versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.28 no.6 São Paulo nov./dez. 2016 Epub 16-Nov-2016
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20162015255
A laringectomia total associada à radioterapia é um dos tratamentos de escolha para tumores avançados de laringe(1). Isso implica sequelas físicas, funcionais, sociais e psíquicas que afetam negativamente a qualidade de vida(2).
A laringectomia total, além de comprometer a comunicação e afetar a função pulmonar, ocasiona alterações nas funções do olfato e paladar. A permanente descontinuidade entre as vias aéreas inferior e superior, com a retirada da laringe e a transferência da corrente aérea nasal para um permanente traqueostoma, acarreta importantes mudanças na fisiologia pulmonar e também alterações na acuidade olfatória(2,3).
A percepção do olfato pode ocorrer de duas formas, a primeira e principal é a via ortonasal, em que, através da inalação do ar, as moléculas de odor chegam ao epitélio olfatório, localizado na cavidade nasal. O segundo modo de percepção olfatória ocorre via retronasal, em que os odores produzidos na cavidade oral, durante a mastigação de alimentos, atingem a região posterior da faringe até a cavidade nasal, chegando ao epitélio olfatório(4-6).
A interrupção do fluxo aéreo nasal devido à laringectomia total prejudica a chegada de moléculas odoríferas ao epitélio olfatório e impede sua estimulação, ocasionando uma hiposmia ou até mesmo anosmia(5,7,8).
A deterioração do olfato contribui para o aparecimento de inapetência, perda de peso e muitas vezes compromete o status nutricional do indivíduo, afetando a sua qualidade de vida(6,9).
Estudos com laringectomizados totais têm comprovado que a reabilitação do olfato melhora a qualidade de vida(2,5,8-10). Este conceito é definido pela Organização Mundial de Saúde como “[...] a percepção do indivíduo acerca de sua posição na vida, no contexto cultural e dos sistemas de valores em que vive, e com relação às suas metas, expectativas, parâmetros e relações sociais [...]”(11:1403). É de senso comum a ausência de um instrumento único para avaliar a qualidade de vida, pois seu conceito é bastante dinâmico e subjetivo. Sua percepção é individual e está em constante mudança, de acordo com as vivências e experiências de cada um.
Tradicionalmente, o estudo da reabilitação do laringectomizado total tem se concentrado nas alterações da comunicação, deglutição e nos sintomas pulmonares, e, em segundo plano, na reabilitação do olfato(4,12). Embora diversos estudos tenham sido realizados demonstrando a presença de alterações do olfato após a laringectomia total e a existência de alguns pacientes que, de forma não intencional, compensaram suas alterações olfatórias(13,14), pouco havia sido discutido em relação à reabilitação de tais alterações. Somente no ano de 2000 foi descrita uma técnica efetiva para a reabilitação do olfato para essa população, após um estudo realizado por Hilgers et al.(15).
A Nasal Airflow-Inducing Maneuver (NAIM), também conhecida como polite yawning(15), consiste em um “bocejo” prolongado com movimento simultâneo de retração da mandíbula, do assoalho da boca, da língua, da base da língua e do palato mole, mantendo os lábios firmemente fechados(16). A técnica tem como proposta criar pressão negativa na cavidade oral e orofaringe para induzir o fluxo aéreo nasal, permitindo a chegada de moléculas odoríferas novamente ao neuroepitélio olfativo.
O presente trabalho tem como objetivo avaliar os efeitos da reabilitação do olfato, através do uso da NAIM, na função olfatória e na qualidade de vida de laringectomizados totais.
Trata-se de um estudo clínico pré e pós-intervenção com a inclusão inicial de 49 laringectomizados totais, sendo 40 homens e nove mulheres.
Foram incluídos indivíduos de ambos os gêneros, laringectomizados totais com período mínimo de término de tratamento de seis meses (cirurgia/radioterapia/quimioterapia), que possuíam um meio de comunicação efetivo e estavam em acompanhamento no Serviço de Cabeça e Pescoço e no Setor de Fonoaudiologia do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA).
