versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.110 no.6 São Paulo jun. 2018
https://doi.org/10.5935/abc.20180079
As contrações ventriculares prematuras (CVPs) podem provocar arritmias ventriculares letais em pacientes com doença cardíaca estrutural, no entanto o papel das CVPs em indivíduos saudáveis permanece controverso, já que não há muitos estudos clínicos disponíveis. Recentemente, alguns marcadores de repolarização do miocárdio, tais como o intervalo Tp-e e as relações Tp-e/QT e Tp-e/QTc, foram relatados como úteis para prognosticar arritmias ventriculares letais em diversos transtornos clínicos sem doença cardíaca estrutural.
Neste estudo, o objetivo foi investigar a relação entre os marcadores de repolarização do miocárdio e as CVPs frequentes em indivíduos sem doença cardíaca estrutural.
Este estudo incluiu 100 pacientes com queixas de tonturas e palpitações. Eletrocardiografia de 12 derivações e registros de Holter ambulatorial de 24 horas foram obtidos de todos os pacientes. A carga de CVP foi calculada como o número total de CVPs dividido pelo número de todos os complexos de QRS no tempo de registro total. Foram considerados significativos valores p < 0,05.
O intervalo Tp-e e a relação Tp-e/QTc foram significativamente mais altos em pacientes com carga de CVP mais alta do que nos pacientes com carga de CVP inferior, e encontrou-se correlação positiva entre esses marcadores e a carga de CVP. Tp-e (β = 1,318, p = 0,043) e Tp-e/QTc (β = -405,136, p = 0,024) na derivação V5 foram identificados como preditores independentes da carga de CVP aumentada.
O intervalo Tp-e e a razão Tp-e/QTc foram mais altos em pacientes com um valor mais alto de CVP. Nosso estudo mostrou que CVPs podem ter um efeito negativo na repolarização do miocárdio. Essa interação pode resultar em risco aumentado de arritmias malignas.
Palavras-chave Complexos Ventriculares Prematuros; Arritmias Cardíacas; Eletrocardiografia / métodos; Doenças Cardiovasculares; Obesidade; Disfunção Ventricular Esquerda
Ventricular premature contractions (VPCs) may trigger lethal ventricular arrhythmias in patients with structural heart disease. However, this role of VPCs in healthy people remains controversial once that not enough clinical trials are available. Recently, some myocardial repolarization markers, such as Tp-e interval, Tp-e/QT, and Tp-e/QTc ratios, have been reported to be useful for predicting lethal ventricular arrhythmias in various clinical disorders without structural heart disease.
In this study, we aimed to investigate the relation between VPC frequent and myocardial repolarization markers in individuals without structural heart disease.
This study included 100 patients who had complaints of dizziness and palpitations. Twelve-lead electrocardiography and 24-hour ambulatory Holter recordings were obtained from all patients. VPC burden was calculated as the total number of VPCs divided by the number of all QRS complexes in the total recording time. P-values < 0.05 were considered significant.
Tp-e interval and Tp-e/QTc ratio were significantly higher in patients with higher VPC burden than in patients with lower VPC burden, and a positive correlation was found between these markers and VPC burden. Tp-e (β = 1.318, p = 0.043) and Tp-e/QTc (β = -405.136, p = 0.024) in the lead V5 were identified as independent predictors of increased VPC burden.
Tp-e interval and Tp-e/QTc ratio increased in patients with high VPC number. Our study showed that VPCs may have a negative effect on myocardial repolarization. This interaction may lead to an increased risk of malignant arrhythmias.
