versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465
Esc. Anna Nery vol.23 no.2 Rio de Janeiro 2019 Epub 25-Mar-2019
http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2018-0221
Os grupos de apoio são considerados um instrumento eficaz para realização de práticas educativas. Na área da saúde, possuem diversos campos de atuações, sendo realizados a partir da necessidade de um determinado grupo de pessoas, para ensinar a desenvolver práticas seguras e eficientes de cuidado disseminando o conhecimento para a comunidade. Além disso, eles são mediados por profissionais especialistas na área abordada, que direcionam suas orientações e atividades para a população alvo.1,2
Um destaque na atuação de grupos da área da saúde, são os grupos de gestantes, os quais proporcionam um espaço para educação em saúde, estimulando o protagonismo e empoderamento dos pais através de um processo de ensino-aprendizagem coletivo dentro do grupo.3 Inserido no contexto de grupo de gestantes, destaca-se a prática educativa integrada ao contexto hospitalar, visando aumentar o vínculo entre a gestante e a maternidade. Corroborando com tais aspectos, sobressai-se nesta pesquisa o departamento de enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina em parceria com o Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago (HU-UFSC), hospital-escola que atende exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Sua maternidade foi inaugurada, em 1995, e no ano seguinte, em 1996, criado o Grupo de Gestantes e/ou Casais Grávidos, seguindo a filosofia assistencial dessa maternidade.4,5
A construção do modelo assistencial da maternidade foi organizada por um grupo de profissionais da área obstétrica e neonatal, respeitando as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e as evidências científicas da época. Dessa forma, nasceu um conjunto de 12 princípios filosóficos que passou a ser reconhecido como “a filosofia da maternidade”, contemplando três aspectos: aspectos gerais da assistência, integração entre os profissionais e o serviço e os direitos dos usuários.4
Assim, nomeado desde o início, Grupo de Gestantes e/ou Casais Grávidos é um espaço direcionado à promoção da saúde, ao cuidado humanizado e autonomia dos participantes. É um ambiente educativo, gratuito e interdisciplinar desenvolvido como um projeto de extensão do departamento de enfermagem da UFSC em parceria com a maternidade e profissionais do HU-UFSC.5,6
Em 2016, o grupo completou 20 anos de existência ininterrupta, sancionando, dessa forma, a sua importância e relevância para a sociedade e comunidade acadêmica. Justifica-se esse marco histórico, considerando-se como uma fase importante de transição na coordenação e organização de suas atividades, renovando os profissionais de saúde e docentes do grupo. Diante do exposto, questiona-se sobre a influência do processo histórico do grupo no período de 1996 a 2016 para seu público alvo, profissionais de saúde e área acadêmica, visto que não foram encontrados outros estudos que explorassem a trajetória histórica de grupos com a mesma finalidade deste. Outro fator que ressalta a importância da atuação deste grupo e o seu estudo, é o processo de curricularização da extensão universitária. Este visa fortalecer os consórcios e integrar o ensino em atividades de ensino, pesquisa e extensão.7
Compreendendo as questões envolvidas em torno do grupo de gestantes, utiliza-se nesta pesquisa o referencial da Teoria do Autocuidado de Dorothea Orem, para fundamentação teórica do estudo. Orem integrou, em sua teoria, conceitos utilizados para o fortalecimento desse processo, incluindo principalmente “o educar o outro”, realizado pela enfermagem e outros profissionais de saúde de modo interdisciplinar, facilitando o ensino-aprendizado.8
Questiona-se então: como se instituiu o processo de construção do Grupo de Gestantes e/ou Casais Grávidos da Universidade Federal de Santa Catarina (1996-2016)? Em busca de respostas para essa questão, este estudo tem como objetivo: compreender como se instituiu o processo de construção do Grupo de Gestantes e/ou Casais Grávidos da Universidade Federal de Santa Catarina no período de 1996 a 2016.