Foram excluídos pacientes com idade inferior a 18 anos, em uso de sonda nasoenteral ou gastrostomia, com alguma complicação clínica ou cirúrgica, com doença em atividade, alguma alteração da acuidade olfatória prévia à laringectomia e alergia respiratória conhecida.
Durante o seguimento, houve perda de quatro participantes, por não comparecerem às sessões subsequentes, caracterizando abandono, permanecendo 45 pacientes.
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do INCA, sob o número 880.367. Todos os que aceitaram participar deste estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Os pacientes foram acompanhados por seis semanas, com três encontros entre os participantes e a pesquisadora. Definiram-se a primeira e a sexta semanas para avaliação da função olfatória e qualidade de vida antes e após a reabilitação do olfato. No primeiro encontro (T0), os indivíduos aprenderam como realizar a NAIM e receberam um manual de instruções com orientações sobre a execução da manobra, para treinamento domiciliar.
Ao final da terceira semana (T1), os mesmos indivíduos compareceram ao instituto para reforço das orientações, treino assistido da manobra e a aplicação de um questionário de acompanhamento.
Ao final da sexta semana (T2), os participantes foram reavaliados. Em T0 e T1, foi utilizado um manômetro de água a fim de fornecer um biofeedback visual ao paciente e pesquisadora durante o treinamento da manobra.
Todos os questionários e o teste de avaliação do olfato foram aplicados pela pesquisadora, para que não houvesse a possibilidade de respostas inadequadas por incompreensão da pergunta, mesmo que o paciente fosse alfabetizado. O fluxograma do estudo encontra-se apresentando na Figura 1.
Foram utilizados os seguintes instrumentos.
Para avaliar a função olfatória antes e após a reabilitação do olfato, foi utilizado o Teste de Identificação do Olfato da Universidade da Pensilvânia™ (UPSIT). O UPSIT é constituído de quatro cartelas de dez odores, com um odor por página, totalizando 40 odores. Os estímulos são embebidos em microcápsulas plásticas presentes em uma faixa marrom no rodapé de cada página. O examinador orienta o paciente a raspar com um lápis essa faixa, o que faz o odor ser liberado, e o paciente aproxima o estímulo cerca de um centímetro das narinas e tenta identificar o odor. Depois disso, é assinalada a opção indicada pelo paciente como a que melhor descreve o odor. A pontuação obtida no teste vai de 0 (pior) a 40 (melhor), que se traduz por uma classificação da função olfatória em normosmia (34-40 homens; 35-40 mulheres), microsmia leve (30-33 homens; 31-34 mulheres), microsmia moderada (26-29 homens; 26-30 mulheres), microsmia severa (19-25), anosmia (06-18) e provável simulador (00-05)(17). O teste foi validado para a população brasileira(18).
Os questionários utilizados para avaliar a percepção que cada participante tem de seu olfato antes e após a intervenção foram adaptados pela pesquisadora a partir de outros já descritos na literatura(2,3).
O questionário sobre a acuidade olfatória pré-reabilitação do olfato é composto por sete perguntas, com quatro opções de resposta cada. As duas primeiras perguntas se referem a como o indivíduo considera seu olfato e paladar, as perguntas de três a seis mensuram a frequência com que o participante sente o cheiro de perfumes, alimentos, gás vazando e fumaça, e a sétima refere-se à presença de algum tipo de dificuldade na vida diária do indivíduo, decorrente da alteração na percepção dos cheiros.
O questionário sobre a acuidade olfatória pós-reabilitação do olfato é composto por oito perguntas, as sete primeiras são similares às do instrumento pré-reabilitação do olfato e a oitava questiona se algo mudou na vida do participante após a reabilitação do olfato. Em caso afirmativo o participante descreve o que mudou.
A qualidade de vida foi avaliada antes e após a intervenção, a partir da aplicação da versão brasileira do questionário de qualidade de vida da Universidade de Washington (UW-QOL), para pacientes com câncer de cabeça e pescoço, traduzido e validado para a língua portuguesa por Vartanian et al.(19).
