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Gastos do Sistema Único de Saúde brasileiro com doença renal crônica

Gastos do Sistema Único de Saúde brasileiro com doença renal crônica

Autores:

Paulo Roberto Alcalde,
Gianna Mastroianni Kirsztajn

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Nephrology

versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239

J. Bras. Nefrol. vol.40 no.2 São Paulo abr./jun. 2018 Epub 04-Jun-2018

http://dx.doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-3918

INTRODUÇÃO

A partir da promulgação da Constituição Federal, em 1988, foi criado o Sistema Único de Saúde (SUS), tornando gratuito o acesso ao tratamento de saúde para toda a população brasileira. Sua implantação se deu definitivamente em 1990, pela Lei nº 8.080, por meio da qual se unificou o sistema de saúde no Brasil, cuja gestão foi descentralizada, portanto deixou de ser realizada exclusivamente pela União e passou a ser feita também pelos Estados e Municípios.1

Tendo como objetivo disponibilizar a informação para a democratização da saúde e o aprimoramento de sua gestão, em 2011 foi criado o DATASUS, o Departamento de Informática do SUS, essencial para a descentralização das atividades de saúde e viabilização do controle social sobre a utilização dos recursos disponíveis.2

No site do DATASUS é possível ter acesso a diversas informações relacionadas à saúde, disponíveis no Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS (SIA/SUS) e no Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS).

O SUS tem um papel importante no atendimento ao paciente com doença renal crônica (DRC), e atualmente é o responsável pelo financiamento de 90% dos tratamentos de pacientes que se encontram em terapia renal substitutiva (TRS), a qual compreende tanto a diálise (hemodiálise e diálise peritoneal) quanto o transplante renal.

Realizamos o presente estudo procurando dimensionar melhor o que representam os gastos com DRC em nosso País. Sabe-se que, em todos os estágios, e em especial nos estágios terminais, a DRC representa uma sobrecarga considerável para o sistema de saúde, portanto é preciso entendê-lo de forma mais abrangente para definir adequadamente as políticas públicas a serem adotadas nessa área.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de um estudo descritivo que utilizou informações do Sistema de Dados do Ministério da Saúde (DATASUS) (www.datasus.saude.gov.br), por meio do acesso à informação no TABNET, Assistência à Saúde nos grupos: Produção Hospitalar, SIH/SUS e SIA/SUS e do SIGTAP, da seguinte forma: produção hospitalar (gastos e internações relacionados a transplantes de rim e simultâneo de pâncreas e rim), SIH/SUS (gastos e internações relacionados à DRC e às doenças associadas à DRC) e SIA/SUS (gastos com exames para identificação, seguimento e tratamento da DRC e diálise, e procedimentos) e do SIGTAP (gastos com honorários dos profissionais de saúde e exames utilizados nos diferentes estágios da DRC).

Foram avaliados os valores pagos pelo SUS no triênio 2013-2015, como base para estimar os gastos anuais com tratamentos da DRC no Brasil e internações por DRC e doenças associadas à DRC, assim como exames relacionados ao seu diagnóstico e tratamento. Os exames avaliados para a pesquisa basearam-se nas Diretrizes Clínicas para o cuidado com o paciente com DRC no SUS em diferentes estágios da doença. Categorizamos o tratamento da doença renal em terapias administradas durante internação para diagnóstico e seguimento, diálise e transplante renal.

Foram avaliadas como doenças associadas à DRC aquelas que se encontram entre as principais causas de DRC: diabetes mellitus (DM), hipertensão arterial sistêmica (HAS) e doenças cardiovasculares, infarto agudo do miocárdio (IAM) e condições correlatas, assim como acidente vascular cerebral (AVC) e condições correlatas.

Atualmente, a DRC é definida como a presença de lesão renal e/ou de redução da taxa de filtração glomerular (TFG inferior a 60 mL/min/1,73m2 de superfície corpórea) por três meses ou mais, independentemente da causa.3 A atual definição engloba pacientes sem déficit de filtração glomerular, mas faremos referência neste artigo à "insuficiência renal", considerando o modo como realmente os diagnósticos dos pacientes estavam registrados no DATASUS no período em estudo, e não a atual definição.