Pesquisa qualitativa de natureza histórico-social, utilizando fontes orais e documentais. As fontes históricas são utilizadas com respeito ao passado, constituindo uma atitude ética do pesquisador e a responsabilidade da construção e registro de uma nova fonte de informação.9
A técnica realizada para obtenção de dados das fontes orais foi a História Oral Temática, envolvendo elementos da memória coletiva e ampliando o tempo para observação de algum aspecto “do outro”.10 A técnica de seleção das fontes foi a “bola de neve” que acontece após a localização de “informantes-chaves”, sendo os entrevistados indicadores de novos participantes com características de interesse da pesquisa, sucessivamente até a saturação amostral.11
Para selecionar as fontes orais desta pesquisa, foi estabelecido como critério de inclusão - profissional de saúde que atuou pelo menos durante um ano no grupo de gestantes e/ou casais grávidos da UFSC no período da pesquisa (1996 a 2016). Como critério de exclusão - profissionais de saúde que se encaixam no critério de inclusão que não responderam o contato através de telefone ou por meio eletrônico ou profissionais de saúde sem registro de contato pelos sujeitos da pesquisa.
As fontes documentais utilizadas foram materiais fornecidos pelos participantes do estudo, tais como: cronogramas dos grupos, listas de inscrições e de presenças, avaliações dos encontros e relatos de experiências, fotos, folders, artigos científicos e pôsteres. Estas serviram para validação dos dados obtidos por meio de fontes orais.
A coleta de dados aconteceu entre fevereiro e maio de 2017. Para coleta das fontes orais foi elaborado um roteiro semiestruturado aplicado em forma de entrevista. As entrevistas foram realizadas pela pesquisadora principal e gravadas em meio digital com duração de 30 a 60 minutos. Após a gravação foram transcritas e transformada a linguagem de palavras, expressões e pontuações de uso coloquial para o texto em formato científico. Após transcritas, estas foram encaminhadas aos participantes para a respectiva validação e assinatura do Termo de Cessão de Entrevista respeitando a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.11 Os participantes permitiram a divulgação do seu nome no estudo por se tratar de uma pesquisa histórica, valorizando sua participação nesse processo. A proposta de pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UFSC através do parecer 2.143.673/2017, respeitando a Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.
A análise de dados foi guiada pela técnica da análise de conteúdo proposta por Bardin12 relacionando com o marco teórico de Orem8. Primeiramente, foi realizado a pré-análise, organizando todos os documentos e recursos a serem utilizados na pesquisa. Posteriormente, foi feito a exploração do material, definindo as categorias e subcategorias de acordo com as temáticas encontradas. Por último, foi realizado o tratamento dos resultados, interpretando-os e destacando as temáticas mais relevantes.
Os resultados deste estudo estão apresentados em categorias temáticas para facilitar o entendimento, organização e clareza dos dados.12 Essas categorias foram definidas após a organização dos dados coletados, interpretação e análise crítica dos mesmos, sendo confirmados e confrontados através da análise de fontes documentais garantindo sua originalidade e veracidade.
Totalizaram-se nove participantes neste estudo, sendo sete enfermeiras (78%), uma socióloga (11%) e uma psicóloga (11%). A idade varia de 25 a 64 anos, sendo três participantes (33%) com idade entre 25 a 39 anos e seis (67%) participantes com idade entre 40 a 64 anos. Sobre a forma de atuação no grupo, cinco participantes foram coordenadoras (56%), uma profissional de saúde (11%) e três foram alunas bolsistas de extensão (33%). Referente a titulação acadêmica quatro participantes possuem mestrado (44%) e cinco possuem doutorado (56%). Quanto ao período de atuação no grupo de gestantes, cinco participantes atuaram no grupo entre 20 a 11 anos (56%) e quatro participantes entre 10 a 01 ano (44%). Essas características mostram que as participantes possuem alto grau de instrução, longo período de atuação e participação no grupo e envolvimento com a área de educação em saúde.
