Compartilhar

Gagueira na escola: efeito de um programa de formação docente em gagueira

Gagueira na escola: efeito de um programa de formação docente em gagueira

Autores:

Lorene Karoline Silva,
Vanessa de Oliveira Martins-Reis,
Thamiris Moreira Maciel,
Jessyca Kelly Barbosa Carneiro Ribeiro,
Marina Alves de Souza,
Flávia Gonçalves Chaves

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.28 no.3 São Paulo mai./un. 2016 Epub 04-Jul-2016

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20162015158

INTRODUÇÃO

A gagueira é um distúrbio da fluência caracterizado por rupturas involuntárias do fluxo da fala, impossibilitando, a produção da fala contínua, suave e sem esforço(1).

A gagueira pode ser classificada em três subgrupos: neurogênica, psicogênica e idiopática ou do desenvolvimento. A primeira é derivada de um dano cerebral de origem vascular ou traumática e a segunda advém da ocorrência de um evento psicológico identificável ou se associa a quadros psiquiátricos(1). Já a gagueira do desenvolvimento é definida como o resultado de uma disfunção do sistema nervoso central, com base genética, que aparece no período de aquisição e desenvolvimento da linguagem, entre 18 meses e sete anos de idade(1). Esse subtipo é encontrado em 80% dos casos de gagueira que são diagnosticados na infância, sendo que 20% destes casos se tornam crônicos(1).

A evolução da gagueira do desenvolvimento ocasiona sérias consequências na vida de uma criança, prejudicando a sua comunicação e podendo acarretar impactos psicológicos(1), gerar emoções negativas, timidez, medo relacionado à fala e ansiedade. Assim, a criança está mais exposta a erros de julgamento e, portanto, às atitudes indevidas de seus professores diante de sua dificuldade de fala(2).

As atitudes que os professores apresentam diante de um aluno com gagueira são na maioria contraditórias, ou seja, ora eles parecem auxiliar a criança com gagueira de acordo com o preconizado na literatura, e ora, embora bem intencionados, utilizam-se de atitudes inadequadas, e acabam por confirmar a gagueira na criança(3).

Sendo assim, os educadores representam um papel importante no desenvolvimento educacional de crianças com gagueira, suas atitudes podem afetar significativamente o desempenho dos alunos em sala de aula, bem como sua progressão(4). Emerge deste contexto, portanto, a participação do fonoaudiólogo educacional. Sendo fundamental para a orientação dos profissionais escolares no que se refere à elaboração de estratégias que incentivem as habilidades comunicativas dos alunos e à identificação precoce de distúrbios do desenvolvimento; no caso, a gagueira(5,6).

Nesse sentido, programas de formação docente sobre gagueira são fundamentais para a melhora da adaptação de estudantes com gagueira no ambiente escolar. Na literatura consultada, não foi localizado nenhum programa específico para a formação de docentes da educação infantil em gagueira.

Dessa forma, o objetivo do presente estudo foi verificar o que docentes de escolas públicas e privadas sabem sobre gagueira, no que se refere às características deste distúrbio da fluência e às atitudes que devem ser tomadas em relação a alunos que gaguejam. Além disso, objetivou-se verificar a eficácia do Programa de Formação Docente em Gagueira na ampliação dos conhecimentos dos educadores sobre gagueira.

MÉTODOS

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição, sob o número CAAE-14813513.5.0000.5149.

Participaram do estudo 137 educadores de ambos os gêneros, na faixa etária de 18 a 60 anos, que ministravam aula em escolas públicas e privadas de educação infantil.

Foram incluídos neste estudo os educadores que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e que responderam ao questionário Percepção Docente sobre Gagueira Infantil – PDGI, adaptado de Van Borsel(7). Foram excluídos os docentes que não responderam ao questionário na íntegra.

Os docentes foram convidados a participar por meio de cartas convites enviadas às escolas. Aqueles que concordaram em participar responderam ao PDGI na primeira fase do estudo, para verificar-se o conhecimento de docentes da educação infantil sobre gagueira. Em seguida, os docentes receberam informações sobre o Programa de Formação Docente em Gagueira (PFDG) e foram convidados a participar dos encontros, que caracterizaram a segunda fase do estudo, com um total de 75 participantes.

