versão impressa ISSN 0102-311Xversão On-line ISSN 1678-4464
Cad. Saúde Pública vol.30 no.12 Rio de Janeiro dez. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00218113
Fractures in the elderly (≥ 60 years) have a major public health impact and take a heavy social and economic toll. This article aimed to describe spatial and time trends in femoral fractures among elderly men and women in all regions of Brazil. Bayesian descriptive analyses of spatial and time series were performed on data obtained from the Hospital Information System of the Brazilian Unified National Health System, using Poisson regression for femoral fractures in individuals 60 years of age or older from 2008 to 2012. There were more than 181,000 femoral fractures during this period, predominantly in women, without important spatial correlations or temporal differences. Despite the lack of temporal and spatial correlations, the number of femoral fractures in elderly Brazilians was high, with heavy financial and social costs. Public health policies are urgently needed to control predisposing factors for femoral fractures in elderly Brazilians.
Key words: Femoral Fractures; Hip Fractures; Wounds and Injuries; Aged
Las fracturas en personas mayores de 60 años (de edad avanzada) representan un impacto mayor de salud pública, se asocian con alta morbilidad y mortalidad y costos sociales y económicos importantes. El estudio trató de describir la evolución temporal y espacial de los casos de fractura de fémur en personas de edad ≥ 60 años en todas las regiones del país, por sexo. Se realizaron descripciones de serie temporales y espaciales, mediante el método bayesiano, basadas en los datos obtenidos por el Sistema de Información Hospitalaria del Sistema Único de Salud (SIH-SUS), empleando el modelo de regresión de Poisson, sobre los casos ocurridos entre los años 2008-2012. En el periodo se produjeron más de 181.000 casos de fractura de fémur, predominantemente femenino, sin correlaciones importantes diferencias espaciales y temporales. Aunque no observamos ningún predominio del comportamiento temporal y espacial, el número de casos de fractura de fémur es alto con grandes costos financieros y sociales. Las políticas de salud públicas, destinadas a controlar los factores que predisponen para este hecho, deben aplicarse urgentemente.
Palabras-clave: Fracturas del Fémur; Fracturas de Cadera; Heridas y Traumatismos; Anciano
Apesar de algumas variações geográficas quando à sua definição, para a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde do Brasil, a partir do marco legal da Política Nacional do Idoso e Estatuto do Idoso, biologicamente são considerados idosos todos com idade igual ou superior a 60 anos1 , 2. O envelhecimento da população é um fenômeno de relevância mundial, estima-se que em 2050 existirão mais de 2 bilhões de pessoas com mais de 60 anos no mundo1, com projeções de 28 milhões de idosos no Brasil em 2020 2. Com o envelhecimento, observa-se a diminuição progressiva e fisiológica da reserva funcional dos indivíduos (senescência) que, em situações desfavoráveis de sobrecarga e estresse, pode levar à perda patológica da sua capacidade funcional (senilidade) 3, comprometendo suas habilidades físicas e mentais, além da independência na vida diária e capacidade de integração social4.
O envelhecimento pode ser influenciado por fatores biológicos, sociais, econômicos, além de causas externas e doenças5. As quedas fazem parte do grupo de causas externas e estão associadas à diminuição significativa da capacidade funcional do idoso, e sua ocorrência tende a aumentar com a idade, chegando a 51% nos indivíduos com mais de 85 anos6. As quedas, em geral, se devem à marcha instável e perda do equilíbrio decorrente da insuficiência súbita dos mecanismos neuro-sensoriais e osteoarticulares envolvidos na manutenção da postura7. As principais consequências das quedas em idosos são fraturas, aumento do risco de morte, o medo futuro de novas quedas levando à restrição de atividades, o declínio da saúde global e o aumento do risco de institucionalização8.