O termo "procedimentos" utilizado na Tabela 1 de resultados refere-se: 1) ao treinamento de paciente submetido à diálise peritoneal - DPA/DPAC (9 dias); 2) ao implante de cateteres: cateter para subclávia de duplo lúmen para hemodiálise; cateter de longa permanência para hemodiálise; implante de cateter de duplo lúmen para hemodiálise; implante de cateter de longa permanência para hemodiálise; 3) à confecção de fístula arteriovenosa para hemodiálise; 4) à manutenção e ao acompanhamento domiciliar de paciente submetido à DPA/DPAC; 5) à confecção de fístula arteriovenosa com enxertia de politetrafluoretileno (PTFE); 6) à confecção de fístula arteriovenosa com enxerto autólogo; 7) ao implante de cateter tipo Tenckhoff ou similar para DPA/DPAC; 8) ao implante de cateter tipo Tenckhoff ou similar para DPI; 9) à intervenção em fístula arteriovenosa; 10) à ligadura de fístula arteriovenosa; 11) à retirada de cateter tipo Tenckhoff/similar de longa permanência.

Tabela 1 Gastos (R$) e número de sessões de hemodiálise e diálise peritoneal e seus procedimentos (n) no triênio 2013-2015 

2013 2014 2015
DPI-1 N 508 478 263
R$ 61.843,92 58.191,72 32.017,62
DPI-2 N 4.443 3.039 2.668
R$ 539.868,93 369.268,89 324.188,68
Hemo-1 N 167.912 168.637 181.771
R$ 29.855.413,81 30.191.082,11 32.542.462,13
Hemo-3 N 12.295.381 12.809.370 12.876.765
R$ 2.184.429.080,70 2.293.261.511,10 2.305.330.675,53
Hemo HIV N 96.743 104.476 446.295
Hep 3 R$ 25.482.396,59 27.728.975,16 118.451.155,95
Hemo HIV N 1.587 1.741 6.025
HepExcep R$ 418.349,03 462.078,81 1.599.095,25
HemoPed N 21.605 24.409
R$ 7.645.577,40 8.637.856,92
Proced N 246.548 254.096 266.378
R$ 32.962.130,65 69.473.964,41 72.983.181,98
Total N 12.813.122 13.363.442 13.804.574
R$ 2.273.749.083,63 2.429.190.649,60 2.539.900.634,06

DPI-1: Diálise peritoneal intermitente-DPI (máximo 1 sessão por semana); DPI-2: Diálise peritoneal intermitente - DPI (máximo 2 sessões por semana); Hemo-1: hemodiálise (máximo 1 sessão por semana – excepcionalidade); Hemo-3: hemodiálise (máximo 3 sessões por semana); Hemo HIV Hep 3: hemodiálise em paciente com sorologia positiva para HIV, e/ou hepatite B, e/ou hepatite C (máximo 3 sessões); Hemo HIV HepExcep: hemodiálise em paciente com sorologia positiva para HIV, e/ou hepatite B, e/ou hepatite C (excepcionalidade); HemoPed: hemodiálise pediátrica (máximo 4 sessões por semana); Proced: procedimentos.

A análise estatística de todas as informações coletadas nesta pesquisa foi feita de forma descritiva, pelo cálculo de algumas medidas-resumo, como média, desvio-padrão e frequência relativa (percentagem).

RESULTADOS

Em relação aos gastos com a realização de hemodiálise, diálise peritoneal e procedimentos relacionados, ao longo do triênio 2013-2015 foi observada (Tabela 1) uma queda no número de casos e nos gastos com diálise peritoneal intermitente (DPI), DPI-1 (48,23%) e DPI-2 (39,95%); todos os demais procedimentos tiveram aumento. Destacam-se os aumentos com procedimentos e gastos com hemodiálise para tratamento de pacientes com HIV e/ou hepatites B e/ou C (Hemo HIV Hep3), que foram de 361,32% e 364,84%, e Hemo HIV Hep em situação de excepcionalidade (Excep), de 279,65% e 282,24%, respectivamente. A hemodiálise padrão com três sessões semanais correspondeu a 95,96% dos procedimentos e 96,07% dos gastos.

