versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.27 no.4 São Paulo jul./ago. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20152014201
O uso prolongado da voz tem sido empregado na literatura como método para avaliar e compreender as adaptações laríngeas e as consequências negativas que podem resultar da fadiga vocal(1). As provas utilizadas para induzir a fadiga vocal em meio experimental não são consensuais e podem variar de 15 minutos(2) a 2 horas(3 , 4 ), ou mais, de uso contínuo da voz, em intensidade habitual ou pré-estabelecida, com indivíduos normais ou sintomáticos, com ou sem treino e técnica vocal. A utilização da voz continuamente, por tempo prolongado, principalmente nos professores e operadores de telemarketing, tem sido objeto de estudo devido à frequência elevada de queixas de cansaço e fadiga vocal advindas desses tipos de atividade, o que pode resultar em disfonias funcionais ou em uma alteração orgânica laríngea.
Diante disso, a fadiga vocal é, habitualmente, descrita como o resultado do uso fonotraumático da voz, em uso prolongado e em elevada intensidade vocal, e os sinais e sintomas mais comuns são: rouquidão, soprosidade, perda da potência vocal e da extensão fonatória, dificuldade na realização de sons agudos, sensações como ardor e dor à fonação, dor ao deglutir, secura na laringe e faringe, aumento de pigarro e tosse(4).
Tais sintomas são descritas em diversas patologias laríngeas, como nas lesões nodulares. Estudos apresentam que alterações na membrana basal são decorrentes de impactos abusivos repetitivos(5). Esses abusos podem estar associados ao uso prolongado da voz em média a forte intensidade, comum em professores. É evidente a predisposição de mulheres para o desenvolvimento de problemas vocais numa relação de 2/1 em relação aos homens(6), assim como maior prevalência de sintomas vocais em mulheres/professoras, com atividades pedagógicas similares aos homens(7).
Apesar da vasta descrição da sintomatologia da fadiga vocal associada ao uso prolongado da voz, não há uma definição precisa para sua etiologia. Define-se a fadiga vocal como um aumento do esforço para a fonação seguido da diminuição das capacidades fonatórias(8), íntima relação com a hiperfunção vocal e o auto relato de aumento da sensação de esforço para o uso prolongado da voz(9). Relaciona-se à fadiga vocal, ainda, a existência do envolvimento da fadiga neuromuscular, o aumento da viscosidade da prega vocal, a redução da circulação sanguínea, o estresse de tecidos não musculares, tal como o epitélio e lâmina própria, ligamento vocal e cartilagíneo e ainda a fadiga dos músculos respiratórios(1).
O nível de hidratação das pregas vocais parece ser um fator preponderante que pode causar maior esforço da musculatura laríngea durante o uso prolongado da voz e, assim, gerar fadiga(10 - 13 ). No entanto, o limiar de pressão fonatória é a medida objetiva que apresenta maior sensibilidade para representar a fadiga vocal(14). De acordo com Verdolini, Titze e Fennel(13) , o aumento do esforço sentido durante a fonação e das medidas de limiar de pressão fonatória são dependentes do nível de hidratação a que o indivíduo está exposto. Hemler et al.(15), apesar de terem utilizado laringes dissecadas de ovelhas, também observaram mudanças em parâmetros mecânicos da mucosa das pregas vocais e encontraram aumento da viscosidade da mucosa quando submetida à baixa umidade relativa do ar.
Outro aspecto relevante é a quantidade de ácido hialurônico presente na matriz extracelular da lâmina própria da mucosa da prega vocal, uma vez que ela possui a função de atrair e regular a entrada de moléculas de água, o que altera as propriedades biomecânicas de viscosidade e elasticidade(16 - 18 ). Por serem suscetíveis à sintomatologia observada quando ocorre uso da voz por período prolongado, induzindo a fadiga vocal, a menor concentração de ácido hialurônico em mulheres poderia ser uma possível explicação à predisposição feminina para patologias vocais e laríngeas(16).
Sander e Ripich(19) relatam a possibilidade de ajustes compensatórios nos quais a frequência de fala seria o fator de maior importância para a fadiga vocal, enquanto outros estudos consideram também os ajustes compensatórios e o aumento da atividade da musculatura adutora laríngea em tarefas de uso prolongado da voz( 10 , 12 , 19 - 22 ). No entanto, por acreditarem numa manifestação muscular, entendem que a fadiga vocal deve ser estudada por meio da eletromiografia laríngea( 21 , 23 , 24 ). Esses estudos apontam para mudanças no comportamento espectral da eletromiografia laríngea do músculo cricoaritenóideo após tarefa de uso intenso da voz.