O questionário é composto por 12 questões incluindo: dor, aparência, atividade, recreação, deglutição, mastigação, fala, ombro, paladar, saliva, humor e ansiedade. Cada questão apresenta de três a cinco categorias de resposta com escore variando de zero (pior) a 100 (melhor) e sendo também calculado um escore composto, que seria a média dos 12 domínios. Este instrumento apresenta também uma questão que permite ao indivíduo classificar quais domínios são os mais importantes para ele. Incluindo ainda três questões gerais sobre a avaliação que o paciente faz de sua qualidade de vida e uma questão aberta para quaisquer outras considerações que o participante deseje fazer.
O questionário de acompanhamento foi elaborado pelas pesquisadoras e utilizado na terceira e sexta semanas de intervenção. É composto por perguntas relacionadas à adesão à intervenção, à frequência com que o participante treinou a manobra de indução ao fluxo aéreo nasal, se apresentou alguma dificuldade em realizá-la e a sua opinião sobre a manobra.
O feedback do paciente em relação à execução da manobra, permite ao pesquisador corrigir possíveis erros na técnica, contribui para aprimorar sua realização, bem como reforçar a necessidade de sistematização do treino.
Os dados foram organizados em uma planilha do Excel®. Para a análise descritiva, foram apresentados como número (%), média e desvio padrão. Para comparar os parâmetros de qualidade de vida e olfato mensurados antes e após a intervenção, foi utilizado o Wilcoxon Signed Ranks Test, considerando estatisticamente significante o p valor<0,05. Para avaliar as modificações da classificação do olfato no UPSIT e da acuidade olfatória no Questionário sobre a acuidade olfatória, foi realizada a diferença absoluta entre pós e pré-reabilitação do olfato (%).
As análises estatísticas foram realizadas utilizando o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) na versão 20.0.
No grupo inicial de 49 laringectomizados totais, a média de idade foi de 61,2 anos e o tempo médio de pós-operatório foi de cinco anos e quatro meses. O esvaziamento cervical foi realizado em 45 pacientes. Foram submetidos à radioterapia 46 participantes e à radioquimioterapia apenas quatro.
Em relação ao meio de comunicação utilizado pelos participantes, 25 utilizavam a prótese traqueoesofágica, 20 a laringe eletrônica e apenas quatro utilizavam a voz esofágica. As características demográficas e clínicas dos participantes encontram-se descritas na Tabela 1.
Tabela 1 Características demográficas e clínicas dos participantes (n=49)
Variável | n (%) |
---|---|
Ocupação Não trabalha Trabalho externo |
33 (67,3) 16 (32,7) |
Escolaridade Baixa (até o fundamental incompleto) Média (fundamental completo ou > grau) |
28 (57,1) 21 (42,9) |
Tabagismo Nunca fumou Parou de fumar |
4 (8,2) 45 (91,8) |
Etilismo Nunca bebeu Parou de beber Ainda bebe |
7 (14,3) 33 (67,3) 9 (18,4) |
T- Tumor Primário T4 T2 e T3 |
38 (77,6) 11 (22,4) |
N- Metástases Linfonodo Regional Positivo Negativo |
18 (36,7) 31 (63,3) |
Em relação à amostra final (n=45), no teste de identificação do olfato – UPSIT, o escore médio foi de 17,87 antes da reabilitação do olfato com a NAIM. Depois da intervenção, esse escore apresentou uma melhora estatisticamente significante, com média de 29,24, (p<0,001) (Tabela 2).