Os dados relativos aos gastos com internações por todas as causas no Brasil por DRC e por doenças associadas à DRC podem ser verificados nas Tabelas 2 e 3.

Tabela 2 Total de internações (n) e gastos (R$) por todas as causas e por doenças renais no Brasil no triênio 2013-2015 

Doenças/Ano 2013 2014 2015
Todas as causas N 11.197.160 11.320.287 11.372.044
R$ 12.698.359.917,70 13.370.407.625,66 13.785.610.945,46
SNA/GNRP N 5.714 5.712 5.395
R$ 2.738.641,26 2.897.907,90 2.741.600,02
Outras doenças glomerulares N 12.779 12.004 11.203
R$ 6.912.120,44 6.898.722,23 7.154.407,01
Doenças tubulointersticiais N 92.629 90.069 86.450
R$ 34.943.288,81 36.530.932,07 36.491.157,79
IRC N 95.186 98.220 102.110
R$ 305.589.824,67 343.252.964,84 357.376.199,04

SNA, síndrome nefrítica aguda; GNRP, glomerulonefrite rapidamente progressiva; IRC, insuficiência renal crônica.

Tabela 3 Total de internações (n) e gastos (R$) por todas as causas e por hipertensão arterial sistêmica (HAS), doenças cardiovasculares e cerebrovasculares, e diabetes (DM) no Brasil, no triênio 2013- 2015 

Doenças/Ano 2013 2014 2015
Todas as causas N 11.197.160 11.320.287 11.372.044
R$ 12.698.359.917,70 13.370.407.625,66 13.785.610.945,46
HAS primária N 79.256 75.419 67.889
R$ 26.415.567,89 26.720.485,44 24.987.013,86
Outras doenças hipertensivas N 26.924 26.803 24.940
R$ 15.531.169,47 13.604.391,52 14.035.285,21
Infarto agudo do miocárdio N 86.559 94.399 101.208
R$ 286.910.053,12 332.383.877,36 365.200.613,59
Outras doenças isquêmicas do coração N 156.636 159.435 152.869
R$ 689.163.626,60 697.415.603,15 680.017.034,99
Acidente vascular cerebral hemorrágico ou isquêmico N 133.822 141.909 145.970
R$ 156.146.579,87 172.055.725,92 181.525.244,48
Acidente isquêmico transitório e síndromes correlatas N 25.968 21.119 21.297
R$ 26.661.498,35 21.684.582,62 22.598.156,11
DM N 140.873 139.819 138.217
R$ 88.401.913,93 89.667.747,68 92.230.156,60

Em relação aos gastos com internações para realização de transplantes de rim realizados no Brasil pelo SUS, no triênio 2013-2015, a maioria das internações destinou-se a enxertos com rim de doador falecido, que corresponderam a 76% das internações e 80% dos gastos (Tabela 4).

Tabela 4 Gastos (R$) e internações (n) por transplantes de rim (órgão de doador falecido e de doador vivo) e simultâneo de pâncreas e rim no triênio 2013-2015 

Tipo de transplante 2013 2014 2015
Doador falecido N 3.542 3.788 3.895
R$ 153.545.427,92 164.177.446,27 163.969.684,04
Doador vivo N 1.129 1.145 963
R$ 35.615.018,24 36.256.637,72 30.288.077,57
Simultâneo pâncreas e rim N 112 102 95
R$ 6.699.880,23 6.138.768,22 5.636.698,91
Total N 4.783 5.035 4.953
R$ 195.860.326,39 206.572.852,21 199.894.460,52

Quanto aos gastos com exames para identificação e tratamento da DRC no triênio 2013-2015, houve aumento de 11,94% no número de exames e 10,95% nos gastos. Tanto o número de dosagens de proteinúria de 24 horas quanto os gastos tiveram aumento de 32,59%. A biópsia renal teve queda de 16,95% no número de procedimentos e nos gastos, conforme pode ser verificado na Tabela 5. A urina tipo I representou 35,53% dos exames e 47,51% dos gastos, seguida das dosagens séricas de creatinina (29,72% e 19,87%) e de ureia (25,55% e 17,08%), respectivamente.