Independentemente da linha etiológica, medidas objetivas de avaliação vocal, exceto o limiar de pressão fonatória, não têm apresentado sensibilidade ou similaridade de achados entre os estudos presentes na literatura. Não há descrições referentes à população brasileira quanto ao comportamento fonatório de mulheres jovens, sem alterações vocais ou profissionais da voz.
Diante disso, o presente estudo objetiva avaliar o comportamento da função fonatória e a sensação de esforço de mulheres jovens brasileiras, saudáveis, sem alterações vocais e não profissionais da voz, antes e após prova de uso prolongado da voz pelo período de uma hora contínua, sem pausas para hidratação ou repouso vocal.
Trata-se de um estudo prospectivo, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, com número do processo 12101/2006.
A amostra foi constituída por 20 indivíduos do gênero feminino, com idades entre 18 e 35 anos (média de 22,0 anos). Visou-se o período de eficiência vocal para o desenvolvimento da atividade de resistência vocal e as mulheres que não possuíam histórico de disfonia pregressa, uso profissional da voz, treino vocal ou atividades esportivas e de lazer que caracterizassem o uso contínuo da voz. Foram impedidas de participar mulheres com diagnóstico de doença de refluxo gastroesofágico, alteração hormonal, alergias, doenças do aparelho respiratório, distúrbio auditivo, neurológico ou psiquiátrico. Não foi permitido aderir à amostra tabagistas, usuárias de drogas e medicamentos contínuos como anti-histamínico, antidepressivos, anti-hipertensivos, hipoglicemiantes e anti-inflamatórios.
Para a obtenção desses dados, previamente à realização das avaliações, as participantes foram submetidas à análise videolaringoestroboscópica para excluir qualquer patologia laríngea, utilizando-se laringoscópio rígido, tipo Hopkins, com angulação de 70 graus, acoplado a uma fonte de luz estroboscópica, conectado a uma câmera filmadora. Também foi aplicado um questionário com perguntas fechadas a respeito do perfil vocal da participante, envolvendo questões acopladas em blocos, como: uso social e profissional da voz, hábitos de saúde vocal, história pregressa de disfonia e diagnósticos médicos com ação direta ou indireta sobre a voz.
Após a seleção da amostra, foi realizado o agendamento prévio da data de avaliação para evitar o período menstrual, insônias, infecções respiratórias, uso de bebida alcoólica no dia anterior, uso excessivo de cafeína. Caso a participante comparecesse com alguma dessas intercorrências, era vedada a sua continuidade no estudo.
As avaliações foram agendadas no período da manhã em sala com tratamento acústico e monitoramento da temperatura (média de 26,5ºC) e da umidade relativa do ar (média de 86%), onde se iniciou a captura dos registros vocais, de percepção do esforço vocal e a realização da prova de uso prolongado da voz. Não foram realizados exercícios de aquecimento vocal antes da prova.
A captura dos registros vocais foi realizada nos momentos pré e pós-prova de fala contínua, utilizando-se um microfone com captação unidirecional posicionado a 45° e a quatro centímetros de distância da comissura labial da participante, solicitando a emissão de no mínimo quatro segundos da vogal /a/ em intensidade e frequência vocal habitual, visando favorecer tanto a extração das medidas acústicas quanto a avaliação perceptivo-auditiva.
A mensuração da intensidade vocal foi realizada por meio de um medidor do nível de pressão sonora digital posicionado a um metro de distância dos lábios da participante e extraída por meio da emissão da vogal /a/ sustentada, no início e após o uso vocal e no término da prova de fala contínua.
Para extrair a percepção do nível de esforço que a participante apresentava para realizar a fonação, solicitou-se que ela realizasse a fonação em emissão da vogal /a/ prolongada e contagem de números de forma a atentar-se a quaisquer sinais e sintomas negativos ou não à produção vocal. Em seguida, solicitava-se a graduação do esforço fonatório por meio de uma escala visual analógica de 100 mm com seus extremos classificados em "ausência" e "extremo" esforço fonatório, o que era aplicado antes e após a prova de uso prolongado da voz.