O PFDG é composto por dois módulos, com carga horária total de 4 horas. O programa teve duração média de dois encontros, sendo que as atividades foram realizadas de acordo com a disponibilidade de cada instituição. O PFDG utilizou Metodologias Ativas de Aprendizagem nos encontros e se valeu das seguintes estratégias: exposição dialogada, problematização, dinâmicas e oficinas. Inicialmente a problematização foi realizada a partir de vídeos com depoimentos de pessoas que gaguejam contando sobre as dificuldades apresentadas durante o período escolar. Em seguida, foi realizada a exposição dialogada, com apresentação de fundamentação teórica sobre a gagueira abordando os seguintes conteúdos: definição, etiologia, desenvolvimento, epidemiologia, diagnóstico, intervenção, atitudes que prejudicam a gagueira e atitudes que promovem a fluência. No módulo seguinte, foi realizada uma dinâmica sobre mitos e verdades relacionados à gagueira; a oficina sobre atitudes que prejudicam e promovem a fluência; e a oficina sobre situações de gagueira em sala de aula. Houve distribuição de material auxiliar sobre o conteúdo abordado. Por fim, para verificar a efetividade do programa, os educadores responderam ao mesmo questionário inicial um mês após a participação no programa.

Foram excluídos da segunda fase os docentes que faltaram a um dos encontros, ou que não responderam novamente ao questionário PDGI após participação na formação.

Os dados foram tabulados em um banco de dados desenvolvido no Excel® e analisados estatisticamente por meio do teste de McNemar (PASW 18.0) no caso de dados coletados de forma pareada (pré e pós-PFDG). Para comparação de proporções segundo o tipo de escola (particular ou pública) das diversas características avaliadas, utilizou-se o teste Quiquadrado de Pearson. Em ambos os testes foi utilizado nível de significância de 5%. Os valores estatisticamente significantes estão em negrito.

RESULTADOS

A Tabela 1 e as Figuras de 1 a 4 apresentam o conhecimento prévio dos educadores sobre as características epidemiológicas, causas da gagueira (Figura 1), características da fala das pessoas que gaguejam (Figura 2) e suas opiniões sobre as atitudes positivas (Figura 3) e negativas (Figura 4) que as pessoas podem ter na tentativa de ajudar uma pessoa que gagueja a falar melhor. De maneira geral observa-se que, antes da participação no programa, os educadores já apresentavam algum conhecimento sobre gagueira, com problemas principalmente no que se refere à causa, prevalência, características emocionais e às atitudes que favorecem a fluência.

Tabela 1 Conhecimento dos docentes da educação infantil sobre características gerais da gagueira 

f %
Você já viu ou conhece um gago? (Sim) 133 97,1
Você conhece alguém que gagueje entre seus conhecidos? (Sim) 111 81,0
Em cada 100 pessoas quantas são gagas?
1-5 41 33,3
6-10 32 26,0
11-20 21 17,1
21-30 9 7,3
31-40 6 4,9
41-50 5 4,1
51-60 2 1,6
61-70 2 1,6
71-80 3 2,4
91-100 2 1,6
Qual a idade de início da gagueira?
1-4 103 79,8
5-10 26 20,2
Se você tivesse um filho de 4 anos com gagueira, o que você faria?
Esperaria 5 3,7
Consultaria médico da família 3 2,2
Consultaria o fonoaudiólogo 126 93,3
Outra 1 0,7
Em sua opinião, a prevalência de gagueira é maior
Na infância 88 65,2
Na adolescência 20 14,8
Na fase adulta 27 20,0
A ocorrência da gagueira
É mais frequente em homens que em mulheres 62 45,3
É menos frequente em homens que em mulheres 1 0,7
Tem a mesma frequência em homens e mulheres 74 54,0
A ocorrência da gagueira
É mais frequente em canhotos que em destros 11 8,1
É menos frequente em canhotos que em destros 8 5,9
Tem a mesma frequência em canhotos e destros 116 85,9
A gagueira ocorre
Apenas em pessoas de origem caucasiana 132 97,8
Também em pessoas de outras raças 3 2,2
Em sua opinião, no gago, o nível de inteligência
É superior ao de falantes normais 6 4,4
É inferior ao de falantes normais 7 5,2
É igual ao de falantes normais 122 90,4
Considera mais grave
Usar óculos 9 7,3
Ter de usar aparelho auditivo 72 58,1
Gagueira 43 34,7
Considera menos grave
Usar óculos 87 73,7
Ter de usar aparelho auditivo 3 2,5
Gagueira 28 23,7
Gagueira pode ser tratada? 74 97,4