Keywords Ventricular Premature Complexes; Arrhythmias, Cardiac; Electrocardiography / methods; Cardiovascular Diseases; Obesity; Ventricular Dysfunction, Left
As contrações ventriculares prematuras (CVPs) costumam ser observadas na eletrocardiografia (ECG) de pacientes com hipertensão, obesidade e doença cardíaca estrutural. Alguns estudos relataram que as CVPs ocorrem em aproximadamente 4% da população geral.1,2 Enquanto alguns pacientes podem ser assintomáticos, muitos sofrem de sintomas relacionados às CVPs, tais como palpitação, tontura, dispneia e dor torácica. Além desses sintomas, CVPs frequentes podem causar distúrbios mais graves. Estudos recentes sobre adultos com CVPs frequentes (> 20.000/24 h) relataram dilatação e/ou disfunção ventricular esquerda,3,4 disfunção diastólica5 e arritmias ventriculares malignas em pacientes com doença cardíaca estrutural,6 no entanto não há certeza se as CVPs frequentes estão associadas com arritmias malignas em indivíduos sem doença cardíaca estrutural.
A onda T costuma ser utilizada para avaliar a repolarização do miocárdio. A dispersão transmural aumentada da repolarização do miocárdio em um coração regular associa-se com uma tendência para arritmias cardíacas. Recentemente, alguns marcadores de repolarização do miocárdio, tais como intervalo QT (QT), QT corrigido (QTc), dispersão de QT (QTd), intervalo Tp-e (Tp-e) e relação Tp-e/QT, foram considerados úteis para predizer arritmias cardíacas potencialmente fatais em diversos distúrbios clínicos sem doença cardíaca estrutural. Certos estudos mostraram que Tp-e, Tp-e/QT e Tp-e/QTc aumentados foram relacionados ao risco elevado da ocorrência de arritmias ventriculares malignas.7,8 Neste estudo, investigou-se a relação entre a carga de CVP e a repolarização do miocárdio, utilizando alguns marcadores de ECG em indivíduos sem doença cardíaca estrutural.
Cem pacientes com no mínimo uma CVP na ECG de 12 derivações, diagnosticados com tontura, síncope e palpitação sem doença cardíaca estrutural, hospitalizados no setor de cardiologia de nosso hospital universitário, entre julho de 2016 e março de 2017, foram incluídos neste estudo transversal. Obtiveram-se registros de Holter ambulatorial durante 24 horas de todos os pacientes. A carga de CVP foi calculada como o número total de CVPs dividido pelo número de todos os complexos de QRS no tempo de registro total. A frequência de < 1% de CVPs/24 horas foi indicada como "grupo raro 1 (n = 32)", 1-5% de CVPs/24 horas foi indicada como "grupo ocasional 2 (n = 36)" e > 5% de CVPs/24 horas foi indicada como "grupo frequente 3" (n = 32)".
Os critérios de exclusão para todos os grupos foram: ondas T não confiáveis na ECG, fibrilação atrial, bloqueio do ramo esquerdo do feixe de His, doenças cardíacas valvulares graves ou moderadas, distúrbios tireoidianos, cardiomiopatias, doenças cardíacas congênitas, malignidade, hipertensão pulmonar, distúrbios eletrolíticos, síndromes coronárias agudas, insuficiência cardíaca, histórico de infarto do miocárdio, histórico de ponte aorto-coronária, marca-passo permanente implantado e defeito de movimento segmentar do ventrículo esquerdo na ecocardiográfico. A aprovação do comitê de ética local e o termo de consentimento foram obtidos de todos os pacientes.
ECGs de 12 derivações foram obtidas em repouso numa taxa de amplitude de 10 mm/mV e 25 mm/seg (Cardiofax V; Nihon Kohden Corporation, Tóquio, Japão), com o paciente na posição decúbito dorsal. Todas as ECGs foram transferidas para um computador por meio de um escâner e, em seguida, utilizadas para a amplificação × 300%, utilizando-se o software Paint. Os registros de Holter foram realizados com gravadores Lifecard CF (Del Mar Reynolds Medical, Irvine, Estados Unidos). Os pacientes foram advertidos para não fumarem nem consumirem café e/ou álcool durante o registro do Holter. Mensuraram-se as medidas no computador por dois cardiologistas que estavam cegos com relação aos dados clínicos de cada paciente. A taquicardia ventricular (TV) foi definida como a escalação de, no mínimo, três ou mais CVPs consecutivas. O couplet ventricular (Cv) foi definido como a ordenação sequencial de duas CVPs.