Após a gravação das amostras de voz, captura dos dados da intensidade vocal e do esforço fonatório, foi iniciada a prova de uso prolongado da voz. As participantes foram orientadas a se posicionar sentadas confortavelmente em uma poltrona e iniciar a prova de uso prolongado da voz. De forma a padronizar a emissão da fala das participantes, foi proposta a leitura em intensidade e frequência vocal habitual de um texto previamente elaborado, que abordava o tema de saúde e higiene vocal. Este texto deveria ser lido repetidamente pelo tempo de uma hora, sem pausas para hidratação ou repouso vocal.
Para a análise acústica computadorizada dos registros fez-se uso do software Advanced Multi-Dimensional Voice Programm (MDVP- Adv) e do software Computerized Speech Lab/ Modelo 6103 da Kay Pentax(r). Foram extraídos os parâmetros acústicos pré e pós prova de uso prolongado da voz referentes à frequência fundamental (f0), perturbação da frequência, perturbação da amplitude, medidas de tremor e medidas de ruído, conforme descrito na Tabela 1.
Tabela 1. Parâmetros acústicos avaliados pré e pós uso prolongado da voz
Medidas acústicas | Definições |
---|---|
F0 (Hz) | Frequência fundamental |
Fhi (Hz) | Frequência aguda da emissão |
Flo (Hz) | Frequência grave da emissão |
Perturbação da frequência | |
vF0 (%) | Variação da f0 |
Jita (s) | “jitter” absoluto |
Jitt (%) | “jitter” percentual |
RAP (%) | Media relativa da perturbação |
PPQ (%) | Quociente de perturbação do “pitch” |
sPPQ (%) | Nível do quociente de perturbação do “pitch” |
Perturbação da amplitude | |
vAM (%) | Variação da amplitude |
ShdB (dB) | “shimmer” em dB |
Shim (%) | “shimmer” percentual |
APQ (%) | Quociente de perturbação da amplitude |
sAPQ (%) | Nível do quociente de perturbação da amplitude |
Medidas de Tremor | |
Fftr (Hz) | F0- frequência do tremor |
Fatr (Hz) | Amplitude da frequência do tremor |
FTRI (%) | F0- taxa da intensidade do tremor |
ATRI (%) | Amplitude- taxa da intensidade do tremor |
Medidas de Ruído | |
NHR (n) | Proporção harmônico-ruído |
VTI (n) | Taxa de turbulência vocal |
SPI (n) | Taxa de soprosidade |
Os dados provenientes da captura dos registros vocais para a análise acústica foram utilizados para posterior análise perceptivo-auditiva realizada por cinco juízes, fonoaudiólogos, com experiência clínica média de 7,43 anos em voz.
Como instrumento de análise fez-se uso da escala GRBASI, de quatro pontos: 0=ausente/normal; 1=leve; 2=moderado; 3=severo, e que avalia o grau geral da disfonia (G), a rugosidade (R), a soprosidade (B), a astenia (A), a tensão fonatória (S) e a instabilidade (I).
Para complementar a avaliação, foram acrescentados os parâmetros projeção vocal, "pitch", "loudness" e estabilidade fonatória. A análise desses parâmetros foi realizada de maneira comparativa entre o momento pré e pós-prova. Aos juízes, solicitava-se o julgamento de "aumento", "diminuição" e "inalterado" entre as medições para as emissões pré e pós-prova. O parâmetro "pitch" foi enquadrado nessa forma de análise e deveria ser classificado como "aumento" e "diminuição" quando a voz se apresentasse aguda ou grave, respectivamente, em relação ao momento pós-prova de fala contínua. Nessa avaliação era fornecida a procedência da emissão analisada.
Inicialmente, foram expostos aos juízes os objetivos do estudo e apresentadas as descrições de cada variável utilizada, para que ocorresse balizamento e calibragem dos avaliadores. Para isso, foi entregue a cada juiz uma ficha contendo a descrição de cada parâmetro a ser analisado e discutido item por item, visando a compreensão e uniformização do conceito por todos eles. Foi entregue a todos os juízes um termo de consentimento livre esclarecido referente a todo o processo de análise do trabalho: a participação na pesquisa ocorreu de forma voluntária, sem fins lucrativos ou necessidade de autoria em publicação.
Inicialmente, foi realizado um treinamento com a apresentação de amostras de vozes pré e pós-prova de cinco participantes, escolhidas e apresentadas de maneira aleatória pelo pesquisador, procedimento que teve duração aproximada de 60 minutos.
Após o treinamento, os juízes iniciaram a análise das amostras de voz. A sala era acusticamente tratada e a apresentação das vozes foi realizada pelo pesquisador por meio de um computador PC e alto-falantes posicionados próximos aos avaliadores, com intensidade do som ajustada de maneira confortável aos juízes e mantida estável até o término da análise.
