versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.26 no.3 São Paulo maio/jun. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/201420130030
O termo paralisia cerebral (PC) descreve um grupo de desordens do movimento e da postura, atribuídas a distúrbios não progressivos que ocorrem no desenvolvimento do cérebro fetal ou infantil( 1 , 2 ). As desordens motoras na PC são frequentemente acompanhadas por distúrbios de sensação, percepção, cognição, comunicação, comportamento, epilepsias e problemas musculoesqueléticos secundários( 1 - 3 ).
A literatura apresenta a influência do quadro motor da PC nas diversas áreas do desenvolvimento( 3 - 11 ). Na presença do atraso motor, a criança pode perder oportunidades de viabilizar seus conhecimentos, que são influenciados pelas relações que a criança estabelece com o ambiente, com interferências importantes para a aprendizagem geral e qualidade de vida( 5 , 7 , 11 ).
A deficiência auditiva (DA) é frequente, principalmente porque o fator etiológico da PC pode ser o mesmo para perdas da audição( 12 , 13 ). Estudos apresentam frequência de perdas auditivas em PC entre 12 e 30%( 14 ). A identificação precoce de perdas auditivas nessas crianças também é relevante pelo impacto no desenvolvimento comunicativo, cognitivo e psicossocial( 9 - 17 ).
Além dos aparelhos de amplificação sonora individual (AASI), o implante coclear (IC) tem sido indicado para crianças com PC e perda auditiva sensorioneural profunda e/ou severa com bons resultados em audição e linguagem, bem como em aspectos de qualidade de vida( 12 , 13 , 15 , 18 - 24 ).
Além dos dados de percepção de fala, poucos estudos analisaram outros aspectos do desenvolvimento global em relação ao desempenho de crianças com PC após o IC( 13 , 20 , 21 , 23 ) e nenhum apresentou como se processa o desenvolvimento de crianças com PC sem DA, em comparação com o desenvolvimento de crianças com PC em processo de reabilitação auditiva por meio do IC.
Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi analisar o desempenho nas áreas motora grossa, motora fina-adaptativa, linguagem, pessoal-social e comportamento comunicativo de crianças com PC usuárias de IC, com PC sem DA, e crianças com desenvolvimento típico de linguagem.
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo (FOB-USP) (protocolos nº 096/2010 e nº 019/2010) e todos os representantes legais das crianças participantes do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido. As avaliações foram realizadas nas dependências da Clínica de Fonoaudiologia da FOB-USP para os grupos de crianças com PC sem DA e para as crianças com desenvolvimento normal de audição, linguagem e função motora. As crianças com PC usuárias de IC eram acompanhadas pelo Setor de Implante Coclear do Centro de Pesquisas Audiológicas do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da USP.
A casuística foi formada por 12 crianças, com idades entre 44 e 84 meses, divididas em três grupos, pareadas quanto ao gênero e idade cronológica (Tabela 1). O pareamento da idade cronológica foi considerado satisfatório quando não ultrapassasse três meses de diferença. Os dois grupos experimentais apresentavam PC e o terceiro grupo (controle) apresentava desenvolvimento adequado para idade:
Tabela 1 Caracterização da casuística
P | Gênero | Idade cronológica* | Idade na cirurgia do IC* | Tempo de uso do IC* | Classificação GMFCS | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
G1 | G2 | G3 | G1 | G2 | G3 | G1 | G2 | G3 | G1 | G2 | G3 | ||
1 | F | 48 | 45 | 44 | 27 | – | – | 21 | – | – | II | II | – |
2 | F | 54 | 53 | 54 | 38 | – | – | 16 | – | – | II | II | – |
3 | M | 69 | 70 | 69 | 46 | – | – | 23 | – | – | IV | II | – |
4 | M | 84 | 83 | 83 | 61 | – | – | 23 | – | – | II | IV | – |
Média | 63,75 | 62,75 | 62,5 | 43 | – | – | 20,75 | – | – | – | – | – |
*Meses de idade e de uso do implante coclear
Legenda: P = participantes; G1 = Grupo 1; G2 = Grupo 2; G3 = Grupo 3; F = feminino; M = masculino; IC = implante coclear
Grupo 1 (G1): quatro crianças com PC espástica usuárias de IC, sem deficiência intelectual;
Grupo 2 (G2): quatro crianças com PC espástica sem deficiência auditiva e intelectual;
Grupo 3 (G3): quatro crianças com desenvolvimento típico.
