miocárdio6 , 7. Além do pré-operatório, a fisioterapia objetiva prevenir e tratar complicações PO. Dentre as alternativas terapêuticas, a ventilação não invasiva (VNI) tem sido empregada para melhorar a função respiratória em consequência da deterioração da função cardíaca8 , 9.

A VNI tem indicação na prevenção e resolução da insuficiência respiratória, reduzindo no PO os índices de reintubações, pneumonias e hipoxemias, repercutindo diretamente no tempo de internação hospitalar e na unidade de terapia intensiva (UTI)3 , 10 - 12. A VNI também melhora as trocas gasosas e shunt, diminui o trabalho muscular, a pré e a pós-carga, refletindo no desempenho ventricular3 , 11.

O objetivo deste estudo foi investigar a relação entre a força muscular respiratória pré-operatória e a indicação e desempenho da VNI na cirurgia cardíaca eletiva. Secundariamente objetivou-se comparar os tipos de intervenções cirúrgicas, características do procedimento (tempo de circulação extracorpórea, anestesia, cirurgia, internação e alta hospitalar) bem como as características dos indivíduos com a força muscular respiratória.

METODOLOGIA

Estudo retrospectivo e observacional por meio de levantamento e análise de prontuários e fichas de acompanhamento da VNI de indivíduos que realizaram cirurgia cardíaca de janeiro a dezembro de 2011. O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade Assis Gurgaz, protocolo 221/2007.

Amostra

Foram encontrados 193 prontuários, entre janeiro e dezembro de 2011, de pacientes que realizaram revascularização do miocárdio, trocas valvares, correção de aneurismas e de comunicação interatrial. Destes, 84 foram excluídos por se tratar de cirurgias de emergência, pacientes com angina instável, que não estavam em condições físicas ou cognitivas para a realização dos testes respiratórios ou que evoluíram com óbito no pós-operatório. Assim, 109 prontuários foram analisados; por se tratar de fichas de acompanhamento padrão todos os prontuários analisados possuíam as informações necessárias.

Avaliação pré-operatória

Todos os indivíduos foram avaliados na internação hospitalar, na qual foi registrado seu histórico, medidas de força muscular respiratória, pico de fluxo e ventilometria. Os testes respiratórios foram realizados com os pacientes sentados, pés apoiados e narinas ocluídas com clipe nasal.

A força muscular respiratória foi aferida utilizando o manovacuômetro analógico (Wika, MV 300), com escala de ±300 cmH2O. A força inspiratória máxima (PImáx) foi mensurada iniciando-se com três ciclos respiratórios em volume corrente (VC), sendo solicitada uma expiração até o volume residual (VR). Na sequência o paciente realizou uma inspiração máxima até a capacidade pulmonar total (CPT), permanecendo com a força sustentada por dois segundos13. Para avaliar a força expiratória (PEmáx) o paciente foi orientado a realizar respirações em VC seguidas de uma inspiração profunda até CPT e em seguida realizar uma expiração máxima em nível do VR sustentada por dois segundos13. Ambas as manobras foram realizadas três vezes, cujo intervalo era determinado pelo paciente, sendo registrada a melhor medida. Para o cálculo das pressões previstas foram utilizadas as equações propostas por Neder et al.14. Para a comparação da força muscular respiratória pré-operatória com a utilização da VNI, e com seu desfecho, considerou-se como valor da PImáx 80 cmH2O. Segundo as diretrizes da American Thoracic Society/European Respiratory Society (ATS/ERS)15, no teste de função pulmonar, valores inferiores a este podem ser indicativos de fraqueza muscular.

Para verificar o pico de fluxo o paciente foi orientado a realizar uma inspiração até a CPT, seguida por uma expiração forçada máxima, curta e explosiva em um medidor de pico de fluxo. O maior valor de três manobras consecutivas foi registrado, caso a diferença entre elas fosse maior que 20 L/min, o teste seria repetido.

Para realização da ventilometria (Inspire Wright Mk 8) foi utilizando um filtro trocador de calor como intermediário, o qual foi acoplado na boca do paciente. Para a mensuração do volume minuto (Vmin) o voluntário realizava uma ventilação tranquila durante um minuto e ao final era registrado o valor encontrado e o número de incursões respiratórias realizadas no período. Para a medida do VC dividiu-se o Vmin pela frequência respiratória (FR) encontrada. A medida da capacidade vital (CV) foi avaliada por uma expiração até o VR seguida de uma inspiração até a CPT.