Dentre as fraturas, as mais comuns são as de fêmur9 para as quais a osteoporose é um importante fator de risco10, justificando sua maior ocorrência entre as mulheres com idade igual ou superior a 60 anos11 , 12. Os números relativos a esse problema refletem sua importância em algumas partes do mundo. Nos Estados Unidos, há registros de 0,8 caso/mil pessoas com idade ≥ 60 anos/anualmente, com gastos anuais aproximados de 10 bilhões de dólares13. No continente europeu os casos apresentam uma distribuição característica, com incidência mais elevada nos países do norte como Suécia, Dinamarca e Noruega, e menores na região do Mediterrâneo14 , 15 , 16. Na América Latina, os coeficientes de incidência de fratura de fêmur, sobretudo em mulheres com idade superior a 50 anos, também apresentam variações entre os países, sendo de 0,45 caso/mil pessoas com idade ≥ 60 anos/anualmente no Chile e 0,95 caso/mil pessoas com idade ≥ 60 anos/anualmente na Venezuela17. As informações mais recentes sobre fraturas de fêmur em idosos no Brasil reportam cerca de 30 mil casos/ano, sendo responsáveis, em 2008, por 32.908 internações hospitalares no Sistema Único de Saúde (SUS), com um custo total de 58,6 milhões de reais18.
Nos últimos anos, as fraturas de fêmur têm merecido atenção das autoridades sanitárias brasileiras pelo seu evidente impacto na saúde dos idosos e por suas consequências para o setor público. Estudos atuais revelam que a expectativa de vida dos pacientes que sofrem esse tipo de fratura é reduzida em 15 a 20%, com as taxas de mortalidade relacionadas a esse agravo variando de 15 a 50% no primeiro ano13 , 19. Além disso, a incapacidade física total ou parcial após a fratura é outro grande problema, sendo que 50% dos pacientes tornam-se restritos ao leito ou à cadeira de rodas e, daqueles que conseguem retornar ao domicílio, 25 a 35% passam a necessitar de cuidadores ou algum dispositivo para auxiliar a locomoção14 , 20. Estudo recente avaliando a capacidade funcional e a qualidade de vida de idosos com história de fratura de fêmur um ano após o tratamento cirúrgico identificou dificuldade para deambular com necessidade de auxílio em 44,2%, com menores chances de recuperação da marcha naqueles com idade igual ou superior a 80 anos21. Outro estudo, também avaliando idosos um ano após a fratura de fêmur, observou dependência parcial na realização das atividades da vida diária em 19,6% deles e dependência total em 13,7%, significando a existência de algum grau de dependência funcional em mais de 30% dos pacientes4.
Diante da importância e da escassez de estudos sobre o tema no Brasil, o presente trabalho tem por finalidade descrever a evolução temporal e espacial dos casos de fratura de fêmur na população de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos em todas as regiões do país, por sexo, em um período de cinco anos.
Trata-se de um estudo ecológico com componente de série temporal empregando-se análise bayesiana de distribuição espacial, com dados obtidos do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH-SUS), em que foram incluídos os casos de fratura de fêmur (sem discriminar a localização anatômica específica), portanto, abrangendo todos os códigos relativos a 10a revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) em pessoas com idade maior ou igual a 60 anos entre os anos de 2008 a 2012, sendo analisados de acordo com as Unidades da Federação (UF) do Brasil em relação ao sexo.
Para a análise espacial das taxas de incidência de fraturas utilizou-se um mapeamento das razões de incidência padronizadas22 (standardized incidence ratio, ou SIR, em inglês). A SIR é um método indireto de ajustamento de taxas por idade, que descreve em termos numéricos o quanto a incidência do evento de interesse em uma dada UF e em dado ano equivale à taxa encontrada no país como um todo. Para o sexo s (com s = 1 para o sexo feminino e s = 2 para o masculino) e ano t (t = 1 para 2008, t = 2 para 2009, e assim sucessivamente) foram obtidos do SIH-SUS os números de fraturas ocorridas no Brasil em cada uma das seguintes faixas etárias: 60 a 64 anos (f = 1), 65 a 69 (f = 2), 70 a 74 (f = 3), 75 a 79 (f = 4) e 80 anos e mais (f = 5). Esses números, divididos pela população brasileira para o correspondente sexo, ano e faixa etária, são as taxas de fraturas para o país, denotadas por w(s,t,f).