Figura 1 Respostas dos docentes à questão aberta sobre as causas da gagueira 

Figura 4 Opinião dos docentes da educação infantil sobre atitudes que ajudam uma pessoa que gagueja a falar melhor 

Figura 2 Opinião dos docentes da educação infantil sobre as características básicas da gagueira 

Figura 3 Opinião dos docentes da educação infantil sobre atitudes errôneas usadas na tentativa de ajudar uma pessoa que gagueja ao falar melhor 

Além das informações contidas na Figura 1, nas questões fechadas, 100 (73%) indivíduos consideraram que fatores como estresse, medo, ansiedade, insegurança, timidez e vergonha causam gagueira. Da mesma forma, 13 (9,6%) consideraram que a gagueira é contagiosa.

Com relação às características básicas da gagueira, além do exposto na Figura 2, 55 (40,1%) dos docentes acreditavam que as pessoas gagas são sempre tímidas, nervosas, introvertidas e assustadas.

Na Tabela 2, são apresentados os resultados do questionário PDGI pré e pós-PFDG. Devido ao número de questões do questionário, optou-se por apresentar apenas os resultados das comparações com diferenças estatisticamente significantes. Observa-se mudança no conhecimento dos educadores após participação no programa para grande parte dos itens investigados, principalmente quanto às características gerais do transtorno.

Tabela 2 Comparação do conhecimento dos docentes sobre a gagueira pré e pós-participação no Programa Fonoaudiológico de Formação Docente em Gagueira 

Pré-PFDG Pós-PFDG Valor-p
f % f %
Em cada 100 pessoas quantas são gagas?
1-5 17 27,0 34 54,0 0,012
6-10 19 30,2 15 23,8
11-20 11 17,5 7 11,1
21-30 2 3,2 2 3,2
31 ou mais 14 2,2 5 7,9
A gagueira
É mais frequente em homens que em mulheres 27 36,0 36 48,0 0,013
É menos frequente em homens que em mulheres 1 1,3 8 10,7
Tem a mesma frequência em homens e mulheres 47 62,7 31 41,3
A gagueira ocorre
Apenas em pessoas de origem caucasiana 66 88,0 74 98,7 0,021
Também em pessoas de outras raças 9 12,0 1 1,3
Qual a causa da gagueira?
Problemas emocionais/traumas 36 48,0 16 21,3 0,002
Hereditariedade 7 9,3 35 46,7 <0,001
Pressão familiar 1 1,3 3 4,0 0,625
Nervosismo/ansiedade 13 17,3 3 4,0 0,021
Gagueira pode ser tratada? 71 94,7 75 100,0 -
Em sua opinião, gagueira é hereditária? (Sim) 17 22,7 49 65,3 <0,001
A gagueira pode ser desencadeada por fatores:
Psicológicos 36 48,6 12 16,2 <0,001
Físico, Psicológicos e Ambientais 37 50,0 61 82,4 <0,001
Estresse, medo, ansiedade, insegurança, timidez e vergonha causam a gagueira? 55 73,3 35 46,7 0,002
Condizem a uma atitude errônea na tentativa de ajudar uma pessoa que gagueja a falar melhor: Dizer à pessoa para pensar antes de falar 33 45,1 50 68,5 0,002
Atitudes para ajudar uma pessoa que gagueja a falar melhor:
Falar para ela ter calma ao falar 28 37,3 6 8,0 <0,001
Promover um acidente de conversação não competitivo 48 64,0 70 93,3 <0,001

Legenda: PFDG= Programa de Formação Docente em gagueira; Teste de McNemar; p<0,05

Os resultados da comparação entre os educadores de escola pública e privada quanto ao conhecimento sobre gagueira são apresentados na Tabela 3. Da mesma forma que na Tabela 2, optou-se por apresentar apenas as comparações com diferenças estatisticamente significantes. De acordo com a tabela, os educadores de escolas privadas tendem a ter maior conhecimento sobre gagueira nos dois momentos de aplicação dos questionários.