O intervalo RR e a duração de QRS, QT e QTd foram medidos em todas as derivações. O QT foi definido como o período desde o início do QRS até o ponto em que a onda T retorna à linha isoelétrica. O valor médio de, no mínimo, duas leituras foi calculado para cada derivação. O QTc foi calculado utilizando-se a fórmula de Bazett:9 QTc = QT/√R - intervalo R. O QTd foi definido como a diferença entre o intervalo de QT mais longo e o mais curto das 12 derivações. Indivíduos com ondas U em suas ECGs foram excluídos do estudo.
Na medida do intervalo Tp-e, os métodos de cauda e tangente podem ser utilizados, mas o primeiro é um preditor melhor de mortalidade do que o último.10 Desse modo, o método de cauda foi utilizado neste estudo. O método de cauda foi definido como o intervalo entre o pico até o fim da onda T ao ponto onde a onda alcançou a linha isoelétrica.9 A medida do intervalo Tp-e foi obtida das derivações V2 e V5, que foram corrigidas para a frequência cardíaca (cTp-e).11 As relações Tp-e/QT foram calculadas com base nas medidas.
Todos os exames de ecocardiografia (General Electric Vivid S5, Milwaukee, Estados Unidos) foram realizados em todos os indivíduos, por um cardiologista experiente, utilizando-se um transdutor de 2.5-3.5 MHz na posição de decúbito ventral esquerda. Duas medições dimensionais e de Doppler pulsado foram obtidas utilizando-se os critérios da Sociedade Americana de Ecocardiografia e da Associação Europeia de Imagens Cardiovasculares.12 A fração de ejeção ventricular esquerda (LVEF) foi avaliada por intermédio do método de Simpson.
Todos os testes foram realizados utilizando-se o PASW Statistics (SPSS 18.0 para Windows, Inc., Chicago, Estados Unidos). O teste de Shapiro-Wilk foi usado para avaliar a distribuição normal. As variáveis contínuas foram descritas como a média (± desvio padrão), e as variáveis categóricas, como a frequência (porcentagem). Compararam-se todos os parâmetros contínuos entre grupos por meio da ANOVA one-way. O teste de Tukey post hoc foi empregado para verificar as diferenças significativas intergrupos. Os fatores categóricos foram comparados entre grupos por meio do teste de χ2 para independência. As correlações entre as duas variáveis foram realizadas por meio da correlação de Pearson. A análise de regressão linear múltipla foi utilizada para avaliar a associação entre a carga de CVP aumentada e variáveis independentes que se diferiam significativamente nas análises de correlação de Pearson (p < 0,1). Fez-se uma análise de regressão logística multivariada para demonstrar o efeito da presença de doença arterial coronariana (DAC) nos parâmetros de ECG. Foram considerados significativos valores p < 0,05.
As características laboratoriais e demográficas da linha basal dos três grupos estão resumidas na Tabela 1. Não foi encontrada diferença significativa entre os três grupos com relação às características laboratoriais ou demográficas da linha basal. Alguns parâmetros da ECG ambulatorial e da linha basal entre os grupos são mostrados na Tabela 2.
