versão impressa ISSN 1806-3713
J. bras. pneumol. vol.39 no.4 São Paulo jul./ago. 2013
http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132013000400016
A ocorrência de herniação do conteúdo abdominal através do diafragma e da musculatura intercostal é um fenômeno raro, que pode estar relacionado a traumas abertos ou fechados.( 1 - 4 ) O reflexo protetor de tosse tem sido associado, esporadicamente, à gênese dessa entidade.( 2 , 5 - 7 ) A falha em reconhecer as hérnias intercostais transdiafragmáticas pode ser potencialmente fatal, em decorrência de eventuais complicações, como o estrangulamento.( 8 )
Relatamos o caso de três pacientes que evoluíram com herniação de alças intestinais através do diafragma e do espaço intercostal, associada à fratura de costelas, após crise de tosse. Serão apontados os achados de imagem em radiografia, ultrassonografia, TC e ressonância magnética (RM) realizados nesses casos.
Homem de 53 anos procurou atendimento médico ambulatorial, relatando abaulamento na região torácica inferolateral direita, além de plenitude gástrica pós-prandial e ruídos “estranhos†na região. O paciente associou o início do quadro (há mais de 1 ano) a uma crise intensa de tosse, seguida de dor persistente e de forte intensidade na transição toracoabdominal direita, com piora aos esforços. Relatava que aquele episódio havia sido diagnosticado na ocasião como “pneumonia na base direitaâ€. Subsequentemente, observou-se uma área de equimose em toda a região lateral direita do tórax e abdome. Houve regressão da dor e do hematoma ao longo das semanas, persistindo o abaulamento progressivo da região, que piorava à posição ortostática. Ao exame físico, apresentava abdome globoso, flácido, indolor à palpação, com abaulamento não redutível no oitavo espaço intercostal direito, mais evidente à manobra de Valsalva. Havia um distanciamento anômalo entre os arcos do espaço citado, com sinais de separação anterior na junção costocondral. A TC de tórax evidenciou fraturas na porção anterior do oitavo arco costal, alargamento do oitavo espaço intercostal e descontinuidade diafragmática, por onde alças do intestino delgado, parte do cólon e epíplon se insinuavam até ocupar o tecido subcutâneo da parede torácica. Frente ao diagnóstico de herniação intercostal transdiafragmática, o paciente foi submetido a cirurgia através de toracotomia direita. Foi identificado o saco herniário, foram recolocadas as vísceras abdominais na cavidade e foi fechado o orifício herniário com uma tela de prolene, com camada dupla e vários pontos separados, com drenagem da cavidade pleural. No fechamento da toracotomia, para a aproximação do espaço intercostal alargado, também foi utilizado um reforço com a mesma tela, fixando-a nos arcos costais inferior e superior. O paciente teve evolução pós-operatória favorável, com alta hospitalar no sexto dia, sem evidências de complicações imediatas (Figura 1).
Homem de 71 anos relatava abaulamento na região toracoabdominal direita há 2 anos, com início após uma crise de tosse, associada a dor em “pontada†de forte intensidade naquela região, com piora ao tossir e melhora com analgésicos. Observou também uma área de equimose em toda a região lateral do abdome após o aparecimento da dor. A dor regrediu progressivamente, surgindo um abaulamento da região com crescimento progressivo. Ao exame físico, apresentava abdome globoso, flácido, indolor à palpação, com abaulamento redutível no oitavo espaço intercostal, mais evidente à manobra de Valsalva. Havia um distanciamento de 4-5 cm entre os arcos do espaço citado, com sinais de separação anterior na sua junção costocondral. A radiografia de tórax mostrava fraturas na porção posterior do oitavo arco costal e alargamento do oitavo espaço. A ultrassonografia direcionada da região com transdutor de alta frequência demonstrou insinuação de uma formação com ecotextura semelhante à do fígado através do referido espaço intercostal até a região subcutânea. A TC sem contraste confirmou tratar-se de uma herniação transdiafragmática e intercostal de parte do segmento hepático V. Foi realizada a correção cirúrgica através de toracotomia, sendo identificado esgarçamento diafragmático junto à parede torácica. Foi realizada a reinserção do diafragma aos arcos costais e a aproximação dos rebordos costais com fio inabsorvível (Figura 2).
