Print version ISSN 0102-6720
ABCD, arq. bras. cir. dig. vol.27 no.4 São Paulo Nov./Dec. 2014
https://doi.org/10.1590/S0102-67202014000400022
A presença de apêndice vermiforme dentro de saco herniário não é frequente7. Na literatura a incidência reportada está em torno de 1% de todas as hérnias6. Mais raro ainda é o achado de apendicite aguda dentro da hérnia inguinal4.
Quando no conteúdo do saco inguinal encontrar-se o apêndice cecal, inflamado ou não, é denominado hérnia de Amyand5. Esse tipo de hérnia é mais frequente em homens e o diagnóstico pré-operatório não é fácil9. A suspeita dela deve ser nos pacientes com hérnia inguinal tensa e sem sinais de obstrução intestinal. A apendicectomia sempre deverá ser realizada juntamente com o reparo da hérnia.
O objetivo do presente estudo é apresentar um caso de apendicite aguda dentro da hérnia inguinoescrotal direita e revisar a literatura.
Homem de 35 anos, agricultor, procurou o Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, Recife, Pernambuco, Brasil. Relatava aparecimento de massa em região inguinoescrotal direita há cerca de um mês sem dor. Há dois dias referia dor epigástrica associada com náuseas e vômitos. Procurou serviço de saúde de seu município onde recebeu tratamento para gastrite. Com a progressão da dor e localização dela na fossa ilíaca direita foi encaminhado ao hospital. No exame físico apresentava frequência cardíaca de 100 bpm, respiratória de 21 ipm, PA=130x80 mmHg e hérnia inguinoescrotal direita encarcerada com discreta irritação peritoneal. Foi encaminhado para procedimento cirúrgico que mostrou apêndice inflamado com secreção purulenta no seu ápice no saco herniário. Como o acesso cirúrgico foi a incisão transversa para hérnia inguinal, optou-se pela abordagem simultânea: apendicectomia + reparo a Bassini (Figura 1). Foi realizada antibioticoprofilaxia com metronidazol e ceftriaxona por 24 horas. Após dois dias recebeu alta sem intercorrências. O resultado do anatomopatológico confirmou apendicite.
Alguns autores acreditam que a primeira descrição do apêndice cecal na hérnia inguinal foi realizada por De Garengeot em 173110. Claudius Amyand (1681-1740), cirurgião francês refugiado na Inglaterra foi o primeiro a realizar apendicectomia13 , 11. A presença do apêndice no saco herniário ocorre em torno de 1% das hérnias inguinais e apêndice inflamado é encontrado em apenas 0,13% dos casos.
Uma variante, apendicite dentro da hérnia femoral, é chamada de hérnia de Garengeot4. Em 1937, Ryan descreveu 11 casos de apendicite aguda (dentro de hérnia inguinal) no universo de 8.692 casos de apendicite12. Outro autor1, reportou 10 casos com apendicite na hérnia inguinal durante nove anos consecutivos.
A etiopatogenia da formação da apendicite aguda é incerta. Muitos autores acreditam na associação entre encarceramento e inflamação do apêndice cecal no saco herniário, isto é, fenômeno isquêmico devido a compressão do órgão pelo anel herniário levando à apendicite14. Sintomas típicos da apendicite aguda, como dor epigástrica inicial que se localiza mais tarde na fossa ilíaca direita, náuseas, vômitos e anorexia também podem ser vistos nos pacientes com hérnia de Amyand. Na literatura, febre e leucocitose não são frequentes nesses pacientes13. Diagnóstico pré-operatório é incomum. Em um artigo de revisão, dos 60 casos de hérnia de Amyand apenas um caso teve o diagnóstico antes da operação14.
A presença de irritação peritoneal e dor precoce em hérnia encarcerada podem sugerir apendicite dentro do saco herniário. A utilização de métodos de imagem pode ajudar no diagnóstico4.
A abordagem cirúrgica é mandatória. Entretanto o tipo de operação ainda é controverso. Em condições habituais, o tratamento consiste em apendicectomia e heniorrafia de emergência8. Quando existe risco de desenvolvimento de complicações, como abscesso pericecal, a abordagem apendicular deve ser pré-peritoneal minimizando o aparecimento de infecção da ferida e recorrência da hérnia2.