Tabela 1 Características da linha basal e parâmetros laboratoriais e ecocardiográficos da população do estudo
Variáveis | Grupo 1 (n = 32) | Grupo 2 (n = 36) | Grupo 3 (n = 32) | p* |
---|---|---|---|---|
Idade, anos | 49,60 ± 16,50 | 51,40 ± 17,00 | 52,10 ± 12,90 | 0,805 |
Sexo feminino, n (%) | 16,00 (50,00) | 19,00 (52,80) | 14,00 (43,80) | 0,752 |
Índice de massa corpórea, kg/m2 | 24,10 ± 2,50 | 23,60 ± 3,60 | 23,40 ± 4,40 | 0,657 |
Hipertensão, n (%) | 8,00 (25,00) | 12,00 (33,30) | 10,00 (31,30) | 0,743 |
Diabetes melito, n (%) | 1,00 (3,10) | 4,00 (11,10) | 5,00 (15,60) | 0,240 |
Doença arterial coronária, n (%) | 7,00 (21,90) | 10,00 (27,80) | 11,00 (34,40) | 0,538 |
Tabagismo, n (%) | 6,00 (18,80) | 5,00 (13,90) | 7,00 (21,90) | 0,687 |
Pressão arterial sistólica (mmHg) | 125,40 ± 15,40 | 125,10 ±14,30 | 122,80 ±14,00 | 0,737 |
Pressão arterial diastólica (mmHg) | 78,70 ± 7,50 | 77,50 ± 8,10 | 76,70 ± 8,90 | 0,638 |
Fração de ejeção ventricular esquerda (%) | 62,80 ± 3,70 | 61,30 ± 4,20 | 60,90 ± 4,70 | 0,167 |
Septo interventricular (mm) | 9,80 ± 0,70 | 10,20 ± 0,80 | 10,00 ± 0,80 | 0,460 |
Creatinina, mg/dL | 0,82 ± 0,22 | 0,85 ± 0,22 | 0,83 ± 0,21 | 0,816 |
Relação neutrófilo-linfócito | 1,90 ± 0,57 | 2,36 ± 1,05 | 2,26 ± 1,67 | 0,267 |
Hemoglobina, gr/dL | 14,60 ± 1,60 | 14,00 ± 1,40 | 14,20 ± 1,80 | 0,345 |
β-bloqueadores, n (%) | 15,00 (46,90) | 16,00 (44,40) | 11,00 (34,40) | 0,559 |
Inibidores de enzima conversora de angiotensina, n (%) | 8,00 (25,00) | 9,00 (25,00) | 6,00 (18,80) | 0,787 |
Bloqueadores de receptores de angiotensina, n (%) | 4,00 (12,50) | 5,00 (13,90) | 4,00 (12,50) | 0,981 |
Número de pacientes com Cv, n (%) | 9,00 (28,10) | 21,00 (58,30) | 21,00 (65,60) | 0,006 |
Número de pacientes com TV, n (%) | 3,00 (9,40) | 11,00 (30,60) | 12,00 (37,50) | 0,028 |
Cv: couplet ventricular; TV: taquicardia ventricular. Os dados estão apresentados como média ± DP ou n (%). Os valores p estatisticamente significativos estão mostrados em negrito.
*Os testes de ANOVA e χ2 foram realizados para estudar as diferenças entre os três grupos.
Tabela 2 Parâmetros eletrocardiográficos de Holter ambulatorial e da linha basal da população do estudo
Variáveis | Grupo 1 (n = 32) | Grupo 2 (n = 36) | Grupo 3 (n = 32) | Valores p (grupos)* | ||
---|---|---|---|---|---|---|
1 vs. 2 | 1 vs. 3 | 2 vs. 3 | ||||
Frequência cardíaca máxima (batimentos/minuto) | 123,60 ± 17,10 | 120,40 ± 20,10 | 116,80 ± 13,20 | 0,720 | 0,259 | 0,671 |
Frequência cardíaca mínima (batimentos/minuto) | 58,90 ± 7,40 | 54,90 ± 8,60 | 57,10 ± 7,30 | 0,097 | 0,638 | 0,481 |
