versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.114 no.4 São Paulo abr. 2020 Epub 29-Maio-2020
https://doi.org/10.36660/abc.20200163
A galectina-3 (Gal-3), que agora é conhecida como um novo biomarcador, percorreu o caminho científico rigoroso da sua descoberta até a validação. Estudos experimentais e clínicos descreveram sua elevação em diversas situações, como tumores, insuficiência renal e insuficiência cardíaca.1 Sua administração causou fibrose miocárdica e insuficiência cardíaca (IC). Sua supressão ou inibição genética impediu a fibrose e a remodelamento, ou seja, a relação de causa e efeito foi comprovada.2 Níveis elevados de Gal-3 mostram um pior prognóstico, pois preveem a morte súbita. A galectina-3 foi preditora independente no curto e médio prazo de internações e de mortalidade em pacientes com IC, principalmente naqueles com insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFEP).3
O biomarcador pode auxiliar o clínico em seus impasses diagnósticos, na aferição do prognóstico e até na orientação da terapia. A ICFEP é um exemplo em que toda ajuda é bem-vinda. Múltiplas comorbidades, quadros menos típicas, especialmente em idosos e obesos, podem ser confusas. A ICFEP é uma das situações em que a Gal-3 pode auxiliar muito na confirmação diagnóstica.4
Fernandes et al.,5 apresentam um estudo de caso-controle no qual compararam 33 pacientes com pericardite constritiva crônica (PCC), predominantemente idiopática, com voluntários saudáveis. A justificativa era que a fibrose presente na PCC elevava os níveis de Gal-3 e isso estava relacionado a alterações morfológicas e funcionais típicas da PCC. Houve confirmação do diagnóstico de PCC por métodos de imagem, ecocardiografia e ressonância cardíaca, além de cirúrgicos. Foi um estudo difícil de realizar e somente foi possível em um centro de referência. Os resultados foram negativos e há inúmeras explicações possíveis. Uma amostra seletiva de pacientes com PCC idiopática é indicada pelos autores. Sabemos que a pericardite tuberculosa, que é de suma importância em áreas onde a tuberculose é endêmica, tem um curso clínico mais grave, com uma evolução comum de fibrose e constrição. A própria Gal-3 tem limitações devido à sua não-especificidade. É encontrada em processos inflamatórios e fibróticos nos pulmões, rins, fígado, pâncreas, e em pacientes com câncer, entre outros.
Historicamente, buscou-se o diagnóstico diferencial entre pericardite constritiva e cardiomiopatias restritivas através de parâmetros clínicos e laboratoriais. É plausível supor que a Gal-3 deva ser maior na segunda situação clínica, devido à magnitude do envolvimento miocárdico e intersticial. Em teoria, a Gal-3 também poderia esclarecer qual extensão do quadro clínico é devida à disfunção miocárdica nas cardiomiopatias ou restrição diastólica na pericardite constritiva. Ou seja, ainda existem inúmeras perguntas sem respostas baseadas em evidências.6
Considerando um paciente com um quadro clínico de insuficiência ventricular direita ou na investigação de ascites e valores “normais” de Gal-3, a publicação de Fernandes et al.5 permite inferir pontos a favor do diagnóstico de PCC em detrimento de cardiomiopatias restritivas ou outras doenças.
O estudo de Fernandes et al.,5 nos trouxe a novidade da medida da Gal-3 em uma situação muito específica, como a PCC. Isso mostrou claramente que não houve aumento significativo da Gal-3 ou uma associação com parâmetros morfológicos ou funcionais. A qualidade da pesquisa de Fernandes et al., aqui publicada nos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, reside não apenas em sua originalidade, mas também em seus critérios metodológicos e rigor em relação a suas conclusões. O presente estudo levanta novas questões. Haveria uma diferença entre as etiologias da PCC? Haveria aplicabilidade da Gal-3 na diferenciação com cardiomiopatias restritivas? E a utilidade das dosagens seriadas de Gal-3?
Parafraseando o Dr. Alan Maisel, um renomado pesquisador de biomarcadores em cardiologia, “o biomarcador tornará o médico ruim, pior e o bom médico, melhor”.7 Portanto, as informações agora incorporadas na literatura pelos autores serão muito úteis para nós, desde que utilizadas dentro de um sentido clínico crítico.