Tabela 2 Comparação entre os parâmetros de qualidade de vida e olfato mensurados antes e após a reabilitação do olfato (n=45)
Parâmetros mensurados | Pré-Reabilitação | Pós-Reabilitação | Diferença (final – inicial) | Wilcoxon Signed Ranks Test | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Média(DP) | IC 95% |
Negativoa N (%) |
Positivob N (%) |
Sem alteraçãoc N (%) |
p valor | |||
Média (DP) | Média (DP) | |||||||
QV (UW-QOL) | ||||||||
Escore Total | 968,22 (144,66) | 1052,78 (126,44) | 84,55 (111,23) | 51,14-117,97 | 5 | 36 | 4 | 0,000 |
Escore Composto | 80,68 (12,05) | 87,73 (10,53) | 7,04 (9,27) | 4,26-9,83 | 5 | 36 | 4 | 0,000 |
Dor | 79,44 (22,79) | 85,56 (20,97) | 6,11 (20,75) | -0,12-12,34 | 5 | 13 | 27 | 0,058 |
Aparência | 85,00 (20,91) | 92,22 (15,83) | 7,22 (18,17) | 1,76-12,68 | 2 | 10 | 33 | 0,012 |
Atividade | 87,78 (15,65) | 93,89 (12,10) | 6,11 (13,22) | 2,13-10,08 | 1 | 11 | 33 | 0,005 |
Recreação | 82,22 (21,06) | 87,78 (16,53) | 5,55 (18,37) | 0,034-11,07 | 4 | 11 | 30 | 0,049 |
Deglutição | 79,44 (17,70) | 86,07 (16,48) | 6,62 (16,73) | 1,59-11,65 | 1 | 9 | 35 | 0,013 |
Mastigação | 94,44 (15,89) | 94,44 (15,89) | 0,00 (15,07) | -4,53-4,53 | 2 | 2 | 41 | 1,000 |
Fala | 72,69 (31,22) | 85,96 (25,13) | 13,26 (22,85) | 6,40-20,13 | 1 | 16 | 28 | 0,000 |
Ombro | 74,93 (30,26) | 81,62 (19,45) | 6,69 (28,09) | -1,75-15,13 | 3 | 8 | 34 | 0,096 |
Paladar | 64,22 (34,47) | 83,02 (23,17) | 18,60 (26,29) | 10,70-26,50 | 2 | 21 | 22 | 0,000 |
Saliva | 70,44 (28,68) | 79,27 (28,75) | 8,82 (24,12) | 1,54-16,07 | 4 | 13 | 28 | 0,142 |
Humor | 88,33 (24,77) | 91,11 (21,42) | 2,78 (17,85) | -2,58-8,14 | 2 | 4 | 39 | 0,288 |
Ansiedade | 89,44 (16,41) | 93,33 (13,48) | 3,89 (11,86) | 0,32-7,45 | 1 | 7 | 37 | 0,035 |
OLFATO (UPSIT) | ||||||||
Escores | 17,87 (11,50) | 29,24(6,24) | 11,38 (9,61) | 8,49-14,26 | 1 | 42 | 2 | 0,000 |
Legenda: a Parâmetro ao término < Parâmetro no início; b Parâmetro ao término > Parâmetro no início; c Parâmetro ao término = Parâmetro no início; UW-QOL- Questionário de Qualidade de vida da Universidade de Washington; QV- Qualidade de vida; DP- Desvio Padrão; IC- Intervalo de Confiança. UPSIT- Teste de Identificação do Olfato da Universidade da Pensilvânia. O teste utilizado foi o Wilcoxon Signed Ranks Test. Em negrito, valores estatisticamente significantes (p<0,05)
De acordo com a classificação do olfato no UPSIT, inicialmente 43 participantes (95,7%) apresentaram algum grau de alteração na percepção olfatória e dois indivíduos (4,4%) tiveram o olfato considerado normal. Depois da reabilitação do olfato pelo uso da NAIM, que possibilitou ao laringectomizado total direcionar o fluxo aéreo novamente para a cavidade nasal, o percentual de indivíduos com algum grau de alteração na função olfatória caiu para 68,8%. A Tabela 3 mostra a distribuição dos participantes de acordo com a classificação do olfato no UPSIT.
Tabela 3 Classificação do olfato no UPSIT pré e pós-reabilitação do olfato de laringectomizados totais (n=45)
Classificação do Olfato |
Pré n (%) |
Pós n (%) |
Diferença absoluta entre pós e pré-reabilitação do olfato n (%) |
---|---|---|---|
Anosmia | 22 (48,9) | 2 (4,4) | -20 (-44,5) |
Microsmia severa | 7 (15,6) | 8 (17,8) | 1 (2,2) |
Microsmia moderada | 7 (15,6) | 10 (22,2) | 3 (6,6) |
Microsmia leve | 7 (15,6) | 11 (24,4) | 4 (8,8) |
Normosmia | 2 (4,4) | 14 (31,1) | 12 (26,7) |
Legenda: UPSIT- Teste de Identificação do Olfato da Universidade da Pensilvânia
Os resultados dos questionários sobre a acuidade olfatória pré e pós-reabilitação do olfato encontram-se descritos na Tabela 4.
