versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.7 Rio de Janeiro jul. 2019 Epub 22-Jul-2019
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018247.17272017
A obesidade e o sobrepeso têm crescido alarmantemente nas últimas décadas em todo o mundo, abrangendo indiscriminadamente todas as etnias, faixas etárias e grupos socioeconômicos, constituindo-se hoje um importante problema de saúde pública, com status de epidemia1. O excesso de peso representa substancial risco para o desenvolvimento de doenças debilitantes e com alto custo social, como diabetes melito tipo 22, hipertensão arterial e doenças cardiovasculares3.
Dados epidemiológicos mundiais indicavam que em 2014 mais de 1,9 bilhão de adultos apresentavam excesso de peso, dentre os quais cerca de 600 milhões eram obesos, demonstrando que em comparação à década de 1980 a prevalência de excesso de peso aumentou mais de duas vezes4. Estima-se que em 2030, o excesso de peso seja identificado em 38% da população mundial e que a obesidade afete 20% dela5.
No Brasil, segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2008-2009, a qual incluiu mais de 188 mil pessoas, o excesso de peso afeta cerca de 50% da população adulta. O diagnóstico de obesidade foi feito em 12,5% dos homens e 16,9% das mulheres adultas. Nos últimos 34 anos, o excesso de peso em adultos aumentou de 18,5% para 50,1% e de 28,7% para 48,0% em homens e mulheres, respectivamente6. Dados do VIGITEL Brasil 2015 (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico) apontaram prevalência de excesso de peso em 53,9% dos brasileiros, sendo maior nos homens em comparação às mulheres (57,6% vs. 50,8%). Relação positiva entre idade e excesso de peso foi demonstrada, bem como relação inversa entre escolaridade e excesso de peso em mulheres7.
No âmbito do trabalho, este cenário não é diferente, tendo sido observada prevalência de 28% de excesso de peso entre trabalhadores de vários países8. Estudos nacionais demonstraram prevalência de excesso de peso entre 36% dos funcionários públicos de uma Universidade9, de 53% entre trabalhadores de indústria10, de 45,4% de trabalhadores bancários11 e de 44,4% dos trabalhadores públicos municipais12.
A relação entre as características do trabalho e o ganho de peso é reconhecida10,12, mas novas investigações e abordagens com grupos laborais específicos são necessárias para se identificar as vulnerabilidades ocupacionais. A Vigilância da Saúde do Trabalhador deve ser constante e capaz de descrever o perfil de saúde da classe trabalhadora, considerando a análise da situação de saúde, a caracterização do trabalho e o perfil socioeconômico e ambiental13. Neste contexto, o objetivo do presente estudo foi avaliar as modificações do perfil nutricional dos trabalhadores de um hospital público de atenção terciária de Porto Alegre (RS) por três décadas e a associação entre estado nutricional e categoria funcional e turno de trabalho.
Estudo de coorte histórica, com coleta de dados em prontuário, realizado com os trabalhadores de um hospital público de atenção terciária de Porto Alegre, composto por 5.070 funcionários. Trata-se de uma amostra composta por todos os trabalhadores que foram admitidos nos anos de 1980, 1990 e 2000 e que ainda estivessem trabalhando no Hospital em 2013, momento em que os prontuários médicos foram acessados. No ano de 1980, 1990 e 2000 foram admitidos 229, 474 e 329 trabalhadores, respectivamente.
No momento da coleta de dados, o número e percentual de trabalhadores ativos que haviam sido admitidos em 1980, 1990 e em 2000 eram iguais a 86 (37,6%), 212 (44,7%) e 164 (49,4%), respectivamente: trabalhadores com potencial para inclusão no presente estudo. Não foram incluídos no estudo aqueles trabalhadores que não apresentaram os dados de peso corporal e de estatura registrados no exame admissional e de peso corporal em pelo menos dois periódicos a cada década, bem como gestantes.
As variáveis em estudo foram coletadas dos prontuários de cada trabalhador, disponíveis no serviço de atenção à Saúde do Trabalhador do Hospital, nos quais estão registrados dados relativos ao exame médico admissional e aos exames periódicos. Foram coletados dados sociodemográficos (cor da pele, gênero, idade, ocupação e turno de trabalho), de peso corporal e estatura. Estes últimos dados foram aferidos e registrados pelo médico do trabalho durante os exames médico admissional e periódico.
