versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.29 no.3 São Paulo 2017 Epub 15-Maio-2017
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20172016078
No Brasil, o processo de modernização da agricultura ocorreu durante a ditadura militar, com o propósito de aumento da produção agrícola. Esse modelo foi baseado no extenso uso de insumos químicos, como fertilizantes e agrotóxicos e na mecanização para plantações em grandes extensões de terra. Todo este processo tem sido considerado grande fonte de contaminação dos ecossistemas, dos trabalhadores e da população local(1).
Neste contexto, intoxicações por agrotóxicos são registradas todos os anos. Entretanto existem subnotificações dos registros, subestimando a dimensão do problema. A produção rural e o uso de agrotóxicos crescem a cada ano. Além das intoxicações agudas, os agrotóxicos vêm sendo comumente associados a diversos outros problemas de saúde(2), dentre eles problemas auditivos(3).
Alterações auditivas fazem parte do processo natural do envelhecimento. Contudo, em países industrializados, podem ocorrer de forma precoce, devido à exposição ao ruído ocupacional e a agentes químicos ototóxicos(4).
A perda auditiva decorrente de ototoxicidade geralmente acomete as frequências altas(5). Estas frequências estão situadas de 5 a 10 milímetro (mm) da janela oval e apresentam maior vulnerabilidade. Isto pode estar associado às características de ressonância da orelha externa e média, às características mecânicas e anatômicas da cóclea e também ao seu suprimento sanguíneo(6).
A utilização de agrotóxicos está deixando de ser uma questão relacionada especificamente à produção agrícola e se transforma em um problema de saúde pública(7).
Estudos epidemiológicos sugerem maior prevalência de perda auditiva entre agricultores expostos ao ruído, podendo iniciar na infância(8,9). Entretanto, estudos sobre a ação tóxica dos agrotóxicos no sistema auditivo ainda são escassos. Sabe-se, por exemplo, que roedores expostos a agrotóxicos apresentaram alterações na morfologia da cóclea nas três espiras analisadas, nas células do sáculo e utrículo(10).
Alguns estudos realizados com emissões otoacústicas evocadas (EOAE) em indivíduos expostos a ruído encontraram redução do nível de respostas nas frequências pesquisadas(11,12). Essas alterações podem ocorrer mesmo que não haja ainda alterações nos limiares audiométricos(13). Portanto, o exame de EOAE pode ser usado na detecção precoce da perda auditiva. Assim, o presente estudo teve como objetivo estimar a magnitude da associação entre a exposição a agrotóxicos e o risco de alteração da função coclear, através das emissões otoacústicas evocadas em estudantes expostos a agrotóxicos de uma região agrícola do município de Nova Friburgo, RJ, com limiares audiométricos preservados.
Este estudo de delineamento transversal foi realizado na região da Microbacia de São Lourenço, em Nova Friburgo, RJ. Essa Região localiza-se a 1000-1200 metros (m) de altura e é cercada pelas Serras do Mar e dos Órgãos. Nesta região, encontra-se o Colégio onde foi realizado este estudo. A escolha dos estudantes desta escola como população de estudo deveu-se ao seu modelo de ensino adotado, que intercala um período de aulas na escola com um período sem aulas, no qual os estudantes auxiliam seus pais nas atividades agrícolas.
Foram convidados a participar do estudo todos os alunos de uma escola da Microbacia de São Lourenço. Assim, uma amostra inicial por conveniência, composta de 243 alunos de ambos os gêneros, com idades entre 8 e 30 anos, foi estabelecida. Destes, 22 alunos foram excluídos por alterações dos limiares audiológicos, 9 foram excluídos por apresentarem cerúmen ou corpo estranho no meato acústico externo e 7 outros foram excluídos com base em timpanograma com curvas tipo “B” ou “C”. Assim, o número de participantes encaminhados para a avaliação das emissões otoacústicas evocadas foi de 205 estudantes. A faixa etária foi dividida em 8-19 anos (crianças/adolescentes) e 20-30 anos (adultos).
O estudo considerou os aspectos éticos recomendados pela Resolução 196/96 sobre Pesquisa envolvendo seres humanos, incluindo, entre outros, a obtenção do Consentimento Livre e Esclarecido dos indivíduos. Assegura que a participação não acarretará nada que possa levar a danos físicos, psíquicos, morais, intelectuais, sociais, culturais ou espirituais dessas pessoas.
