versão impressa ISSN 0047-2085
J. bras. psiquiatr. vol.63 no.1 Rio de Janeiro jan./mar. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/0047-2085000000006
To analyze the executive functions of elderly people with Parkinson’s (PD – with and without dementia) and Alzheimer’s disease (AD), and to compare the independence of the subjects on the activities of daily living and their performance under dual-task conditions.
This cross-sectional design study assessed 54 subjects divided into four groups: G1, formed by 11 subjects with PD; G2, formed by 10 subjects with Parkinson’s dementia; G3 consisting of 13 participants with AD; and G4, formed by 20 healthy control peers. The methodological procedures involved the analysis of prefrontal cognitive functions, the activities of daily living and the performance of the subjects under motor and cognitive dual-task conditions. Data analysis involved descriptive (mean and standard error) and inferential statistics (ANOVA with Scheffé post hoc test), assuming a significance level of 5% (p < 0.05) and a confidence interval of 95%.
The prefrontal cognitive functions showed significant differences between groups, especially in comparison involving G2 and G3 with G1 and G4 (p = 0.001). The groups with cognitive decline had presented poorest performance in carrying out the activities of daily living, with worst score of G2, where it has the association of motor and cognitive deficits (p = 0.001). In situations of dual-task, G2 and G3 showed inferior performance than the other groups.
Prefrontal cognitive disorders negatively affect the functional activities and psychomotor skills of individuals. When not associated to dementia, PD patients have showed prefrontal scores and functional independence similar to healthy elderly.
Key words: Parkinson disease; Alzheimer disease; executive function; motor activity
O aumento da expectativa de vida da população, associado a índices crescentes de qualidade de vida, gera, como desfecho, maior longevidade da sociedade moderna. O perfil nosológico das afecções relacionadas ao envelhecimento humano envolve características crônicas, predominantemente de origem cardiovascular, e altamente incapacitantes. As afecções neurodegenerativas, comumente catalogadas na doença de Parkinson (DP) e na demência do tipo Alzheimer (DA), são menos frequentes, mas, em virtude de sua incidência crescente com a idade e da exclusão social associada, têm grande importância1.
Ainda que a DP seja caracterizada como uma afecção primariamente subcortical (substância negra mesencefálica), com manifestações inicial e predominantemente motoras, e a DA apresente comprometimento primariamente cortical (sistema entorrinal-hipocampal e neocortical), com predomínio de alterações cognitivas e psíquico-comportamentais, ambas são doenças graves que oneram o paciente e seus familiares, terminando por comprometer a realização de tarefas cotidianas dos indivíduos2.
Por isso, para a adequada funcionalidade nas atividades da vida diária, é necessária a harmonia de fatores intrínsecos e extrínsecos, como a integralidade das funções mentais e físicas dos sujeitos, em conjunto com a adaptação do corpo às variáveis ambientais confundidoras (buracos, terrenos escorregadios, inclinações etc.)3.
A atuação das funções cognitivas pré-frontais na eficácia das atividades diárias já é comprovada em estudos prévios, sobretudo quando envolve atividades cotidianas complexas4. Contudo, a sua ação vislumbrada sobre a ótica da funcionalidade e das habilidades motoras de indivíduos com doenças neurodegenerativas ainda é pouco estudada, sobretudo quando a análise envolve tarefas duplas, em que a exigência cognitiva é maior5.
Desse modo, o objetivo deste estudo foi analisar as funções executivas de idosos com DP (com e sem quadro demencial) e DA, e confrontar os escores dos participantes no que se refere às atividades funcionais da vida diária e à habilidade motora em situações de dupla tarefa.
A hipótese levantada pelos pesquisadores é a de que as funções cognitivas pré-frontais estejam comprometidas na demência de Parkinson e na DA, afetando as atividades funcionais dos sujeitos. Os autores deste estudo pressupõem que, quando submetidos à dupla tarefa, os sujeitos com DP e DA desenvolvem estratégias adaptativas diferentes, decorrentes do déficit clínico de cada condição.
