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Groundwater: out of sight, out of mind and out of actions for its protection

Groundwater: out of sight, out of mind and out of actions for its protection

Autores:

Ricardo Hirata,
Amélia João Fernandes,
Reginaldo Bertolo

ARTIGO ORIGINAL

Acta Paulista de Enfermagem

On-line version ISSN 1982-0194

Acta paul. enferm. vol.29 no.6 São Paulo Nov./Dec. 2016

http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201600084

Por que as águas subterrâneas são ‘tão importantes à saúde da população?

No Brasil, abrir uma torneira não garante obter água potável. Embora a água seja essencial para a saúde da população, a atenção pública em saneamento ainda é deficiente. No acesso à água e esgoto, o Brasil ocupa o 112o lugar entre 200 países e a cobertura da rede nacional de água é de 83%1. Entretanto, este número esconde uma deficiência ainda maior, pois ter sua casa ligada à rede pública não significa receber água o tempo todo, sobretudo na estiagem e nas áreas periféricas das cidades.

Na falta do serviço público, os usuários recorrem a sistemas alternativos. Nos últimos 20 anos, a construção de 10 mil poços tubulares na região metropolitana de Recife (Estado de Pernambuco) foi uma resposta contundente à crise hídrica que ocorreu nos anos 1990. Essa estratégia para superar a os efeitos da seca evoluiu para uma estratégia de reduzir custos, pois a água subterrânea é 50-70% mais barata que aquela fornecida pela empresa concessionária (Hirata et al 2015). A região metropolitana de São Paulo, onde se estima que 12 mil poços privados extraem mais de 10 m3/s (contribuindo para 16-20% do abastecimento [total]), é outro exemplo.

Poços tubulares são obras de engenharia que permitem acesso a reservatórios de água subterrânea (aquíferos). Entretanto, seus custos são inacessíveis à população pobre, que geralmente acessa água subterrânea escavando poços do tipo cacimba, os quais são vulneráveis à contaminação.

É pouco sabido que a água subterrânea abastece mais de 82 milhões de brasileiros (51% da população urbana), através da rede pública, em cerca de 52% dos municípios brasileiros2. A água subterrânea, componente do ciclo hidrológico, assegura o fluxo de água nos rios em época de estiagem e, assim, desempenha a função ecológica de diluição de esgoto e de efluentes, transporte de ‘sedimentos e manutenção dos ecossistemas.

Abastecimento alternativo e riscos à saúde

Deve-se distinguir entre contaminação do poço e contaminação do aquífero. A contaminação do poço é causada pela má construção da captação, quando as normas técnicas (ABNT NB588 e NB1290) não são seguidas. Deve haver cimentação sanitária e lajes de proteção para assegurar que águas poluídas (superficiais ou das porções rasas do aquífero) não entrem no poço. A contaminação do aquífero ocorre por infiltração de poluentes, derivados de atividades antrópicas, no solo. Assim, mesmo em um poço bem construído, a qualidade da água não está assegurada se o aquífero estiver contaminado.

A contaminação do poço é responsabilidade exclusiva do usuário e da empresa perfuradora. A degradação do aquífero, por outro lado, é responsabilidade do proprietário da atividade contaminante, que deve controlá-la, monitorá-la e reportar os resultados aos órgãos estaduais ambientais. A Vigilância Sanitária tem o papel de acompanhar o monitoramento das captações de águas públicas e privadas.

A explotação da água subterrânea deve ser solicitada formalmente ao órgão estadual. No entanto, mais de 70% dos poços tubulares não possuem autorização para funcionar3. Com essa elevada taxa de ilegalidade, o controle sobre a qualidade da construção dos poços é menor. O monitoramento regular das captações privadas é obrigatório, mas os proprietários de poços ilegais geralmente não cumprem a portaria (MS 2914/201). O desconhecimento dos riscos corridos por muitos desses usuários e a fiscalização insuficiente, por parte do poder público, são as principais causas da ilegalidade.

Dadas essas incertezas, o uso da água subterrânea tem sido proibido em regiões que já têm rede pública (Lei Federal de Saneamento No 11.445/2008, reinterpretada pela Lei No 7217). Embora esta lei seja meritória, deve-se considerar as limitações que as concessionárias enfrentam para suprir a demanda total de água. Sua aplicação em cidades brasileiras é pouco realista, pois os poços privados desempenham um importante papel para a segurança hídrica urbana. Além disso, o abandono desses poços causaria elevação no nível freático, o que é um risco para as obras urbanas civis3.

Por uma convivência pacífica com o uso das águas subterrâneas

As águas subterrâneas não recebem a devida atenção por parte dos órgãos gestores, pois a sociedade subestima a importância desse recurso. Dado o grande potencial dos aquíferos para fornecer ainda mais água, é necessário que o Estado assuma uma postura de parceiro dos usuários, orientando-os e implemente ações de proteção, incluindo:

  1. Esclarecimento da importância das águas subterrâneas para o abastecimento público e privado, bem como para o ambiente e o bem estar social;

  2. Instituição de um programa de comunicação social que vise estimular a regularização dos poços e conscientize os usuários público e privado sobre as boas práticas para o uso correto da água subterrânea;

  3. Exigência de que as normas da ABNT, para construção de poços tubulares, sejam cumpridas e de que os pedidos de autorização, para perfuração de novos poços, sejam precedidos de estudos sobre riscos de contaminação e de superexploração do aquífero;

  4. Orientação dos usuários, através de canais de serviço ao usuário, com relação ao auto-monitoramento da água dos seus poços, a fornecer dados sobre a operação do poço de forma sistemática, e a comunicar eventuais problemas à Vigilância Sanitária;

  5. Capacitação dos órgãos governamentais para orientar, gerenciar e fiscalizar o uso dos recursos hídricos subterrâneos;

  6. Compatibilização do planejamento territorial com a disponibilidade dos recursos hídricos subterrâneos, fazendo com que este recurso seja tratado de forma correta nos planos de governo e das bacias hidrográficas.

REFERÊNCIAS

1. Ministério das Cidades. Diagnóstico dos serviços de água e esgoto. SNIS (2014), 20o edição. Brasília. 2016; 212pp.
2. Agência Nacional das Águas. Atlas Brasil Abastecimento urbano de água [cited 2016 Oct 28] Available from: ].
3. Hirata, R; Foster, S; Oliveira, F. Águas subterrâneas urbanas no Brasil. Instituto de Geociências, FAPESP. São Paulo. 2016. 111pp.