Frequência cardíaca média (batimentos/minuto) | 73,40 ± 13,40 | 72,40 ± 14,60 | 73,90 ± 12,00 | 0,940 | 0,980 | 0,855 |
Número de CVPs (mediana/24 horas) | 543,00 ± 288,00 | 2.779 ± 1.041 | 8.358 ± 2.911 | < 0,001 | < 0,001 | < 0,001 |
Número de CVPs (mediana/hora) | 22,80 ± 12,40 | 117,50 ± 46,30 | 358,00 ± 125,20 | < 0,001 | < 0,001 | < 0,001 |
Percentual do número de CVP (24 h) | 0,50 ± 0,23 | 2,76 ± 1,03 | 7,90 ± 2,72 | < 0,001 | < 0,001 | < 0,001 |
Derivação V2 | ||||||
QT (ms) | 358,00 ± 22,80 | 378,10 ± 35,50 | 387,00 ± 25,30 | 0,013 | < 0,001 | 0,419 |
QTc (ms) | 414,30 ± 32,20 | 410,50 ± 27,00 | 427,30 ± 33,80 | 0,867 | 0,222 | 0,071 |
Tp-e (ms) | 94,30 ± 9,40 | 100,50 ± 9,70 | 106,50 ± 7,90 | 0,016 | < 0,001 | 0,023 |
cTp-e (ms) | 108,60 ± 14,80 | 110,00 ± 16,30 | 117,70 ± 11,50 | 0,923 | 0,038 | 0,079 |
Tp-e/QT | 0,26 ± 0,02 | 0,27 ± 0,03 | 0,28 ± 0,02 | 0,854 | 0,239 | 0,493 |
Tp-e/QTc | 0,23 ± 0,02 | 0,24 ± 0,03 | 0,25 ± 0,03 | 0,007 | 0,001 | 0,689 |
Derivação V5 | ||||||
QT (ms) | 363,70 ± 26,20 | 380,50 ± 41,50 | 389,30 ± 20,50 | 0,075 | 0,004 | 0,485 |
QTc (ms) | 421,00 ± 37,00 | 413,00 ± 29,30 | 429,70 ± 29,10 | 0,554 | 0,524 | 0,084 |
Tp-e (ms) | 91,30 ± 9,20 | 94,00 ± 12,20 | 101,10 ± 8,80 | 0,519 | 0,001 | 0,015 |
cTp-e (ms) | 106,50 ± 15,10 | 102,3 ± 13,9 | 112,0 ± 14,0 | 0,453 | 0,280 | 0,018 |
Tp-e/QT | 0,25 ± 0,02 | 0,25 ± 0,03 | 0,26 ± 0,03 | 0,895 | 0,372 | 0,163 |
Tp-e/QTc | 0,22 ± 0,02 | 0,23 ± 0,03 | 0,24 ± 0,03 | 0,244 | 0,021 | 0,465 |
QTd (ms) | 23,30 ± 6,40 | 26,3 ± 13,1 | 34,3 ± 13,4 | 0,537 | 0,001 | 0,015 |
QTc: QT corrigido; QTd: dispersão de QT; Tp-e: intervalo do pico-ao-final da onda T; cTp-e: Tp-e corrigido; ms: milissegundo; CVP: contração ventricular prematura; os dados estão apresentados como média ± DP. Valores p estatisticamente significativos estão em negrito;
*o teste de ANOVA foi realizado para estudar as diferenças entre os três grupos. O teste de Tukey post hoc foi realizado após a ANOVA para estudar as diferenças entre grupos para o grupo 1 vs. grupo 2, grupo 1 vs. grupo 3 e grupo 2 vs. grupo 3.
De acordo com a comparação dos parâmetros de ECG entre os três grupos na derivação V2, o intervalo QT foi significativamente mais longo nos grupos 2 e 3 do que no grupo 1. O intervalo Tp-e no grupo 3 foi significativamente mais longo do que nos grupos 1 e 2. A relação Tp-e/QTc aumentou significativamente nos grupos 2 e 3 em comparação com o grupo 1. Quando os grupos foram comparados, não houve diferença significativa no intervalo QTc nem na relação Tp-e/QT (Tabela 2).