O número esperado E(p,s,t) de fraturas para a UF p (p = 1,...,27) durante o ano t e o sexo s é dado:
em que m(p,s,t,f) é a população para a UF p, sexo s, ano t e faixa etária f (dados obtidos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE)2. A SIR é dada por:
em que Y(p,s,t) é o número observado de fraturas na UF p, sexo s e ano t.
Assim, o modelo de regressão de Poisson considerado foi:
em que µ(p,s,t) é o parâmetro que representa a SIR, dado por:
Nessa expressão, o parâmetro α0 é um intercepto constante e α sp , s = 1, 2, p = 1,...,27, são efeitos aleatórios bivariados que capturam possíveis correlações espaciais entre as medidas de SIR considerando-se os efeitos de região de UF vizinhas. Assumiu-se que α sp segue uma estrutura condicional autorregressiva intrínseca normal bivariada (MVCAR), cujos detalhes técnicos podem ser obtidos em Besag & Kooperberg23. Em adição, os efeitos ω(p,s,t) modelam a tendência longitudinal da SIR para cada UF e sexo, considerando um processo gaussiano multivariado com uma média de vetor 5 x 1, todos os componentes iguais a zero e função de covariância dada por:
para s = 1, 2, t = 1,...,5 e t* = 1,...,5 (detalhes técnicos são encontrados em Branscun et al. 24). Notar que essa expressão diz respeito à covariância entre os efeitos ω(p,s,t) e ω(p,s,t*), sendo que t e t* denotam dois anos quaisquer compreendidos no período estudado.
Na análise bayesiana24, foi especificada uma distribuição "flat" a priori para α0 e distribuições uniformes no intervalo (0,K) para θ11, θ12, θ21e θ22, em que K = 50. Entende-se como "flat" uma distribuição imprópria não informativa, ou seja, uma função constante para toda a extensão dos possíveis valores do parâmetro, mas a rigor não equivalente a uma distribuição de probabilidade. Uma análise de sensibilidade foi conduzida para investigar a influência de outros valores para K no ajuste do modelo. Assumiram-se distribuições a priori não informativas para todos os parâmetros do modelo. As distribuições condicionais a posteriori para os parâmetros foram simuladas usando-se o método de Monte Carlo em cadeia de Markov (MCMC) por meio do software OpenBUGS (Medical Research Council, Biostatistics Unit, Cambridge, Reino Unido)25. A estrutura espacial dos dados foi testada comparando-se modelos que incluem ou não os efeitos espaciais α sp e pela observação dos índices de Moran26 de correlação espacial. Na estimação desses índices, utilizou-se uma matriz de ponderações espaciais dada pelo critério da contiguidade, em que se consideraram elementos iguais a 1 para UF vizinhas e 0 caso contrário. Foram encontrados ainda valores-p para os índices de Moran, utilizando-se a biblioteca ape do programa R (The R Foundation for Statistical Computing, Viena, Áustria; http://www.r-project.org).
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (no 456/2011).
Como pode ser observado na Table 1, durante o período de estudos ocorreram mais de 181 mil casos de fratura de fêmur em todo Brasil, considerando-se as cinco regiões do país.
Tabela 1 Distribuição do número absoluto de fraturas de fêmur em pessoas com idade ≥ 60 anos, nas cinco regiões do Brasil e respectivas Unidades da Federação (UF) de 2008 a 2012, segundo os sexos.