A cada juiz foi entregue um cartão de respostas e uma ficha contendo a descrição de cada parâmetro a ser avaliado, a fim de ser utilizado quando houvesse necessidade. Os juízes deveriam analisar a amostra de cada indivíduo separadamente, iniciando-se pelo momento pré e comparando-o com a amostra do pós-prova, com o intuito de estabelecer a amostra obtida antes da prova de fala contínua como referencial para a amostra de voz obtida após a leitura por uma hora. Foi aceita a repetição, de quantas vezes fossem necessárias, visando a correta apreciação pelos expertos.
A comparação entre o pré e pós-uso vocal prolongado das variáveis de medidas acústicas, intensidade vocal e nível de esforço fonatório, foi realizada por meio da aplicação do Teste de Wilcoxon para amostras dependentes, considerando a mediana entre os dois grupos que se apresentam dependentes entre si.
A comparação intra e inter-juízes das variáveis da análise perceptivo-auditiva foi realizada por meio do coeficiente kappa (k), que indica a extensão da probabilidade de concordância, sendo mais perfeita quando o coeficiente está próximo de 1, seu valor máximo. No presente trabalho, consideraram-se apenas os resultados cujo coeficiente kappa era igual ou maior a 0,41.
Para a correlação entre as variáveis acústicas, perceptivo-auditivas, intensidade vocal e esforço fonatório, aplicou-se o Coeficiente de Correlação não-paramétrico de Spearman.
O nível de significância (p) para rejeição da hipótese de nulidade, por meio do teste, em todos os cálculos anteriormente descritos, foi fixado sempre em um valor menor ou igual a 0,05 (5%).
As medidas acústicas de f0, Fhi e Flo, as de perturbação da frequência e da amplitude, as medidas de tremor e de ruído obtidos no pré e pós-prova estão dispostos na Tabela 2.
Tabela 2. Comparação das variáveis acústicas medidas nos momentos pré e pós uso prolongado da voz
Medidas Acústicas | Pré | Desvio Padrão | Pós | Desvio Padrão | Valor de p |
---|---|---|---|---|---|
F0 (Hz) | 197,551 | 21,289 | 215,0235 | 22,63 | 0,03* |
Fhi (Hz) | 205,072 | 23,883 | 224,2755 | 25,029 | 0,06 |
Flo (Hz) | 190,891 | 20,539 | 205,425 | 21,313 | 0,02* |
Perturbação da Frequência | |||||
vF0 (%) | 1,182 | 0,44 | 1,1685 | 0,649 | 0,63 |
Jita (s) | 58,5155 | 29,003 | 56,7715 | 33,93 | 0,63 |
Jitt (%) | 1,106 | 0,593 | 1,141 | 0,714 | 0,9 |
RAP (%) | 0,671 | 0,365 | 0,6925 | 0,431 | 0,9 |
PPQ (%) | 0,6425 | 0,353 | 0,6825 | 0,42 | 0,78 |
sPPQ (%) | 0,694 | 0,35 | 0,7125 | 0,43 | 0,98 |
Perturbação da Amplitude | |||||
vAM (%) | 11,405 | 5,159 | 9,6475 | 3,851 | 0,03* |
ShdB (dB) | 0,197 | 0,069 | 0,1745 | 0,53 | 0,64 |
Shim (%) | 2,2645 | 0,765 | 1,993 | 0,617 | 0,72 |
APQ (%) | 1,571 | 0,493 | 1,408 | 0,395 | 0,84 |
sAPQ (%) | 2,656 | 2,354 | 0,876 | 0,31 | |
Medidas de Tremor | |||||
Fftr (Hz) | 2,287 | 2,531 | 2,299 | 3,055 | 0,71 |
Fatr (Hz) | 0 | 2,015 | 0 | 1,76 | 0,12 |
FTRI (%) | 0,2795 | 0,845 | 0,25 | 0,236 | 0,1 |
ATRI (%) | 0 | 3,26 | 0 | 1,208 | 0,01* |
Medidas de Ruído | |||||
NHR (n) | 0,138 | 0,024 | 0,1105 | 0,028 | 0,01* |
VTI (n) | 0,039 | 0,01 | 0,0425 | 0,023 | 0,1 |
SPI (n) | 16,96 | 8,125 | 9,951 | 7,457 | <0,001* |
Teste utilizado: Wilcoxon. *estatisticamente significante para p=0,05
A intensidade vocal apresentou medianas de 62 e 63,4 dBNPS nos momentos pré e pós, respectivamente, não demonstrando resultados significantes para mudanças no uso prolongado da voz (p=0,19). Do total das participantes, 45% apresentaram discreto aumento nos valores absolutos, 30% apresentaram discreta diminuição e 25% não apresentaram alteração nos valores da intensidade.