As crianças do G1 são acompanhadas no Programa de Implante Coclear do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da USP e cumpriram todos os critérios de elegibilidade para a cirurgia do IC( 25 ). As quatro crianças usuárias de IC apresentavam categoria 2 de audição, ou seja, eram capazes de diferenciar palavras pelos traços suprassegmentares (duração, tonicidade. Por exemplo: pé - menino, mão - geladeira)( 26 ) e, em algumas situações, era necessário o uso de gestos; apenas uma das crianças (participante 1) já produzia palavras isoladas com maior frequência estando na categoria 2 de linguagem expressiva( 26 ); as demais crianças apresentavam poucas emissões de palavras completas ou consideradas inteligíveis, comunicando-se por meio de gestos e vocalizações.
Todos os participantes do G1 e do G2 frequentavam escola e centros de reabilitação com atendimentos nas áreas de Fisioterapia e Fonoaudiologia desde a tenra infância. As crianças usuárias de IC frequentavam terapia semanal para desenvolvimento das habilidades auditivas.
As crianças do G2 e do G3 realizaram avaliação psicológica por meio do instrumento Standford-Binet, com resultados dentro dos limites de normalidade. As crianças do G1 foram avaliadas por uma equipe de psicólogos especializados, isolando a presença de alterações cognitivas. Nenhuma criança do G1 e do G2 apresentou crises convulsivas ou epilépticas.
Todas as avaliações foram realizadas por fonoaudiólogos treinados e com experiência na aplicação dos instrumentos utilizados no estudo e no atendimento de crianças com PC. O quadro motor das crianças do G1 e do G2 foi classificado de acordo com o Gross Motor Function Classification System (GMFCS)( 27 ) (Tabela 1).
Utilizou-se o protocolo de Observação de Comportamentos Comunicativos (OCC)( 28 ), analisando-se as categorias: interação, intenção comunicativa, contato ocular, vocalizações, produção de palavras, produção de frases, respeito a troca de turnos, manutenção da atividade dialógica, compreensão de situações concretas e abstratas, acatar ordens simples, acatar ordens complexas, brincar simbólico, uso de gestos, tempo de atenção, função de informar, função de protestar, função de solicitar, função de oferecer e imitar. Essas categorias de análise do comportamento comunicativo foram calculadas com o seguinte critério: 0 - não apresentou; 1 - apresentou em situações restritas de interesse próprio; 2 - apresentou em qualquer situação. Para o tratamento estatístico, foi realizada a somatória das categorias de análises obtidas após a análise das filmagens de situação de atividade lúdica. Considerando-se o total de itens e critérios de análise, a somatória máxima atingia o escore de 40 pontos.
Foi aplicado o Teste de Screening do Desenvolvimento Denver-II (TSDD-II)( 29 ), nas áreas motor grosso (MG), motor fino-adaptativo (MFA), linguagem (LG) e pessoal-social (PS). Na administração do instrumento, inicialmente, calculou-se a idade da criança em meses e, em seguida, foi traçada uma linha vertical no protocolo específico do teste. Aplicaram-se os procedimentos relativos a essa faixa etária para todas as áreas, seguindo-se as normas de aplicação do procedimento. As análises seguiram as propostas dos instrumentos. Os testes estatísticos utilizados foram análise de variância e teste de Tukey (valor de p≤0,05), escolhidos de acordo com as características das variáveis.
A Tabela 2 apresenta valores da média, mínimo e máximo pontuados pelos grupos nas habilidades testadas na OCC(28) e no TSDD-II( 29 ). Nota-se que, na comparação entre os grupos, os valores de média, mínimo e máximo obtidos no G1 são inferiores em todos os aspectos avaliados.