Regiões (UF) | 2008 | 2009 | 2010 | 2011 | 2012 | ||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
M | F | Total | M | F | Total | M | F | Total | M | F | Total | M | F | Total | |
Norte | 459 | 660 | 1.119 | 475 | 787 | 1.262 | 409 | 662 | 1.071 | 543 | 812 | 1.355 | 615 | 910 | 1.525 |
RO | 57 | 52 | 109 | 73 | 86 | 159 | 82 | 94 | 176 | 55 | 54 | 109 | 47 | 47 | 94 |
AC | 21 | 45 | 66 | 21 | 37 | 58 | 25 | 49 | 74 | 37 | 56 | 93 | 32 | 50 | 82 |
AM | 59 | 83 | 142 | 68 | 114 | 182 | 59 | 133 | 192 | 103 | 159 | 262 | 162 | 240 | 402 |
RR | 20 | 19 | 39 | 17 | 21 | 38 | 10 | 11 | 21 | 11 | 16 | 27 | 23 | 19 | 42 |
PA | 197 | 299 | 496 | 205 | 357 | 562 | 153 | 246 | 399 | 202 | 361 | 563 | 223 | 355 | 578 |
AP | 20 | 37 | 57 | 24 | 43 | 67 | 13 | 18 | 31 | 24 | 27 | 51 | 29 | 44 | 73 |
TO | 85 | 125 | 210 | 67 | 129 | 196 | 67 | 111 | 178 | 111 | 139 | 250 | 99 | 155 | 254 |
Nordeste | 1.887 | 4.288 | 6.175 | 2.211 | 4.731 | 6.942 | 1.904 | 4.265 | 6.169 | 2.221 | 4.806 | 7.027 | 2.200 | 4.635 | 6.835 |
MA | 130 | 243 | 373 | 202 | 361 | 563 | 74 | 162 | 236 | 112 | 205 | 317 | 161 | 281 | 442 |
PI | 107 | 250 | 357 | 162 | 354 | 516 | 134 | 232 | 366 | 143 | 302 | 445 | 173 | 298 | 471 |
CE | 278 | 762 | 1040 | 393 | 1.018 | 1.411 | 319 | 785 | 1.104 | 302 | 760 | 1.062 | 289 | 685 | 974 |
RN | 160 | 366 | 526 | 155 | 376 | 531 | 148 | 426 | 574 | 179 | 441 | 620 | 188 | 399 | 587 |
PB | 201 | 524 | 725 | 261 | 587 | 848 | 230 | 540 | 770 | 211 | 488 | 699 | 221 | 510 | 731 |
PE | 301 | 725 | 1.026 | 271 | 537 | 808 | 280 | 661 | 941 | 385 | 887 | 1.272 | 390 | 881 | 1.271 |
AL | 120 | 287 | 407 | 132 | 272 | 404 | 61 | 144 | 205 | 114 | 226 | 340 | 112 | 293 | 405 |
SE | 91 | 174 | 265 | 102 | 202 | 304 | 121 | 263 | 384 | 130 | 273 | 403 | 83 | 210 | 293 |
BA | 499 | 958 | 1.457 | 533 | 1.024 | 1.557 | 537 | 1.052 | 1.589 | 645 | 1.224 | 1.869 | 583 | 1.078 | 1.661 |
Sudeste | 5.753 | 1.2230 | 17.983 | 6.470 | 13.280 | 19.750 | 6.461 | 13.362 | 19.823 | 6.554 | 14.296 | 20.850 | 6.833 | 14.344 | 21.177 |
MG | 1.621 | 3.279 | 4.900 | 1.808 | 3.576 | 5.384 | 1.797 | 3.618 | 5.415 | 1.810 | 3.817 | 5.627 | 1.929 | 3.874 | 5.803 |
ES | 202 | 397 | 599 | 209 | 365 | 574 | 166 | 335 | 501 | 212 | 450 | 662 | 226 | 477 | 703 |
RJ | 775 | 1.693 | 2.468 | 825 | 1.916 | 2.741 | 807 | 1.904 | 2.711 | 865 | 2.045 | 2.010 | 940 | 2.128 | 3.068 |
SP | 3.155 | 6861 | 10.016 | 3.628 | 7.423 | 11.051 | 3.691 | 7.505 | 11.196 | 3.667 | 7.984 | 11.651 | 3.738 | 7.865 | 11.603 |
Sul | 1.715 | 4.160 | 5.875 | 1.875 | 4.530 | 6.405 | 1.979 | 4.526 | 6.505 | 2.088 | 4.865 | 6.953 | 2.070 | 4.929 | 6.999 |