Os dados obtidos das variáveis da avaliação perceptivo-auditiva, seu respectivo coeficiente Kappa e intervalo de confiança estão descritos na Tabela 3. O grau de concordância dos juízes permaneceu acima de 0,41, considerado como moderado, sendo que o grau geral da disfonia pré e pós prova, a rugosidade pré, a soprosidade pré e pós prova e a estabilidade vocal apresentaram grau de concordância classificado como "substancialmente grande"; a projeção vocal e a astenia pós prova, como concordância "quase perfeita". Foram desprezados os parâmetros tensão pré e pós prova, pois obtiveram grau de concordância abaixo de 0,41, sendo classificados como insignificantes ao estudo. Assim, a análise dos juízes concordou quanto à redução do grau de severidade da disfonia (kappa=0,66), rugosidade (kappa=0,59) e soprosidade (kappa=0,73) e manutenção do grau de astenia (kappa=0,50), que permaneceu normal antes e após a prova de uso prolongado da voz.
Tabela 3. Grau de severidade da disfonia pela Escala GRBAS, segundo avaliação e concordância dos juízes
Variável | Grau de severidade | Coeficiente Kappa | Intervalo de confiança |
---|---|---|---|
Grau geral da disfonia pré | 1 | 0,62 | 0,44–0,80 |
Grau geral da disfonia pós | 0 | 0,66 | 0,48–0,82 |
Rugosidade pré | 1 | 0,72 | 0,56–0,86 |
Rugosidade pós | 0 | 0,59 | 0,39–0,76 |
Soprosidade pré | 1 | 0,69 | 0,52–0,84 |
Soprosidade pós | 0 | 0,73 | 0,57–0,86 |
Astenia pré | 0 | 1 | 1,00–1,00 |
Astenia pós | 0 | 0,5 | 0,40–0,60 |
Tensão pré | 0 | 0,17 | 0,01–0,41 |
Tensão pós | 0 | 0,07 | 0,06–0,30 |
Teste utilizado: Coeficiente Kappa. Valores considerados: k=0,41
A comparação entre as emissões provenientes de ambos os momentos do estudo percebeu aumento da estabilidade fonatória (kappa=0,64), projeção vocal (kappa=0,48), "pitch" (kappa=0,74) e "loudness" (kappa=0,65), apresentados na Tabela 4.
Tabela 4. Grau da concordância entre os juízes para as variáveis estabilidade, projeção," "loudness" e ""pitch"" na comparação entre os momentos de prova
Variável | Coeficiente Kappa | Intervalo de confiança |
---|---|---|
Estabilidade | 0,64 | 0,45–0,81 |
Projeção | 0,48 | 0,28–0,70 |
“loudness” | 0,74 | 0,58–0,87 |
“pitch” | 0,65 | 0,43–0,84 |
Teste utilizado: Coeficiente Kappa. Valores considerados: k=0,41
As medidas do esforço fonatório mensuradas pelas participantes antes e após o uso vocal contínuo foi a variável que apresentou maior diferença entre as médias. Os valores apresentaram aumento de 75,07% entre os momentos pré (7,6±11,5 mm) e pós-prova (30,5±23,6 mm), cujo p-valor resultante foi de 0,003. Ressalta-se que grande parte das participantes relatou aumento das sensações de secura na faringe e/ ou laringe. Na amostra, 23,8% participantes apresentaram diminuição das sensações de esforço, 19,0% não apresentaram manifestações e 9,5% apresentaram aumento do nível de esforço superior a 70 mm.
As correlações entre as variáveis estão apresentadas na Tabela 5. Os parâmetros da escala GRBAS não apresentaram correlação com nenhuma variável. Já os parâmetros projeção vocal, estabilidade fonatória, "loudness" e "pitch" apresentaram correlação negativa com o SPI e as medidas de perturbação da frequência.