Tabela 5 Gastos (R$) e número de exames (n) para identificação, seguimento e tratamento da DRC no triênio 2013-2015 

Exames 2013 2014 2015
Creatinina sérica N 27.410.523 29.909.711 31.251.897
R$ 50.738.541,77 55.361.348,42 57.892.010,54
Clearance de Creatinina N 449.198 471.149 510.449
R$ 1.578.860,76 1.658.999,87 1.801.647,28
Ureia sérica N 23.363.238 25.779.038 27.003.424
R$ 43.237.008,67 47.701.711,87 49.998.226,18
Urina tipo I N 33.568.889 36.239.803 36.092.145
R$ 124.249.621,00 134.172.385,32 133.686.699,19
Proteinúria de 24h N 689.648 680.983 914.416
R$ 1.422.496,24 1.417.656,42 1.886.073,27
Urocultura N 6.564.160 7.056.230 7.308.019
R$ 36.965.343,23 39.775.304,76 41.226.209,85
Biópsia renal N 838 856 696
R$ 38.707,22 40.412,45 32.148,24
Ultrassonografia de rins e vias urinárias N 869.384 946.936 928.680
R$ 38.707,22 40.412,45 32.148,24
Determinação da taxa de filtração glomerular por exames de Medicina Nuclear N 1.702 1.746 1.696
R$ 107.916,54 111.235,59 108.232,64
Total N 92.917.580 101.086.452 104.011.422
R$ 258.377.202,65 280.279.467,15 286.663.395,43

DISCUSSÃO

Considerando-se o crescimento da prevalência da DRC nos dias atuais, um dos motivos de maior preocupação é o fato de não ser decorrente do aumento do número de doenças intrinsecamente renais, e sim determinado por doenças sistêmicas que secundariamente lesam os rins, como a doença aterosclerótica.5

Outro fator considerado relevante para o aumento da DRC em estágio terminal em todo o mundo, além do crescimento exponencial do diabetes tipo 2,4 é o envelhecimento da população nos países desenvolvidos. A incidência da doença em idosos (aqui considerados os indivíduos com mais de 65 anos) no Reino Unido é superior a 350 pmh6 e nos Estados Unidos, a 1200 pmh.7

A prevalência da DRC na comunidade foi amplamente subestimada no passado; mas pesquisas recentes e estudos populacionais têm revelado a prevalência da DRC na população em geral. Nos Estados Unidos, estima-se que aproximadamente 11% da população padeçam de DRC em algum estágio de evolução, segundo os resultados do Third National Health and Nutrition Examination Survey.8 Cerca de 73% desses indivíduos têm taxa de filtração glomerular inferior a 60 mL/min.9 Constatação ainda mais grave é que a maior parte desses indivíduos não chega a desenvolver DRC terminal, pois morrem de complicações cardiovasculares antes de progredirem para o estágio terminal da DRC.

De fato, sabe-se que os pacientes com DRC, quando comparados à população geral, apresentam maior prevalência de doenças cardiovasculares, incluindo doença coronariana, cérebro-vascular, vascular periférica e insuficiência cardíaca. Além disso, tem-se demonstrado que o desenvolvimento da doença cardiovascular é precoce no curso da DRC, representando a principal causa de morte em fases iniciais da DRC,10 ou em qualquer fase, para pacientes tanto em tratamento conservador quanto em terapia renal substitutiva,11 o que é atribuído à elevada prevalência de fatores de risco clássicos para DCV em pacientes com DRC, aos quais se adicionam os fatores de risco relacionados à própria DRC e que se agravam à medida que a taxa de filtração glomerular se reduz.12

A prevalência da DRC vem crescendo na maioria dos países.13 No presente estudo, foi possível verificar certa tendência de crescimento de internações e gastos, considerando todas as causas de doenças ocorridas no Brasil, no triênio 2013 a 2015, entre as quais as internações por insuficiência renal. Já as internações por doenças renais "sem insuficiência renal" apresentaram redução.