Segundo a comparação dos parâmetros de ECG entre os três grupos na derivação V5, o intervalo QT foi significativamente mais longo no grupo 3 do que no grupo 1. O intervalo Tp-e foi significativamente mais longo no grupo 3 do que nos grupos 1 e 2. A relação Tp-e/QTc estava significativamente aumentada no grupo 3 quando comparada ao grupo 1. Quando os grupos foram comparados, não foi encontrada diferença significativa no intervalo QTc nem na relação Tp-e/QT (Tabela 2).
No total, 28 pacientes tinham DAC (7, 10 e 11 pacientes nos grupos 1, 2 e 3, respectivamente). Lesões não graves que não causaram estreitamento significativo estavam evidentes nos relatórios angiográficos. A presença de DAC foi maior no grupo 3 do que nos grupos 1 e 2, mas não foi observada significância estatística (p = 0,538). Na análise de regressão logística multivariada, a DAC não teve efeito nos parâmetros da ECG. Observou-se Cv em 51 pacientes (9, 21 e 21 pacientes nos grupos 1, 2 e 3, respectivamente) e TV em 26 pacientes (3, 11 e 12 pacientes nos grupos 1, 2 e 3, respectivamente). A duração QTd do grupo 3 foi significativamente mais longa do que aquelas nos grupos 1 e 2 (p = 0,001, p = 0,015, respectivamente).
De acordo com o teste de correlação de Pearson, foram observadas correlações positivas entre a carga CVP e Tp-e (nas derivações V2 e V5) e Tp-e/QTc (nas derivações V2 e V5) (r = 0,476, p < 0,001; r = 0,395, p = < 0,001; r = 0,296, p = 0,003; e r = 0,256, p = 0,010, respectivamente) (Tabela 3, Figura 1). A Tabela 3 mostra os resultados das análises de regressão linear múltipla realizadas para identificar os parâmetros da ECG que afetam a carga da CVP. Desse modo, o intervalo Tp-e (β = 1,318, p = 0,043) e a relação Tp-e/QTc (β = -405,136, p = 0,024) na derivação V5 foram preditores independentes da carga de CVP.
Figura 1 Análise de dispersão da correlação entre o intervalo Tp-e e a relação Tp-e/QTc (nas derivações V2 e V5) e a carga de CVP. Ms: milissegundos; QTc: QT corrigido; Tp-e: intervalo do pico ao fim da onda T; CVP: contração ventricular prematura.
Tabela 3 Relação entre a carga das contrações prematuras ventriculares (CVPs) e os parâmetros clínicos e eletrocardiográficos
Variáveis | Carga de CVP | |||
---|---|---|---|---|
Coeficiente de correlação de Pearson | Valor p* | Coeficiente de regressão Beta | Valor p | |
Idade | -0,026 | 0,797 | - | - |
Sexo feminino | 0,089 | 0,380 | - | - |
DAC | 0,065 | 0,520 | - | - |
QTd | 0,256 | 0,010 | 0,035 | 0,190 |
Derivação V2 | ||||
QT | 0,362 | < 0,001 | 0,067 | 0,749 |
QTc | 0,243 | 0,015 | 0,148 | 0,382 |
Tp-e | 0,476 | < 0,001 | -0,665 | 0,260 |
Tp-e/QT | 0,171 | 0,088 | -48,643 | 0,734 |
Tp-e/QTc | 0,296 | 0,003 | -366,464 | 0,059 |
Derivação V5 | ||||
QT | 0,292 | 0,003 | -0,151 | 0,449 |
QTc | 0,173 | 0,085 | -0,154 | 0,309 |
Tp-e | 0,395 | < 0,001 | 1,318 | 0,043 |
Tp-e/QT | 0,185 | 0,066 | -100,943 | 0,585 |
Tp-e/QTc | 0,256 | 0,010 | -405,136 | 0,024 |
QTc: QT corrigido; QTd: dispersão de QT; Tp-e: intervalo do pico ao fim da onda T; DAC: doença arterial coronariana. Análises de regressão linear e correlação de Pearson.