O processo de construção do grupo de gestantes desde a sua ideia de criação surge durante a implantação da maternidade do HU-UFSC a partir de uma necessidade da época e dos seus objetivos. Referente ao processo de implantação e filosofia da maternidade do HU-UFSC entre 1993 e 1994, existia uma comissão em prol dessa implantação, formada por profissionais de diversas áreas e por alguns docentes da UFSC. O processo de construção da filosofia da maternidade iniciou pelo espaço físico, recursos humanos disponíveis e planejamento de rotinas.
[...]Em 1994, surgiu a comissão para fundar a maternidade do Hospital Universitário e essa comissão era formada por psicólogos, enfermeiros e professores representantes do departamento. Eu e a Odaléa éramos as representantes do departamento de enfermagem. Também tinha médicos, fisioterapeutas e farmacêuticos, era uma comissão bem gigantesca e a gente introduziu várias rotinas para montar a maternidade. Primeiro, a gente fez estrutura física, depois os recursos humanos e depois as rotinas da maternidade [...] (Coordenadora Maria de Fátima - 1996/2016).
[...] Antes de abrir a maternidade, seus pressupostos já eram de um trabalho humanizado, um trabalho de equipe, em especial, um trabalho que conscientizasse as mulheres e os acompanhantes da importância da participação delas nesse processo [...] (Coordenadora Zaira - 1996/2016).
Apesar do HU-UFSC já contar com o grupo de gestantes do último trimestre que surgiu logo em seguida da inauguração, este se mostrava insuficiente, pois não supria as necessidades da época devido à restrição do tempo. É mencionado que as profissionais Zaira, Odaléa e Maria de Fátima foram as criadoras da ideia do grupo, fundadoras e líderes na época, já surgindo como um grupo com atuação multi e interdisciplinar composto por profissionais da enfermagem, psicologia e outros profissionais de saúde que eram incluídos nos encontros. Esses dados são confirmados através dos cronogramas de atividades do Grupo de Gestantes e/ou Casais Grávidos da época.
[...] A Odaléa e eu começamos a coordenar o encontro de gestantes do terceiro trimestre. Começamos em dezembro de 1995 esse trabalho até o primeiro semestre de 1996 com a maternidade nos seus primeiros meses, focada na humanização, capacitação dos profissionais da saúde, pois já tinha a filosofia escrita e a gente pensou: “bom, vamos começar a fazer um trabalho mais estendido, mais ampliado com uma perspectiva multidisciplinar”, já que um dos princípios da nossa filosofia é o trabalho multidisciplinar tentando ser inter e a gente pensou na estrutura desse grupo para iniciar, pois o terceiro trimestre era mais focado no nascimento, em uma tarde só. Pensamos em estruturar um trabalho que envolvesse mais profissionais e tivesse mais tempo e espaço para as mulheres e acompanhantes refletirem sobre esse processo [...] (Coordenadora Zaira - 1996/2016).
[...] A gente já tinha em mente de que o trabalho assistencial a parturiente, não podia se restringir apenas ao hospital. Então, a ideia era de que as gestantes com a intenção de ganhar o bebê na maternidade do HU, tivessem a oportunidade de participar de um grupo de gestantes para receber orientação, não só ela, mas também seu companheiro ou o acompanhante que ela desejasse e, por isso que o grupo já nasceu como “Grupo de gestantes e/ou casais grávidos” [...] (Coordenadora Odaléa - 1996/2002).
A respeito da efetivação das atividades do grupo, aborda-se o momento que iniciou o primeiro encontro do primeiro Grupo de Gestantes e/ou Casais Grávidos da UFSC e quais as pessoas envolvidas nesse início. O grupo foi criado como um projeto de extensão do departamento de enfermagem da UFSC, pois as docentes do departamento não possuíam vínculo direto com o HU.