PR | 713 | 1.312 | 2.025 | 763 | 1.520 | 2.283 | 921 | 1.694 | 2.615 | 910 | 1.763 | 2.673 | 893 | 1.828 | 2.721 |
SC | 310 | 829 | 1.139 | 369 | 860 | 1.229 | 332 | 873 | 1.205 | 390 | 1.022 | 1.412 | 457 | 1.008 | 1.465 |
RS | 692 | 2.019 | 2.711 | 743 | 2.150 | 2.893 | 726 | 1.959 | 2.685 | 788 | 2.080 | 2.868 | 720 | 2.093 | 2.813 |
Centro-oeste | 711 | 1.087 | 1.798 | 828 | 1.248 | 2.076 | 786 | 1.266 | 2.052 | 755 | 1.179 | 2.034 | 845 | 1.374 | 2.219 |
MS | 169 | 202 | 371 | 190 | 309 | 499 | 183 | 319 | 502 | 225 | 334 | 559 | 209 | 383 | 592 |
MT | 160 | 233 | 393 | 202 | 238 | 440 | 127 | 201 | 328 | 126 | 161 | 387 | 167 | 221 | 388 |
GO | 279 | 426 | 705 | 301 | 454 | 755 | 310 | 459 | 769 | 271 | 411 | 682 | 308 | 529 | 837 |
DF | 103 | 226 | 329 | 135 | 247 | 382 | 166 | 287 | 453 | 133 | 273 | 406 | 161 | 241 | 402 |
Total | 10.525 | 22.425 | 32.950 | 11.859 | 24.576 | 36.435 | 11.539 | 24.081 | 35.620 | 12.161 | 25.958 | 38.219 | 12.563 | 26.192 | 38.755 |
F: feminino; M: masculino. UFs: AC: Acre; AL: Alagoas; AM: Amazonas; AP: Amapá; BA: Bahia; CE: Ceará; DF: Distrito Federal; ES: Espírito Santo; GO: Goiás; MA: Maranhão; MG: Minas Gerais; MS: Mato Grosso do Sul; MT: Mato Grosso; PA: Pará; PB: Paraíba; PE: Pernambuco; PI: Piauí; PR: Paraná; RJ: Rio de Janeiro; RN: Rio Grande do Norte; RO: Rondônia; RR: Roraima; RS: Rio Grande do Sul; SC: Santa Catarina; SE: Sergipe; SP: São Paulo; TO: Tocantins. Fonte: Departamento de Informática do SUS. Morbidade hospitalar do SUS por local de internação - notas técnicas. Origem dos dados e descrição das variáveis disponíveis para a tabulação. http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/sih/midescr.htm (acessado em 30/Abr/2014).
Os casos aconteceram mais no sexo feminino (67,5%), resultando em uma razão mulher/ homem de 1,67/1, ou seja, a incidência de fraturas de fêmur em mulheres com idade ≥ 60 anos, no período estudado, foi 67% superior à dos homens da mesma faixa de idade. A Região Sudeste do Brasil foi responsável por 54,7% de todos os casos e a Região Norte apenas por 3,5%.
As taxas brutas de incidência de fraturas de fêmur distribuídas por sexo e respectiva relação entre os gêneros, considerando-se as regiões brasileiras, podem ser observadas na Table 2. Verifica-se que no período dos cinco anos estudados e considerando ambos os sexos, houve uma média geral de incidência de 1,80 fratura para cada mil idosos, com predomínio do sexo feminino cuja média geral de incidência foi de 2,04 fraturas/mil no período de 2008 a 2012.
Tabela 2 Taxas brutas de incidência e razão de taxas brutas de incidência entre mulheres/homens relacionadas a fraturas de fêmur por mil pessoas com idade ≥ 60 anos, por ano e regiões brasileiras de 2008 a 2012, Brasil.