Tabela 2 Valores da média, mínimo e máximo das habilidades testadas no Teste de Screening do Desenvolvimento Denver-II e na Observação do Comportamento Comunicativo dos três grupos do estudo
Aspectos avaliados | Média | Mínimo | Máximo | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
G1 | G2 | G3 | G1 | G2 | G3 | G1 | G2 | G3 | |
Pessoal-social | 37,5 | 58,2 | 71,7 | 10 | 38 | 60 | 56 | 83 | 83 |
Motor fino-adaptativo | 47,5 | 66,7 | 70,2 | 36 | 56 | 63 | 57 | 83 | 83 |
Linguagem | 23,2 | 62,5 | 69,7 | 21 | 45 | 58 | 26 | 83 | 83 |
Motor grosso | 37,5 | 31,5 | 73,2 | 10 | 22 | 66 | 56 | 40 | 83 |
Observação do Comportamento Comunicativo | 24,2 | 38,7 | 39,7 | 18 | 36 | 39 | 30 | 40 | 40 |
Legenda: G1 = Grupo 1; G2 = Grupo 2; G3 = Grupo 3
A análise de variância foi significativa em todas as áreas avaliadas, exceto na área pessoal-social; desta forma, a Tabela 3 apresenta a análise estatística, por meio do teste de Tukey, somente dos aspectos que foram significantes na análise de variância.
Tabela 3 Correlações entre as quatro áreas avaliadas no Teste de Screening do Desenvolvimento Denver-II e a pontuação na Observação do Comportamento Comunicativo entre os três grupos do estudo
Aspectos avaliados | G1–G2 | G1–G3 | G2–G3 |
---|---|---|---|
Valor de p | |||
Pessoal-social* | – | – | – |
Motor fino-adaptativo | 0,071 | 0,034** | 0,889 |
Linguagem | 0,002** | 0,000** | 0,662 |
Motor grosso | 0,809 | 0,011** | 0,004** |
Observação do Comportamento Comunicativo | 0,000** | 0,000** | 0,913 |
*Pessoal-social: não aplicado o teste de Tukey, pois não foi significativo na análise de variância
**p<0,05
Legenda: G1 = Grupo 1; G2 = Grupo 2; G3 = Grupo 3
Crianças com PC poderão apresentar alterações do desenvolvimento em diferentes domínios, pois as desordens motoras interferirão no desenvolvimento infantil de modo global( 3 - 7 ). As dificuldades motoras limitam as experiências da criança para interagir com pessoas, objetos e eventos, para manipulação dos objetos, repetição de ações, domínio do próprio corpo e esquema corporal. Assim, a criança com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor pode ir perdendo oportunidades concretas de viabilizar seu repertório, ocasionando lacunas nas áreas perceptivas, cognitiva, linguística e social( 5 , 7 - 10 ). Desta forma, são esperadas limitações para explorar o ambiente, voluntariamente, o que pode ocasionar falhas no input sensorial, provocando déficit nas áreas perceptivas e prejuízos para o desenvolvimento da linguagem e da cognição, pois haverá reflexos importantes nas interpretações das informações vindas do ambiente, fazendo com que apresentem dificuldades para julgar, de maneira construtiva, as informações que receberam( 5 ).
Na PC, o comprometimento motor deve ser analisado considerando-se os aspectos funcionais, uma vez que a funcionalidade é considerada um componente de saúde. Utilizando o GMFCS( 26 ), foi possível caracterizar a função motora em termos da funcionalidade motora, enfatizando, particularmente, o controle de tronco e da marcha. A classificação motora obtida pelos participantes do G1 e do G2 (Tabela 1) indica o nível de autonomia funcional para agir de forma independente no ambiente.
Autores apresentaram que quanto maior a severidade motora, maior a incapacidade funcional, o que pode refletir no desempenho global de habilidades nas diversas áreas do desenvolvimento( 7 , 10 , 11 ), pois, na criança, a realização de movimentos favorece a construção de padrões sensoriomotores, necessários para o desenvolvimento de atividades funcionais que contribuem para a aprendizagem.
Na habilidade motora grossa, avaliada pelo TSDD-II, a diferença de desempenho entre o grupo controle (G3) e os demais grupos (G1 e G2) era esperada, uma vez que a principal característica da PC é alteração na função motora e os escores obtidos na GMFCS já eram indicativos de que essa área estaria mais afetada para esses grupos (Tabela 1).
O desempenho motor de indivíduos com PC é influenciado pelas reações posturais anormais, alterações tônicas, persistência de respostas primitivas e atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, sendo dependentes da gravidade do insulto neurológico e da sequela motora, que definem a variabilidade clínica dos diversos quadros( 1 , 2 ).
O comportamento motor fino-adaptativo averigua a capacidade da criança quanto à organização dos estímulos, à percepção de relações, à decomposição do todo nas partes, sua reintegração e o uso dessas habilidades nas tarefas cotidianas, utilizando atividades manuais. Nesse contexto, é importante que a criança possa realizar atividades com independência, visando desenvolver suas habilidades motoras de forma cada vez mais elaboradas e coordenadas, mesmo que, para isso, necessite de adaptações para melhorar sua performance. Isso pode trazer impactos relevantes para a interação da criança com PC, favorecendo seu desenvolvimento global.