Todos os indivíduos que aceitaram participar da pesquisa assinaram o termo de consentimento Livre e Esclarecido. O estudo foi submetido e aprovado, seguindo as normas do Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com o número 67/2011.
Depois da seleção, os alunos foram convidados a responder a um questionário (Apêndice A), adaptadado do Agricultural Health Study(14), para aferir o grau de exposição a agrotóxicos. A aplicação do questionário foi realizada por dois aplicadores previamente treinados. O instrumento continha também perguntas relacionadas a informações pessoais, informações sobre ocupação e hábitos de vida, informações gerais de saúde e informações auditivas. O tempo, tipo de exposição, processo de trabalho e o tipo de agrotóxico utilizado também foram investigados. O instrumento permitiu gerar um score de exposição a agrotóxicos, que variou entre 0 (menos exposto) e 63 (mais exposto). Os participantes foram então categorizados em 4 grupos de exposição de acordo com os quartis do score.
Todos os participantes foram submetidos à meatoscopia através do otoscópio clínico 2000 mini da marca Heine, objetivando a inspeção do meato acústico externo. Indivíduos que apresentaram cerúmen e alterações na membrana timpânica foram excluídos do estudo e encaminhados para avaliação médica.
As avaliações audiológicas foram realizadas em cabine com isolamento acústico, específica para a realização da Audiometria, utilizando audiômetro da marca Intercoustic modelo AC30. A audiometria tonal limiar foi realizada para aferição dos limiares auditivos. A pesquisa dos limiares foi realizada por via aérea e via óssea. Os participantes foram submetidos também a pesquisa do limiar de reconhecimento de fala (LRF) e índice percentual de reconhecimento de fala (IPRF).
Os indivíduos que apresentaram limiar auditivo superior a 20 decibéis, nível de audição (dB NA) foram excluídos do estudo e, portanto, não foram submetidos à avaliação das emissões otoacústicas.
A avaliação da orelha média foi realizada utilizando-se imitanciômetro da marca Interacoustic modelo AZ7. Participantes com alterações de orelha média, caracterizadas pelas curvas “B” e “C”, foram excluídos do estudo e encaminhados ao serviço médico. Portanto só entraram no estudo aqueles alunos com timpanograma do tipo A, cujo ponto máximo de admitância variou de 0 a 100 deca Pascal (daPa).
Na avaliação das EOAE, foi utilizado o equipamento Otodynamics OEA EZ – Echoport ILO288 da marca ILO acoplado a um notebook. Os exames foram realizados em uma sala silenciosa. Uma sonda, modelo SGD General TE+DPOAE foi acoplada ao equipamento e inserida no meato acústico externo, após inspeção. O exame foi realizado nas duas orelhas de cada participante.
As EOAET foram registradas em resposta a um estímulo por clique. A intensidade do estímulo foi em torno de 80 dBNPS (nível de pressão sonora), reprodutibilidade maior que 50%, e estabilidade da sonda igual ou superior a 70%. Foi utilizado o protocolo “TE Screen 70% a 3/4 frequências”, avaliando as bandas de frequência de 1, 1,5; 2; 3 e 4 kilohertz (kHz), porém a frequência de 1 kHz não foi analisada pois apresentou alteração na reprodutibilidade e amplitude da relação Sinal/Ruído (S/R). Nível de resposta da relação S/R igual ou superior a 3 dBNPS foi definido como critério para presença de resposta. O indivíduo deveria apresentar presença de resposta em pelo menos três bandas de frequência, sendo obrigatoriamente presente a banda de 4 kHz. As respostas obtidas dentro dos critérios acima citados foram consideradas “passa” e os exames diferentes destes foram considerados “falha”(15).
A avaliação foi realizada para as frequências de 1,5; 2,0; 3,0; 4,0 e 6,0 KHz. O protocolo utilizou 2 níveis de intensidade: L1=65 dBNPS e L2=55 dBNPS. Para caracterizar a presença ou ausência da resposta, foi utilizada a relação S/R igual ou superior 6 dBNPS(16).