Regiões | 2008 | 2009 | 2010 | 2011 | 2012 | |||||||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
M | F | F/M | Total | M | F | F/M | Total | M | F | F/M | Total | M | F | F/M | Total | M | F | F/M | Total | |
Norte | 0,98 | 1,39 | 1,42 | 1,19 | 0,98 | 1,60 | 1,63 | 1,29 | 0,84 | 1,22 | 1,45 | 1,03 | 0,99 | 1,64 | 1,67 | 1,32 | 1,12 | 1,63 | 1,46 | 1,38 |
Nordeste | 0,87 | 1,60 | 1,84 | 1,27 | 0,99 | 1,72 | 1,73 | 1,39 | 0,78 | 1,42 | 1,82 | 1,10 | 0,64 | 1,53 | 2,39 | 1,08 | 0,63 | 1,52 | 2,41 | 1,08 |
Sudeste | 1,51 | 2,47 | 1,64 | 2,05 | 1,63 | 2,58 | 1,58 | 2,17 | 1,57 | 2,47 | 1,57 | 2,02 | 1,58 | 2,64 | 1,67 | 2,11 | 1,63 | 2,62 | 1,61 | 2,12 |
Sul | 1,25 | 2,44 | 1,95 | 1,91 | 1,32 | 2,56 | 1,95 | 2,01 | 1,36 | 2,48 | 1,82 | 1,92 | 1,43 | 2,68 | 1,87 | 2,06 | 1,40 | 2,67 | 1,91 | 2,03 |
Centro-oeste | 1,33 | 1,88 | 1,41 | 1,62 | 1,49 | 2,06 | 1,38 | 1,79 | 1,33 | 1,96 | 1,47 | 1,65 | 1,26 | 2,07 | 1,67 | 1,68 | 1,39 | 2,08 | 1,49 | 1,73 |
Total | 1,26 | 2,16 | 1,71 | 1,76 | 1,37 | 2,28 | 1,67 | 1,88 | 1,26 | 2,11 | 1,67 | 1,69 | 1,32 | 2,27 | 1,72 | 1,80 | 1,35 | 2,26 | 1,67 | 1,81 |
F: feminino; M: masculino. Fonte: Departamento de Informática do SUS. Morbidade hospitalar do SUS por local de internação - notas técnicas. Origem dos dados e descrição das variáveis disponíveis para a tabulação. http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/sih/midescr.htm (acessado em 30/Abr/2014).
As razões de incidência padronizadas (SIR) de cada UF para cada ano estudado, obtidas do modelo bayesiano, são descritas na Figura 1 para homens e na Figura 2 para mulheres. Para o sexo masculino, os índices de Moran estimados para os anos de 2008 a 2012 foram 0,02 (p = 0,68), -0,07 (p = 0,83), 0,25 (p = 0,06), 0,15 (p = 0,23) e 0,15 (p = 0,22), respectivamente. Observamos uma maior correlação espacial a partir de 2010, embora os valores p não evidenciem que estas medidas sejam significativamente maiores que zero.
Figura 1 Razões de incidência padronizadas (SIR) para homens, estimadas pelo modelo bayesiano, segundo as Unidades da Federação (UF) brasileiras de 2008 a 2012. Fonte: Departamento de Informática do SUS. Informações de saúde (TABNET). Epidemiológicas e morbidade. http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index. php?area=0203&VObj=http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sih/cnv/ni (acessado em 30/Abr/2014).
Figura 2 Razões de incidência padronizadas (SIR) para mulheres, estimadas pelo modelo bayesiano, segundo as Unidades da Federação (UF) brasileiras de 2008 a 2012. Fonte: Departamento de Informática do SUS. Informações de saúde (TABNET). Epidemiológicas e morbidade. http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index. php?area=0203&VObj=http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sih/cnv/ni (acessado em 30/Abr/2014).
Verificando-se as SIR relacionadas a fraturas de fêmur entre homens, pode-se notar que na maioria dos estados do Sudeste e Sul do Brasil elas ficaram acima de 1,1/mil homens com idade ≥ 60 anos em todo o período avaliado, em contraste com os estados das regiões Norte e Nordeste que registraram SIR menores do que 1,0/mil, em sua maioria.