[...] O primeiro grupo foi feito no dia 18 de abril de 1996, mas ele foi organizado lá pra março mais ou menos [...] (Enfermeira Maria de Fátima - 1996/2016).
[...] Durante as reuniões da maternidade, a gente já começou a discutir sobre a criação do grupo de gestantes e na época das coordenadoras atuais a única que já era professora no departamento era eu. A professora Fátima veio depois de mim, e como ela estava envolvida na atenção básica no pré-natal no departamento, eu convidei ela para montar o grupo de gestantes junto com a Zaira e nós elaboramos um projeto. Nós, enquanto professoras, não tínhamos vínculo com o HU, então tinha que ser projeto de extensão. Ele nasceu como projeto de extensão do departamento de enfermagem com participação de profissionais do HU em 1996 [...] (Enfermeira Odaléa - 1996/2002).
Concernente aos objetivos do Grupo de Gestantes e/ou Casais Grávidos da UFSC, de modo geral, se encontram os objetivos relacionados às gestantes, acompanhantes e comunidade em geral como o empoderamento, autonomia; autoconhecimento, segurança e práticas de autocuidado referente ao processo gravídico-puerperal; processo de ensino-aprendizagem e fortalecimento de atividades acadêmicas e autonomia profissional importante para a formação do aluno; envolvimento de profissionais de saúde de diversas áreas de atuação e formação; capacitação de profissionais de saúde entre outros fatores envolvidos.
[...] Oferecer para a comunidade um espaço que pudesse ajudar a mulher a se empoderar e se conscientizar da sua importância nesse processo e ser a protagonista do parto. Os nossos princípios da filosofia era oferecer esse suporte para a mulher, esclarecer dúvidas e tornar ela muito mais empoderada a ponto de chegar na hora do processo de parto e nascimento conseguir inclusive refletir com a equipe sobre posturas inadequadas e coisas do gênero. É todo um enfoque de promoção da saúde e do desenvolvimento psicoafetivo com o bebê, a inserção desse novo membro na família, a preocupação de refletir e debater o impacto do nascimento na vida de um casal ou uma mulher que esteja sozinha [...] (Coordenadora Zaira - 1996/2016).
[...] O objetivo principal (1996) era todo o acompanhamento do ciclo gravídico-puerperal. A gente queria preparar a gestante para as boas práticas e para ajudar nas boas práticas na obstetrícia, porque naquela ocasião em 1996, estava se trabalhando muito a questão da humanização, do nascimento e a população desconhecia os direitos que tinha, estava saindo as recomendações da OMS naquela época (...). Outro objetivo é a questão do aluno, dá a oportunidade para ele participar disso e se envolver com a questão da educação em saúde (...). As pessoas que não tinham feito grupos na rede básica queriam conhecer como funcionava o grupo iam no nosso grupo e depois replicavam (...). A gente tinha vários enfermeiros, médicos, que vinham participar do grupo para replicar depois [...] (Coordenadora Maria de Fátima 1996/2016).
As políticas incentivadoras da época da criação do grupo e o desenvolvimento de novos programas e práticas de saúde estão presentes nas falas das participantes. O crescimento e o desenvolvimento da maternidade do HU e da sua filosofia assistencial também são fatores que influenciam o seguimento do Grupo de Gestantes e/ou Casais Grávidos.
As participantes mencionam políticas e programas de saúde como o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM); o Programa de Humanização do Pré-Natal e Nascimento (PHPN); o Prêmio Galba de Araújo; a Rede pela Humanização do Parto e Nascimento (REHUNA); as recomendações da OMS; a Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC) e as demais evidências científicas e recomendações do Ministério da Saúde (MS) e SUS.