Tabela 5. Correlação entre as variáveis acústicas e as perceptivo- auditivas que apresentaram significância. As variáveis sem correlação significante não estão apresentadas
Variável perceptiva X Medida acústica | Valor da correlação |
Valor de p |
---|---|---|
Estabilidade X SPI | -0,59 | 0,006* |
Projeção Vocal X PPQ | -0,46 | 0,04 |
Projeção Vocal X sPPQ | -0,46 | 0,04 |
Projeção Vocal X Jitta | -0,49 | 0,03 |
Projeção Vocal X Jitt | -0,46 | 0,04 |
Projeção Vocal X RAP | -0,46 | 0,04 |
Projeção Vocal X vF0 | -0,49 | 0,03 |
Projeção Vocal X vAm | -0,44 | 0,05 |
Projeção Vocal X SPI | -0,46 | 0,04 |
“loudness” X Jitta | -0,48 | 0,03 |
“loudness” X Jitt | -0,43 | 0,05 |
“loudness” X RAP | -0,43 | 0,05 |
“loudness” X sPPQ | -0,47 | 0,04 |
“loudness” X SPI | -0,47 | 0,04 |
“pitch” X SPI | -0,5 | 0,02 |
Teste utilizado: Correlação de Spearman; *estatisticamente significante para p=0,05
Para este estudo foram selecionadas mulheres jovens não profissionais da voz e sem alterações laríngeas e/ou vocais. Foi oferecida uma prova de leitura em frequência e intensidade habitual, visando o uso prolongado da voz pelo período de uma hora contínua a fim de avaliar o comportamento da função laríngea e do esforço vocal em ambiente silencioso. Houve o monitoramento da umidade e temperatura, ausência de pausas para hidratação, de repouso vocal ou de oferecimento de aquecimento vocal prévio. Tais condições de prova de uso prolongado da voz se diferenciam do ambiente ocupacional, como uma sala de aula. Assim, questiona-se como será o comportamento vocal e de esforço fonatório em indivíduos do gênero feminino, sem alterações ou treinamento vocal.
A f0 e Flo apresentaram aumento significativo no pós-prova e a Fhi, forte tendência de aumento, o que demonstra que mesmo a frequência mais grave da emissão apresentou-se desviada para o agudo, o que concorda com os dados presentes na literatura quanto a elevação da medida de frequência vocal após o uso prolongado da voz( 1 , 4 , 6 , 10 - 14 , 25 , 26 ). De maneira similar, o "pitch" das emissões analisadas por juízes na avaliação perceptiva da voz também se tornou mais agudo no pós-prova.
A elevação da f0 tem sido vista como uma medida expressiva ao uso prolongado da voz, mas nem sempre seu aumento se relaciona com o surgimento da fadiga vocal. Boucher(21) encontrou correlação negativa entre a f0 e estimativa de fadiga, ou seja, o aumento da frequência vocal pode ser contrário à presença de fadiga vocal.
Foram investigados todos os parâmetros referentes à frequência fundamental, medidas de perturbação da frequência e amplitude, medidas de tremor e de ruído disponíveis no software escolhido na medição. Não foram encontradas variações significativas de perturbação da frequência e, exceto a medida de variabilidade da amplitude a curto e longo prazo (vAm), o mesmo foi observado para as medidas de perturbação da amplitude. As médias da vAm apresentaram queda no pós-prova, sugerindo redução da instabilidade fonatória.
Foram encontrados poucos estudos envolvendo a fadiga vocal e as medidas de perturbação, sendo que ainda não há um consenso entre os resultados. Stemple, Stanley e Lee(4) encontraram diminuição do "jitter" quando solicitada a emissão em "pitch"agudo após duas horas de fala contínua. Já Rantala e Vilkman(11) encontraram aumento do "shimmer" em professores após um dia de trabalho e, quanto maior o número de queixas, maior é a f0 e menores as perturbações. Ambos os estudos apresentaram mudanças em alguma das medidas de perturbação após uso prolongado maior ou igual a duas horas contínuas. Remacle et al(25) relatam que as medidas de "jitter", "shimmer" e proporção harmônico-ruído não mudam com a intensidade vocal, entretanto, encontram diminuição dos valores de "shimmer" como consequência do uso prolongado da voz.
No presente estudo, as médias absolutas do "jitter" e, principalmente, de "shimmer" apresentaram diminuição, mas não foram representativas ao estudo de uso vocal prolongado, o que talvez se deva ao fato das avaliações terem sido realizadas após uma hora de uso contínuo da voz em mulheres e sem monitoramento da intensidade vocal.