O indivíduo deveria apresentar presença de resposta em pelo menos quatro bandas de frequência, sendo obrigatoriamente presente a banda de 4 kHz e 6 kHz. As respostas obtidas dentro dos critérios acima citados foram consideradas “passa” e os exames diferentes destes foram considerados “falha”.
Para analisar os dados obtidos, agrupamos os participantes de acordo com os quartis do score de exposição a agrotóxicos. As respostas das EOAE foram então verificadas em cada quartil, bem como as variáveis gênero e faixa etária. Foi utilizada a análise de variância (ANOVA) para discriminar as respostas médias obtidas em cada grupo de exposição. O teste Quiquadrado de Pearson foi realizado para a análise referente ao critério “passa/falha” das EOAE em cada orelha e na análise da relação S/R por faixa de frequência. Finalmente, foi realizada uma análise de regressão logística para o cálculo das razões de chance (Odds ratio) de ausência de resposta das EOAET e EOAPD para cada grupo de exposição a agrotóxicos, utilizando-se o quartil I (menos expostos) como referência.
A Tabela 1 apresenta as principais características da população de estudo. Dos 205 estudantes avaliados, 78% trabalhavam na agricultura e, destes, 69,3% reportaram exposição a agrotóxicos. Houve predominância de indivíduos na faixa etária de 8-19 anos (89,8%) e equivalência com relação ao gênero.
Tabela 1 Principais caraterísticas da população estudada em relação ao gênero, Faixa Etária, Exposição ao ruído, Exposição a solventes, trabalho na agricultura e Exposição aos agrotóxicos, (N=205)
Variável | N | % | |||
---|---|---|---|---|---|
Gênero | |||||
Feminino | 99 | 48,3 | |||
Masculino | 106 | 51,7 | |||
Faixa Etária | |||||
8-19 anos | 184 | 89,8 | |||
20-30 anos | 21 | 10,2 | |||
Exposição a ruído* | |||||
Não | 159 | 77,6 | |||
Sim | 46 | 22,4 | |||
Exposição a solventes** | |||||
Não | 182 | 88,3 | |||
Sim | 23 | 11,2 | |||
Trabalha na agricultura | |||||
Não | 45 | 22 | |||
Sim | 160 | 78 | |||
Exposição ao agrotóxico | |||||
Não | 63 | 30,7 | |||
Sim | 142 | 69,3 |
*Dirigir caminhões, tratores, ônibus, moer alimentos ou soldar;
**Solventes para limpeza de equipamentos utilizados
A Tabela 2 fornece a média, mediana e desvio padrão para a relação S/R das EOAET e EOAPD, em função dos quartis de exposição a agrotóxicos. Com relação às EOAET, observou-se que, quanto maior a exposição, menores foram as respostas, tanto médias como medianas, principalmente entre as frequências de 2,0 e 4,0 kHz. Entretanto, tal efeito não foi detectável pelo teste de ANOVA. Já para o teste de EOAPD, observou-se resultado semelhante, ou seja, menores respostas médias e medianas em indivíduos mais expostos, porém este efeito foi mais intenso na frequência mais alta (6 kHz), cujo teste de ANOVA revelou um p valor com significância marginal.