Intervenção fisioterapêutica

Após o procedimento cirúrgico, as intervenções fisioterapêuticas foram realizadas três vezes ao dia com exercícios respiratórios e motores do PO imediato até a alta hospitalar. Era responsabilidade do fisioterapeuta o manejo da ventilação mecânica, extubação, avaliação e indicação da VNI em consenso com a equipe multidisciplinar.

Ventilação não invasiva

A indicação da VNI era baseada no protocolo do hospital que contemplava: presença de insuficiência respiratória aguda (IRpA) caracterizada pela presença de esforço respiratório; taquipnéia; necessidade de frações inspiradas de oxigênio (FiO2) maiores que 40% com saturação periférica de oxigênio (SpO2) menor que 90%; edema agudo de pulmão (EAP) definido por presença de esforço respiratório associado à tosse com expectoração rósea e presença de crepitantes pulmonares na ausculta pulmonar; hipoxemia (alteração no PO2 sem manifestação de esforço respiratório) ou hipercapnia isoladas; broncoespasmo (esforço respiratório associado a sibilos expiratórios na ausculta pulmonar); alterações radiológicas (atelectasias e derrame pleural); ou profilaxia pós-extubação (pacientes com doença respiratória, tempo maior que 24 horas em ventilação mecânica).

Os pacientes eram reavaliados continuamente, tendo como parâmetros os sinais de esforço respiratório, SpO2 e nível de consciência. Após duas horas da instalação da VNI foi realizada nova análise da gasometria arterial. Os pacientes que apresentavam boa resposta à VNI (melhora da oxigenação e/ou hipercapnia) permaneciam no tratamento, realizado três vezes ao dia por um período de duas horas, até a resolução do quadro clínico.

Foram considerados indicativos de falência no uso da VNI: necessidade de uma FiO2 maior que 0,6, diminuição do pH e/ou aumento da PaCO2, frequência respiratória maior que 35ipm, agitação ou diminuição do nível de consciência, instabilidade hemodinâmica, arritmias, isquemia miocárdica, distensão abdominal, intolerância à máscara e piora do quando respiratório.

Para classificação das complicações pulmonares pós-operatórias de cirurgia cardíaca utilizou-se a classificação proposta por Hulzebos et al. 16 que subdivide-as em quatro tipos:

  • Tipo 1: tosse seca, microatelectasias e temperatura maior que 37,5ºC sem causa documentada, dispneia sem causa documentada;

  • Tipo 2: tosse produtiva não atribuída à causa certa, broncoespasmo (presença de sibilância) e necessidade de mudança de tratamento, hipoxemia com sinais e sintomas de sibilância e dispneia, atelectasias com confirmação radiológica associada à temperatura maior que 37,4ºC ou achados pulmonares anormais, hipercapnia com necessidade de tratamento;

  • Tipo 3: derrame pleural com necessidade de toracocentese, suspeita de pneumonia (evidência radiológica sem confirmação da bacterioscopia), pneumonia com evidência radiológica e confirmação na bacterioscopia, pneumotórax, reintubação com período de ventilação mecânica não superior a 48h.

  • Tipo 4: falência ventilatória: dependência do ventilador no pós-operatório excedendo 48h, intubação com subsequente dependência da ventilação mecânica por mais de 48h.

Análise estatística

Para diferenciar os grupos de acordo com a força muscular foi utilizado o teste t de Student para as variáveis contínuas e o teste qui-quadrado para as categóricas. O teste qui-quadrado também foi utilizado para investigar a influência dos valores da força muscular respiratória pré-operatória com a indicação de desfecho da VNI. A escolha da PImax > ou <80 cm H2O para a comparação da força muscular com a utilização e desfecho da VNI se deu pois este valor foi determinado pela ATS/ERS15 nas diretrizes de teste de função pulmonar como valores indicativos de fraqueza muscular Os demais dados foram apresentando em tabelas com a distribuição de frequência, média e desvio-padrão. O nível de significância estipulado foi de 5%. As análises foram realizadas com o uso do software GraphPad Instat 3.0.