[...] Quando a gente pensou no grupo foi dentro desse movimento de humanização e dentro da política, na época era do PAISM, porque a gente não tinha o PHPN ainda, o PHPN foi em 2002 e isso era, em 1995. Nós tínhamos, na época, também o programa maternidade segura e o Galba de Araújo que não era um programa, não eram políticas públicas era um incentivo do Ministério da Saúde com diretrizes que dizia que a mulher deveria ser empoderada para ter um parto que ela desejasse, ser apoiada, ter envolvimento da família [...] (Coordenadora Odaléa - 1996/2002).
[...] O que nos baseou foi a nossa política interna da maternidade. Todas as nossas ações, iniciativas e educativas ou psicoeducativas sempre tinham como base e sustentação a nossa filosofia. Naquela época, a nossa filosofia também era o reflexo de alguma forma a todo movimento que existia da REHUNA que é a Rede pela Humanização do Parto e Nascimento ligada a alguns setores da OMS que também já vislumbravam uma política diferenciada com relação ao gestar e parir [...] (Coordenadora Zaira - 1996/2016).
[...]Cada dia tinha uma temática específica, os Programas de Saúde da Mulher e o que o SUS preconizava era a base para as discussões [...] (Aluna Saionara - 2010/2011).
Nota-se a preocupação das coordenadoras e integrantes do grupo em passar para as gestantes e seus acompanhantes, evidências científicas e recomendações que realmente eram indicadas e preconizadas pelo Ministério da Saúde.
A influência do Hospital Universitário foi fundamental para o êxito do Grupo de Gestantes e/ou Casais Grávidos, principalmente, nos primeiros grupos quando as gestantes e a comunidade, de modo geral, não conheciam o trabalho do grupo e de suas coordenadoras.
[...] Nos primeiros grupos até buscamos fazer uma vinculação de quem fazia parte daquele grupo de gestantes tinha o direito de ganhar no HU. A gente tinha um carimbinho e esse carimbinho ficava na carteira da gestante como registro de ter participado do grupo de casais grávidos, logo ela teria direito de ganhar no HU. Isso foi bem no comecinho, foi pouquíssimos grupos que tiveram esse “benefício”. Depois a gente refletiu muito e viu que não era a lógica do SUS [...] (Coordenadora Zaira - 1996/2016).
[...] Quando iniciei no grupo, em 2002, as gestantes perguntavam se vindo ao grupo, elas tinham prioridade de vaga no HU, mas não tinham. O grupo ele é independente, o HU é por ordem de chegada. Facilita, porque a gente faz a visita nesse hospital, elas ficam conhecendo conosco, tiram as dúvidas antes de chegar no centro obstétrico. Então, elas não ficam dependentes dos profissionais, porque já conhecem como funciona a instituição, mas não tem nenhum vínculo em relação a isso [...] (Coordenadora Vitória - 2002/2016).
[...] A maternidade do HU especialmente quando ela abriu tinha muito essa questão da humanização, era a única que podia entrar o acompanhante. O HU também começou aqui em Florianópolis com a questão do parto vertical, pois tinha cadeira [...] (Aluna Roberta - 1998/1999).
Reforça-se o papel do grupo de gestantes, servindo de suporte às atividades da maternidade do HU-UFSC, principalmente em relação às visitas. Aborda-se também a importância do grupo de gestantes para a manutenção da filosofia da maternidade, já que alguns profissionais se mostravam resistentes quanto a inclusão do acompanhante no momento do parto e no empoderamento das gestantes em ser responsável pela sua própria tomada de decisão.
[...] O grupo teve um papel importante para que se mantivesse a filosofia de atendimento da maternidade, porque ali houve toda uma discussão em torno da participação do acompanhante. Os médicos não queriam o acompanhante. O livre acesso da mãe, do pai a UTI neonatal, a mulher escolhia a posição de parto que ela quisesse. Então, foram algumas mudanças colocadas quando houve a abertura da maternidade e vinham tendo resistência dentro da equipe e aqui o grupo de gestantes vinha conversando com as mulheres, reforçando essa abordagem. Essas parturientes quando foram para o HU pressionaram os profissionais que estavam “em cima do muro”, vamos dizer assim, pressionaram pela manutenção dessas orientações [...] (Coordenadora Maria Isabel - 2000/2016).