Tabela 2 Medidas de Tendência Central, Média, Mediana e (Desvio Padrão), da relação S/R dos quartis de exposição, (N=205)
Grupo** | I | II | III | IV | p valor* | |
---|---|---|---|---|---|---|
EOAET | ||||||
Média | 1,5 kHz | 11,5 (5,2) | 11,7 (5,5) | 11,9 (5,6) | 11,1 (4,9) | 0,86 |
2,0 kHz | 12,1 (5,5) | 12,3 (5,0) | 12,4 (4,5) | 10,9 (4,6) | 0,78 | |
3,0 kHz | 9,4 (5,1) | 9,8 (4,6) | 8,8 (5,0) | 8,1 (4,4) | 0,35 | |
4,0 kHz | 5,2 (4,9) | 5,4 (4,5) | 4,6 (4,3) | 2,9 (3,4) | 0,18 | |
Mediana | 1,5 kHz | 10,8 | 11,5 | 12 | 11,4 | |
2,0 kHz | 11,8 | 12,6 | 12,8 | 10,7 | ||
3,0 kHz | 9,3 | 9 | 8,5 | 7,7 | ||
4,0 kHz | 4,3 | 4,6 | 4,3 | 1,9 | ||
EOAPD | ||||||
Média | 1,5 kHz | 11,1 (8,0) | 12,4 (7,8) | 11,1 (7,4) | 11,9 (7,1) | 0,79 |
2,0 kHz | 11,9 (6,7) | 16,6 (6,5) | 10,6 (6,6) | 10,6 (7,1) | 0,47 | |
3,0 kHz | 12,1 (6,9) | 11,2 (6,2) | 9,8 (6,1) | 9,9 (6,6) | 0,28 | |
4,0 kHz | 11,3 (7,4) | 11,4 (6,1) | 10,6 (7,1) | 10,8 (6,5) | 0,31 | |
6,0 kHz | 12,0 (7,9) | 11,6 (8,1) | 9,3 (7,6) | 8,6 (7,1) | 0,09 | |
Mediana | 1,5 kHz | 10,4 | 13,6 | 10,9 | 11,5 | |
2,0 kHz | 11,5 | 12,7 | 10,2 | 9,5 | ||
3,0 kHz | 13 | 10,9 | 10,7 | 10 | ||
4,0 kHz | 11,3 | 11,25 | 11,5 | 9,9 | ||
6,0 kHz | 12,7 | 12 | 9,4 | 7,7 |
*p valor obtido pelo teste de análise de variância (ANOVA);
**grupo I é o grupo menos exposto e o quartil IV é o mais exposto
A Figura 1 apresenta os resultados da relação S/R e do critério “passa/falha” das EOAET e EOAPD, para cada quartil, subdividido por score de exposição, e por orelha. Os estudantes que reportaram maior exposição (quartil IV) apresentaram número de alterações em 4 kHz para EOAET na orelha direita (OD) significativamente superior, quando comparados aos estudantes menos expostos (Grupo I). Estes estudantes também apresentaram maior frequência de falhas que o grupo de comparação (p <0,05).
*p valor obtido através do teste Quiquadrado de Pearson (N >5) e Fisher (N<5)
Figura 1 Frequência da relação S/R e do critério “passa/ falha”, subdividido por score de exposição, e por orelha, na amostra total, (N = 205)
No teste das EOAPD, a proporção de falhas foi significativamente mais elevada nos grupos mais expostos (quartis III e IV), na frequência de 6 kHz, na orelha esquerda (OE). Para as respostas das EOAPD, o critério “passa/falha” esteve marginalmente associado ao grau de exposição (p = 0,06).
A Tabela 3 apresenta a análise descritiva do critério “passa/falha’” das EOAE, por quartil de exposição, gênero e faixa etária. As alterações nas respostas das EOAET estiveram associadas com o quartil de exposição (p=0,016) e marginalmente associadas ao gênero do participante (p=0,062), sendo ligeiramente mais frequentes entre os homens. Alterações nas EOAET não estiveram associadas à faixa etária (p=0,181). No que tange às EOAPD, suas alterações também mostraram associação com a exposição a agrotóxicos (p=0,006), mas não com o gênero (p=0,546) e a faixa etária (p=0,594) do participante.