RESULTADOS

Foram consultados 109 prontuários de pacientes submetidos à cirurgia cardíaca, dos quais foram extraídas as características dos pacientes (Tabela 1) e as características dos procedimentos cirúrgicos realizados (Tabela 2).

Tabela 1 Caracterização da amostra 

PImáx<80 cmH2O PImáx>80 cmH2O Valor p
n=70
n (%)
n=39
n (%)
Idade média (anos)# 59,2±12,1 57,3±12,9 0,45
Sexo
Masculino 47 (67) 19 (49) 0,09
Feminino 23 (33) 20 (51)
IMC (kg/m2) 28,3 (5,6) 28,2 (4,2) 0,87
Circunferência abdominal (cm) 99,2 (12,5) 98,1 (11,6) 0,65
Tabagismo
Não tabagista 35 (50,0) 20 (51,2) 0,55
Tabagista 5 (7,2) 5 (12,8)
Ex-tabagista 30 (42,8) 14 (36,0)
Diabetes 27 (38,5) 13 (33,3) 0,73
Dislipidemia 32 (46) 15 (38,5) 0,59
Hipertensão arterial 54 (77) 27 (69) 0,49
Patologias respiratórias 5 (7,1) 7 (17,9) 0,16

PImáx: força inspiratória máxima

IMC: índice de massa corpórea

#Média±desvio padrão

Tabela 2 Características dos procedimentos cirúrgicos realizados 

PImáx<80 cmH2O
n=70
n (%)
PImáx>80 cmH2O
n=39
n (%)
Valor p
Tipo de cirurgia
Revascularização do miocárdio 43 (61) 23 (60) 0,17
Troca válvula mitral 4 (6) 8 (20)
Troca de válvula aórtica 11 (16) 4 (10)
Cirurgias associadas 9 (13) 3 (8)
Outras cirurgias 3 (4) 1 (2)
Risco cirúrgico
ASA I 3 (4) 2 (6) 0,97
ASA II 9 (13) 6 (15)
ASA III 5 (73) 27 (69)
ASA IV 7 (10) 4 (10)
Tempo de circulação extracorpórea (min)# 88,1±49,9 88,1±48,4 0,99
Tempo de anestesia (min)# 300,7±97,7 295,8±81,5 0,79
Tempo de cirurgia (min)# 267,7±71,7 254,0±69,0 0,34
Tempo de internação (dias)# 10,8±6,1 9,8±5,7 0,22
Tempo de PO na alta hospitalar (dias)# 7,5±5,5 6,0±3,6 0,12

PImáx: força inspiratória máxima

PO: pós-operatório

ASA: American Society of Anesthesiologists

#Média±desvio padrão

A VNI foi utilizada em 32 (29%) pacientes, sendo observados 30 (94%) de sucessos e 2 (6%) de insucessos, sendo ambos reintubados por piora do quadro respiratório (Tabela 3).

Tabela 3 Indicações e desfecho da ventilação não invasiva 

Indicação Desfecho da ventilação não invasiva
Frequência
n=32
n (%)
Sucesso
n=30
n (%)
Insucesso
n=2
n (%)
Hipercapnia 14 (44) 13 (93) 1 (7)
Alterações radiográficas 7 (22) 7 (100) -
IRpA 5 (16) 5 (100) -
BCE 2 (6) 2 (100) -
Hipoxemia 2 (6) 1 (50) 1 (50)
Pós-extubação 2 (6) 2 (100) -

IRpA: insuficiência respiratória pulmonar aguda

BCE: broncoespasmo

Dos 109 pacientes investigados, 35 (32%) apresentaram complicações respiratórias pós-operatórias, e destes, 19 (54%) fizeram uso da VNI. Destaca-se que nem todos os pacientes que utilizaram VNI apresentaram complicações pulmonares pós-operatória conforme a classificação de Hulzebos et al.16.

As médias da pressão inspiratória e expiratória máximas avaliadas no pré-operatório foram 62,8±25,7 e 68,6±22,5 cmH2O, respectivamente. Já a média do pico de fluxo expiratório encontrado foi 346,7±125,8 L/min.

Os achados da ventilometria foram: volume minuto médio de 11.375,0±10.546,4 mL, volume corrente de 749,3±396,3 mL e capacidade inspiratória de 2.761,4±1.328,2 mL, não apresentando diferença estatística entre os pacientes que utilizaram a VNI (p=0,47) e o desfecho da mesma (p=0,09).

