versão On-line ISSN 1678-4464
Cad. Saúde Pública vol.32 supl.1 Rio de Janeiro 2016
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311xes09s116
Frederico Simões Barbosa, Fred, formou-se em medicina em Recife (Pernambuco) em 1938, aos 22 anos, seguindo a profissão do pai e do avô. Quatro anos depois, recebeu os diplomas de Bacharel e de Licenciado em história natural, na mesma cidade, e Doutorado em medicina em.
Seus trabalhos científicos até a década de 1960 foram especialmente nas áreas de protozoologia, micologia e entomologia. Tendo publicado em revistas internacionais trabalhos referentes à sistemática de fungos e sobre a taxonomia de culicoides, descobriu cinco espécies novas. Essas publicações lhe valeram reconhecimento internacional e também uma homenagem quando teve uma espécie batizada com o seu nome, Culicoides barbosai (Wirth & Blanton) 1. Já na década de 1950, iniciou os seus estudos em esquistossomose mais voltados ao conhecimento biológico dos caramujos, hospedeiros intermediários desta parasitose 2), (3), (4. Com larga visão, estudou também as infecções naturais em roedores silvestres 5 e em outros hospedeiros vertebrados 6, e começou a investigar moluscicidas 7), (8. Seu primeiro trabalho sobre o controle de esquistossomose foi um plano de pesquisa apresentado em São Paulo em 1953 9.
Contribuições importantes foram feitas, mostrando as qualidades dos vetores na época chamados de Australorbis glabratus e Tropicorbis centimetralis (hoje, Biomphalaria glabrata e Biomphalaria straminea, respectivamente) 10), (11. Publicou vários trabalhos com Louis Olivier, pesquisador americano que veio a Pernambuco para estudos malacológicos 12), (13), (14, que lhe valeram posteriormente convite para ser perito da Organização Mundial da Saúde (OMS), bem como um contrato por dois anos (1969-1971) em Genebra (Suíça). Nessa estadia, teve a oportunidade de participar como investigador na avaliação do programa intitulado Egipto-49, ocasião em que com H. M. Gilles, pesquisador inglês, e colegas egípcios foi possível demonstrar que o uso intenso de moluscicida por vários anos não foi suficiente para fazer com que a prevalência da esquistossomose na população daquele país decrescesse 15. Naquela época, era o moluscicida a principal medida para o controle dessa endemia e esse trabalho mudou totalmente essa indicação. Todavia, foram necessários mais 12 anos para que a OMS passasse a indicar o tratamento clínico como principal atividade visando ao controle 16.
Em taxonomia dos moluscos hospedeiros do Schistosoma mansoni publicou importantes trabalhos investigando a morfologia de espécies brasileiras e de outros países no continente americano (Equador, Chile e Bolívia). Por essas descrições foi convidado pela Organização Sanitária Pan-Americana/OMS para participar de reuniões que levaram à publicação de um manual para a identificação dos hospedeiros intermediários da esquistossomose nas Américas 17.
Esses trabalhos de biologia dos caramujos e de sistemática levaram não raramente a discussões, às vezes um pouco exacerbadas com Wladimir Lobato Paraense, outro malacologista brasileiro de renome internacional. Em vários congressos científicos a apresentação dos temas pelos dois ilustres pesquisadores era aguardada com muita ansiedade pelos especialistas, seja pelas informações que traziam, seja pela polêmica que não negavam em fazer em público, sempre com intenso brilhantismo.
Foto 1: Reunião dos pesquisadores em esquistossomose da Fundação Oswaldo Cruz. Petrópolis, 1988 (Acervo particular do autor). Da esquerda para a direita: Andre Furtado, Naftale Katz, Frederico Simões Barbosa, Amaury Coutinho, Luis Rey, Sergio Arouca, Carlos Morel e Fernando Avila Pires.
Barbosa prosseguiu seus estudos em esquistossomose nas áreas da morbidade 18 e epidemiologia. Fez investigações epidemiológicas em várias comunidades do Nordeste 19), (20), (21 e correlação entre a prevalência, morbidade e "qualidade dos vetores". Conceituou o termo qualidade de vetor, ou seja, "as condições que fazem um transmissor eficiente ou não".