Com exceção da variável Atri, que apresentou significância estatística de p=0,01, as outras medidas de tremor não demonstraram sensibilidade ao uso prolongado da voz. O Atri diminuiu consideravelmente no pós prova, o que sugere uma possível melhora da instabilidade vocal. Contrariamente, Boucher(19) analisou medidas acústicas que apresentavam correlação com a fadiga vocal e encontrou discreto aumento do FAtri e Fftr, o que indicava a presença de um leve tremor vocal. Entretanto, a prova que o autor utilizou não envolvia o uso prolongado da voz em intensidade e frequência habitual, mas sim tarefas de repetição vocal a cada 12-15 minutos, pelo tempo aproximado de 12 a 14 horas.
As medidas acústicas de ruído NHR (p=0,01) e SPI (p<0,0001) apresentaram maior sensibilidade ao estudo do uso prolongado da voz. A redução do NHR demonstra maior quantidade de harmônicos presentes na emissão e o SPI, além de considerado um preceptor da soprosidade e da astenia(27), é um indicador do aumento da adução glótica no pós-prova. Essa medida apresentou correlação negativa com a projeção vocal, "loudness", "pitch" e, principalmente, com a estabilidade vocal. Acredita-se que o período de fonação prolongada utilizado neste estudo tenha propiciado o aumento da atividade laríngea, o que favoreceu não só uma maior adução glótica (demonstrado pela diminuição do SPI), mas também melhoria na estabilidade fonatória e nos outros parâmetros perceptuais a ele correlacionados.
O SPI, NHR e intensidade vocal são medidas objetivas que refletem o comportamento da musculatura laríngea em relação às propriedades aerodinâmicas na fonação. Entretanto, contrariamente ao SPI e NHR, a intensidade vocal não apresentou significância ao estudo do uso prolongado da voz. Contudo, o estudo falhou em não ter avaliado o alcance da intensidade vocal, extraindo-se a intensidade vocal mínima e máxima, pois, talvez, poderia ter apresentado alguma sensibilidade ou se correlacionado a alguma variável perceptivo-auditiva.
Dentre os parâmetros acústicos, as medidas caracterizadas como de ruído e da frequência parecem mais sensíveis ao uso prolongado da voz, percebendo-se que a as medidas de frequência tendem a aumentar e as de ruído a diminuir. No entanto, as medidas acústicas talvez não sejam sensíveis para representar o efeito do uso prolongado da voz por uma hora, principalmente para aferir vozes normais e sem histórico de uso profissional.
Quanto aos parâmetros perceptivo-auditivos da escala GRBAS, não houve correlação com nenhuma outra variável, inclusive com o esforço vocal. No presente estudo, o uso prolongado da voz no período de uma hora contínua demonstrou melhora desses parâmetros. O consenso entre os juízes evidenciou melhora do grau geral da disfonia, da rugosidade e soprosidade, sendo que a astenia não apresentou alteração entre os momentos de prova. Talvez o tempo de prova não tenha sido suficiente para que o nível de esforço fonatório interferisse negativamente na eficiência da produção vocal.
Contrariamente, os outros parâmetros perceptuais, além de terem apresentado aumento no pós-prova, apresentaram correlação com algumas variáveis acústicas (Tabela 6). Entretanto, tais correlações ocorreram de forma negativa com a medida de ruído SPI e, principalmente, com as medidas de perturbação da frequência. O estudo demonstrou que o aumento da projeção vocal ocorreu de forma contrária à diminuição das medidas de perturbação da frequência. Acredita-se que para a ocorrência do aumento na projeção vocal é necessária uma adequada relação fonte-filtro, uma laringe com adequado fechamento das pregas vocais e boa formação de harmônicos, justificado neste estudo pela relação inversa entre a projeção vocal e a diminuição do SPI e do NHR, respectivamente, e ainda um trato vocal posicionado de forma a facilitar a amplificação sonora.
Os resultados encontrados sugerem que uma hora de uso prolongado da voz em intensidade e frequência habitual possam melhorar as medidas acústicas de perturbação da frequência e amplitude, tremor e ruído. Apesar da possível melhora observada na qualidade vocal, devem ser realizados alguns questionamentos, como, por exemplo, se a melhora observada não pode ser o resultado de aquecimento vocal.
É impreterível salientar que o estudo foi realizado no período da manhã, com as participantes submetidas a jejum de hidratação, alimentação e de uso vocal. Portanto, poderia haver acúmulo de fluídos e edema, que no decorrer da prova poderiam ter sido removidos e equilibrados, o que pode ter ocasionado a melhora da qualidade vocal na comparação entre os momentos de prova. Em contrapartida, tal hipótese pode sugerir que o efeito proveniente de uma hora de uso prolongado da voz poderia resultar em aquecimento vocal, se não fosse pela medida de esforço fonatório, que aumentou significantemente (p=0,003), apontando para o aumento do esforço e possível fadiga vocal, já observado em outros estudos( 1 , 3 , 4 , 6 , 7 , 10 - 14 , 20 , 28 , 29 ).