Trata-se de estudo transversal formado por sujeitos de ambos os gêneros, com idade superior a 60 anos, diagnosticados com DP (grupo 1 – G1), demência na DP (grupo 2 – G2), DA (grupo 3 – G3) e controles saudáveis (grupo 4 – G4). Os critérios de inclusão adotados nesta pesquisa foram: idosos diagnosticados com DP (com e sem quadro demencial associado) entre os estágios 2 e 4 no estadiamento de Hoehn-Yar6 e com comprometimento moderado na subescala motora da Unified Parkinson’s Disease Rating Scale (UPDRS)7; idosos diagnosticados com DA, nos estágios moderado ou avançado no Escore Clínico de Demência8; e idosos eutróficos sem qualquer comprometimento neuromuscular e psíquico. Tanto o diagnóstico quanto o estadiamento clínico dos pacientes foram realizados por neurologistas e psiquiatras experientes na área.
Quanto aos critérios de exclusão, foram excluídos os sujeitos com comprometimento cognitivo grave (comprovado por avaliação clínica prévia e pontuação inferior a cinco no Miniexame do Estado Mental – MEEM9), que apresentassem disfunção osteomioarticular, amaurose congênita ou adquirida, presença de quadro vertiginoso (associado ou não ao uso medicamentoso), depressão e que não possuíssem ortostatismo e bipedestação independentes.
Após a seleção dos sujeitos, foi disponibilizada uma cópia do Termo de Consentimento, tendo sido obtida assinatura dos participantes e de seus representantes legais, nos casos envolvendo declínio cognitivo. Esta pesquisa foi aprovada por comitê de ética institucional (protocolo no 53.966).
Procedimentos metodológicos
As avaliações realizadas neste estudo envolveram a aplicação de instrumentos que analisassem as funções cognitivas pré-frontais, a habilidade motora dos sujeitos em situação de dupla tarefa e as atividades funcionais da vida diária. Todos os pacientes foram avaliados no estado on da medicação.
A avaliação das funções cognitivas pré-frontais dos participantes envolveu: 1) Montreal Cognitive Assessment (MoCA)10, desenvolvido como um instrumento de rastreio cognitivo que acessa diferentes domínios, como atenção e concentração, funções executivas, memória, linguagem, habilidades visoconstrutivas, conceituação, cálculo e orientação; 2) Teste de Fluência Verbal Semântica (TFVS)11, que abrange habilidades de memória semântica, linguagem e funções executivas; e 3) Bateria de Avaliação Frontal (BAF)12, compreendendo seis subtestes que avaliam a formação de conceitos, programação motora, controle inibitório e autonomia.
Para avaliação da habilidade motora em situações de dupla tarefa, foi utilizado o teste Timed Get Up and Go (TUG)13,14, aplicado: 1º) de forma convencional, em que o sujeito levanta-se de uma cadeira, anda 3 metros e volta à mesma cadeira; 2º) sensibilizado com dupla tarefa motora, em que o participante realiza a atividade carregando na mão dominante um copo repleto de água; e 3º) dupla tarefa cognitiva, em que o sujeito realiza a tarefa associada à contagem numérica ímpar progressiva. Nesse teste foram contabilizados o número de passos e o tempo gasto para realizar as tarefas.
No que se refere à avaliação das atividades funcionais da vida diária dos participantes, utilizamos a Escala de Autopercepção do Desempenho em Atividades de Vida Diária (EA)15, a Escala de Atividades de Vida Diária de Katz (EK)16 e o Índice de Pfeffer (IP)17, respondido pelo próprio participante ou pelo familiar cuidador, nos casos envolvendo declínio cognitivo. Por meio de tais instrumentos, foi possível verificar o grau de independência dos participantes na realização das atividades básicas e instrumentais da vida diária. Todas as avaliações foram realizadas no período matutino, respeitando local pertinente aos participantes. Para evitar efeitos do cansaço, foi disponibilizado o período de descanso que o participante julgasse necessário para realizar as atividades.
A análise estatística envolveu procedimentos descritivos (média, erro-padrão e análise percentual) e inferenciais. A comparação entre grupos deu-se pelo teste de análise de variâncias seguido pelo pós-teste de Scheffé, tendo sido contemplados os critérios paramétricos de normalidade e homogeneidade de variâncias. Para todas as análises, foi considerado nível de significância de 5%, sob um intervalo de confiança de 95%.
