versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.16 no.4 São Paulo 2018 Epub 29-Nov-2018
http://dx.doi.org/10.31744/einstein_journal/2018rc4509
Hemangiomas são tumores benignos vasculares, que podem produzir sintomas compressivos em estruturas adjacentes. Esses tumores são compostos por uma complexa mistura de células endoteliais clonais com pericitos, células dendríticas e mastócitos. Reguladores do crescimento do hemangioma e sua involução não são completamente entendidos. Durante sua fase de crescimento, dois principais fatores pró-angiogênicos estão envolvidos: fator de crescimento dos fibroblastos (FGF) e fator de crescimento endotelial vascular (VEG-F). Estudos histológicos mostraram que células endoteliais e intersticiais se dividem ativamente nessa fase.(1)
O hemangioma do nervo facial é um tumor vascular raro e benigno, correspondendo a 0,7% dos tumores intratemporais. Este tumor se origina do plexo arteriovenoso que cerca o nervo facial, sendo importante como diagnóstico diferencial de outras lesões do osso temporal que causam paralisia facial, como schwannoma vestibular e schwannoma do nervo facial. Outros diagnósticos diferenciais são: tumores glômicos, adenoma, meningioma, glioma, osteoma, cisto dermoide, granuloma de colesterol, entre outros.(2)
Os hemangiomas do nervo facial podem ocorrer em qualquer segmento deste nervo, e sua localização mais frequente é no gânglio geniculado. Apresentamos o segundo caso descrito na literatura de hemangioma o nervo facial em sua porção timpânica, apresentando como única manifestação clínica perda auditiva condutiva.(3)
Paciente de 14 anos, sexo masculino, com história de hipoacusia progressiva em orelha direita há 2 anos, além de dificuldade de aprendizado escolar, sem precedentes clínicos. À otoscopia, membranas timpânicas apresentavam-se íntegras e sem alterações; mímica facial preservada. A audiometria evidenciou perda condutiva moderada à direita, timpanometria com curva As à direita, curva A à esquerda e ausência de reflexo acústico contralateral, à direita. A tomografia computadorizada apresentava lesão com densidade de partes moles, arredondada, em orelha média, próxima à topografia de nervo facial (Figuras 1 e 2). A ressonância magnética demonstrou lesão expansiva e de contornos mal definidos, comprometendo o segmento timpânico do nervo facial direito, estendendo-se anteriormente até o nível do gânglio geniculado e, posteriormente, em sua transição com o segmento mastoideo, com tênue atenuação pelo meio de contraste paramagnético, sugestiva de hemangioma do nervo facial (Figuras 3 e 4). A conduta adotada para o paciente foi expectante. Após 2 anos de seguimento, não houve piora auditiva nem comprometimento da mímica facial. Exames de imagens não demonstraram crescimento tumoral.
Figura 1 Corte axial de tomografia computadorizada de ossos temporais demonstrando hemangioma (seta branca) de nervo facial à direita
Figura 2 Corte coronal de tomografia computadorizada de ossos temporais demonstrando hemangioma (seta branca) de nervo facial à direita
Figura 3 Corte axial em T2 de ressonância magnética de crânio demonstrando hemangioma (seta branca) de nervo facial à direita
Os hemangiomas do nervo facial ocorrem mais comumente no gânglio geniculado. Já os hemangiomas de nervo facial em sua porção timpânica, como no caso relatado, são menos comuns, com apenas um caso descrito na literatura. A razão para a predileção dos hemangiomas pelo gânglio geniculado não é bem estabelecida, porém foi aventado, em estudos de Balkany et al., com ossos temporais humanos, que a causa provável seria a presença de alta densidade capilar perineural nessa porção do nervo facial, em comparação com seus outros segmentos.(4)
A clínica de pacientes com tumores do osso temporal varia de acordo com o tipo de tumor e sua posição. Alguns sintomas possíveis em pacientes com esse tipo de neoplasia são disacusia progressiva, zumbido, plenitude auricular e paralisia facial.
Hemangiomas presentes na região do gânglio geniculado cursam com paralisia facial progressiva (96%) por compressão, associada mais raramente a perda auditiva neurossensorial (5%). Mesmo em tumores pequenos, estes sintomas já podem estar presentes. A expansão do tumor pode expor a cóclea e produzir zumbido pulsátil. A paralisia facial é menos comum quando a lesão se localiza no conduto auditivo interno (70%), sendo a perda auditiva mais prevalente nesta localização (90%).(5) Os poucos casos de hemangioma do facial em sua porção mastóidea ou vertical relatados apresentaram sintomas faciais variáveis, associados à perda auditiva neurossensorial ou condutiva.(6)
A apresentação clínica dos pacientes com hemangioma do nervo facial em sua porção timpânica não é bem descrita, devido à raridade desta condição.(7) Porém, de acordo com o presente caso, pode-se inferir que o primeiro sintoma, que, muitas vezes, é o que leva o paciente ao especialista, é a perda auditiva condutiva ipsilateral à lesão. Entretanto, no primeiro caso descrito na literatura de hemangioma do facial em orelha média, o sintoma que levou o paciente ao atendimento médico foi uma paralisia facial leve e, durante a investigação, foi diagnosticada perda auditiva condutiva leve.(8)
Como a paralisia facial pode não estar presente, conforme o presente caso, o quadro clínico pode se assemelhar à otosclerose, disjunção de cadeia ossicular, síndrome da terceira janela, dentre outros diagnósticos diferenciais de perdas auditivas condutivas. Um diagnóstico equivocado, levando a uma atitude cirúrgica intempestiva, poderia levar a consequências graves, como hemorragia e paralisia facial.
A anamnese, o exame físico (em especial a otoscopia) e a pesquisa de pares cranianos auxiliam no diagnóstico da doença. Os raros casos, como este relatado, que se apresentam com função facial normal são subdiagnosticados. O exame audiométrico é fundamental para avaliar o tipo de deficiência auditiva. A extensão tumoral deve ser pesquisada em exames radiológicos, como tomografia computadorizada e ressonância magnética.(9) Os hemangiomas de nervo facial são geralmente hiperintensos ponderados em T2, realçando fortemente com o gadolíneo. Sua intensidade ponderada em T1 é variável.(2)
Como o hemangioma do nervo facial em seu segmento timpânico é um tumor vascular muito raro, não existe consenso para seu manejo. O uso de propranolol, a exérese cirúrgica e a conduta expectante são possíveis opções terapêuticas para hemangiomas de outras localizações. A conduta mais conservadora é a mais adequada em pacientes com função facial preservada.(10)
Em outros hemangiomas de orelha média, não provenientes do nervo facial, o tratamento cirúrgico é melhor indicado. A decisão sobre qual técnica cirúrgica utilizar depende do tamanho e da localização do tumor, assim como da função auditiva pré-operatória.(8)
Cumpre conhecer o hemangioma de nervo facial como diagnóstico diferencial de tumores de orelha, sendo causas de paralisia facial e também de perdas auditivas condutivas, não apenas perdas auditivas neurossensoriais.
O artigo relata o segundo caso de hemangioma do nervo facial em sua porção timpânica, mostrando a peculiaridade de perda auditiva condutiva como única manifestação clínica.