Tabela 3 Comparação entre os docentes de escola pública e privada quanto ao conhecimento sobre gagueira pré e pós-participação no Programa Fonoaudiológico de Formação Docente em gagueira 

Pré-PFDG Pós-PFDG
Pública Privada valor-p Pública Privada valor-p
f % f % f % f %
Em cada 100 pessoas quantas são gagas?
1-5 15 24,6 26 41,9 0,033 29 52,7 14 60,9 0,415
6-10 13 21,3 19 30,6 11 20,0 6 26,1
11-20 12 19,7 9 14,5 7 12,7 1 4,3
21-30 6 9,8 3 4,8 5 9,1 0 0,0
31 ou mais 15 24,6 5 8,1 3 5,5 2 8,7
A ocorrência da gagueira
É mais frequente em homens que em mulheres 25 35,2 37 56,1 0,037 24 42,1 13 56,6 0,013
É menos frequente em homens que em mulheres 1 1,4 0 0,0 3 5,3 5 21,7
Tem a mesma frequência em homens e mulheres 45 63,4 29 43,9 30 52,6 5 21,7
Causas da gagueira: Hereditariedade 8 11,3 3 4,5 0,211 36 63,2 6 26,1 0,003
Em sua opinião, a gagueira é hereditária? (Sim) 18 25,4 13 19,7 0,541 30 52,6 23 100 <0,001
As pessoas gagas são sempre tímidas, nervosas, introvertidas e assustadas? (Sim) 38 53,5 17 25,8 0,001 32 56,1 10 43,5 0,218
A gagueira é caracterizada basicamente por:
Repetições de sílaba 48 67,6 55 83,3 0,047 37 64,9 20 87,0 0,059
Prolongamentos 37 52,1 51 77,3 0,002 32 56,1 20 87,0 0,010
Palavra não terminada 8 11,3 6 9,1 0,781 7 12,3 11 47,8 0,002
Revisões 3 4,2 2 3,0 1,000 2 3,5 6 26,1 0,006
Evitar situações de fala ou de palavras específicas 5 7,0 14 21,2 0,024 12 21,1 11 47,8 0,028
Movimentos associados 15 21,1 30 45,5 0,003 36 63,2 14 60,9 1,000
A gagueira pode ser desencadeada por fatores físicos 1 1,4 14 21,2 <0,001 1 1,8 2 8,7 0,197
Estresse, medo, ansiedade, insegurança, timidez e vergonha causam a gagueira 46 64,8 54 81,8 0,034 24 42,1 12 52,2 0,283

Legenda: PFDG= Programa de Formação Docente em gagueira; Teste Quiquadrado de Pearson; p<0,05

DISCUSSÃO

O presente estudo se propôs a descrever o conhecimento de docentes de escolas públicas e privadas sobre gagueira e o efeito de um programa de formação em gagueira na ampliação de tal conhecimento. O trabalho realizado concedeu informações sobre gagueira para cerca de 140 educadores da educação infantil e, se considerarmos que em média os educadores trabalham dois turnos, manhã e tarde, atendendo cerca de 40 crianças por ano, muitas crianças foram e serão beneficiadas.

Conforme descrição dos resultados, a grande maioria dos educadores já tinha visto ou conhecia alguma pessoa que gagueja, o que vai de encontro à literatura disponível(7-11), demonstrando que a gagueira é um tema conhecido, apesar de os educadores não saberem como lidar com esses indivíduos(10).

Os dados obtidos indicaram que a maioria dos entrevistados acredita ser alta a prevalência do distúrbio na população em geral. Este mesmo achado foi evidenciado em estudos anteriores(7-11). A discrepância quanto à quantidade de pessoas que gaguejam na população pode indicar um conceito errôneo quanto ao tema gagueira. A partir dessa alta prevalência, pode-se supor que a gagueira possa estar sendo confundida ou associada a outras alterações de fala e/ou às disfluências comuns, conforme descrito na literatura(6).