Este estudou abordou um total 109 potenciais participantes. Por causa de incapacidade motora e declínio cognitivo grave, 50,46% dos sujeitos não foram incluídos (n = 55), perfazendo uma amostra final de 54 sujeitos.
A amostra final foi composta por idosos de ambos os gêneros (31 homens e 23 mulheres), com amplitude de idade entre 62 e 92 anos e escolaridade variando desde não letramento até ensino superior completo. As características sociodemográficas dos participantes encontram-se descritas na tabela 1.
Tabela 1. Características sociodemográficas da amostra
Variáveis | G1 | G2 | G3 | G4 | p |
---|---|---|---|---|---|
Tamanho amostral | 11 | 10 | 13 | 20 | 0,218 |
Gênero | |||||
Masculino | 8 | 6 | 7 | 10 | 0,770 |
Feminino | 3 | 4 | 6 | 10 | 0,172 |
Escolaridade | |||||
Analfabetismo | 0 | 2 | 1 | 0 | 0,896 |
Ensino primário | 2 | 4 | 10 | 13 | 0,012 |
Ensino fundamental | 5 | 4 | 2 | 3 | 0,699 |
Ensino médio | 1 | 0 | 0 | 4 | 0,277 |
Ensino superior | 3 | 0 | 0 | 0 | 0,572 |
Idade (anos) | 74,27 ± 2,58 | 75,70 ± 2,58 | 75,38 ± 2,19 | 74,10 ± 1,56 | 0,957 |
MEEM (pontos) | 25,00 ± 0,82 | 17,60 ± 1,52 | 16,84 ± 1,58 | 23,42 ± 1,11 | 0,001 |
G1: grupo doença de Parkinson; G2: grupo demência de Parkinson; G3: grupo demência de Alzheimer; G4: grupo controle; MEEM: Miniexame do Estado Mental.
As análises transversais evidenciaram semelhança entre os grupos quanto a tamanho amostral (X2 = 4,51; p = 0,218), distribuição de gênero (X2 = 1,13; p = 0,770 para a proporção de homens; e X2 = 5,00; p = 0,172 para a proporção de mulheres), escolaridade (X2 = 0,60; p = 0,896 para a proporção de iletrados; X2 = 1,43; p = 0,699 para a proporção de participantes com ensino fundamental; X2 = 3,85; p = 0,277 para a promoção de sujeitos com ensino médio; e X2 = 2,00; p = 0,572 para a proporção de pessoas com ensino superior completo) e idade (F = 0,10; p = 0,957). Foi constatada diferença entre os grupos apenas para a proporção de pessoas com ensino primário entre os grupos (X2 = 10,8; p = 0,012), havendo maior concentração de tais sujeitos no G3 e G4.
Quanto ao escore do MEEM, a ANOVA indicou diferença significativa entre os grupos (F = 8,56; p = 0,001), evidenciando, pelo pós-teste de Scheffé, diferença nas comparações entre G1 e G2 (p = 0,005; 95% IC = 1,81 e 12,99), G1 e G3 (p = 0,001; 95% IC = 2,91 e 13,39), G2 e G4 (p = 0,028; 95% IC= -10,35 e -0,44), e entre G3 e G4 (p = 0,04; 95% IC = -10,71 e -1,59). A análise aos pares comprovou que não houve diferença significativa quanto ao escore do MEEM entre os grupos G1 e G4 (p = 0,687; 95% IC = -2,80 e 6,80) e entre G2 e G3 (p = 0,982; 95% IC = -4,63 e 6,13).
A figura 1 revela os escores obtidos pelos sujeitos nos instrumentos MoCA, BAF e TFVS. A análise vislumbrou diferença significante entre os grupos para MoCA (F = 13,14; p = 0,001), FAB (F = 10,5; p = 0,001) e TFVS (F = 7,75; p = 0,001).