Em relação aos dados sociodemográficos, os trabalhadores foram classificados quanto à cor da pele em “brancos” ou “não-brancos” – informação autorreferida pelo trabalhador. Quanto ao turno de trabalho, foram alocados para “turno diurno” (aqueles que trabalhavam pela manhã e/ou tarde) ou “turno noturno” (aqueles que trabalhavam à noite e os plantonistas). Aqueles trabalhadores cuja atividade envolvesse contato com paciente foram classificados como “assistência” e os demais como “administrativos” para categorização do cargo ocupacional.
Para avaliação do estado nutricional foi calculado o índice de massa corporal (IMC) a partir da relação entre peso corporal (em quilogramas) e estatura (em metros) elevada ao quadrado e foram utilizados os pontos de corte propostos pela Organização Mundial de Saúde2 para sua classificação: baixo peso, IMC < 18,5 kg/m2; eutrofia, IMC entre 18,5 e 24,9 kg/m2; sobrepeso, IMC entre 25 e 29,9 kg/m2; obesidade IMC ≥ 30 Kg/m2. Foram calculados, também, o ganho de peso por década para cada funcionário.
O protocolo para realização do presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Grupo Hospitalar Conceição.
Realizou-se análise descritiva e avaliação do comportamento de distribuição das variáveis por meio do teste de normalidade Kolmogorov-Smirnov. A comparação das variáveis contínuas entre os trabalhadores admitidos em 1980, 1990 e 2000 foi realizada através do teste Anova ou Kruska-Wallis, conforme distribuição das variáveis, utilizando-se o teste de Tukey ou Dunn’s para as análises post-hoc, respectivamente. As variáveis categóricas foram comparadas pelo teste Qui-quadrado. A comparação do IMC e peso corporal aferidos no exame admissional e em cada periódico foi realizada através do teste General Linear Models para medidas repetidas, utilizando-se o teste de Tukey para as análises post-hoc. O teste de Levene foi considerado para avaliar a homocedasticidade (igualdade entre as variâncias).
A comparação das variáveis em estudo entre os trabalhadores de acordo com o gênero, turno de trabalho e a categoria profissional foi realizada através do teste t de Student ou do teste de Mann-Withney, respeitando-se a normalidade das variáveis contínuas e através do teste Qui-quadrado quando comparadas as variáveis categóricas.
Os resultados foram expressos em média ± desvio padrão para variáveis quantitativas paramétricas, mediano e amplitude interquartil (P25-P75) para variáveis quantitativas não paramétricas, frequência absoluta e relativa para variáveis qualitativas. As análises estatísticas foram realizadas no Pacote Estatístico SPSS 18.0®. Foram considerados significativos valores de p < 0,05.
Foram avaliados 68, 175 e 143 trabalhadores que haviam sido admitidos em 1980, 1990 e 2000, respectivamente, totalizando 386 trabalhadores, dentre os quais 76,4% eram mulheres e 88,1% de cor de pele branca. A idade média da amostra de trabalhadores na admissão foi igual a 29,31 ± 7,31 anos. Em relação às características antropométricas, o peso médio foi igual a 62,76 ± 12,13 kg e o IMC foi igual a 23,08 ± 3,45 kg/m2.
Na Tabela 1 estão apresentadas as características gerais da amostra no momento da admissão de acordo com o ano de ingresso. O peso corporal e o IMC diferiram significativamente entre os trabalhadores admitidos em 1980, 1990 e 2000, sendo superior naqueles admitidos no ano de 2000 em comparação àqueles admitidos nas décadas anteriores. Não foi observada diferença entre os grupos em relação ao gênero, à cor da pele e à categoria ocupacional.
Tabela 1 Características gerais dos trabalhadores admitidos em hospital público nos anos de 1980, 1990 e 2000 (Porto Alegre – RS, 2017)
1980 (n = 68) | 1990 (n = 175) | 2000 (n = 143) | Valor de P | |
---|---|---|---|---|
Idade (anos) | 24,76±4,36a | 28,26±6,21b | 32,81±8,07c | <0,0011 |
Gênero (Feminino) | 58 (85,3%) | 125 (71,5%) | 109 (76,2%) | 0,1662 |
Raça (Branca) | 61 (89,7%) | 153 (87,42%) | 126 (87,5%) | 0,1672 |
Turno (Diurno) | 37 (54,4%) | 123 (70,3%) | 105 (73,4%) | 0,0171 |
Cargo | ||||
Assistência | 51 (75%) | 106 (60,6%) | 92 (64,3%) | 0,1872 |
Administrativo | 17 (25%) | 69 (39,4%) | 51 (35,7%) | |
Peso (Kg) | 56,68±10,25a | 62,22±11,48b | 66,31±12,55c | <0,0011 |
IMC (Kg/m2) | 21,30±2,52a | 22,86±3,28b | 24,19±3,64c | <0,0011 |
Abreviaturas: IMC = índice de massa corporal.