Tabela 3 Análise descritiva do critério “passa/falha”, por quartil de exposição, gênero e faixa etária, (N=205)
EOAET | EOAE – PD | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Normal | Alterada | Total | p valor* | Normal | Alterada | Total | p valor* | ||
Grupos | I | 26 (48,1%) | 28 (51,9%) | 54 (100,0%) | 0,016 | 25 (46,3%) | 29 (53,7%) | 54 (100,0%) | 0,006 |
II | 17 (43,6%) | 22(56,4%) | 39 (100,0%) | 16 (41,0%) | 23 (59,0%) | 39 (100,0%) | |||
III | 24 (41,4%) | 34 (58,6%) | 58 (100,0%) | 12 (20,7%) | 46 (79,0%) | 58 (100,0%) | |||
IV | 11 (20,4%) | 43 (79,6%) | 54(100,0%) | 12(22,2%) | 42 (77,8%) | 54 (100,0%) | |||
Gênero | Feminino | 37(37,4%) | 62 (62,6%) | 99(100,0%) | 0,062 | 24 (24,2%) | 75 (75,8%) | 99 (100,0%) | 0,546 |
Masculino | 28(26,4%) | 78 (73,6%) | 106 (100,0%) | 26 (24,5%) | 80 (75,5%) | 106 (100,0%) | |||
Faixa | 8-19 anos | 56 (30,4%) | 128 (69,6%) | 184 (100,0%) | 0,181 | 45 (24,5%) | 139 (75,5%) | 184 (100,0%) | 0,594 |
20-30 anos | 9 (42,9%) | 12 (57,1%) | 21 (100,0%) | 5 (23,8%) | 16 (76,2%) | 21 (100,0%) |
*obtido através do teste de Quiquadrado de Pearson
A Tabela 4 apresenta os resultados do critério “passa/falha”, da análise de regressão logística. O quartil I foi utilizado como grupo de comparação para os demais quartis. A chance de alunos mais expostos (quartil IV) apresentarem falhas no teste das EOAET foi cerca de 3,5 vezes maior que entre os estudantes do quartil I (OR bruta: 3,44; IC95%: 1,40-8,44 & OR ajustada: 3,65; IC95%: 1,35-9,86). As estimativas de risco também estiveram elevadas para os estudantes dos grupos 2 e 3, quando comparados com os do grupo 1, porém sem significância estatística. Ainda assim, o teste de tendência revelou-se significativo (p=0,029 para o modelo bruto e p=0,035 para o modelo ajustado), sugerindo que quanto maior a exposição, maior a magnitude do risco de alterações da função coclear. A chance de alteração da função coclear, avaliada através das EOAPD, também foi significativamente maior entre os estudantes do quartil IV, quando comparados com os do 1o. (OR bruta: 2,87; IC95%: 1,12-7,36 & OR ajustada: 2,61; IC95%: 1,18-7,15). Uma vez mais o teste estatístico revelou tendência de aumento do risco, com o aumento da exposição (p=0,051 para o modelo bruto e p=0,043 para o modelo ajustado).
Tabela 4 Comparação entre os resultados do critério “passa/falha”, considerando o grupo I como referência, (N=205)
EOAET | EOAPD | ||||
---|---|---|---|---|---|
ORb* (IC 95%) | ORa** (IC 95%) | ORb* (IC 95%) | ORa** (IC 95%) | ||
Grupos | I | 1 | 1 | 1 | 1 |
II | 1,23(0,52-2,87) | 1,27 (0,54-2,98) | 1,00(0,42-2,40) | 1,02(0,53-2,31) | |
III | 1,31(0,61-2,81) | 1,29 (0,60-2,81) | 2,14(0,90-5,08) | 2,08(0,89-4,91) | |
IV | 3,44(1,40-8,44) | 3,65 (1,35-9,86) | 2,87(1,12-7,36) | 2,61(1,18-7,15) | |
p de tendência | 0,029 | 0,035 | 0,051 | 0,043 |
*Odds ratio bruta;
**Odds ratio ajustada por gênero e faixa etária
A desordem sensorial do aparelho vestibulococlear pode ser causada por uso de drogas ototóxicas, exposição aos agrotóxicos, exposição ao ruído ocupacional, solventes(17), entre outros fatores.
Os dados obtidos neste estudo sugerem que os alunos da referida escola, em Nova Friburgo, estão expostos a agrotóxicos. Uma minoria está exposta a ruído ocupacional e a solventes, quando manuseiam equipamentos utilizados na lavoura.
A população Jovem de São Lourenço participa ativamente da agricultura e necessita ter sua audição monitorada. Um estudo realizado recentemente nos Estados Unidos, testou programas de educação em saúde auditiva em jovens que realizam atividade rural, porém só avaliou a exposição a ruídos na fazenda e no período de lazer(18).
Alguns estudos apontam para a possibilidade de detecção precoce da perda auditiva através do exame de emissões otoacústicas evocadas(19). Quando as respostas estão presentes, indicam uma forte evidência de função coclear normal ou próxima do normal, tornando-se assim uma ferramenta importante na avaliação objetiva. O teste das EOAE pode detectar alterações nas células ciliadas externas mesmo antes de revelar mudanças na audiometria convencional(20).