Os achados deste estudo nas áreas motora (Tabela 2) refletem uma característica especialmente relevante da PC, que é a diversidade dos quadros clínicos quanto à aquisição e aos desempenhos nas diferentes dimensões do desenvolvimento, conforme relatado na literatura( 7 - 11 ). Além disso, nesses quadros, são previstos distúrbios da sensação, percepção, cognição, comunicação, comportamentos, entre outros( 1 - 3 ), que trazem interferência para o desenvolvimento global, de maneira diferenciada e particular.
Infere-se que a limitação motora, apesar de influenciar o desenvolvimento global, pode não ter sido suficiente para interferir, de maneira substancial, na aquisição da linguagem do G2 (Tabela 2). No G1, as duas comorbidades, limitação motora e DA, trouxeram interferências mais marcantes para a área de linguagem. Os participantes do G1 produziam palavras isoladas, com repertório linguístico restrito aos acontecimentos imediatos e objetos relacionados com a rotina de vida diária. Todos apresentavam categoria 2 de audição( 26 ) e estavam iniciando a comunicação por meio da linguagem oral, diferentemente dos demais grupos, os quais eram capazes de produzir frases com maior número de elementos e com maior elaboração. Esses resultados demonstram que a privação auditiva é fator determinante e predominante para a aquisição e desenvolvimento da linguagem oral( 17 , 22 - 25 ). O tempo médio de uso do IC no G1 foi de 20 meses, tempo considerável para observar habilidades de percepção de fala em conjunto aberto e habilidades de linguagem oral e comunicação em crianças sem PC( 25 ).
Estudos relataram desenvolvimento das habilidades de audição e de linguagem mais lento para crianças com PC, especialmente no que diz respeito ao desenvolvimento da linguagem expressiva( 4 , 12 , 20 ) pela interferência dos aspectos motores envolvidos. Outros estudos( 16 , 17 , 24 ) que analisaram o progresso do uso de IC em crianças com PC e/ou múltiplas deficiências não indicaram relações no desempenho de audição e de linguagem com a idade em que as crianças receberam o IC, diferentemente do que é observado em estudos que enfocam o progresso do uso de IC em crianças sem deficiências associadas. Essa questão deve ser mais bem investigada, devido às inúmeras variáveis envolvidas, quando se trata de populações com outras deficiências múltiplas.
Conforme estudos( 5 , 9 ), a trajetória do desenvolvimento é determinada por complexas interações entre fatores biológicos, psicossociais e ambientais e, para o conhecimento do perfil do desenvolvimento infantil, é necessária a verificação das variáveis interferentes nesse processo.
O ambiente social também favorece o desempenho na área de linguagem, ou seja, se a família, ou outros ambientes sociais, integram a criança nas atividades de vida diária e sociais e solicitam conteúdos linguísticos elaborados, a criança terá a possibilidade de não somente adquirir o rótulo verbal, mas expandir suas estruturas linguísticas, tornando-se, de acordo com sua capacidade, um comunicador efetivo. Todos os participantes deste estudo frequentavam escolas e G1 e G2 participavam de atividades terapêuticas, envolvendo o desenvolvimento de habilidades linguísticas e comunicativas. Desta forma, não se pode negar a influência da perda sensorial para aquisição das habilidades linguísticas, mesmo o G1 participando de programas de estimulação desde a tenra infância.
Um aspecto digno de nota refere-se à OCC, ou seja, crianças com PC sem DA (G2) apresentaram maior número de comportamentos comunicativos do que as crianças com PC com DA (G1) (Tabela 3). Infere-se que os indivíduos do G1, apesar de inseridos em programas de intervenção precoces, tanto para o aspecto motor quanto para o linguístico, sofreram influências das condições auditivas, tempo de privação sensorial, época da cirurgia do implante e reabilitação auditiva, além de outras variáveis envolvidas no processo de aquisição de linguagem, como características individuais, maturação, motivação e ambiente familiar e escolar, conforme também aponta a literatura( 12 , 22 , 24 , 25 ). Estudos da área também relataram desenvolvimento restrito em linguagem oral das crianças com perdas de audição e PC ou outras alterações da função Layout( 12 , 13 , 15 , 16 , 18 - 20 , 22 , 23 ).