1 teste Anova (post-hoc através do teste de Tukey, sendo as diferenças significativas representadas pelas letras sobrescritas) 2 teste Qui-quadrado (análise dos resíduos ajustados, sendo as diferenças significativas representadas pelas letras sobrescritas). Dados apresentados como média ± desvio padrão ou número e percentual de trabalhadores com a característica analisada.
Os trabalhadores admitidos em 1980 tiveram dados coletados de seis exames médicos periódicos, além do exame admissional. Aqueles admitidos em 1990 tiveram dados de quatro exames médicos periódicos e aqueles admitidos em 2000 de dois exames médicos periódicos, além do admissional. Foi observada diferença significativa na variação entre o último periódico e o exame admissional (considerando-se o tempo de acompanhamento) tanto para o peso como para o IMC quando comparados os trabalhadores admitidos em 1980, 1990 e 2000 (Tabela 2).
Tabela 2 Variação por década dos parâmetros antropométricos dos trabalhadores admitidos em hospital público nos anos de 1980, 1990 e 2000 (Porto Alegre – RS, 2017)
1980 n = 68 | 1990 n = 173 | 2000 n = 139 | Valor de p1 | |
---|---|---|---|---|
∆ Peso (kg) | ||||
Total | 4,17 (2,08 – 6,17)a | 3,50 (-2,95 – 9,50)a,b | 7,00 (2,50 – 12,00)c | < 0,001 |
Mulheres | 3,83 (2,00 – 5,83) | 4,23 (-1,00 – 11,13) | 5,00 (2,00 – 10,00) | 0,199 |
Homens | 5,50 (2,25 – 6,33)a | -0,25 (-6,00 – 7,25)a,b | 9,00 (5,00 – 14,00)a,c | 0,012 |
∆ IMC (kg/m2) | ||||
Total | 1,54 (0,82 – 2,30)a | 1,21 (-0,94 – 4,15)a,b | 2,60 (0,92 – 4,44)a,c | < 0,001 |
Mulheres | 1,47 (0,80– 2,34)a | 1,01 (-0,74 – 4,12)a | 2,08 (0,77 – 4,05)a | 0,112 |
Homens | 1,64 (0,79 – 2,10)a | 1,41 (-1,69 – 4,45)a,b | 3,09 (1,68 – 5,00)a,c | 0,019 |
Abreviaturas: IMC = índice de massa corporal. 1 teste Kruska-Wallis. Análises post-hoc através do teste de Dunn’s: p<0,05 quando letras sobrescritas diferentes na comparação entre os grupos. Dados apresentados como mediana e intervalo interquartílico (P25 – P75).
Os trabalhadores admitidos em 1980 apresentaram um aumento de 12,5 (6,3 - 18,5) kg entre o exame admissional e o último periódico – após 30 anos (equivalente a 4,2 kg/10 anos). Aqueles admitidos em 1990 aumentaram 7,0 (-5,9 - 19,0) kg em 20 anos (equivalente a 3,5 kg/10 anos), enquanto que os trabalhadores que foram admitidos em 2000 aumentaram 7,0 (2,5 - 12,0) kg em 10 anos (p < 0,001). O IMC variou em 4,63 (2,47 - 6,89) kg/m2entre o exame admissional e o último periódico nos trabalhadores admitidos em 1980. Para aqueles admitidos em 1990 o aumento foi de 2,41 (-1,89 - 8,29) kg/m2e para os que ingressaram em 2000 de 2,59 (0,92 - 4,44) kg/m2(p < 0,001). O aumento no peso corporal e no IMC foi crescente e diferiu significativamente entre o exame admissional e cada periódico para as três coortes de trabalhadores (dados numéricos não apresentados).
