versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.84 no.4 São Paulo jul./ago. 2018
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2017.12.005
A otosclerose é uma osteodistrofia do osso temporal, caracterizada por reabsorção e neoformação óssea desordenadas em indivíduos geneticamente predispostos. Toda a cápsula óptica pode estar envolvida, embora a área próxima da fissula ante fenestram (anterior à janela oval) seja o local mais comumente afetado.
Clinicamente, a otosclerose é caracterizada por perda auditiva progressiva condutiva e/ou mista e por zumbido. Eventualmente, perda auditiva neurossensorial, plenitude auditiva e vertigem podem ocorrer.
O zumbido é uma sensação de som anormal que alguns pacientes com perda auditiva experimentam. Pacientes com otosclerose podem apresentar graus variáveis ??de zumbido associados à perda auditiva. Gristwood et al.1 relataram, com base em uma revisão de 1.014 casos consecutivos de otosclerose clínica, que 65% dos pacientes com perda auditiva devido à otosclerose tinham zumbido.
Subsequentemente, Deuyer et al. relataram que a prevalência de zumbido é estimada em 65% a 85%.2 Estudos anteriores indicaram que o zumbido diminui com a melhoria da audição após a estapedectomia.2 Vários estudos têm relatado a alta prevalência de zumbido e o grau de desconforto em pacientes com otosclerose e a melhoria após a cirurgia. No entanto, somente alguns estudos descreveram o prazo da melhoria ou quantificaram a melhoria do zumbido com o uso de um instrumento de avaliação de zumbido validado de forma prospectiva. O objetivo desta revisão sistemática foi avaliar o resultado das publicações que relataram o grau de melhoria do zumbido com a estapedectomia, com ênfase no tipo de método usado e no período de avaliação.
As pesquisas foram feitas nas bases de dados PubMed, com os descritores extraídos do Medical Subject Headings (MeSH) que caracterizaram o assunto: otosclerosis AND stapes surgery OR stapedotomy AND tinnitus.
Os critérios de inclusão dos estudos foram: artigos na língua inglesa; publicados nos últimos 20 anos; estudos prospectivos e estudos clínicos em adultos com ênfase na otosclerose, estapedectomia e escalas para medir o grau de melhoria do zumbido. Estudos retrospectivos foram excluídos.
Foram revisados resumos de 12 artigos que preencheram os critérios de inclusão da pesquisa e oito artigos foram incluídos no estudo de acordo com os critérios de inclusão. A figura 1 mostra o diagrama PRISMA de fluxo para inclusão.
Esta revisão encontrou oito estudos que investigaram o grau de melhoria do zumbido com a estapedectomia, com o uso de diferentes escalas. As estapedectomias foram estapedectomia e estapedotomia. Os artigos usaram diferentes escalas: Tinnitus Functional Index-TFI, Escala Visual Analógica-EVA, TFI e EVA, EVA e "questionário sobre o zumbido", método de Newman e Tinnitus Score Advocated, da Sociedade Audiológica do Japão (Japan Audiological Society).
No primeiro mês de avaliação pós-operatória, os resultados variaram entre 75% e 88% de melhoria no zumbido. No sexto mês, entre 85% e 88,3%.
Sakai et al. não mencionaram o período de avaliação. Neste artigo, o grau de melhoria foi de 68%.
Sanchez et al. informaram que a melhoria em torno do terceiro mês foi de 95,7%, esse foi o período de maior grau de melhoria observado entre todos os artigos.
Em estudos nos quais a avaliação foi feita entre quatro e 10 meses; quatro e 14 meses e 14 e 48 meses, o grau de melhoria do zumbido variou de 90 a 91%.
O total das amostras dos artigos avaliados foi de 254 participantes (tabela 1).