Os resultados demonstraram que, para a maioria dos educadores, a idade de início da gagueira é na infância, fato que vai de encontro a estudos feitos com professores(11,12) e com estudos realizados na população geral(7-9). De acordo com a literatura específica da área, a gagueira frequentemente aparece no período de aquisição da linguagem, especialmente entre 18 meses e 7 anos(1). O achado pode estar relacionado ao fato de os entrevistados serem professores da educação infantil, associando o fato à suas experiências profissionais.

Dentre os educadores investigados, a grande maioria acredita que a gagueira pode ser tratada, o que corrobora a literatura consultada(7-9,11,13). Quanto ao profissional responsável pelo tratamento, apesar de os educadores acreditarem que a gagueira é de causa emocional, a maioria deles consultaria um fonoaudiólogo caso tivesse um filho com gagueira. Este resultado está de acordo com a literatura disponível, que aponta o fonoaudiólogo como o profissional mais procurado para avaliar crianças com gagueira(4,7-11).

Quanto à influência do gênero na prevalência da gagueira, apesar de a literatura apontar que a gagueira é mais prevalente no gênero masculino(13-15), os educadores entrevistados acreditam que ou tem a mesma prevalência (54%) ou que é mais prevalente no gênero masculino (45,3%). Resultado semelhante foi encontrado em entrevistas com a população geral(7-9).

Os entrevistados acreditam que a gagueira tem a mesma frequência em canhotos e destros e que o nível de inteligência das pessoas que gaguejam é igual ao dos falantes fluentes, o que corrobora a literatura(7-9). Tal fato pode indicar uma diminuição do preconceito quanto ao grau de inteligência dos indivíduos com gagueira.

Conforme os resultados descritos, observa-se que a maioria dos indivíduos considera o distúrbio característico apenas de pessoas de origem caucasiana, o que não está de acordo com a literatura. Em estudos realizados na população geral, a maioria dos entrevistados referiu que a gagueira pode ocorrer em qualquer raça(7-9). Os resultados encontrados reafirmam a ideia da falta de conhecimento quanto à gagueira.

Quando questionados sobre a gravidade da gagueira, comparada ao ter de usar óculos ou aparelho auditivo, a gagueira ocupou a segunda posição. Este resultado se opõe ao encontrado na literatura, que aponta que a maioria dos entrevistados acredita que a gagueira é o mais grave(7-9). O presente fato pode estar relacionado com a questão da imagem negativa que o falante tem ao usar objetos como óculos e aparelho aditivo e/ou com as vivências destes indivíduos quando expostos às três situações.

De acordo com os achados sobre a etiologia, os resultados apontam que os educadores entrevistados acreditam que a causa da gagueira é traumática ou emocional; que as pessoas com gagueira são sempre tímidas, nervosas, introvertidas e assustadas; e que fatores como estresse, medo, ansiedade, insegurança, timidez, e vergonha causam a gagueira. Estes achados foram encontrados em estudos anteriores(4,7-11,16). Isso pode estar relacionado com crenças e atitudes errôneas do passado e com a falta de conhecimento destes indivíduos. A literatura aponta que os professores tendem a associar a dificuldade de comunicação de seus alunos com baixa competência(17). Essa percepção de menor competência pode, então, ser percebida pelo aluno, o que gera mais apreensão e evasão no momento da comunicação(16).

A minoria dos entrevistados acredita na hereditariedade como causa da gagueira, conforme estudos prévios(7-9). Entretanto, quando questionado em pergunta direta referente à hereditariedade da gagueira, a maioria dos educadores respondeu que a gagueira é de causa hereditária. Fato que corrobora informações fornecidas pela literatura pesquisada, a qual afirma que a herança genética é fator predisponente para a ocorrência de rupturas gagas(13,14) e que a simples existência de problemas psicológicos não se constitui como causa do distúrbio. A discrepância quanto às respostas indica que os educadores não discordam que a gagueira tenha origem genética, mas acreditam que os fatores emocionais sejam mais relevantes como causa da gagueira. Outra hipótese é que quando os educadores apontam os fatores emocionais como causas da gagueira, estejam se referindo aos fatores desencadeantes das disfluências, já que muitas pessoas referem ter piora da gagueira quando ficam nervosas.