Para o MoCA, houve diferenças na comparação aos pares envolvendo G1 e G2 (p = 0,001; 95% IC = 5,92 e 18,24), G1 e G3 (p = 0,001; 95% IC = 4,48 e 16,03), G2 e G4 (p = 0,001; 95% IC = -13,85 e -2,94), e entre G3 e G4 (p = 0,009; 95% IC = -11,59 e -1,55). Não houve diferença significativa nos valores do MoCA para os grupos G1 e G4 (p = 0,263; 95% IC = -1,61 e 8,97) e G2 e G3 (p = 0,846; 95% IC = -7,75 e 4,10). Em relação à BAF, a diferença envolveu as seguintes comparações: G1 e G2 (p = 0,001; 95% IC = 3,34 e 12,28), G1 e G3 (p = 0,002; 95% IC = 1,87 e 10,25), G2 e G4 (p = 0,001; 95% IC = -10,06 e -2,14) e G3 e G4 (p = 0,013; 95% IC = -7,99 e -0,71). Não houve diferença significativa de valores entre G1 e G4 (p = 0,640; 95% IC = -2,13 e 5,54) e entre G2 e G3 (p = 0,704; 95% IC = -6,04 e 2,55). Quanto ao TFVS, as diferenças se estabeleceram entre G1 e G3 (p = 0,026; 95% IC = 0,41 e 8,78), G2 e G4 (p = 0,047; 95% IC = -7,95 e -4,14) e G3 e G4 (p = 0,001; 95% IC = -9,97 e -2,69). Não houve diferença estatisticamente significante entre G1 e G2 (p = 0,538; 95% IC = -2,20 e 6,73), G1 e G4 (p = 0,628; 95% IC = -5,57 e 2,10), e entre G2 e G3 (p = 0,480; 95% IC = -1,96 e 6,63).
A tabela 2 registra os valores dos grupos, de acordo com a aplicação das escalas da vida diária. A análise transversal apontou diferença estatisticamente significativa entre os três grupos para EA (F = 5,04; p = 0,004), EK (6,63; p = 0,001) e IP (F = 5,316; p = 0,003).
Tabela 2. Avaliação dos grupos segundo as atividades da vida diária
Escalas | G1 | G2 | G3 | G4 | p |
---|---|---|---|---|---|
EA | 120,27 ± 10,12 | 85,90 ± 13,10 | 129,23 ± 8,23 | 126,05 ± 4,66 | 0,004 |
EK | 5,63 ± 0,20 | 4,40 ± 0,61 | 5,84 ± 0,10 | 5,89 ± 0,72 | 0,001 |
IP | 4,09 ± 1,88 | 8,90 ± 2,02 | 12,00 ± 2,94 | 3,15 ± 0,86 | 0,003 |
EA: Escala de Autopercepção do Desempenho em Atividades de Vida Diária; EK: Escala de Atividades de Vida Diária de Katz; IP: Índice de Pfeffer; G1: grupo doença de Parkinson; G2: grupo demência de Parkinson; G3: grupo demência de Alzheimer; G4: grupo controle.
Na análise pareada da EA, observou-se diferença estatisticamente significativa entre G2 e G3 (p = 0,007; 95% IC = -77,17 e -9,48) e G2 e G4 (p = 0,004; 95% IC = -73,01 e -10,68). Houve tendência de significância na comparação entre G1 e G2 (p = 0,058; 95% IC = -0,78 e 69,53) e não houve diferença nas comparações envolvendo G1 e G3 (p = 0,888; 95% IC = -41,92 e 24,01), G1 e G4 (p = 0,912; 95% IC = -37,68 e 22,72) e entre G3 e G4 (p = 0,999; 95% IC = -27,18 e 30,14).
Sobre a comparação aos pares envolvendo a EK, o pós-teste evidenciou diferença entre G2 e G1 (p = 0,019; 95% IC = -2,30 e -0,17), G2 e G3 (p = 0,003; 95% IC = -2,47 e -0,41) e G2 e G4 (p = 0,001; 95% IC = -2,44 e -0,55). Entretanto, não houve diferença significativa nas comparações envolvendo G1 e G3 (p = 0,945; 95% IC = -1,21 e 0,79), G1 e G4 (p = 0,871; 95% IC = -1,18 e 0,65) e G3 e G4 (p = 0,998; 95% IC = -0,92 e 0,81).