A prevalência de baixo peso entre os trabalhadores admitidos em 1980 (14,7%) foi significativamente maior em comparação àqueles admitidos em 1990 (5,1%) e em 2000 (1,4%) (p < 0,001). A prevalência de eutrofia não diferiu entre trabalhadores admitidos em 1980 (73,5%) e 1990 (70,9%), sendo significativamente inferior entre aqueles admitidos em 2000 (58,7%) (p < 0,001). Por outro lado, nenhum dos trabalhadores admitidos em 1980 apresentava obesidade, enquanto que 4% e 5,6% daqueles admitidos em 1990 e em 2000 eram obesos (p = 0,143). A prevalência de sobrepeso também foi significativamente maior entre os trabalhadores admitidos em 2000 (33,6%), em comparação àqueles admitidos em 1980 (11,8%) e 1990 (18,9%) (p<0,001). Já no último periódico, a prevalência de eutrofia (38,2%, 41,7% e 33,6%) e de obesidade (20,6%, 24,6% e 23,8%) não diferiu entre os trabalhadores admitidos em 1980, 1990 e 2000, respectivamente (p = 0,411 e p = 0,751). A frequência relativa de sobrepeso no último periódico foi similar entre os trabalhadores admitidos em 1980 (39,7%) e em 2000 (37,8%), a qual foi superior àquela observada entre os trabalhadores admitidos em 1990 (24,6%) (p = 0,012). No que diz respeito à ocorrência de baixo peso no último periódico, as frequências relativas foram iguais a 1,5%, 7,4% e 07% para os trabalhadores admitidos em 1980, 1990 e 2000, respectivamente (p = 0,005).
Na Tabela 3 estão apresentados os dados antropométricos de acordo com o turno de trabalho dos trabalhadores, não sendo observada diferença significativa no peso corporal e no IMC entre os trabalhadores do diurno em comparação aos trabalhadores do noturno. Gênero, cor da pele e idade também não diferiram entre os grupos.
Tabela 3 Características dos trabalhadores de um hospital público de acordo com o turno de trabalho (Porto Alegre – RS, 2017)
Diurno (n = 265) | Noturno (n = 121) | Valor de p | |
---|---|---|---|
Idade (ano) | 29,43 ± 7,57 | 29,04 ± 6,73 | 0,6201 |
Sexo (Feminino) | 76,2% | 73,6% | 0,3562 |
Raça (Branca) | 72,1% | 66,9% | 0,1832 |
Peso (kg) | |||
Admissão | 63,11 ± 12,07 | 61,96 ± 12,27 | 0,3881 |
Final | 71,76 ± 14,99 | 71,41 ± 14,95 | 0,8351 |
IMC (kg/m2) | |||
Admissão | 23,17 ± 3,55 | 22,86 ± 3,2 | 0,4111 |
Final | 26,5 ± 5,46 | 26,49 ± 5,56 | 0,9851 |
Classificação do IMC | |||
Admissão | 0,4882 | ||
Baixo peso | 5,3% | 4,1% | |
Eutrofia | 66,4% | 69,4% | |
Sobrepeso | 22,6% | 24% | |
Obesidade | 5,7% | 2,5% | |
Final | 0,9262 | ||
Baixo peso | 3,8% | 4,1% | |
Eutrofia | 37,4% | 39,7% | |
Sobrepeso | 31,7% | 33,1% | |
Obesidade | 24,5% | 21,5% |
Abreviaturas: IMC = índice de massa corporal.
1 Teste t para amostras independentes; 2 teste Qui-quadrado.
Quando comparados os dados antropométricos dos trabalhadores de acordo com a categoria funcional (Tabela 4), foi observada maior proporção de homens na categoria “administrativo” em comparação à categoria “assistência”. Ainda, os trabalhadores do administrativo apresentaram maior peso corporal na admissão em comparação aos trabalhadores da assistência, diferença que não foi mantida no último exame periódico.
Tabela 4 Características dos trabalhadores de um hospital público de acordo com a categoria ocupacional (Porto Alegre – RS, 2017).