No que se refere à tipologia das disfluências, observou-se que as respostas encontradas reafirmam a hipótese de um desconhecimento ou conceito errôneo quanto ao tema gagueira. A literatura pesquisada mostra que a gagueira é caracterizada por repetições de sons e de sílabas, prolongamentos de sons, bloqueios, pausas extensas e intrusões nas palavras, o que gera redução na velocidade de fala e descontinuidade do discurso acima do normal para a idade do falante(1). A caracterização da gagueira é de grande importância para o diagnóstico clínico(13). Nesse sentido, é fundamental que os educadores conheçam as características da fala de crianças gagas e fluentes para encaminharem corretamente as crianças que precisam de avaliação e terapia fonoaudiológica.

Quanto às atitudes que prejudicam a fluência, a resposta mais indicada pelos professores foi “dizer para a pessoa que gagueja pensar antes de falar”. Entretanto quase um terço dos falantes acredita ser inadequado “promover um padrão de fala lento e relaxado”, “encorajar a pessoa a falar” e “prestar mais atenção ao conteúdo do que a forma”. Em relação às atitudes que promovem a fluência, cerca de 70% dos professores acreditam que “promover um ambiente de conversação não competitivo” é uma atitude positiva. Estudos com educadores e pais de crianças com gagueira mostraram dificuldades quanto à forma de lidar com tais crianças(2,12). Atitudes negativas do interlocutor podem ocasionar prejuízos na habilidade de comunicação da criança com gagueira(13), sendo fundamental a abordagem de tal tópico em programas de formação para professores.

Com relação aos achados envolvendo escolas públicas e privadas, de maneira geral, as respostas fornecidas pelos educadores de escolas privadas mostraram-se mais adequadas em relação àquelas dadas pelos professores de escolas públicas. Nas escolas privadas, os educadores acreditam na baixa prevalência da gagueira na população em geral e que o distúrbio é mais frequente em homens que em mulheres. Além disso, os educadores destas instituições relataram mais adequadamente as características das pessoas que gaguejam. Quanto aos fatores causais, um dado preocupante é que cerca de 80% dos professores acreditam que medo, ansiedade, insegurança, timidez e vergonha devem ser considerados causas do distúrbio.

Os bons resultados das escolas privadas podem justificar-se pelo fato de que elas apresentam grau de capacitação e oportunidades de adquirir conhecimentos maiores que as públicas. Além disso, pode-se pensar na hipótese de que orientações fonoaudiológicas tenham sido realizadas anteriormente nas escolas de nível privado. A literatura pesquisada(18) mostra que a grande diferença entre as escolas públicas e privadas reside na formação dos professores e na disponibilidade de materiais nas escolas privadas, fato que poderia justificar algumas respostas mais adequadas ao questionário aplicado na presente pesquisa. Entretanto, outro estudo(11) afirma que não há diferença entre professores de escolas públicas e privadas com relação aos conhecimentos sobre a gagueira.

Na comparação das opiniões dos educadores antes e após o PFDG, notou-se um aumento no percentual daqueles que consideram baixa a prevalência de pessoas que gaguejam na população. Isso se deve ao maior esclarecimento do que realmente seria a gagueira, diminuindo, então, a comparação com outros distúrbios da fala. Este achado é corroborado por outro estudo(12), em que, após a realização de um programa de orientação, os professores conseguiram detectar mais facilmente os distúrbios da comunicação.

Os entrevistados passaram a relatar que a gagueira é mais frequente no gênero masculino, fato que é comprovado pela literatura(14), que indica que com o aumento de idade, a relação entre meninos e meninas pode chegar a 3,5/1.