Por fim, sobre o IP, observou-se diferença entre grupos apenas para as comparações G3 e G1 (p = 0,036; 95% IC = 0,39 e 15,42) e G3 e G4 (p = 0,003; 95% IC = 2,46 e 15,53). As demais comparações, envolvendo os grupos G1 e G2 (p = 0,390; 95% IC = -12,82 e 3,20), G1 e G4 (p = 0,975; 95% IC = -5,79 e 7,97), G2 e G3 (p = 0,710; 95% IC = -10,81 e 4,61) e G2 e G4 (p = 0,135; 95% IC = -1,20 e 13,00), não apresentaram diferença significativa na análise em pares.
Para verificar a funcionalidade motora nos participantes, os dados foram analisados sob um desenho transversal (com a comparação entre grupos obtidos nos escores do teste normal, com dupla tarefa motora e dupla tarefa cognitiva) e longitudinal, ao se analisarem os valores condizentes das três situações, isoladas em cada grupo. As figuras 2 e 3 contêm os escores obtidos pelos grupos segundo o tempo da tarefa e o número de passos nas três situações.
Quanto à análise transversal da variável número de passos, houve diferença entre grupos na realização do teste normal (F = 7,123; p = 0,001), na dupla tarefa motora (F = 9,26; p = 0,001) e na dupla tarefa cognitiva (F = 5,75; p = 0,002). No que se refere à análise aos pares nessa variável, constatou-se diferença nas seguintes situações: 1º) no teste TUG normal: entre G2 e G1 (p = 0,006; 95% IC = 5,43 e 41,11), entre G2 e G3 (p = 0,001; 95% IC = 3,98 e 38,32) e entre G2 e G4 (p = 0,001; 95% IC = 10,93 e 42,56); 2º) na dupla tarefa motora: entre G2 e G1 (p = 0,002; 95% IC = 6,51 e 37,07), entre G2 e G3 (p = 0,003; 95% IC = 5,52 e 34,94) e entre G2 e G4 (p = 0,001; 95% IC = 12,85 e 39,94); 3º) na dupla tarefa cognitiva: entre G2 e G1 (p = 0,013; 95% IC = 35,83 e 65,05), entre G2 e G3 (p = 0,016; 95% IC = 4,78 e 61,78) e entre G2 e G4 (p = 0,001; 95% IC = 13,10 e 65,59).
No tocante ao tempo necessário para execução da tarefa, também ficou evidenciada diferença entre grupos nas situações normal (F = 4,136; p = 0,011), de dupla tarefa motora (F = 5,472; p = 0,02) e de dupla tarefa cognitiva (F = 6,166; p = 0,001). Acerca da análise aos pares, comprovou-se diferença estatisticamente significante nas seguintes situações: 1º) no teste TUG normal: entre G2 e G3 (p = 0,041; 95% IC = 0,58 e 37,59) e entre G2 e G4 (p = 0,007; 95% IC = 4,71 e 38,79); a análise entre G2 e G1 apontou tendência de significância (p = 0,065; 95% IC = -0,82 e 37,62); 2º) na dupla tarefa motora: entre G2 e G1 (p = 0,036; 95% IC = 0,91 e 36,79), entre G2 e G3 (p = 0,018; 95% IC = 2,67 e 37,20) e entre G2 e G4 (p = 0,001; 95% IC = 7,75 e 39,54); 3º) na dupla tarefa cognitiva: entre G2 e G1 (p = 0,022; 95% IC = 2,33 e 40,59), entre G2 e G3 (p = 0,021; 95% IC = 2,45 e 39,28) e entre G2 e G4 (p = 0,001; 95% IC = 10,15 e 44,36).
As análises longitudinais dos grupos G1, G2, G3 e G4, envolvendo as situações de teste normal, dupla tarefa motora e dupla tarefa cognitiva, encontram-se na tabela 3.