A melhora observada na qualidade vocal proveniente de medidas acústicas e perceptivo-auditivas sugere uma adaptação da musculatura laríngea para o desempenho da função vocal solicitada. Entretanto, o aumento das sensações de esforço pode resultar em alterações vocais e laríngeas, como observado no caso dos professores, em que o uso continuado da voz em forte intensidade, sem controle do ruído externo, aponta para o desenvolvimento de problemas vocais entre gênero feminino e masculino na proporção de 2:1(6). Em estudo relacionado à morfologia laríngea, Pontes et al.(30)comentam que a associação da tensão muscular e o uso fonotraumático podem resultar em alteração na configuração glótica, sendo que em casos de presença de fenda glótica e tensão do músculo tireoaritenoideo pode haver concentração de energia da emissão vocal no terço médio das pregas vocais em laringes com morfologia feminina, provocando traumas no tecido e, consequentemente, a formação de nódulos. Ainda é necessário comentar que, como relatado em estudos referentes às propriedades biomecânicas da mucosa da prega vocal, o surgimento de alterações laríngeas pode estar relacionado à presença diminuída do ácido hialurônico na prega vocal feminina(16) que, por sua vez, apresenta íntima relação com a viscosidade da mucosa e o nível de hidratação(18) e o limiar de pressão fonatória(13), medida também utilizada em estudos de fadiga vocal.
Mesmo sem utilizar medidas aerodinâmicas e eletromiográficas da laringe, os resultados obtidos sugerem uma adaptação da musculatura laríngea para a fonação, conforme observado por Laukannen et al.(29). Acredita-se que haja aumento na atividade da musculatura adutora laríngea para viabilizar a produção vocal durante uma hora contínua, porém a sensação negativa causada pelo esforço fonatório soa como um sinal de alerta para indicar fadiga dessa musculatura. Esses dados se tornam expressivos para a rotina de um profissional da voz, possibilitando intervenções para prevenção e promoção da sua saúde vocal. Acredita-se, ainda, que possam haver ajustes compensatórios diversos influenciados pelo ambiente ocupacional, frente a ruído ambiental competitivo, estresse emocional e fadiga generalizada.
Acredita-se ainda que a fadiga vocal e seus efeitos decorrentes do uso prolongado da voz devem envolver não somente um fator, mas sim a possibilidade da reunião de fatores biomecânicos, aerodinâmicos e acústicos, que envolvem não somente o nível glótico, mas também o comportamento das cavidades ressonantais e articulatórias. Não foram encontrados estudos que avaliaram o comportamento de todo o trato vocal em decorrência do uso prolongado da voz, embora se acredita que esse uso propicie a adaptação entre todos esses sistemas até que o nível de esforço fonatório, conjuntamente à instalação de fadiga, provoquem o desarranjo dessa adaptação e gerem consequências como a fadiga vocal crônica, a hipo ou hiperfunção vocal e até mesmo o surgimento de patologias laríngeas.
O presente trabalho analisou as características da voz de mulheres jovens saudáveis, com voz normal e em ambiente acusticamente tratado quando submetidas ao uso prolongado da voz. O intuito foi fornecer dados de indivíduos normais e em local ideal para a fonação, de forma a contribuir com a literatura para futuras comparações com diferentes populações e em diferentes situações, como ocorre no uso profissional da voz.
Após uma hora de uso contínuo da voz notou-se aumento das medidas acústicas da frequência, diminuição das medidas de tremor e ruído, aumento da estabilidade fonatória, da projeção vocal, do "pitch" e do "loudness".
A auto percepção do esforço vocal tornou-se evidentemente mais pronunciado após uma hora de uso contínuo da voz. A sensação aumentada de esforço para produzir voz após uma hora de leitura contínua demonstrou-se contrária à melhora dos parâmetros perceptuais e acústicos, que apontaram para uma melhora vocal.
Assim, uma hora de uso prolongado da voz parece favorecer uma adaptação laríngea e aumento da atividade da musculatura adutora para manter a eficiência na produção vocal, entretanto, a auto percepção do esforço fonatório fica evidente e pode ser compreendido como sinal de que pode ocorrer fadiga da musculatura ocasionada pelo uso contínuo.