A maternidade do HU-UFSC e sua filosofia influenciam as atividades educativas do grupo e de certa forma as orientações fornecidas no grupo também exercem influência na maternidade e ação dos seus profissionais. Seja pelo suporte em relação as visitas à maternidade e/ou por instruir suas gestantes e acompanhantes para os momentos do parto e pós-parto.
As políticas públicas de saúde da mulher no Brasil e no mundo vêm evoluindo ao longo dos anos. Justificando-se pela necessidade e fortalecimento do papel feminino na sociedade, ampliando e visibilizando a figura da mulher. Essas políticas são incentivadoras e fundamentais para as instituições de saúde construir suas normas internas e orientações de práticas de saúde.13 Referente à criação do Grupo de Gestantes e/ou Casais Grávidos não foi diferente, as políticas e programas de saúde foram influências fortes para sua construção e suas atividades foram norteadas pelas recomendações do MS e comprovação de evidência científicas. Também favorecem as atividades de autocuidado propostas por Orem, pois são formadas a partir de uma necessidade social, sendo executadas pelos indivíduos em seu próprio benefício, manutenção e otimização de sua saúde e bem-estar8.
No ano de 1995, simultaneamente ao ano que nasceu a ideia de formação do grupo de gestantes, aconteceu a IV Conferência das Nações Unidas em Pequim/Japão, que tratava da saúde da mulher. Nessa Conferência, foram identificadas 12 áreas de preocupação prioritária, entre elas a desigualdade no acesso à educação, capacitação e aos serviços de saúde. A Plataforma de Ação de Pequim consagrou três inovações como potenciais transformadores na luta pela promoção da situação e dos direitos da mulher: o conceito de gênero, a noção de empoderamento e o enfoque da transversalidade.14,15 A partir do déficit de autocuidado ou de cuidados com os indivíduos, levantaram-se esses fatores específicos, contribuindo para a integridade dos indivíduos e seu desenvolvimento como ser humano.8 Essas inovações já estavam incluídas nos princípios do grupo de gestantes e/ou casais grávidos e vinham ao encontro a filosofia da maternidade do HU-UFSC, vislumbrando a educação da comunidade social e acadêmica, a capacitação dos profissionais e o acesso aos serviços de saúde com conhecimento prévio de seus direitos.
A partir da Conferência de Pequim, o MS vem criando programas, políticas e portarias, além de apoiar as legislações que abordam especificamente as questões da saúde da mulher e do RN. Essas políticas são extensamente divulgadas pelas secretarias municipais e estaduais, entretanto não são todas que se incorporam aos serviços de saúde.16 Elas são a base e estímulo para criação e consolidação das ideias do grupo de gestantes e/ou casais grávidos, fortalecendo seus ideais e sendo suporte para a realização de suas atividades.