Tabela 3. Intervalo de confiança refletindo análises pareadas dos grupos nas situações de teste normal, dupla tarefa motora e dupla tarefa cognitiva
Variáveis | Grupos | Normal versus DTM |
DTM versus DTC |
Normal versus DTC |
||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
95% IC | p | 95% IC | p | 95% IC | p | |||||||
Passos | G1 | -5,56 | -0,80 | 0,014 | -1,06 | 3,97 | 0,227 | -4,34 | 0,89 | 0,173 | ||
G2 | -10,17 | 6,77 | 0,661 | -41,17 | 16,77 | 0,366 | -44,16 | 16,36 | 0,326 | |||
G3 | -4,28 | 0,10 | 0,060 | -1,53 | 3,89 | 0,355 | -4,79 | 2,97 | 0,614 | |||
G4 | -7,05 | -1,42 | 0,006 | -1,57 | 7,22 | 0,192 | -4,14 | 1,32 | 0,290 | |||
Tempo | G1 | -6,32 | -0,76 | 0,017 | -2,26 | 2,08 | 0,093 | -5,17 | -2,09 | 0,001 | ||
G2 | -11,63 | 3,63 | 0,266 | -7,90 | 2,50 | 0,271 | -15,47 | 2,07 | 0,118 | |||
G3 | -6,12 | 0,30 | 0,071 | -3,67 | 1,31 | 0,316 | -8,36 | 0,18 | 0,059 | |||
G4 | -5,67 | -1,62 | 0,002 | -1,44 | 5,79 | 0,220 | -4,08 | 1,14 | 0,251 |
Normal: teste Timed Get Up and Go aplicado sem nenhum distrator; DTM: teste Timed Get Up and Go aplicado com dupla tarefa motora; DTC: teste Timed Get Up and Go aplicado com dupla tarefa cognitiva.
A evolução tecnológica, associada ao aumento da qualidade de vida dos sujeitos, tem garantido um envelhecimento cada vez mais ativo e longínquo da população mundial. As doenças crônicas classificadas como “idade-dependentes” recebem destaque, por apresentarem prevalência crescente em nosso meio18. Nossos resultados apontam que, de forma geral, os participantes com demência do tipo Parkinson apresentam maior comprometimento nas variáveis cognitivas, funcionais e motoras, em relação aos demais idosos. Diferentemente, os sujeitos com DP sem quadro demencial apresentam respostas cognitivas e funcionais semelhantes às dos idosos controles, apesar de a habilidade motora ter sido pior caracterizada na DP. Já os idosos com DA demonstraram interferência da sua condição clínica sobre todas as questões avaliativas, mas em menor grau do que na condição de DP associada a quadro demencial.
As funções cognitivas são definidas como um conjunto de funções cerebrais superiores vinculadas a atividades de atenção, percepção, memória, raciocínio, juízo, tomada de decisão, imaginação, pensamento e linguagem19. Em nosso estudo, focamos a análise cognitiva nas funções pré-frontais (executivas), por esta apresentar grande importância na habilidade de iniciar, organizar e sequenciar o comportamento humano. Como pesquisas prévias comprovam interferência da prática de exercício no aparato cognitivo e motor de idosos com DP e DA, optamos por deixar esta amostra homogênea, incluindo apenas sujeitos sedentários e que não realizassem qualquer tipo de oficina de memória, fisioterapia, musicoterapia ou terapia correlata20,21.
Na variável cognitiva, observamos respostas similares entre os indivíduos dos grupos G2 e G3 (ambos com comprometimento cognitivo), bem como entre os grupos G1 e G4 (ambos sem comprometimento cognitivo). Apesar de a modificação patológica mais marcante na DP ser a degeneração da pars compacta da substância negra mesencefálica, estudos recentes comprovam que o processo apoptótico sofrido nessa doença envolve lesões neuronais adjacentes aos núcleos da base e que afetam, além do tronco encefálico e do lócus cerúleo, regiões cerebrais superiores22-24.
Adicionalmente, nos resultados obtidos por meio dos instrumentos MoCA, TFVS e BAF, os pacientes dos grupos G2 e G3 apresentaram respostas similares, pois a disfunção do lobo frontal é comum em ambas as condições. Ao passo que na demência de Parkinson as alterações pré-frontais decorrem de distúrbios dopaminérgicos decorrentes de projeções da substância negra para o corpo estriado, que reduzem a atividade da alça frontoestriatal e da área tegmental ventral para a região pré-frontal do cérebro, na DA a lesão neural pré-frontal decorre de uma hipoperfusão cerebral iniciada no núcleo basal de Meynert, que, por meio de emaranhados neurofibrilares associados ao processamento anormal da proteína precursora beta-amiloide, causa situação de angiopatia amiloidal25,26.