Os índices de Moran estimados para os anos de 2008 a 2012, para o sexo feminino, foram -0,06 (p = 0,87), -0,07 (p = 0,84), 0,31 (p = 0,02), 0,27 (p = 0,04) e 0,28 (p = 0,04), respectivamente, evidenciando que nos primeiros anos da série as medidas de SIR tenderam a distribuir-se de modo aleatório no país. A partir de 2010, os índices de Moran evidenciaram maior tendência a estarem mais agregados espacialmente do que estariam simplesmente pelo acaso.
De maneira muito semelhante ao observado entre os homens em relação as SIR relacionadas a fraturas de fêmur, nota-se que entre as mulheres com idade ≥ 60 anos a ocorrência de fraturas incidiu com frequência ainda mais pronunciada do que a observada em homens, nos estados do Sudeste e Sul do Brasil, sendo que a partir de 2010, segundo os índices de Moran, esta tendência se mostrou ainda mais evidente.
O presente trabalho avaliou os dados secundários registrados no SIH-SUS sobre a distribuição das fraturas de fêmur ocorridas no Brasil, no período de 2008 a 2012. Os resultados revelaram a ocorrência de mais de 181 mil casos de fraturas de fêmur em pessoas com idade ≥ 60 anos no período de 2008 a 2012 em todo o país, representando uma média de 36.200 casos por ano, o que está de acordo com um estudo brasileiro realizado em 2008, ano em que os autores reportaram 30 mil casos, gerando um custo de 58,6 milhões de reais em internações para os cofres públicos18. Além da alta morbidade e mortalidade na população idosa, as fraturas de fêmur são responsáveis por significativa repercussão econômica e social de relevância não só para o Brasil, mas também para outros países. Há relatos de que nos Estados Unidos o custo médio das internações hospitalares por fraturas de fêmur seja de 26 mil dólares por episódio, sendo que o custo atribuído a esta condição durante toda a vida é de 81 mil dólares per capita 27. Estima-se que o custo para cobrir as despesas com esse tipo de fratura a ser desembolsado pelos Estados Unidos em 2020 será de 16 bilhões de dólares27 , 28. No mundo, os custos diretos, indiretos, tangíveis e intangíveis associados às fraturas de fêmur em idosos são estimados em 131 bilhões de dólares anualmente28.
Dos mais de 181 mil casos de fraturas de fêmur identificados neste estudo, 67,5% ocorreram em mulheres, com uma razão mulher/homem de 1,67/1, confirmando os achados de outros trabalhos. Um estudo realizado na Inglaterra mostrou que as taxas médias anuais de fraturas de fêmur em homens foram de 0,55/mil e de 1,56/mil em mulheres29, ou seja, uma razão mulher/homem de 2,83/1. Em um estudo realizado com usuários do Medicare, nos Estados Unidos no período de 2000 a 2005, foi observado que as taxas de fraturas de fêmur em mulheres também foram maiores do que nos homens30. Um estudo realizado na Coreia do Sul mostrou que no ano de 2003, 70,2% das fraturas de fêmur ocorreram no sexo feminino e 29,8% no masculino31. Em outro estudo realizado na Noruega, com pacientes internados por fraturas de fêmur em quatro hospitais nos anos de 2004 e 2005, 71,5% eram do sexo feminino e 28,5% do masculino32. Outra pesquisa realizada no norte da Índia mostrou que a incidência de fraturas de fêmur aumenta progressivamente com a idade, acometendo tanto homens quanto mulheres, mas, mesmo assim, as incidências de fraturas de fêmur na população com idade acima de 50 anos foram de 1,59/mil para mulheres e 1,05/mil para homens33.