Quando realizada a comparação entre a força muscular respiratória, o uso da VNI e seu desfecho não foram encontradas diferenças significativas (Tabela 4).

Tabela 4 Relação entre a força muscular respiratória, utilização e desfecho da ventilação não invasiva 

PImáx Utilização da VNI
n=109
Desfecho da VNI
n=33
Sim
n (%)
Não
n (%)
Valor p Sucesso
n (%)
Insucesso
n (%)
Valor
p
>80 cmH2O 14 (13) 26 (24) 0,54 13 (40) 1 (3) 0,73
<80 cmH2O 19 (17) 50 (46) 17 (51) 2 (6)

VNI: ventilação não invasiva

PImáx: pressão inspiratória máxima

DISCUSSÃO

A taxa de complicações respiratórias no PO de cirurgia cardíaca encontra-se entre 7 e 49%3 , 17. Estas complicações são uma das principais causas de morbimortalidade em pacientes submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio18. Neste estudo, 60% dos indivíduos foram revascularizados, e destes, 32% apresentaram complicações respiratórias. Resultado semelhante a outro estudo3, o qual relatou uma frequência de 30% de complicações pós-operatórias.

A VNI é utilizada como ferramenta para reversão dessas complicações no PO, que pode reduzir a necessidade de reintubação, as taxas de morbidade, a mortalidade e a estadia na UTI19. Seu uso é recomendado pelo International Consensus Conferences in Intensive Care Medicine 11.

Em uma revisão da literatura7 foi possível identificar que o uso da VNI em pacientes PO possui grau de recomendação nível II. Fato que vai ao encontro de outro estudo6, e também do presente, no qual obteve-se 94% de sucesso.

Os pacientes submetidos à cirurgia cardíaca que fizeram uso da VNI totalizaram 29%. Frequência semelhante a outro estudo20, no qual foi investigado o uso da VNI em pacientes com insuficiência respiratória no PO de cirurgia cardíaca, e os autores observaram que 33% necessitaram deste suporte ventilatório. Entretanto, no protocolo do Hospital Ministro Costa Cavalcanti a indicação não foi somente nos casos de insuficiência respiratória, como no referido estudo.

A maior frequência do uso da VNI ocorreu em pacientes com hipercapnia (44%), cujo sucesso alcançado foi de 93%. A utilização da VNI com esse objetivo é bastante difundida. Um estudo12 investigou os fatores associados à resposta da VNI no primeiro dia de internação na UTI em pacientes hipercápnicos, apesar do sucesso ser inferior ao da presente pesquisa (66%), foi possível identificar que pacientes que necessitavam de pressões de suporte mais altas eram os que apresentavam maior chance de insucesso12.

Lee et al.21 demonstraram que pacientes com complicações respiratórias PO podem ser tratados com VNI, reduzindo tempo de internação e de UTI, sendo as complicações mais comuns a pneumonia e atelectasias. Olper et al.22 obtiveram 85% de sucesso na utilização de VNI em PO de cirurgia cardíaca, onde as causas de insuficiência respiratória foram principalmente atelectasias e derrame pleural. Apesar da principal indicação neste estudo ser a hipercapnia (44%), o desempenho da VNI foi semelhante, com 94%14 , 22.

Bellinetti e Thomson23 descrevem que paciente com PImáx e PEmáx abaixo de 75% do previsto desenvolvem mais complicações respiratórias12. Esses grupos apresentando maior incidência de complicações respiratórias necessitariam também de maior utilização de VNI, o que ocorreu neste estudo, porém sem diferença significativa. Schnaider et al.1 e Bastos et al. 24 não encontraram diferença significativa nas complicações pulmonares de pacientes com força muscular respiratória reduzida no pré-operatório, porém, nos dois estudos as complicações foram mais frequentes nesses pacientes15. Os dados encontrados no presente estudo foram semelhantes, pois o uso da VNI foi maior em pacientes com PImáx <80 cmH2O, porém sem diferença estatística. Hulzebos et al.16 demonstraram que pacientes que receberam treinamento muscular inspiratório antes da cirurgia apresentaram 30% menos complicações respiratórias. No presente estudo, o uso da VNI não apresentou diferença significativa nos pacientes com PImáx <80 cmH2O, porém todos os insucessos eram pacientes com PImáx <80 cmH2O.