No que se refere à raça, o aumento do número de entrevistados que afirmam que a gagueira ocorre apenas em indivíduos de origem caucasiana serve de alerta para que a forma de condução das orientações seja aperfeiçoada. Fica subentendido, com as respostas fornecidas, que crianças de outras raças, que não a caucasiana, podem passar desapercebidas quanto aos transtornos de linguagem, e haveria, assim, uma supervalorização dos transtornos na raça caucasiana ou subvalorização nas outras raças. Além disso, é importante destacar a maioria absoluta de crianças brancas nos vídeos documentais transmitidos, o que pode ter interferido no resultado, havendo também falha na clareza das informações apresentadas. Vale ressaltar que os participantes podem insistir em acreditar por não terem contato com pessoas de outras raças com gagueira.

Em relação à causa da gagueira, aumentou o número de educadores que atribuíram a hereditariedade à gagueira. Estes dados demonstram uma abordagem adequada e satisfatória quanto às causas do distúrbio de fala.

O número de indivíduos que acreditam apenas no fator psicológico como desencadeante da gagueira, bem como daqueles que consideram estresse, medo, ansiedade, insegurança, timidez e vergonha como causadores da gagueira, diminuiu. Em contraposição a isso, aumentou a somatória daqueles que acreditam na gagueira como resultado da interação entre os fatores físicos, psicológicos e ambientais. Este resultado confirma a adequação do programa proposto quanto às causas da gagueira, uma vez que demonstra o entendimento da multicausalidade do distúrbio de fala, como apontado na literatura(14,19).

A maioria dos entrevistados considera como atitude inadequada pedir para que a pessoa que gagueja pense antes de falar. Igualmente, houve uma redução considerável na quantidade de participantes que julgam adequado solicitar calma à pessoa que gagueja durante a fala. Além disso, a promoção de um ambiente de conversação não competitivo foi considerada uma atitude auxiliar durante a fala pela quase totalidade dos entrevistados. Estes resultados são de grande significância, tendo em vista que a promoção de um ambiente de conversação não competitivo se configura como a principal estratégia que os professores apresentam em sala de aula para auxiliar as crianças com gagueira. É preciso enfatizar as atitudes, para que os educadores se sintam capazes de lidar com os indivíduos com gagueira, melhorando assim a relação aluno-educador(16). A literatura(20,21) evidencia que os professores são importantes aliados para ajudar seus alunos que gaguejam a lidar com os desafios sociais relacionados a impressões negativas, distanciamento social e o bullying(22). Entretanto a falta de conhecimento pode dificultar esse relacionamento, sendo assim, observa-se que o programa foi efetivo em relação à etiologia e características da gagueira e pouco efetivo para a melhora das atitudes dos educadores. Este resultado também foi encontrado em outro estudo(11) de formação de educadores quando à gagueira.

Contudo, os programas de promoção de saúde nas escolas são de grande importância para o ambiente escolar(6,11,23), pois proporcionam o conhecimento aos profissionais que passam a maior parte do tempo em contato com crianças(11,23). Isto, por sua vez, pode gerar comportamentos e atitudes que beneficiam seus alunos, minimizando as dificuldades e diminuindo a chance da gagueira se tornar persistente(11).

CONCLUSÃO

Pode-se concluir que os educadores da educação infantil apresentam alguns conhecimentos sobre gagueira, mas insuficiente para a diferenciação dos demais distúrbios de linguagem. No que se refere ao tipo de escola, os educadores de escolas privadas possuem um conhecimento mais adequado sobre gagueira em relação aos educadores de escola pública.

O programa de formação propiciou ampliar o conhecimento em relação à gagueira, o que poderá contribuir para detecção precoce e melhor adaptação das crianças ao ambiente escolar. Entretanto, o programa mostrou-se mais efetivo para a etiologia e as características da gagueira do que para as atitudes dos educadores em relação às dificuldades das crianças gagas. Estudos futuros devem considerar um aumento na duração do programa e prever momentos para os docentes aplicarem os temas discutidos em sua prática de sala de aula, favorecendo o aprendizado das atitudes que favorecem a fluência.

Considerando a grande aceitação para o desenvolvimento do programa, bem como os resultados positivos alcançados, ressalta-se a importância do presente estudo que permitiu analisar a mudança imediata de conhecimento após o programa de formação.