Neste estudo, demonstramos que o intervalo Tp-e e a relação Tp-e/QTc foram significativamente mais altos em pacientes com carga de CVP mais alta do que naqueles pacientes com carga de CVP inferior. Além disso, encontrou-se correlação positiva entre esses marcadores e a frequência de CVP, no entanto não se viu associação entre a relação Tp-e/QT e a carga de CVP. O intervalo Tp-e e a relação Tp-e/QTc na derivação V5 foram identificados como preditores independentes da carga de CVP aumentada. O prolongamento da duração da repolarização do miocárdio em pacientes com carga de CVP aumentada é importante, porque essa condição pode estar relacionada a um risco aumentado de arritmia potencialmente fatal. Segundo nossos resultados, os parâmetros de repolarização do miocárdio deterioraram-se com a frequência de CVP crescente. Portanto, concluímos que tanto a frequência de CVP quanto o estágio da repolarização do miocárdio foram afetados por causas semelhantes.
CVPs idiopáticas, que são normalmente consideradas uma condição benigna em indivíduos saudáveis sem doença cardíaca estrutural, são formadas pela propagação do estímulo precoce, originário de um foco ectópico. As CVPs podem causar complicações sérias, tais como angina, síncope ou insuficiência cardíaca, quando o número de batimentos ectópicos aumenta.13-16 Embora as CVPs sejam conhecidas por serem benignas em indivíduos com um coração normal estruturalmente, elas têm sido conhecidas por causarem arritmias malignas em alguns casos, no entanto a significância clínica da frequência de CVP nesses indivíduos permanece incerta, já que não foram realizados estudos apropriados em seres humanos.17 Tilz et al.,18 chegaram à conclusão de que a fibrilação ventricular (FV) foi estimulada pelas CVPs após um desfibrilador cardioversor implantável ser utilizado em um paciente de 29 anos que foi ressuscitado após uma parada cardíaca. Todos os exames, inclusive ecocardiografia, angiografia, teste de ajmalina e biópsia miocárdica, estavam normais. Ao mesmo tempo, alguns casos demonstraram que a TV polimórfica e a FV idiopática foram induzidas, pois CVPs específicas sem intervalos de acoplamentos curtos poderiam promover sobrecarga de cálcio intracelular.19,20 Em um estudo que avaliou os registros de 21 pacientes que passaram por parada cardíaca durante o registro da ECG ambulatorial, a frequência cardíaca e a frequência de CVP aumentaram antes do início da FV.21 Savelieva et al.,22 encontraram turbulência de QT significativa após a CVP em indivíduos com um coração saudável estruturalmente. Embora esses dados forneçam informações sobre a causa das arritmias malignas de CVP, eles não apontam informações suficientes sobre a importância da frequência de CVP.
Diversos mecanismos foram propostos para explicar a relação entre CVP e arritmias potencialmente fatais. A CVP pode ter papel importante no início das arritmias cardíacas malignas. Diversos fatores, como tônus simpático aumentado, estado hemodinâmico alterado ou desequilíbrios dos eletrólitos (por exemplo, hipocalemia e hipercalcemia), que interrompem a estabilidade do miocárdio, podem causar transição de CVP para arritmia maligna.17 O tônus simpático aumentado por conta da ansiedade ou do estresse fisiológico pode causar a liberação de catecolaminas, tais como a adrenalina. Essa condição causa o fluxo de cálcio de um espaço extracelular para dentro das células de miócitos, aumentando a produção de adenosina monofosfato (AMP) cíclica (AMPc). A força de contração dos miócitos aumenta, e o miócito é rapidamente depolarizado. Por isso, os miócitos tornam-se mais sensitivos do que o normal e podem se depolarizar espontaneamente sem a depolarização do nódulo sinoauricular. Desse modo, a formação e a frequência de CVP podem aumentar.23,24 Armaganijan et al.,25 relataram a relação entre ativação simpática e pacientes com arritmias ventriculares e sugeriram a efetividade da denervação simpática renal pelo cateter para reduzir a carga arrítmica.