Tabela 4 Resultado dos questionários sobre a acuidade olfatória pré e pós-reabilitação do olfato (n=45)
Variável | Pré n (%) | Pós n (%) | Diferença absoluta entre pós e pré- reabilitação do olfato n (%) |
---|---|---|---|
Como você considera seu olfato nesse momento? Ruim Razoável Bom Muito bom |
14 (31,1) 19 (42,2) 12 (26,7) 0 (0,00) |
0 (0,00) 8 (17,8) 29 (64,4) 8 (17,8) |
-14 (-31,1) -11 (-24,4) 17 (37,7) 8 (17,8) |
Como você considera seu paladar nesse momento? Ruim Razoável Bom Muito bom |
3 (6,7) 16 (35,6) 21 (46,7) 5 (11,1) |
0 (0,00) 6 (13,3) 24 (53,3) 15 (33,3) |
-3 (-6,7) -10 (-22,3) 3 (6,6) 10 (22,2) |
Com que frequência você consegue sentir o cheiro dos perfumes? Não sinto nunca Sinto às vezes Sinto quase sempre Sinto sempre |
8 (17,8) 15 (33,3) 8 (17,8) 14 (31,1) |
0 (0,00) 9 (20,0) 8 (17,8) 28 (62,2) |
-8 (-17,8) -6 (-13,3) 0 (0) 14 (31,1) |
Com que frequência você consegue sentir o cheiro dos alimentos? Não sinto nunca Sinto às vezes Sinto quase sempre Sinto sempre |
8 (17,8) 21 (46,7) 10 (22,2) 6 (13,3) |
0 (0,00) 10 (22,2) 14 (31,1) 21 (46,7) |
-8 (-17,8) -11 (-24,5) 4 (8,9) 15 (33,4) |
Com que frequência você consegue sentir o cheiro de gás vazando? Não sinto nunca Sinto às vezes Sinto quase sempre Sinto sempre |
22 (48,9) 11 (24,4) 2 (4,4) 10 (22,2) |
5 (11,1) 10 (22,2) 4 (8,9) 26 (57,8) |
-17 (-37,8) -1 (-2,2) 2 (4,5) 16 (35,6) |
Com que frequência você consegue sentir o cheiro de fumaça? Não sinto nunca Sinto às vezes Sinto quase sempre Sinto sempre |
14 (31,1) 12 (26,7) 7 (15,6) 12 (26,7) |
2 (4,4) 6 (13,3) 9 (20,0) 28 (62,2) |
-12 (-26,7) -6 (-13,4) 2 (4,4) 16 (35,5) |
Você tem alguma dificuldade em sua vida diária devido à alteração na percepção dos cheiros? Não tenho nenhuma dificuldade Tenho poucas dificuldades Tenho algumas dificuldades Tenho muitas dificuldades |
25 (55,6) 9 (20,0) 5 (11,1) 6 (13,3) |
35 (77,8) 10 (22,2) 0 (0,00) 0 (0,00) |
10 (22,2) 1 (2,2) -5 (-11,1) -6 (-13,3) |
Alguma coisa mudou em sua vida após a reabilitação do olfato? Não Sim |
___ | 6 (13,3) 39 (86,7) |
___ |
Nos questionários sobre a acuidade olfatória pré e pós-reabilitação do olfato, os resultados sugerem uma melhora na frequência da percepção com relação ao olfato, paladar e à capacidade de sentir cheiros dos perfumes, alimentos, gás vazando e fumaça, após o aprendizado da manobra.
Em relação às dificuldades na vida diária dos laringectomizados totais em decorrência das alterações olfatórias, 22,2% dos indivíduos que referiam dificuldades antes da reabilitação do olfato passaram a não relatar nenhuma dificuldade, após a intervenção.