Essa evidente suscetibilidade do gênero feminino chama a atenção para o problema da osteoporose, que é uma doença sistêmico-progressiva caracterizada pela diminuição da massa óssea e deterioração da microarquitetura, levando à fragilidade do osso e aumentando o risco de fraturas34. Sua prevalência tem aumentado em função do crescimento da população idosa e das mudanças no comportamento humano, tais como diminuição da ingestão de cálcio, sedentarismo, alcoolismo e tabagismo34. A osteoporose é o principal fator de risco para fraturas ósseas em idosos, especialmente as que acometem ossos longos, como o fêmur, tanto as ocasionadas por traumatismos quanto as de ocorrência espontânea10. Segundo Pinto Neto et al.35, 90% das fraturas de fêmur e quadril na osteoporose ocorrem em razão de quedas, e o restante em consequência de movimentos de torção do fêmur com queda consequente. Evitando-se a queda, evitaremos 90% dessas fraturas.
A análise espacial realizada neste estudo sobre a ocorrência das fraturas de fêmur na população idosa brasileira identificou maior incidência na Região Sudeste, com 54,7% de todos os casos. A Região Norte foi a região com a menor incidência, com apenas 3,5% dos casos. Embora metodologicamente o estudo não permita afirmar as razões para e sobre essas diferenças, este foi um achado bastante interessante que levanta a possibilidade de que possíveis disparidades intrínsecas e extrínsecas, relacionadas a aspectos geográficos e climáticos, além de variações nos hábitos alimentares e até mesmo diferentes ações em saúde, instituídas de forma regionalizadas, poderiam influenciar a ocorrência das fraturas de fêmur e/ou de seus fatores de risco, como por exemplo, a osteoporose. Outros autores também relataram diferenças espaciais nas ocorrências de fraturas de fêmur, como Taylor et al. 30, ao observarem que a taxa de fraturas de fêmur nos Estados Unidos é maior na Região Sul do que nas demais regiões, dado atribuído à variação geográfica verdadeira na incidência de fraturas ou a diferenças na sua detecção. Estudo realizado por Lalmohamed et al.36 encontrou maior incidência de fraturas de fêmur nos países europeus do que na China, México e países na área do Mediterrâneo. Outro trabalho, realizado na Noruega, mostrou que a incidência de fraturas de fêmur em mulheres com mais de 50 anos é significativamente menor no sul do país do que na região de Oslo, a capital. Os autores justificam essa diferença geográfica às medidas farmacológicas e não farmacológicas destinadas ao controle da osteoporose que podem diferir entre as regiões 32.
Em uma ampla, interessante e qualificada revisão sistemática recente37, os autores ao estudarem a incidência de fraturas de fêmur em 63 países classificaram-na em três grupos: alto, moderado e baixo risco para fraturas de fêmur, segundo os coeficientes de incidência, sendo que o Brasil foi categorizado como de baixo risco, e países desenvolvidos como Dinamarca, Suécia, Noruega, Suíça, entre outros, além de alguns em desenvolvimento como Argentina e Turquia, apresentaram altas taxas de incidência. Tais importantes e discrepantes diferenças, segundo os pesquisadores, poderiam ser explicadas mais por deficiências de registros ou composição da população do que por outras razões esperadas e possíveis como fatores socioeconômicos e biológicos, entre outros.
Um aspecto importante a ser aqui considerado, reside no fato de que neste estudo os dados coletados são referentes apenas a registros de hospitais essencialmente públicos ou conveniados ao SUS (prestadores de serviço), e assim, o número de fraturas de fêmur em pessoas idosas deve ser ainda maior do que o encontrado.
No presente estudo, apesar de não ter sido observado o predomínio de comportamento temporal e pouca correlação espacial associada à incidência da doença, o número de casos de fraturas de fêmur em idosos no Brasil a exemplo de outros países é alto, atingindo predominantemente mulheres, consequentemente com grandes custos financeiros e sociais. Políticas públicas de saúde visando a controlar os fatores predisponentes para esse evento devem ser urgentemente implementadas, especialmente se considerarmos que as estimativas preveem aumento significativo da população idosa nos próximos anos e consequentemente as doenças e fatores de risco relacionados à idade.