As médias obtidas na relação S/R das EOAET apresentaram uma tendência de diminuição, com maior número de falhas, entre as frequências de 2,0 e 4,0 kHz. No teste de EOAPD, esta diminuição foi mais evidente na banda de frequência de 6 kHz, no grupo com maior escore de exposição. Esses resultados são compatíveis com estudos que relatam que as frequências altas são as mais afetadas nesse tipo de exposição(12,21).
Resultados semelhantes foram encontrados nas análises da relação S/R, para cada orelha separada. Observou-se maior proporção de falhas na frequência de 4 kHz para EOAET no grupo mais exposto, tanto para a OD como para a OE. Para o registro das EOAPD, foi encontrado o maior percentual de alterações também na frequência de 6 kHz bilateralmente. Esses dados podem ser explicados de acordo com a tonotopia da cóclea. Na base da cóclea, estão situadas fibras curtas e rígidas que apresentam resposta às altas frequências e, no ápice, essas fibras são longas e flexíveis, vibrando na presença de baixas frequências(22).
Estudos revelam que os agentes ototóxicos comprometem as frequências altas antes das frequências baixas, devido a sua configuração anatômica(23).
Os achados nas emissões otoacústicas evocadas em indivíduos com limiares auditivos dentro dos critérios de normalidade são de aproximadamente 98%, discordando dos achados na presente pesquisa, em que os indivíduos, mesmo do grupo com menor exposição, apresentaram normalidade das respostas em 48,1% nas EOAET e 46,3% nas EOAPD. Provavelmente, esse fato pode ser explicado pela exposição ambiental e alimentar que acometem todos os residentes daquela região de Nova Friburgo(24).
Homens e mulheres apresentaram resultados iguais na alteração das respostas para o teste das EOAPD, não sendo necessário realizar a análise ajustada dos dados. Em contrapartida, encontramos nas EOAET maior alteração nas respostas obtidas pelos homens, dados que foram evidenciados mesmo quando foi realizada a análise ajustada para razão de chances. Esse fato pode estar associado ao trabalho realizado na lavoura, pois os homens estão diretamente ligados ao trabalho agrícola, já as mulheres estão expostas indiretamente através das suas atividades realizadas no lar, como lavar as roupas e equipamentos utilizados no campo, bem como ajudar na pulverização puxando a mangueira e limpar a poeira da casa(25).
O presente estudo encontrou uma associação positiva entre exposição a agrotóxicos e alteração da função coclear, avaliada por meio de EOAE. O teste de EOAET apresentou maior sensibilidade quando comparado ao teste de EOAPD para detecção dessa associação, ao realizar a análise específica em cada frequência testada. Contudo, os resultados foram semelhantes ao considerar a resposta alterada em duas ou mais frequências testadas, independentemente da orelha.
Alguns autores realizaram um estudo com 270 trabalhadores metalúrgicos do gênero masculino, entre 18 e 30 anos, divididos em dois grupos: GI (160 trabalhadores com 1 a 5 anos de exposição) e GII (110 trabalhadores com exposição maior que 5 anos). Entre as EOAT do GI, 82% passaram e 5,62% falharam bilateralmente; já no GII, 80% passaram e 7,3% falharam bilateralmente. Entre as EOAPD no GI, 96,9% passaram e 0,6% falhou bilateralmente. No GII, 97,3% passaram e 0,9% falhou bilateralmente(11).
Comparando os resultados deste estudo com o citado anteriormente, encontramos maior proporção de falhas para EOAET em relação ao teste das EOAPD, corroborando com a afirmação de que o exame das EOAET é uma importante ferramenta para a detecção precoce de alterações na fisiologia coclear decorrentes da exposição ocupacional, tanto para ruído como para agentes ototóxicos.
Sugerimos que novos estudos sejam realizados com os estudantes da região para monitoramento da saúde auditiva, já que muitos continuarão sendo expostos aos agrotóxicos. Um estudo longitudinal poderá corroborar para a associação entre exposição e alterações cocleares.
Os resultados do presente estudo sugerem que a exposição a agrotóxicos aumenta o risco de alterações da função coclear. Neste sentido, as emissões otoacústicas evocadas podem contribuir precocemente no diagnóstico de alterações auditivas, quando os limiares da audiometria ainda não estiverem alterados.