Tabela 1 Artigos, tipo de escalas, tempo de avaliação no pós-operatório e resultados
Título | Autor/ano de publicação | Tipo de escala | Tamanho da amostra | Tempo de avaliação no pós-operatório | Grau de melhoria do zumbido |
---|---|---|---|---|---|
Stapedectomy effects on tinnitus: relationship of change in loudness to change in severity2 | Dewyer et al., 2015 | TFI e EVA |
35 |
1 e 6 meses | 1 mês-75% 6 meses-88% |
Tinnitus modulation by stapedectomy3 | Chang et al., 2014 | TFI | 16 | 1 e 6 meses | 1 mês-88% 6 meses-85% |
Characteristics and postoperative course of tinnitus in otosclerosis4 | Ayache et al., Earally, Elbaz, 2003 | TFI | 62 | 1 e 6 meses | 1 mês-83,4% 6 meses-88,3% |
Outcome of stapes surgery for tinnitus recovery in otosclerosis5 | Rajati, Poursadeg, Bakhshaee, Abbasi, Shahab, 2012 | Método de Newman | 29 | 1 mês | 82,8% |
The effect of stapedotomy on tinnitus in patients with otospongiosis6 | Sanchez, Bento, Lima, Marcondes, 2005 | EVA | 23 | 3 meses | 95,7% |
Long-term follow-up of tinnitus in patients with otosclerosis after stapes surgery7 | Sobrinho, Oliveira, Venosa, 2004 | Questionnaire asking about tinnitus, EVA | 48 | 4 a 14 meses;14 a 48 meses | 4 a 14 meses-91%; 14 a 48 meses-91% |
How does stapes surgery influence severe disabling tinnitus in otosclerosis patients?8 | Oliveira CA; 2007 | EVA | 19 |
4 a 10 meses | 4 a 10 meses-90% |
The effect on tinnitus of stapes surgery for otosclerosis9 | Sakai, Sato, Iida, Ogata, Ishida, 1995 | Tinnitus score advocated by the Japan Audiological Society | 22 | Não mencionado | 68% |
Embora o zumbido esteja frequentemente relacionado à otosclerose, ele tem sido pouco discutido na literatura. No entanto, ele representa uma grande fonte de desconforto para alguns pacientes, os quais são com frequência inquisitivos sobre o curso desse sintoma.2
Não foi observado zumbido pós-operatório em pacientes que não apresentavam zumbido pré-operatório, mas esse fator não parece ser estatisticamente significante como indicador preditivo do curso do zumbido. Esse achado também foi observado por Kersley e Gray,10 mas Del Bo et al.11 mencionaram que o zumbido ocorreu tardiamente após a cirurgia, em 7% dos pacientes que não apresentavam zumbido no período pós-operatório imediato.
Shea12 e Causse e Vincent13 tentaram correlacionar o tom do zumbido pré-operatório em pacientes com otosclerose e a diminuição desse sintoma após a estapedectomia. Ambos declararam que apenas o zumbido em tom grave é afetado pela estapedectomia. Causse e Vincent indicaram que esse tipo de zumbido está relacionado à elasticidade do mecanismo da janela oval, que é corrigida pela estapedectomia.
Em um estudo do osso temporal em busca de uma correlação histopatológica para o zumbido, Oliveira e Schuknecht14 encontraram hidropsia endolinfática em 18% dos ossos estudados, histopatologia normal em 11% e otosclerose em 11%. Esses foram os principais diagnósticos histopatológicos encontrados em pacientes com zumbido. Se considerarmos que o zumbido começa com uma alteração bioquímica nos fluidos da orelha interna, a qual no início não é detectável por microscopia óptica, mas subsequentemente será vista como hidropsia endolinfática, e que os focos otoscleróticos na cóclea provocam essas alterações bioquímicas na endolinfa e perilinfa, esses principais diagnósticos histopatológicos encontrados nos ossos temporais de pacientes com zumbido estão intimamente ligados. Se a explicação acima for verdadeira, a única maneira pela qual a estapedectomia pode influenciar o zumbido em pacientes com otosclerose é alterando a parte condutora da equação.
Novamente, Oliveira e Schuknecht14 encontraram uma melhor preservação das estruturas sensoriais e neurais em pacientes com zumbido do que em pacientes com o mesmo diagnóstico histopatológico, mas sem zumbido. Possivelmente, o zumbido é um sinal muito precoce de lesão coclear e tende a diminuir à medida que a lesão piora. É claro que as ideias apresentadas nos parágrafos anteriores estão longe de ser comprovadas, mas acreditamos que elas compõem uma hipótese interessante a ser investigada.
Esta revisão sistemática de 254 casos de otosclerose mostrou, através de diferentes escalas e em diferentes momentos, que a estapedectomia foi de grande valor na melhoria do zumbido, observada em 85,52% dos pacientes com zumbido pré-operatório.
A indicação primária para a estapedectomia é a melhoria da audição.4
Portanto, ao decidir sobre a indicação cirúrgica em pacientes com otosclerose, a presença e o nível do zumbido devem ser considerados, bem como o nível de audição, já que concluímos que a estapedectomia também pode aliviar o zumbido na maioria dos pacientes com otosclerose.