versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.111 no.4 São Paulo out. 2018
https://doi.org/10.5935/abc.20180211
O endotélio é considerado um tecido ativo e dinâmico com propriedades importantes como manutenção da circulação sanguínea, regulação do tônus vascular, permeabilidade microvascular, sinalização e angiogênese vascular e resposta inflamatória.1 O endotélio permite a conexão entre componentes da circulação e sistemas do organismo. As células endoteliais produzem e, dependendo do estímulo recebido, liberam fatores que levam à contração ou relaxamento das células do tecido muscular liso dos vasos.2 O controle do tônus vascular pelo endotélio é modulado pela produção e liberação de mediadores, como o óxido nítrico, prostaciclinas, prostaglandinas, tromboxano, angiotensina II, endotelina-1 e espécies reativas de oxigênio. Em condições fisiológicas, esses fatores encontram-se em equilíbrio. O desequilíbrio na produção de substâncias pelo endotélio causa um desencadeamento e progressão de várias condições e doenças como isquemia, trombose, aterosclerose, hipertensão arterial, inflamação e crescimento tumoral.1,2 Portanto, disfunção do endotélio vascular constitui um importante fator fisiopatológico em doenças humanas.3
A disfunção endotelial é caracterizada, principalmente, por alterações nas ações do endotélio que envolvem redução de vasodilatação e indução de estado pró-inflamatório ou pró-trombótico.3 Devida à sua importância clínica, a disfunção endotelial é considerada preditora independente de risco cardiovascular. Adicionalmente, pode ser observada também em doenças não cardiovasculares, como doenças reumáticas e autoimunes.2
Entre as substâncias produzidas pelo endotélio, uma que se destaca é o óxido nítrico, potente modulador da função vascular e cardíaca. A produção insuficiente de óxido nítrico, como ocorre no envelhecimento e em várias doenças, pode resultar em aumento de espécies reativas de oxigênio e da pressão arterial e afetar adversamente a capacidade física e a saúde em geral.2
Exercícios físicos vêm sendo preconizados para a promoção da saúde e o tratamento não farmacológico de doenças cardiovasculares. A prática regular de exercício resulta em inúmeros benefícios à saúde, tais como melhora na composição corporal, capacidade física, resistência à insulina, função endotelial, hipertensão arterial, estado antioxidante, qualidade de vida4-12 e um importante efeito no sistema endotelial. Durante sua prática, o aumento do fluxo sanguíneo e da tensão de cisalhamento (melhor conhecida como shear stress) melhora a homeostase vascular por meio de redução na produção de espécies reativas de oxigênio e aumento na disponibilidade de óxido nítrico no endotélio.13
Como função endotelial e exercício físico têm importante interface com doenças cardiovasculares, consideramos relevante a revisão dessa área em artigos recentemente publicados pelos Arquivos Brasileiros de Cardiologia na Área de Pesquisa Básica e Experimental. Neste Editorial, comentamos três artigos que foram publicados nos últimos dois anos e são relacionados a alterações endoteliais decorrentes do exercício físico, tanto em ratos saudáveis como em ratos espontaneamente hipertensos.
Mota et al.,14 observaram que uma única sessão de exercício resistido melhora a função endotelial e aumenta a síntese de óxido nítrico tanto no endotélio como na camada muscular lisa de ratos saudáveis. Como parâmetro de reatividade vascular, foi avaliada a vasodilatação dependente do endotélio na artéria mesentérica. O exercício aumentou a vasodilatação induzida por insulina. Como o relaxamento vascular foi abolido pelo inibidor da síntese de óxido nítrico, o éster metílico de L'NG-nitro-arginina (L-NAME), foi reforçada a importância do óxido nítrico na resposta vasodilatadora. De acordo com os autores, o exercício estimula fatores que aumentam a produção de óxido nítrico como distensão vascular, liberação de catecolaminas e hipóxia intermitente. O aumento na produção de óxido nítrico foi dependente do volume de exercício, o que sugere que maior demanda de oxigênio e nutrientes está envolvida nos efeitos benéficos do exercício no endotélio.
Resultados semelhantes foram observados em ratos hipertensos.15 Sessão única de exercício resistido promoveu ativação do óxido nítrico sintase endotelial (eNOS), aumento do relaxamento aórtico induzido por acetilcolina e redução da reatividade à fenilefrina. A resposta à fenilefrina foi abolida por L-NAME. Os dados reforçam, portanto, que, também na hipertensão arterial, a melhora da função endotelial induzida por única sessão de exercício resistido está associada ao aumento da síntese de óxido nítrico.
Resultados benéficos foram também verificados após longo período de exercício (uma hora/dia em esteira, 5 dias por semana, 8 semanas) em ratos saudáveis.7 Martinez et al.,7 observaram que o exercício reduziu a resposta contrátil da aorta a noradrenalina e aumentou o relaxamento induzido por acetilcolina. Por outro lado, o protocolo de exercício acumulado (quatro períodos de 15 minutos por dia em esteira, 5 vezes por semana, 8 semanas) não resultou em melhora da função endotelial. Consequentemente, acredita-se que os efeitos benéficos na indução de fatores regulatórios que melhoram a função endotelial estão ligados ao tempo de exposição ao exercício.
Esses trabalhos experimentais sugerem que a prática de exercícios físicos tem papel relevante no tratamento da disfunção endotelial. No entanto, estudos adicionais são necessários para estabelecer o melhor tipo, intensidade e duração do exercício e possibilitar prescrição mais eficiente.