Em 1968, a Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte, junto com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), promoveram um curso de especialização em saneamento ambiental. Foi durante esse curso que eu, como aluno e professor do mesmo, tive o prazer e a honra de estreitar as relações com o Frederico Simões Barbosa. Posso dizer que seus trabalhos foram sempre inspiração para os meus.
Um trabalho publicado por Fred em 1971 (mas realizado de 1960 a 1968) trouxe uma grande contribuição ao controle dessa endemia, quando em Pontezinha, Pernambuco, ele conseguiu o controle da esquistossomose por interrupção da transmissão com a utilização do saneamento ambiental e desenvolvimento comunitário 22. Essa preciosa informação só teve a sua importância reconhecida pela comunidade científica e pelos serviços de saúde muitos anos depois.
No início da década de 1950, foi nomeado primeiro Diretor do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães (CPqAM), subordinado à Divisão da Organização Sanitária, que após alguns anos passou a pertencer ao Instituto Nacional de Endemias Rurais (INERu). O INERu que foi criado para desenvolver pesquisas operacionais visando ao controle das principais endemias parasitárias brasileiras teve mais três centros adicionados, a saber: o de Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Salvador. Fred estruturou o CPqAM para realizar pesquisas e em pouco tempo o Centro passou a ser reconhecido nacional e internacionalmente. Permaneceu no CPqAM de 1950 a 1962 e de 1964 a 1968 9.
Foi sócio-fundador da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) e seu Presidente de 1977 a 1979. Na abertura do Congresso anual da SBMT fez um discurso inesquecível no qual demonstrou a origem pejorativa do nome "medicina tropical", criada pelos ingleses para marcar negativamente a parte sul do planeta. Defendeu com razão que as doenças chamadas tropicais não existiam por determinação geográfica, mas devido às condições socioeconômicas e políticas que mantinham a maioria das populações na miséria ou pobreza, no que na época eram denominados como países subdesenvolvidos do Terceiro Mundo.
Barbosa ficou na Universidade de Brasília (UnB) de 1972 a 1981 e, sem interromper totalmente suas pesquisas sobre esquistossomose, iniciou outras atividades na área da pedagogia do ensino nas ciências da saúde, criando um "Programa Integrado da Saúde da Comunidade", cuja principal contribuição foi mostrar que a "Universidade brasileira pode alcançar níveis de articulação ensino/serviços capazes de induzir modificações na estrutura e administração docentes, que possam levar as mudanças desejadas no processo de abertura democrática do sistema docente" 9.
Foi também na UnB que Fred teve o seu maior dissabor. O Reitor da Universidade, na época, que era um Capitão de Fragata da Marinha, indicado pelo Governo Militar (instalado em 1964), mandou abrir um inquérito contra ele, "pois havia desaparecido uma pá e algumas outras ferramentas, adquiridas com verbas de auxílio de projeto financiado pelo CNPq" (Barbosa FS, comunicação pessoal). Barbosa acreditava que havia sido o Professor Aluízio Prata o autor da denúncia e rompeu totalmente sua relação com o mesmo. Sabendo eu desse fato, e com a autorização do Fred, procurei o Professor Prata, pois conhecia pelo menos duas atividades do mesmo em defesa de pesquisadores de esquerda e que, portanto, o Fred deveria estar enganado. Após algumas idas e vindas, foi possível fazer o encontro dos mesmos em que tudo ficou esclarecido, e o Fred convencido da total inocência do Prata. Essa acusação non sense era comum durante o período da ditadura militar no meio científico e em outros ambientes.
Indo para a Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, Fred continuou sempre trabalhando e desenvolvendo estudos de epidemiologia social. Suas contribuições nesse período serão relatadas por aqueles que conviveram com ele.
Publicou quase duas centenas de trabalhos nos seus 88 anos de vida.
Excelente professor, trabalhador de campo, administrador, investigador de alta sensibilidade e rígida metodologia científica, associou as suas pesquisas à busca de soluções de problemas brasileiros, sempre com vistas ao bem-estar das comunidades mais carentes, as quais sempre respeitou e dedicou sua vida de trabalho.