Entre os participantes que relataram alguma mudança em suas vidas após a reabilitação do olfato, a grande maioria apontou a melhora do olfato como a maior modificação ocorrida. No entanto, alguns indivíduos referiram também a melhora do paladar e maior autoestima com as mudanças percebidas.
As respostas do questionário de acompanhamento, aplicado na terceira e sexta semanas, revelaram que todos os participantes treinaram a NAIM, sugerindo uma total adesão à reabilitação do olfato. Observou-se que um maior número de pacientes (68,8%) relatou usar diariamente a manobra na sexta semana, quando comparado à terceira (37,7%), sugerindo que a sessão realizada na terceira semana foi importante para que o paciente pudesse sistematizar o treino da manobra, incluindo-o na sua vida diária. Poucos participantes relataram apresentar dificuldades na execução da NAIM na terceira e sexta semanas, 20,0% e 4,4%, respectivamente, possivelmente pelo fácil e rápido aprendizado da técnica (Tabela 5).
Tabela 5 Frequência de treinamento da NAIM e dificuldades na execução da técnica na 3ª e 6ª semanas de reabilitação do olfato (n=45)
Variável | 3ª semana n (%) | 6ª semana n (%) |
---|---|---|
Você treinou a técnica de direcionamento do ar para o nariz? Não Sim |
0 (0,0) 45 (100) |
0 (0,0) 45 (100) |
Com que frequência você treinou a técnica de direcionamento de ar para o nariz? Treinei <=1 vez por semana Treinei poucas vezes na semana Treinei quase todos os dias Treinei diariamente |
1 (2,2) 13 (28,8) 14 (31,1) 17 (37,7) |
0 (0,0) 5 (11,1) 9 (20,0) 31 (68,8) |
Você teve alguma dificuldade em realizar a técnica de direcionamento do ar para o nariz? Não Sim |
36 (80,0) 9 (20,0) |
43 (95,5) 2 (4,4) |
Legenda: NAIM- Nasal Airflow Inducing Maneuver
As médias dos escores total e composto obtidos na avaliação do UW-QOL, embora já indicassem uma boa qualidade de vida antes mesmo da intervenção, apresentaram valores maiores, estatisticamente significantes após a reabilitação do olfato (p valor =0,000 para ambos). Os domínios que apresentaram as médias mais altas e com valores estatisticamente significantes foram paladar, fala e saliva (Tabela 2).
Em relação aos domínios subjetivos do questionário de qualidade de vida UW-QOL, as frequências desses domínios não apresentaram diferenças significativas entre os momentos pré e pós a intervenção, 69,4% dos laringectomizados totais classificaram sua qualidade de vida como melhor ou igual ao período anterior ao surgimento do câncer antes da reabilitação do olfato e 77,5%, após. Em relação à qualidade de vida relacionada à saúde, 73,5% consideraram-na entre boa, muito boa ou excelente nos últimos sete dias, antes e após a intervenção. Com relação à qualidade de vida em geral, antes da reabilitação, 79,6% dos pacientes classificaram-na de boa a excelente e 71,4%, após a reabilitação.
O presente estudo analisou a acuidade olfatória de 45 laringectomizados totais antes e após a reabilitação do olfato, realizada através do uso da manobra conhecida como Nasal Airflow- Inducing Manauver (NAIM), e o impacto dessa intervenção na qualidade de vida desta população.
As características da população estudada encontram-se de acordo com a prevalência mundial de câncer de laringe(20), visto que a maioria da amostra é composta por homens, com idade superior a 60 anos, tabagistas e etilistas e com baixa escolaridade.
A alteração na percepção olfatória após a laringectomia total é uma consequência dessa cirurgia(12,21).
Entre os participantes, 95,7% apresentaram algum grau de alteração na percepção olfatória. A alta prevalência dessa alteração, encontrada na população estudada, corrobora com dados prévios(2,21,22).
Até o início dos anos 2000, pouca atenção havia sido dada às alterações olfatórias em laringectomizados totais, embora as pesquisas demonstrassem uma alta prevalência dessas alterações(13).