Dentre as políticas influenciadoras do processo de construção do grupo de gestantes da UFSC, está a IHAC criada, em 1990, pela Organização Mundial da Saúde e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) com objetivo de promover, proteger e apoiar o aleitamento materno. A base da iniciativa deste projeto é a implantação dos “Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno”, usados para capacitar toda a equipe hospitalar que trabalha com a saúde da gestante e bebês, orientando sobre as vantagens e o manejo correto do aleitamento materno, bem como as desvantagens do uso de substitutos do leite materno, mamadeiras e chupetas.17-19 Pode-se perceber que a capacitação dos pais, profissionais de saúde e dos acadêmicos envolvidos no grupo, era um dos pontos trabalhados indo ao encontro do “cuidar do outro” e “ensinar o autocuidado” de Orem integrando políticas de saúde, práticas educativas e assistenciais.8
As recomendações de práticas mais comuns utilizadas durante o trabalho de parto foram publicadas, em 1996, pela OMS, a fim de estabelecer boas práticas para a condução do trabalho de parto sem complicações baseadas nas evidências científicas. Essas recomendações são divididas em 4 categorias: A) Práticas comprovadamente úteis que devem ser encorajadas; B) Práticas prejudiciais ou ineficazes que devem ser eliminadas; C) Práticas cuja evidência é insuficientemente comprovada e devem ser usadas por precaução e; D) Práticas frequentemente utilizadas de forma inadequada.20 Essas recomendações vislumbram a prática assistencial até os dias de hoje e estão incorporadas na filosofia assistencial da maternidade do HU-UFSC sendo reflexo para as orientações e práticas recomendadas pelo grupo de gestantes e/ou casais grávidos integrando e estimulando essas práticas em suas atividades educativas e assistenciais. Os profissionais de saúde estavam abertos para o processo de aprendizagem e dispostos a educar o outro, fornecendo experiências educacionais adequadas.8
Outro programa que foi influenciador no processo de consolidação do grupo de gestantes e/ou casais grávidos foi o PHPN instituído no ano 2000, pela portaria nº 569. Esse programa considera que a gestante e seu RN deve receber um atendimento digno e de qualidade ao decorrer da gestação, parto e pós-parto, sendo seus direitos de cidadania. Visa ainda a necessidade de redução de altas taxas de morbimortalidade materna, perinatal e neonatal do país, considerando importante a adoção e complementação de algumas medidas já estabelecidas pelo MS.21 Antes disso, baseavam-se pelo PAISM lançado, em 1983, pelo MS, como o primeiro programa que contemplava a regulação da fecundidade sendo pioneiro inclusive no cenário mundial, ao propor um atendimento à saúde reprodutiva das mulheres, no âmbito da atenção integral à saúde e não utilizando ações isoladas em planejamento familiar.22
Outro suporte teórico para o grupo de gestantes e/ou casais grávidos foi a entidade ReHuna, que é uma organização da sociedade civil atuante em forma de associação em nível nacional, desde 1993. Seu principal objetivo é divulgar a assistência e cuidados perinatais com base nas evidências científicas tendo um papel fundamental na estruturação da “humanização do parto e nascimento”, a fim de reduzir intervenções desnecessárias e promover ações voltadas ao processo gravídico-puerperal de forma natural e fisiológica.23 Essa política reflete no grupo de gestantes que propaga essas ideias a quem os procura, estimulando e empoderando para o nascimento saudável e fisiológico, promovendo o autoconhecimento e a vontade da mulher no momento do parto.8
Apesar de ter o mesmo suporte teórico, o grupo de gestantes é um projeto de extensão da universidade independente a maternidade, uma instituição pública que não pode garantir assistência ao parto para aquelas gestantes que participam do grupo. Isso é avaliado conforme disposição do número de vagas, quadro clínico de cada gestante e proximidade de sua residência, entretanto era abordado no início com um foco de interesse do público. A maternidade era um modelo para conhecimento de estrutura, princípios filosóficos e dinâmica assistencial.24
Discute-se a importância da visita e conhecimento prévio da maternidade antes da parturição, a qual afeta positivamente na satisfação dos usuários, segurança com a equipe e o processo de aproximação com o local de trabalho de parto.25 A visita na maternidade proporciona a gestante e seu acompanhante o conhecimento prévio de rotinas, orientações do papel do acompanhante, orientações sobre os cuidados prestados em cada fase do trabalho de parto e cuidados prestados ao recém-nascido.8
