versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.8 no.4 São Paulo out./dez. 2010
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082010rc1748
O hematoma epidural espinhal (HEE) é uma entidade rara, porém é relevante causa de compressão da medula espinhal. O HEE pode surgir espontaneamente ou após trauma, sendo mais comum em pacientes com anomalias vasculares e anormalidades de coagulação(1).
HEE pós-traumático é relativamente incomum e se apresenta em menos de 1 a 1,7% de todas as lesões espinhais(2). Normalmente, o tratamento envolve descompressão cirúrgica de emergência, principalmente quando o paciente desenvolve sintomas neurológicos tardios.
Paciente de 62 anos, sexo masculino, que sofreu impacto cervical direto após levantamento de peso e a partir daquele momento começou a sentir dor. Houve melhora da dor após o uso de analgésicos; porém, três semanas depois do incidente, o paciente apresentou parestesia nos dedos anelar e médio e dificuldade para abrir a mão. Com o aparecimento da parestesia, também desenvolveu progressivamente perda de força na perna. Em duas semanas, o caso progrediu para paralisia completa, com perda de controle dos esfíncteres.
A radiografia e a tomografia computadorizada não mostraram sinais de fratura. A ressonância magnética por imagem (RMI) da coluna cervical e torácica (Figuras 1A e 1B) relevou massa considerável do canal posterior da coluna causando estenose significativa do canal central em C7 e T1. A massa apresentou características consistentes com hematoma epidural extenso e posterior. Não havia evidência de fratura, tecido mole ou outra anormalidade. É importante ressaltar que o paciente não fez uso de medicamentos anticoagulantes e não apresentou alterações em coagulograma.
Em função dos sintomas neurológicos e da compressão significante na coluna vertebral, indicou-se a laminectomia. O achado cirúrgico incluiu o encontro de compressão substancial do hematoma, que apresentava consistência maciça. O paciente demonstrou melhora significativa na força e função motora após descompressão cirúrgica; porém, o déficit sensorial abaixo de T4 manteve-se. Também houve retorno do controle parcial dos esfíncteres.
As causas de HEE por trauma incluem fraturas vetebrais, trauma no parto, punção lombar, sangramento pós-cirúrgico, anestesia epidural e lesões por arma de fogo(3). Além disso, a espondilose cervical, a artrite reumatoide, a doença de Paget e a espondilite anquilosante são considerados fatores de risco de HEE pós-traumático(2).
Determinar as causas de sangramento associados com HEE é quase impossível, e também permanecem obscuros seus mecanismos fisiopatológicos.
Apesar de o HEE dificilmente originar-se do sistema arterial, a fonte mais comumente aceita é o sangramento por rupturas de válvulas no plexo venoso no espaço epidural que, possivelmente, resulta da alteração abrupta da pressão venosa pós-traumática(4–5).
Vários autores categorizam os HEE resultantes de pequenos traumas, tais como levantamento de objetos ou manobra de Valsalva, mais como espontâneos do que como pós-traumáticos. Em pacientes jovens, principalmente, o HEE traumático pode também ocorrer em casos de pequenos traumas sem fratura óssea devido à grande elasticidade da coluna espinhal, e mais provavelmente pela esgarçadura das veias epidurais durante ruptura aguda do disco(6).
HEE espontâneo e traumático, na maioria dos casos, ocorre dorsalmente, como observado neste relato. Essa preferência anatômica pode ser explicada pela forte aderência das fibras do ligamento longitudinal posterior à superfície ventral do canal(7).
Em geral, os sintomas apresentados nos HEE espontâneos ou traumáticos são imediatos após o incidente e a evolução posterior com progressão neurológica é rara(3,8). Classicamente, o HEE pós-traumático se apresenta com episódios de dor aguda no momento do trauma, demonstrando comprometimento neurológico progressivo no nível da compressão medular. Neste relato de caso, o paciente desenvolveu sintomas de progressão neurológica após três semanas do evento traumático.
O diagnóstico de HEE é feito preferencialmente por RMI. A tomografia computadorizada e a evidência radiológica da coluna vertebral não avaliam adequadamente quando há suspeita clínica de HEE. Boukobza et al.(9), em artigo de revisão das características de RMI com 11 hematomas, apontaram que, após 24 horas de acompanhamento, os hematomas apresentavam-se isointensos em relação à medula em imagens pesadas em T1 e heterogêneos em T2. O hematoma produz tardiamente sinal alto tanto nas imagens em T1 como em T2. É importante enfatizar que a angiografia por ressonância magnética não é padrão-ouro para lesões espinhais, porém pode ser necessária quando o plano de ressecção vertebral de tumor espinhal é exigido.
O esvaziamento cirúrgico precoce do hematoma por laminectomia tem sido o tratamento mais utilizado para pacientes com hematoma epidural assintomático com persistência e déficits neurológicos(1,10–11). Quando os pacientes demonstram menos sintomas neurológicos, especificamente sem progressão e sinais de melhora clínica, o tratamento com corticosteroide e observação são mais apropriados(12). Lawton el al.(13) avaliaram 30 pacientes com HEE e relataram que os déficits neurológicos melhoraram em 87% deles após esvaziamento cirúrgico.
Além disso, a cirurgia nas primeiras 12 horas é associada a melhor resultado neurológico. Neste caso, foi realizada descompressão espinhal tardia, resultando em melhora significativa dos déficits neurológicos.
Os HEE são complicações incomuns após lesões traumáticas na coluna espinhal. O esvaziamento cirúrgico emergencial deve ser realizado para melhora neurológica.