Objetivando a restaurauração do fluxo aéreo nasal após a laringectomia total e com isso o olfato, foi elaborado um dispositivo chamado de Larynx Bypass(14). Esse aparato consiste em um tubo que conecta o traqueostoma à boca do paciente, possibilitando a respiração através do nariz novamente(22). Estudos atestaram que a técnica mostrou uma melhora na percepção olfatória de laringectomizados totais(14,23), no entanto a funcionalidade do dispositivo tem sido questionada, já que seu uso requer um aparato pouco prático e artificial, sendo um tanto problemático para ser utilizado na vida diária do paciente(15,22-24).
A Nasal Airflow-Inducing Maneuver mostrou ser uma técnica de fácil e rápida aprendizagem, sem a necessidade de dispositivos, não invasiva, de baixo custo e com o objetivo de restabelecer o fluxo aéreo nasal, melhorando assim o olfato(4,15).
Diversos estudos foram realizados a partir da utilização da NAIM e confirmaram os resultados positivos do uso dessa técnica na melhora da acuidade olfatória(2,5,10,22).
Para avaliar o olfato dos participantes antes e após a intervenção, foi escolhido o Teste de Identificação do Olfato da Universidade da Pensilvânia (UPSIT). Esse teste é mundialmente utilizado, inclusive considerado padrão-ouro na avaliação olfatória(8,25), no entanto nunca foi utilizado com a população de laringectomizados totais, não existindo resultados prévios para comparação.
Esta pesquisa identificou um aumento estatisticamente significante (p valor=0,000) do escore de classificação do olfato no UPSIT após a prática da NAIM, indicando uma melhora na percepção olfatória dos laringectomizados totais. O escore médio inicial era de 17,87, o que é considerado baixo, de acordo com a classificação do teste. O escore médio após intervenção subiu para 29,24, que representa microsmia moderada. Tal resultado ratifica os estudos prévios(2,5,10,15,26,27).
Houve modificação na percepção olfatória de um número considerável de pacientes, com aumento da porcentagem de indivíduos capazes de perceber alguns cheiros. Isso pôde ser notado observando-se a redução do número de indivíduos classificados na categoria anosmia e consequente aumento dos pacientes incluídos nas outras categorias (microsmias e normosmia).
O estudo realizado por Hilgers et al.(15), mostrou que apenas uma sessão de terapia foi suficiente para que o paciente pudesse aprender a utilizar a manobra. No entanto, uma avaliação a longo prazo demonstrou que nem todos que aprenderam a manobra eram capazes de realizá-la adequadamente(27). Sendo assim, estudos posteriores utilizaram programas de reabilitação mais intensos, com um número maior de sessões(5,23,26), a fim de garantir a manutenção dos resultados a longo prazo.
O presente estudo demonstrou que, com apenas duas sessões de treinamento da manobra, grande parte dos pacientes não apresentou dificuldades na sua execução e a prática frequente levou a uma melhora na percepção olfatória desses indivíduos. O uso do manômetro, uma ferramenta barata, simples e que permite um biofeedback ao paciente, durante as sessões de treinamento, auxiliou no aprendizado correto da manobra. A importância do uso do manômetro foi descrito anteriormente na literatura(2,15,22).
Tendo em vista o perfil socioeconômico e demográfico da população estudada, o número reduzido de sessões necessárias para obter resultados satisfatórios é um aspecto positivo para a prática clínica neste país, pois favorece a adesão e reduz possíveis custos com o deslocamento dos pacientes.
A grande adesão à reabilitação do olfato identificada possivelmente contribuiu para a melhora da percepção olfatória nessa população, assim como a frequência semanal de execução da técnica, que com o passar das semanas ficou mais intensa. Na terceira semana, 37,7% treinaram diariamente e, na sexta semana, essa porcentagem aumentou para 68,8%.
Em relação às dificuldades relativas à execução da manobra, na terceira semana, 20,0% apresentaram alguma dificuldade na execução, como a incoordenação dos movimentos da mandíbula e da língua, já, na sexta semana, apenas 4,4% mantiveram essa dificuldade. A literatura mundial sugere que a correta execução da manobra depende do treinamento regular e intensivo, o que garante a melhora olfatória e a manutenção dos efeitos a longo prazo(5,9,26,27).