Além dos benefícios para a comunidade e profissionais de saúde, o grupo de gestantes ainda oferece a oportunidade dos estudantes de graduação da UFSC se inserirem nesse processo de ensino-aprendizagem, um dos objetivos da Teoria de Orem.8 Considerando ainda que tal grupo surgiu como um projeto de extensão, suas atividades encontram-se incorporadas dentro de novas diretrizes, chamadas de curricularização da extensão universitária. Estas preveem através de decretos, a incorporação das atividades acadêmicas em diferentes modalidades, anteriormente, focadas dentro da sala de aula, mas agora expandidas para outros territórios. Visa, assim, envolver e integrar três funções do ensino superior, atividades de educação, pesquisa e extensão, fortalecendo deste modo o processo de ensino e aprendizagem do estudante.26
Essa inserção reflete de forma positiva na formação e crescimento profissional dos alunos, tornando-os mais seguros, comprometidos e independentes para mediar conflitos e atividades de educação em saúde. Ainda estimulam leituras e conhecimento prévio sobre os temas abordados e suporte nas discussões e nas práticas de saúde.8,24,27
A maternidade do HU-UFSC foi a primeira maternidade de Florianópolis a estimular e permitir a presença do acompanhante de livre escolha da mulher desde o momento em que ela entra na instituição até a alta hospitalar. Essa prática foi instituída desde a implantação e inauguração da maternidade, em 1995, e inserida na filosofia assistencial, promovendo a participação dos usuários e integração com os profissionais de saúde. Além do estímulo da participação do acompanhante, a maternidade do HU-UFSC foi a primeira a estimular a escolha pela posição de parto e oferecer métodos não farmacológicos para alívio da dor com técnicas de banho, massagem, uso da bola e do “cavalinho”.28 Essas práticas foram inovadoras na época e deram uma boa visibilidade ao hospital e sua maternidade e consequentemente ao grupo de gestantes que seguia os mesmos princípios.6,8,28 As práticas educativas dão suporte aos indivíduos para engajar-se ao autocuidado, construindo um somatório de ações a serem executadas em um determinado tempo, alcançando os requisitos de autocuidado através do uso de métodos de ações.8
O Grupo de Gestantes e/ou Casais Grávidos tem a função de instrumentalizar a gestante e seu acompanhante para uma participação ativa no momento do parto e puerpério. Essas ações estimulam e fortalecem os princípios da filosofia da maternidade e integram os profissionais de saúde, desenvolvendo as práticas de cuidado de acordo com as diretrizes da instituição.4,5 Tais ações são essenciais para o desenvolvimento do processo de educação dos profissionais de saúde e requisitos de autocuidado pelas gestantes e seus acompanhantes, transformando-os em protagonistas do processo.8
Conclui-se que o processo de construção do Grupo de Gestantes e/ou Casais Grávidos envolveu um conjunto de ações, pessoas, planejamento e execução de atividades, a fim de formar um espaço educativo, gratuito, com troca de experiência mútua e aberto a comunidade nascendo, assim como um projeto de extensão de um departamento de enfermagem. Ele vem ao encontro de princípios teóricos de Dorothea Orem que busca ensinar o outro a desenvolver requisitos de autocuidado, identificar sua necessidade e procurar ajuda quando necessário.
Diante disso, pode-se perceber que o grupo de gestantes é fortalecido por políticas públicas de saúde e suas evidências científicas, vinculação com uma maternidade-escola, trabalho multidisciplinar e integrado, inserção de discentes e profissionais de saúde capacitados e comprometidos com o bem-estar da gestante, família e comunidade. Esses achados estimulam o planejamento e envolvimento de profissionais de saúde e docentes de enfermagem a desenvolver grupos de apoio que vinculem pesquisa, ensino e assistência replicando as boas práticas de forma segura e prazerosa para a comunidade científica e social.
Acredita-se que este estudo teve limitações quanto ao número de participantes, não sendo possível contemplar todos os profissionais de saúde envolvidos na trajetória do grupo, por conta do extenso período de atividades (20 anos) dificultando a captação desses profissionais. Outra limitação do estudo foi a realização da pesquisa somente com coordenadoras, profissionais de saúde e alunas, pois não engloba todos os envolvidos no processo de construção. Entretanto, este justifica-se pelo fato de poder provocar viés em algum acontecimento histórico.