Assistência n = 248 | Administrativo n = 137 | Valor de p | |
---|---|---|---|
Idade (ano) | 29,6 ± 6,44 | 28,8 ± 8,7 | 0,3491 |
Sexo (Masculino) | 17,7% | 35% | <0,0012 |
Raça (Branca) | 73,8% | 65% | 0,0752 |
Peso (kg) | |||
Admissão | 61,79 ± 11,98 | 64,44 ± 12,28 | 0,0421 |
Final | 71,15 ± 15,22 | 72,44 ± 14,52 | 0,4231 |
IMC (kg/m2) | |||
Admissão | 22,94 ± 3,48 | 23,31 ± 3,39 | 0,3031 |
Final | 26,37 ± 5,63 | 26,71 ± 5,25 | 0,5671 |
Classificação do IMC | |||
Admissão | |||
Baixo peso | 5,2% | 4,4% | 0,7342 |
Eutrofia | 69,8% | 62,8% | |
Sobrepeso | 20,6% | 27,7% | |
Obesidade | 4,4% | 5,1% | |
Final | |||
Baixo peso | 4% | 3,6% | 0,8282 |
Eutrofia | 39,9% | 35% | |
Sobrepeso | 30,6% | 34,3% | |
Obesidade | 22,6% | 25,5% |
Abreviaturas: IMC = índice de massa corporal. 1 Teste t para amostras independentes; 2 teste Qui-quadrado.
Este estudo de coorte histórica observou menor peso corporal e IMC entre os trabalhadores admitidos em 1980 em comparação àqueles admitidos em 1990 e em 2000. O aumento de peso foi crescente e a variação por década no peso e no IMC foi maior entre aqueles trabalhadores admitidos em 2000. Turno de trabalho e categoria funcional não foi determinante das diferenças no peso e no IMC dos trabalhadores. Os resultados do presente estudo referentes ao aumento crescente do peso e do IMC nas últimas três décadas refletem o crescimento que o sobrepeso e a obesidade tiveram no Brasil6,7, seguindo uma tendência mundial14.
Estudos envolvendo trabalhadores de hospitais brasileiros demonstraram prevalências variadas de excesso de peso: em um serviço de atendimento pré-hospitalar de Salvador 65,6% foram classificados com sobrepeso ou obesidade15, assim como 63,9% dos trabalhadores de um hospital universitário de Londrina16 e 53,3% dos trabalhadores de um hospital geral privado de São Paulo17. Outro estudo realizado com trabalhadores da enfermagem de unidades de terapia intensiva e emergência demonstrou prevalência menor de sobrepeso e obesidade, 37,8% e 31,1%, respectivamente18.
A variação no peso corporal também foi encontrada no estudo envolvendo 1.341 homens e mulheres de Florianópolis, o qual observou aumento médio de 10,4 ± 9,3 kg para mulheres e 11,1 ± 9,1 kg para homens em um período de 12 anos19. Ainda, o aumento do excesso de peso entre trabalhadores, equivalente a uma variação no IMC superior a 4kg/m2em 20 anos, foi demonstrado em estudo envolvendo trabalhadores paulistas da companhia de energia20. Já um estudo envolvendo médicos após 15 anos de acompanhamento evidenciou um aumento da prevalência de excesso de peso em torno de 17%21.
Indivíduos com excesso de peso são mais susceptíveis ao absenteísmo-doença. A inadequação do peso corporal pode tornar as atividades diárias mais desgastantes, pois gera maior sobrecarga à coluna, influindo nas posturas adotadas, além de resultar em menor desempenho e produtividade, tornando insatisfatória a qualidade de vida no trabalho22. Ademais, levam ao aumento do uso de cuidados de saúde gerando aumento dos custos para o mercado e para a sociedade23.
Possivelmente, o peso corporal mais elevado na admissão e o maior aumento de peso por década entre os trabalhadores admitidos em 2000, em comparação àqueles admitidos em 1980 e em 1990, estejam associados ao processo de transição nutricional e do impacto do estilo de vida atual mais sedentário aliado a um consumo alimentar de maior densidade energética24. A prática da alimentação fora do lar, o aumento de consumo de alimentos ultraprocessados e a substituição de refeições completas por lanches com elevada concentração de energia, açúcar e sódio contribuem para o maior aporte energético25. No entanto, é importante considerar que este peso corporal mais elevado nos trabalhadores admitidos no ano 2000 pode também estar relacionado com a idade (adultos jovens com mais de 30 anos). De fato, estudo de base populacional conduzido na Dinamarca, que acompanhou 2436 adultos entre 1982-83 e 1993-1994, demonstrou uma média de ganho ponderal entre 0,9 e 1,2 kg nos indivíduos com idade entre 30 e 40 anos26. Ainda, análise longitudinal de sete estudos de coorte com a população adulta alemã, com idade entre 18 e 83 anos avaliada inicialmente entre 1994 e 2007 e acompanhadas por um período de quatro a 11,9 anos, demonstrou um ganho de peso médio de 0,25 kg/ano, sendo a quantidade de ganho de peso dependente da idade no início do acompanhamento e significativamente maior naqueles com < 45 anos, corroborando os achados do presente estudo que demonstrou ganho de peso expressivo em adultos jovens27. Outro estudo que comparou cinco coortes finlandesas de diferentes períodos de tempo (1972 – 2007) demonstrou ganho de peso anual de 0,3 kg em ambos os sexos, sendo o ganho de peso mais pronunciado nas coortes cujo acompanhamento foi iniciado mais tardiamente (1980 e 1990 x 1970) e nos indivíduos mais jovens, assim como no presente estudo28.