Sobre a análise da variável cognitiva envolvendo os grupos G1 e G4, estudos apontam que mais de 50% dos pacientes com DP sem demência têm alguma forma de alteração cognitivo-comportamental, como déficits de memória, apatia, disfunções executivas, sintomas depressivos e desempenho cognitivo globalmente prejudicado27,28. Apesar do indicativo presente na literatura, é possível afirmar que a similaridade de respostas dos grupos G1 e G4 sobre os instrumentos cognitivos aplicados vislumbra que não há indícios de lesões pré-frontais no G1.
As atividades da vida diária, classificadas como básicas quando envolvem situações de autocuidado (por exemplo, alimentar-se, banhar-se e vestir-se) e como instrumentais quando relacionam tarefas cotidianas mais complexas (por exemplo, realizar compras, atender telefone e utilizar meios de transporte), foram avaliadas e confrontadas29. Em relação aos instrumentos aplicados, é importante dizer que o EK concentra sua avaliação nas atividades básicas, o IP envolve atividades instrumentais e a EA abrange ambas as atividades: básicas e instrumentais.
Pelos resultados obtidos na avaliação das atividades básicas, constatou-se que o grupo de pacientes com demência de Parkinson apresentou pior rendimento que os demais grupos, demonstrando importante interferência do declínio cognitivo-motor na realização das atividades básicas da vida diária. Os escores dos pacientes com DA e DP sem demência, apesar de indicarem maior dificuldade destes do que dos participantes do grupo controle, não constituíram diferença significante. Esse achado pode ser explicado pelo fato de as atividades básicas exigirem menor ativação das funções cognitivas pré-frontais do que as atividades instrumentais da vida diária – sendo estas últimas utilizadas até mesmo no rastreio de quadros demenciais30. Assim sendo, é possível inferir que os instrumentos de avaliação das atividades básicas talvez não tenham sido tão sensíveis quanto às escalas que mensuram as atividades instrumentais.
Especificamente no que tange às atividades instrumentais, o grupo G3 apresentou pior comprometimento em relação aos participantes dos demais grupos. Conquanto esperássemos resultados semelhantes do grupo de pacientes com demência de Parkinson (G2), acreditamos que o maior erro-padrão desse grupo pode ter influenciado nessa variável, traduzindo uma heterocedasticidade dos resultados. Mesmo assim, é fundamental reforçar que os escores do IP foram sensivelmente maiores no G2 e G3, indicando uma associação direta do declínio cognitivo com o declínio funcional31.
Sobre a associação de declínio cognitivo e a perda da independência do sujeito na realização das atividades do dia a dia, Rajan et al.32 observaram que houve declínio constante na realização das atividades básicas e instrumentais da vida diária dos idosos nos anos subsequentes à avaliação inicial, associado à diminuição de escore cognitivo deles. Esse fato revela importante associação entre ambas as variáveis, mas não deixa claro o proeminente fator causal: se foi o declínio funcional que potencializou o declínio das funções cognitivas ou se foi o déficit cognitivo que acelerou o declínio da funcionalidade em idosos.
Ainda em relação à discussão anterior, tendo em vista os resultados de pior desempenho funcional encontrados nos grupos com comprometimento cognitivo (G2 e G3) e os valores similares de funcionalidade encontrados nos grupos sem comprometimento cognitivo (G1 e G4), é possível inferir que o declínio cognitivo, presente na DA e na demência de Parkinson, exerceu maior interferência nas atividades funcionais da vida diária do que distúrbios motores, como a DP, que apresentou resultados próximos aos dos idosos controles. De qualquer forma, as dificuldades que os pacientes apresentam ao realizar as atividades cotidianas – sejam elas instrumentais ou básicas – são graves, pois podem causar isolamento e exclusão social deles, interferindo na sua qualidade de vida33.