Ao longo do triênio, o infarto agudo do miocárdio e o acidente vascular cerebral não especificado (hemorrágico ou isquêmico) tiveram aumento nas internações e nos gastos, e o DM teve aumento somente nos gastos. As demais morbidades associadas à DRC apresentaram queda nas internações e nos gastos. Sabidamente, tem aumentado no Brasil as doenças cardiovasculares, que são causa de internação e de morbimortalidade, perfil que se aproxima mais daquele dos países industrializados, e não dos subdesenvolvidos, nos quais predominam doenças infectocontagiosas. O padrão observado em nosso estudo reflete justamente a mudança que um país como o nosso, em desenvolvimento, está sofrendo por causa do aumento significativo no número de pacientes com doenças crônicas, com destaque para as doenças cardiovasculares e o DM. Vale salientar que a DRC surgiu mais recentemente como uma grande preocupação em saúde pública, conforme já comentado.

No atual estudo, as doenças renais (insuficiência renal crônica, doenças glomerulares e tubulointersticiais), e algumas das principais doenças a elas associadas (DM, HAS e outras doenças hipertensivas, AVC e doenças correlatas), representaram 7,61% das internações e 12,97% dos gastos do total de internações e gastos no Brasil, considerando todas as causas. Esses números representam um percentual importante dos gastos nacionais com saúde e só tendem a aumentar, mesmo que sejam levados em consideração apenas os aspectos pontuais, como mudança do perfil de desenvolvimento do país (já referido) e o envelhecimento da população.14 Chama a atenção por ser um gasto expressivo com apenas quatro doenças. Mas deve-se ressaltar que são as doenças crônicas que se destacam em importância, devido à frequência que acometem pessoas atualmente. É preciso ter também em mente que parte dos pacientes internados em decorrência de DM, HAS primária e outras doenças hipertensivas, IAM e doenças correlatas, AVC e doenças correlatas, entre outras, pode também ter DRC em diferentes estágios de evolução, mas esse diagnóstico não foi descrito como o responsável pela internação.

No que se refere às terapias de substituição renal, observamos que o transplante de rim com órgão de doador vivo e o transplante simultâneo de pâncreas e rim tiveram queda nas internações e nos gastos ao longo do triênio 2013-2015. Por outro lado, o transplante de rim com órgão de doador falecido apresentou aumento contínuo nos dois quesitos. Esse achado não surpreende; a tendência a aumento de transplantes com doadores falecidos já vem delineando-se há alguns anos e atualmente é uma realidade em nosso País. A doação vem sendo incentivada no Brasil por meio de campanhas que prezam pela orientação das famílias e incentivam que cada pessoa revele em vida aos familiares seu desejo de ser ou não doador de órgão. De fato, segundo o Registro Brasileiro de Transplantes (Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, ABTO), 78,9% dos transplantes renais em 2015, no Brasil, foram realizados com órgãos de doadores falecidos; assim, apenas uma pequena parcela dependeu de doadores vivos. Dados da ABTO demonstram ainda que, nos últimos dez anos, os transplantes de rim com órgão de doador falecido tiveram aumento de 170,95%, e houve queda de 33% no transplante de rim com doador vivo, e simultâneo de pâncreas e rim de 14,91%.15

A diálise peritoneal intermitente (uma e duas sessões por semana) teve queda nos procedimentos e gastos; os demais procedimentos dialíticos apresentaram crescimento, com destaque para o crescimento dos procedimentos e gastos com hemodiálise em pacientes com sorologia positiva para HIV, e/ou hepatite B, e/ou hepatite C (máximo 3 sessões), e hemodiálise em pacientes com sorologia positiva para HIV, e/ou hepatite B, e/ou hepatite C (excepcionalidade). O motivo pelo qual houve aumento nos gastos com sessões de hemodiálise para pacientes HIV positivos e/ou com hepatites virais não ficou claro, mas podem ser aventadas algumas possibilidades, como o aumento no número de pacientes com essas condições que sobreviveram à fase inicial da doença devido aos atuais recursos terapêuticos e conseguiram chegar à diálise, ou mesmo o aumento no número de casos dessas doenças ou apenas no número de diagnósticos, antes não realizados, o que é mais provável.