O reflexo da transição nutricional observado entre os trabalhadores do presente estudo é preocupante, vez que o aumento da prevalência e incidência de obesidade está diretamente relacionado ao aumento da prevalência e incidência de diabetes, hipertensão e doenças cardiovasculares – doenças crônicas de elevado impacto na morbimortalidade e com alto custo social11,29. Estudo de coorte com 114.281 enfermeiras americanas demonstrou aumento de 1,9 vezes no risco de desenvolvimento de diabetes melito tipo 2 entre aquelas que aumentaram entre 5 e 8 kg ao longo do acompanhamento (1976 – 1990) em comparação aquelas que mantiveram o peso estável4. O risco de HAS é duas vezes maior em obesos quando comparados a indivíduos não-obesos16. Ainda, o risco de doenças cardiovasculares é maior em mulheres obesas30e em trabalhadores noturnos31. Estes últimos têm 40% mais risco de desenvolverem doenças cardiovasculares que os trabalhadores diurnos31. Estudo brasileiro mostrou uma prevalência de risco cardiovascular de 67% maior entre os trabalhadores noturnos32. No entanto, não foi observada relação do turno laboral com o aumento do peso e IMC.
O fato de o presente estudo ter sido retrospectivo, com coleta de dados em prontuário médico, pode ser uma potencial limitação ao mesmo, vez que tal metodologia inviabiliza a padronização na coleta das informações. Por registro incompleto nos prontuários médicos, parcela de trabalhadores não pode ser incluída no estudo. Ainda, selecionamos uma amostra de conveniência, sendo a proporção de trabalhadores incluídos no presente estudo inferior a 50% do total admitido em cada ano avaliado, o que pode não ser representativo do total de trabalhadores. Isso pode ser justificado pelo tempo entre admissão e coleta de dados para o presente estudo (mínimo de 10 anos e máximo de 30 anos), tornando indisponíveis os dados de muitos trabalhadores que já não faziam mais parte do quadro de profissionais do Hospital. Ainda, a falta de informações mais detalhadas nos prontuários impossibilitou a avaliação de variáveis que poderiam complementar os dados do presente estudo, tais como presença de comorbidades vinculadas ao excesso de peso, como diabetes, hipertensão e dislipidemia, entre outras.
Por outro lado, o presente estudo pode contribuir para compreensão do perfil de saúde da classe trabalhadora e para o desenvolvimento de ações e estratégias de saúde para grupos laborais específicos. O aumento do excesso de peso observado é alarmante visto que o ganho ponderal aumenta o risco de morbidade, incapacidade e mortalidade, implicando em aumento nos custos sociais. Ademais, o presente estudo fornece dados dos últimos 30 anos referentes ao perfil nutricional de trabalhadores de um hospital público terciário, tendo como originalidade a comparação entre trabalhadores admitidos em diferentes décadas, de categorias distintas e com atuação em ambos os turnos de trabalho.
Trabalhadores de um hospital público, admitidos em três períodos distintos nos últimos 30 anos, apresentaram aumento ponderal e do IMC, sendo mais expressivo naqueles trabalhadores admitidos no hospital no ano de 2000. Tais achados reforçam a necessidade de vigilância nutricional desses trabalhadores, através do monitoramento do estado nutricional e da implantação de programas educacionais em saúde, sobretudo programas multidisciplinares com objetivo de incentivar práticas alimentares saudáveis e exercícios físicos regulares, visando a melhoria da qualidade de vida e a redução de agravos à saúde evitáveis.