A habilidade motora dos sujeitos envolvendo tarefas cotidianas simples promove importante ativação da área motora primária do cérebro (giro pré-central), necessária para realização da tarefa, e pouca ativação das funções cognitivas pré-frontais. Já as atividades mais complexas, por envolverem a necessidade de planejamento, sequenciamento e execução do movimento, causam maior ativação das funções executivas34. Nosso estudo comprovou que tanto na situação envolvendo atividade motora simples (TUG aplicado sem nenhum distrator) quanto na atividade motora mais complexa (TUG aplicado em situações de dupla tarefa), o grupo de pacientes com comprometimento cognitivo-motor (demência de Parkinson) apresentou pior rendimento na execução das atividades, seguido pelo grupo de pacientes com DA e DP. O grupo controle, formado por idosos saudáveis, pouco sofreu influência do teste quando submetido à situação de dupla tarefa, qualquer que fosse o distrator.
Ao constatar comprometimento funcional maior do grupo de pacientes com demência de Parkinson, seguidos pelos sujeitos com DA e DP, observou-se resposta similar à encontrada por Giovannetti et al.35. Para esses autores35, pacientes com doenças neurodegenerativas apresentam erros funcionais constantes, classificados como “erros de omissão”, em que a resposta motora é tardia, e “erros de comissão”, em que a resposta motora é incorretamente executada, vindo a ter grande prejuízo de qualidade de momento e risco aumentado de quedas.
Ainda comparando com outros trabalhos, o presente estudo corrobora os achados clínicos obtidos previamente, ao indicar que pacientes com quadro de demência na DP apresentam maior prejuízo do desempenho motor quando comparados a pacientes com DP sem demência36. As alterações motoras encontradas nesses pacientes justificam o comprometimento na postura e equilíbrio e interferem diretamente nas atividades funcionais que são realizadas durante a bipedestação37.
Por fim, cabe destacar que, na medida em que as doenças geradoras de limitações físicas afetam a qualidade de vida dos indivíduos, ao tornarem dificultosa a realização das atividades instrumentais da vida diária, as afecções cognitivas podem não apresentar tal efeito, pois o declínio cognitivo do paciente tende a afetar a sua noção de qualidade de vida38.
Na interpretação dos resultados encontrados, deve ser levado em consideração que os participantes encontravam-se em graus moderados em ambas as enfermidades. Além disso, não incluímos casos de DA ou DP precoce, por entendermos que tais casos poderiam representar outliers perante os demais participantes.
Conquanto possa se arguir sobre o pequeno tamanho amostral, deve-se considerar a dificuldade de recrutamento dos sujeitos, bem como o fato de ambas as patologias apresentarem diagnóstico complexo, exigindo a integração da avaliação clínica com exames laboratoriais, nem sempre disponíveis. Na DA, por exemplo, o diagnóstico definitivo é realizado por meio da autópsia cerebral. Em vida, a utilização de exames de neuroimagem estrutural (volumetria do hipocampo, por exemplo) e de neuroimagem funcional (espectroscopia por ressonância magnética) auxilia no diagnóstico mais próximo do correto. Já na DP, a dificuldade do diagnóstico está em diferenciar DP idiopática das síndromes parkinsonianas secundárias ao comprometimento cerebral.
Ainda que alguns pesquisadores possam questionar possível interferência da baixa escolaridade dos sujeitos sobre os resultados, deve-se considerar que utilizamos testes cognitivos e motores amplamente utilizados na literatura e que envolvem tarefas simples e de fácil compreensão.
Apesar do alto índice de sujeitos não incluídos (considerando o total de pacientes inicialmente selecionados), optamos por tornar a amostra o mais homogênea possível, a fim de evitar a inclusão de vieses de seleção e controlar os erros tipos 1 e 2.
Este estudo observou que os distúrbios pré-frontais, presentes na demência de Parkinson e na DA, repercutem negativamente nas atividades funcionais da vida diária e nas habilidades psicomotoras dos sujeitos. Quando não vinculados a quadro demencial, os pacientes com DP apresentaram escores cognitivos pré-frontais e independência funcional semelhantes aos de idosos saudáveis.
A habilidade motora em situações de tarefas duplas encontra-se prejudicada nos pacientes com DP (com e sem quadro demencial) e DA. Por remeter à necessidade de ativação de funções executivas, pacientes com déficits cognitivos apresentam maior dificuldade na realização de tarefas duplas, em comparação com pacientes com déficits eminentemente motores. A realização de novos estudos que abordem a interferência das funções pré-frontais nas doenças neurodegenerativas é importante, sobretudo quando associados a técnicas de neuroimagem funcional.