Vale destacar também que, no Brasil, em julho de 2014, 91,4% dos pacientes em diálise crônica faziam tratamento por hemodiálise e 8,6% por diálise peritoneal, sendo a diálise peritoneal automatizada a modalidade predominante. O percentual de pacientes em hemodiálise de manutenção tem-se mantido estável, e há uma tendência a aumento global do número de pacientes em diálise, das taxas de incidência e prevalência de tratamento, particularmente considerando os últimos quatro anos. É importante dizer que o pagamento desses procedimentos no Brasil é feito predominantemente pelo SUS.5

Um estudo realizado por Menezes et al.15 explorou o panorama do tratamento hemodialítico pago pelo SUS no Brasil, enfatizando que quase metade dos gastos com hemodiálise no País concentraram-se em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Esse é outro aspecto muito importante, a desigualdade de tratamento realizado, que independe da população de cada região, também documentada por Sesso et al.5

Para se ter uma ideia da dimensão dos gastos com a TRS no País em comparação com o que é destinado a doenças diversas, vale relembrar alguns valores de gastos do ano de 2015. Assim, foram gastos com internações por todas as causas 13,8 bilhões de reais e, segundo o nosso levantamento, mais de 2 bilhões com TRS (cerca de 200 milhões com transplante renal e 2 bilhões com diálise), não incluídos aqui aproximadamente 357 milhões gastos com pacientes em insuficiência renal. A título de comparação, as internações por infarto agudo do miocárdio e doenças correlatas representaram no mesmo ano cerca de 1 bilhão de reais, ou seja, menos da metade do que se destinou à TRS no Brasil.

Considerando o que foi divulgado como total dos gastos do SUS, em 2015, com os atendimentos de média e alta complexidade à saúde da população brasileira, ou seja, 40 bilhões de reais, vale salientar que os gastos com a TRS (ou seja, apenas com o tratamento da DRC no estágio 5) representaram como já citado mais de 2 bilhões de reais, e 2 bilhões correspondem a 5% dos gastos do SUS com média e alta complexidade, consumidos com parte do manejo de uma só doença, cuja incidência está aumentando.

É preciso dizer que um estudo baseado prioritariamente no número e nos gastos com internações motivadas por diagnósticos selecionados, como o nosso, tem suas limitações. As informações disponíveis são verdadeiras, mas sabe-se que determinados dados ou diagnósticos podem faltar. Ainda assim, considera-se que em geral têm boa confiabilidade. De fato, diversos estudos sobre custos vêm sendo realizados utilizando essas bases de dados, com o objetivo de avaliar o impacto econômico de algumas causas de internações hospitalares para o País.16

No Brasil, as estatísticas hospitalares encontram-se melhor sistematizadas que as ambulatoriais,17 por isso são utilizados levantamentos de gastos com hospitalizações como uma forma de medir o custo com a atenção à saúde, como fizemos no presente estudo.

Quando se consideram as tendências atuais de crescimento da prevalência da DRC, a TRS provavelmente será de difícil manutenção em um tempo não muito distante até para os países industrializados,18 daí a importância de haver estudos sobre gastos nessa área, buscando alertar para o problema e para a necessidade de alternativas, como ações preventivas, de diagnóstico e tratamento mais precoces da DRC.

REFERÊNCIAS

1 Portal Brasil - SUS democratiza acesso do cidadão aos serviços de saúde. [acesso 2016 Maio 5]. Disponível em:
2 Portal da Saúde - O DATASUS. [acesso 2016 Jun 6]. Disponível em:
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7 Excerpts From the United States Renal Data System 2004 Annual Report: Atlas of End-Stage Renal Disease in the United States. Am J Kidney Dis 2005;45:1-280.
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