A melhora da percepção olfatória após a intervenção, também pôde ser observada na comparação dos resultados dos questionário sobre a acuidade olfatória antes e após a reabilitação do olfato. A utilização de questionários semiestruturados para avaliar o olfato dos participantes é uma prática realizada por outros pesquisadores e leva em conta a opinião dos participantes(2,3,9,26).
A percepção do paladar também é afetada após a laringectomia total. As alterações decorrentes desta intervenção, como a interrupção do fluxo aéreo nasal, as modificações do epitélio olfatório e os efeitos da radioterapia, são algumas das hipóteses dessa alteração(2,4,12,21).
Embora não tenha sido incluída no estudo, uma avaliação específica do paladar, nos questionários sobre a acuidade olfatória, havia uma pergunta sobre como o participante considerava seu paladar. Foi observada melhora na percepção do paciente com relação ao seu paladar, a partir do uso da NAIM. Houve um aumento do número de laringectomizados nas categorias bom e muito bom. Estudos realizados previamente também mostraram resultados semelhantes(2,26).
Sabe-se que a alteração na percepção olfatória ocasiona ao laringectomizado total dificuldades nas atividades de vida diária, como na detecção de comida estragada, possível vazamento de gás, cheiro de fumaça, na percepção do próprio cheiro corporal, problemas no preparo dos alimentos e até mesmo para alimentar-se. Essas alterações podem expor os pacientes a situações de risco e muitas vezes geram insegurança e até mesmo o isolamento social(2,15).
Esse estudo mostrou uma diminuição da frequência de dificuldades na vida diária relatadas pelos participantes após a reabilitação do olfato. A grande maioria dos pacientes (86,7%) indicou algum tipo de modificação em suas vidas após a intervenção. As maiores mudanças apontadas, além da melhora do olfato, foram a melhora do paladar e da autoestima.
Diversos estudos sugerem que a melhora do olfato, através do aprendizado da NAIM, está diretamente relacionada à melhora da qualidade de vida dessa população(2,5,8-10).
No presente estudo, este índice apresentou escores altos, mesmo antes da intervenção, sendo observada melhora significativa após a reabilitação do olfato.
Embora os indivíduos submetidos à laringectomia total frequentemente indiquem uma pior qualidade de vida após tal intervenção cirúrgica(28), outros estudos indicaram uma boa qualidade de vida dessa população com o passar dos anos, confirmando os achados desta pesquisa(29,30).
A boa qualidade de vida observada nesse grupo de indivíduos pode estar associada a alguns fatores: todos os pacientes do estudo já eram reabilitados com um método de comunicação efetivo, tinham uma média de cinco anos e quatro meses de intervalo entre a cirurgia e o estudo, o que pode ter proporcionado um período para adaptações e compensações relacionadas às sequelas. Além disso, as mudanças relacionadas aos hábitos não saudáveis que interferiam em suas relações sociais e familiares anteriormente, como o tabagismo e o etilismo, e a melhora do autocuidado após a laringectomia total, podem estar associados a uma qualidade de vida satisfatória, neste grupo de pacientes.
A melhora estatisticamente significante (p< 0,001) da qualidade de vida, após a reabilitação do olfato, pode associar-se tanto ao aprimoramento da função olfatória, quanto à sensação do paciente de estar sendo cuidado e acolhido, com a valorização das suas demandas e queixas, e a possibilidade de obter melhorias em sua vida a partir dos benefícios que o aprendizado da manobra proporciona, sendo uma limitação do presente estudo.
A fim de avaliar a adesão à prática regular da NAIM e a manutenção dos resultados a longo prazo, pesquisas posteriores devem ser realizadas.
A reabilitação do olfato através da NAIM mostrou-se uma técnica bastante efetiva, de rápida e fácil aquisição, não necessitando de dispositivos e com excelentes resultados na melhoria da acuidade olfatória e da qualidade de vida desses indivíduos. Recomenda-se sua inclusão como rotina no tratamento do laringectomizado total em associação à reabilitação da comunicação e da função pulmonar imediatamente após a intervenção cirúrgica.