REFERÊNCIAS

1 Andrade CRF. Abordagem neurolínguística e motora da gagueira. In: Fernandes FDM, Mendes BCAM, Navas ALPGP. Tratado de fonoaudiologia. 2. ed. São Paulo: Roca; 2009. p. 423-53.
2 Delagracia JD, Galvão VS. O conhecimento de mães e professores das séries iniciais sobre a gagueira de crianças em fase inicial de escolarização. Rev Inic Cient FFC. 2004;4(2):136-51.
3 Chiquetto MM. Reflexões sobre a gagueira: concepções e atitudes dos professores [dissertação]. Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina; 1996. 135 p.
4 Jenkins H. Attitudes of teachers towards dysfluency training and resources. Int J Speech-Language Pathol. 2010;12(3):253-8. . PMid:20433344.
5 Maranhão PCS, Pinto SMPC, Pedruzzi CM. Fonoaudiologia e educação infantil: uma parceria necessária. Rev CEFAC. 2009;11(1):59-66. .
6 Mendonça JE, Lemos SMA. Promoção da saúde e ações fonoaudiológicas em educação infantil. Rev CEFAC. 2011;13(6):1017-30. .
7 Van Borsel J, Verniers I, Bouvry S. Public awareness of stuttering. Folia Phoniatr Logop. 1999;51(3):124-32. . PMid:10394060.
8 Rossi JP. Conhecimento da população da cidade do Rio de Janeiro sobre gagueira [dissertação]. Rio de Janeiro: Universidade Veiga de Almeida; 2008. 46 p.
9 Fonseca NTM, Nunes RTDA. Conhecimento sobre a gagueira na cidade de Salvador. Rev CEFAC. 2013;15(4):884-94. .
10 Carlino FC, Denari FE, Costa MPR. Programa de orientação fonoaudiológica para professores da educação infantil. Distúrb Comum. 2011;23(1):15-23.
11 Celeste LC, Russo LC, Fonseca LMS. Influência da mídia sobre o olhar pedagogico da gagueira: reflexões iniciais. Rev CEFAC. 2013;15(5):1202-13. .
12 Villani V, Curriel DT, Oliveira CMC. O que pensam os professores em formação inicial sobre gagueira. Nuances. 2001;7:53-61.
13 Oliveira CMC, Souza HA, Santos AC, Cunha DS. Análise dos fatores de risco para gagueira em crianças disfluentes sem recorrência familial. Rev CEFAC. 2012;14(6):1028-35. .
14 Merçon SMA, Nemr K. Gagueira e disfluência comum na infância: análise das manifestações clínicas nos seus aspectos qualitativos e quantitativos. Rev CEFAC. 2007;9(2):174-9. .
15 Bucher C, Sommer M. What’s cause stuttering. PLoS Biol. 2004;2(2):159-63.
16 Arnold HS, Li J, Goltl K. Beliefs of teachers versus non-teachers about people who stutter. J Fluency Disord. 2015;43:28-39. . PMid:25619922.
17 McCroskey JC, Daly JA. Teacher’s expectations of the communication apprehensive child in the elementary school. Hum Commun Res. 1976;3(1):67-72. .
18 Demo P. Escola pública e escola particular: semelhanças de dois imbróglios educacionais. Ens Aval Pol Públ Educ. 2007;15(55):181-206.
19 Andrade CRF. Gagueira infantil: risco, diagnóstico e programas terapêuticos. Barueri: Pró Fono; 2006.
20 Davis S, Howell P, Cooke F. Sociodynamic relationships between children who stutter and their nonstuttering classmates. J Child Psychol Psychiatry. 2002;43(7):939-47. . PMid:12405481.
21 Langevin M. The peer attitudes toward children who stutter scale: Reliability, known groups validity, and negativity of elementary school-age children’s attitudes. J Fluency Disord. 2009;34(2):72-86. . PMid:19686884.
22 Blood GW, Blood IM. Bullying in adolescents who stutter: communicative competence and self-esteem. CICSD. 2004;31:69-79.
23 Silva LK, Labanca L, Melo EMC, Costa-Guarisco LP. Identificação dos distúrbios de linguagem na escola. Rev CEFAC. 2014;16(6):1972-9. .