Outro fator que aumenta a frequência de CVP é o consumo de cafeína em excesso. A cafeína, um inibidor de fosfodiesterase, é também um estimulador central que pode aumentar a atividade simpática e a concentração de cálcio intracelular, inibindo a enzima que catalisa a decomposição de AMPc. Estudos em animais mostraram que a administração de cafeína em altas doses pode induzir e aumentar a frequência de CVPs.26,27
O prolongamento na dispersão da repolarização do miocárdio predispõe à arritmia ventricular maligna e tem importância prognóstica em termos de parada cardíaca (SCD). O prolongamento das durações QT e QTd pode estar associado com taquicardia ventricular polimórfica, torsades de pointes e SCD.28,29 Recentemente, alguns marcadores de repolarização do miocárdio, tais como intervalo Tp-e e relações Tp-e/QT e Tp-e/QTc, foram relatados como úteis para prognosticar arritmias ventriculares letais em diversos transtornos clínicos sem doença cardíaca estrutural.7,30,31 O intervalo Tp-e é considerado um novo marcador de risco aumentado de SCD. Yamaguchi et al.,32 mostraram que o intervalo Tp-e é mais significativo do que QTd ou QTc em predizer torsades de pointes em pacientes com síndrome de QT longa adquirida. Ao mesmo tempo, constatou-se que o aumento no intervalo Tp-e e nas relações Tp-e/QT estava associado com a síndrome de Brugada.8 As relações Tp-e/QT e Tp-e/QTc foram consideradas como relativamente mais constantes do que outros marcadores, pois não foram afetadas por mudanças na frequência cardíaca nem no peso corporal.9
Embora tenhamos observado aumento no intervalo Tp-e e nas relações Tp-e/QTc conforme a frequência de CVP se elevava, o aumento discreto na relação Tp-e/QT não foi estatisticamente significativo. Yayla et al.,33 avaliaram os parâmetros de repolarização do miocárdio antes e após ablação por radiofrequência (RFA) em pacientes com carga de CVP superior a 5% em um registro do Holter de 24 horas. Após o procedimento bem-sucedido, o intervalo Tp-e, a relação Tp-e/QT e a relação Tp-e/QTc diminuíram significativamente mais do que antes do RFA (todos com p < 0,001). De acordo com esses dados, a alta detecção do intervalo Tp-e em pacientes com frequência de CVP aumentada sugere que o risco de arritmias malignas pode ser mais alto nesses pacientes. Em nosso estudo, arritmias malignas, tais como Cv e TV, foram observadas mais nos pacientes do grupo 3, o que está de acordo com as nossas predições. Essa importante relação pode ser usada para seguir de perto e administrar o modo de tratamento dos pacientes com frequência de CVP aumentada.
Nosso estudo tem diversas limitações importantes. Primeiramente, ele foi unicêntrico e incluiu um pequeno número de pacientes. Portanto, o poder estatístico foi limitado. Os resultados devem ser verificados em um estudo de coorte prospectiva maior. Em segundo lugar, por não termos outras medidas de Holter ambulatoriais, tais como variabilidade da frequência cardíaca e turbulência da frequência cardíaca, não foi possível excluir os efeitos dessas medidas na frequência de CVP. Em terceiro lugar, não tínhamos dados sobre as taxas de eventos cardíacos para este estudo, porque não conseguimos seguir os pacientes de modo prospectivo para futuros eventos arrítmicos. Em quarto lugar, nosso objetivo foi registrar um perfil de pacientes relativamente jovens para excluir DAC oculta, no entanto abandonamos essa meta em função do número limitado de pacientes. Outros estudos compreensivos devem ser conduzidos com número maior de pacientes e período de seguimento mais longo para aumentar a consistência de nossos resultados.
O intervalo Tp-e e as relações Tp-e/QTc foram mais altos em pacientes com valor de CVP mais alto. Nosso estudo mostrou que é possível que CVPs tenham efeito negativo na repolarização do miocárdio. Essa interação pode resultar em um risco aumentado de arritmias malignas.