Além dos fatores de privação auditiva e motora, destaca-se que nenhuma criança apresentou alterações intelectuais; portanto, observa-se desenvolvimento das habilidades de linguagem, mesmo que em ritmo lento para as crianças usuárias de IC. Pesquisadores apontam para essa questão( 19 - 24 ). Um estudo( 18 ) apresentou que as habilidades cognitivas e, principalmente, as não verbais, para indivíduos com DA e deficiências associadas devem ser sempre consideradas, uma vez que esses indivíduos geralmente demonstram níveis de linguagem desproporcionais às suas habilidades cognitivas não verbais ou seu potencial cognitivo.
A função cognitiva( 4 - 6 , 22 ) e a funcionalidade em outras áreas do desenvolvimento são aspectos que devem ser considerados durante o processo de reabilitação e acompanhamento de crianças com PC usuárias de IC( 18 , 21 , 22 , 24 , 30 ), inclusive nas avaliações para indicação do IC( 20 ).
Um dos achados extremamente interessantes do estudo foi o desempenho dos grupos na função pessoal-social. No TSDD-II, a habilidade pessoal-social avalia as reações pessoais da criança frente ao ambiente social que ela vivencia, quanto à realização com independência das tarefas cotidianas e concretas, envolvendo a organização dos estímulos, o manuseio, o traquejo social e a compreensão do contexto. A DA interfere no desenvolvimento das habilidades comunicativas verbais, as quais influenciam diretamente nas funções sociais. Porém, por sua vez, esse prejuízo observado não foi relevante para limitar a atividade social do G1. Infere-se que esse resultado se relacione às habilidades intelectuais preservadas e aos benefícios do IC, que objetiva estabelecer o contato com o mundo sonoro, proporcionando o desenvolvimento das habilidades auditivas e linguísticas para a comunicação, mesmo que em ritmo mais lento. E, uma vez que a criança com PC recebe o benefício da percepção de fala por meio do IC, quando a criança começa a desenvolver linguagem receptiva, estas são habilidades suficientes e úteis para que a criança possa se comunicar e interagir com o meio ambiente, o que é essencial para o desenvolvimento da função pessoal-social e implica na inserção social( 21 , 24 ), que, por sua vez, implica na qualidade de vida. Outra explicação para esse resultado pode estar relacionado à participação em processos terapêuticos e vida escolar.
Estudos apresentaram que a possibilidade de relações recíprocas sociais pode influenciar positivamente no aprendizado, em geral, e na qualidade de vida de pessoas que possuem alterações motoras graves, pois, se o indivíduo está inserido em uma comunidade social de maneira efetiva, sua interação, integração e aprendizagem é notavelmente elevada, tanto quanto a qualidade de vida, observada em indivíduos que possuem ou não alterações motoras graves( 29 , 30 ).
O IC apresentou-se como um tratamento adequado para DA de crianças com PC, favorecendo o desenvolvimento de habilidades auditivas e de linguagem que proporcionam meios de interagir e se comunicar com o ambiente social( 12 , 13 , 16 , 17 , 21 - 24 ). Acompanhamentos longitudinais com maior número de indivíduos com PC que utilizam IC são necessários para o conhecimento da trajetória do desenvolvimento global dessas crianças
Apesar dos grupos de estudo serem reduzidos e, por isso, existir a dificuldade de generalizar os achados, é nítida a influência do quadro motor e da DA (Tabela 2 e 3) nas diferentes dimensões do desenvolvimento avaliadas. Isso remete a reflexões da importância de trabalhos de diagnóstico e intervenção cada vez mais precoces, com o intuito de intervir na qualidade de vida de indivíduos com PC com ou sem outras comorbidades.
Na comparação entre os grupos de indivíduos com PC e o grupo controle, observou-se a influência das alterações motoras e auditivas no desenvolvimento das habilidades avaliadas. O G1 apresentou ritmo de desenvolvimento inferior aos demais grupos em todas as áreas, especialmente em linguagem e comportamentos comunicativos. O G2 apresentou pontuações rebaixadas nas áreas motoras, porém os escores em linguagem e OCC também não alcançaram os escores do grupo típico, embora a diferença não tenha sido significante. A habilidade social também esteve rebaixada para os grupos com PC, porém a diferença entre o desenvolvimento dessa função com o grupo controle G3 não foi significante.