A utilização da VNI de forma profilática, isto é, sem sinais e sintomas de insuficiência respiratória, tem sido utilizada como forma de evitar complicações respiratórias. Uma revisão da literatura25 destacou que a VNI associada à fisioterapia respiratória é um recurso seguro e efetivo para reduzir e tratar complicações no PO. Neste estudo, 22% das instalações da VNI ocorreram em pacientes com comprometimento radiológico, porém, sem manifestações clínicas, e 6% imediatamente após a extubação, devido aos fatores de risco pré-operatórios. Assim, 28% utilizaram-na de forma preventiva. Um estudo randomizado26 utilizou a VNI de forma profilática em 500 pacientes e foi demonstrado que a VNI melhora a oxigenação, reduz complicações respiratórias e reinternações. O uso de VNI preventivamente até 48 horas após cirurgia cardíaca melhora os valores de ventilometria, força muscular respiratória e pico de fluxo expiratório, podendo prevenir complicações respiratórias5 , 25 , 26.

Os indivíduos analisados foram caracterizados com sobrepeso (IMC médio 28 kg/m²). De acordo com a classificação do IMC, 33% apresentavam-se com algum grau de obesidade, e destes, 36% fizeram uso da VNI. O uso da VNI em pacientes obesos com hipercapnia é efetivo, porém, existe a necessidade de um maior nível de PEEP, resultando na melhora da oxigenação, diminuição do gás carbônico e da diferença alveolocapilar12. Outro fator antropométrico avaliado foi a circunferência abdominal, cuja média foi de 98 cm, estando mais propensos às complicações respiratórias comuns nos pacientes obesos8.

Como consequência da cirurgia cardíaca, os indivíduos apresentam alterações pulmonares que favorecem o desenvolvimento de complicações pulmonares pós-operatórias22. Dessas complicações e da força muscular respiratória, sabe-se que a fraqueza desta aumenta a carga de trabalho respiratório, que pode resultar em diversas consequências clínicas como dispneia e necessidade do uso dos músculos acessórios da respiração27. Acredita-se que fatores pré-operatórios podem minimizar ou piorar esta condição, sendo que estes têm sido muito investigados, principalmente a influência destes fatores nas complicações pós-operatórias22.

Estudos de Riedi et al.28 e Bastos et al.24 mostraram uma diminuição da força muscular respiratória no pós-operatório quando comparada com os valores pré, porém não encontraram relação entre as disfunções dos músculos respiratórios pré-operatórias com as complicações pulmonares pós-operatórias, dados semelhantes aos encontrados neste estudo.

Em contrapartida, o estudo de Savci et al.29 verificou que o treinamento muscular respiratório pré-operatório com o objetivo de melhorar a força muscular diminuiu o tempo de estadia na UTI e favoreceu a recuperação da forma muscular respiratória mais rapidamente. Em outro estudo, Hulzebos et al.16 investigaram fatores pré-operatórios que poderiam influenciar no surgimento das complicações pulmonares pós-operatórias e não encontraram relação com a fraqueza muscular respiratória, porém verificaram que a manutenção da PEmáx acima de 75% do previsto era um fator de proteção.

Baseado nisso, acredita-se que talvez a fraqueza dos músculos respiratórios não se relaciona diretamente com as complicações pulmonares pós-operatórias, porém, uma força muscular respiratória adequada pode contribuir para um melhor e mais rápido reestabelecimento das funções respiratórias perdidas em decorrência do procedimento cirúrgico.

Este estudo limitou-se a uma amostra de pessoas submetidas à cirurgia cardíaca de um hospital de Foz do Iguaçu, Paraná. Sugere-se a continuidade do estudo, porém de forma longitudinal, incluindo estudos de seguimento (follow up), buscando identificar melhor os fatores que interferem na qualidade de vida e no estado funcional desses pacientes.

CONCLUSÃO

O uso da VNI foi eficaz e seguro para os pacientes no PO de cirurgia cardíaca. Porém, não foi encontrada relação entre a diminuição da força muscular respiratória no pré-operatório e a indicação e desfecho da VNI.

REFERÊNCIAS

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