Homem de 64 anos, ex-tabagista (55 anos-maço), fazia tratamento irregular para DPOC. Teve um episódio de tosse incoercível que provocou dor aguda e intensa no hipocôndrio direito, seguida de surgimento de equimose extensa, visível localmente. Procurou assistência médica, sendo tratado apenas com sintomáticos. Evoluiu com piora progressiva da dispneia, tornando-se evidente aos pequenos esforços após 4 meses. Naquele momento, procurou um pneumologista, que solicitou radiografia de tórax, revelando opacificação da base pulmonar direita e aumento das partes moles na parede torácica inferolateral direita, com imagens gasosas de permeio. O paciente estava taquidispneico (FR, 26 ciclos/min) e com diminuição de murmúrios na base direita, notando-se à palpação uma área de fraqueza da parede torácica ipsilateral. A TC de tórax demonstrou herniação de tecido gorduroso abdominal para a base pulmonar direita e parede torácica, através de descontinuidades dos planos musculares diafragmático e intercostal, associada à presença de fraturas dos últimos arcos costais à direita. A RM confirmou a extensa herniação do conteúdo abdominal através das descontinuidades musculares. Foi então submetido à correção cirúrgica das alterações, com confirmação da presença de alças intestinais nas regiões subcutâneas e intratorácicas após a toracotomia. À inspeção da cavidade, destacava-se a laceração da porção anterolateral do diafragma, por onde se insinuava o conteúdo abdominal. Após a redução das estruturas ao seu local de origem, foi feita a sutura diafragmática reforçada com tela de polipropileno. O paciente apresentou boa evolução pós-operatória, recebendo alta no sexto dia, com melhora da dispneia (Figura 3).
As hérnias intercostais geralmente são causadas por um trauma na região toracoabdominal, seja contuso ou penetrante.( 9 ) A ocorrência de ruptura diafragmática “espontânea†com herniação de estruturas abdominais é rara.( 2 , 10 ) Geralmente estão associadas a fatores que levam ao aumento súbito da pressão abdominal, como levantamento de pesos, dança, parto, vômitos e tosse, sendo essa última a causa mais frequente.( 10 , 11 )
A hérnia intercostal transdiafragmática pode ser aguda ou progredir ao longo do tempo, levando até alguns anos para ser diagnosticada.( 9 ) Ocorre por ruptura do diafragma e dos músculos intercostais, geralmente associada à fratura de arcos costais. Existem dois locais mais suscetíveis: a junção costocondral com o esterno anteriormente, pela ausência do músculo intercostal externo, e o ângulo do arco costal com a vértebra posteriormente, pela ausência do músculo intercostal interno.( 9 )
Quando a hérnia intercostal está relacionada a crises incoercíveis de tosse, geralmente é associada à fratura de costelas. Durante o mecanismo da tosse estão presentes forças opostas da musculatura abdominal e da parede torácica sobre a costela, levando a fraturas e esgarçamento muscular.( 1 , 2 , 9 )
Apresenta-se clinicamente como abaulamento redutível na região do espaço intercostal acometido.( 9 ) Nossos três pacientes relataram a formação de equimose na região toracoabdominal, com abaulamento progressivo. A radiografia de tórax pode demonstrar a opacificação da base pulmonar acometida, com imagens gasosas sugestivas de alças intestinais, que se estendem para a parede torácica através de espaço intercostal alargado. O conteúdo herniário pode ser mais bem avaliado através da ultrassonografia, principalmente quando se trata de órgão sólido, como o fígado. Entretanto, esse método nem sempre consegue definir o conteúdo herniário, em especial quando a interposição de alças distendidas com gás bloqueia a janela acústica, sendo então a TC superior nesses casos.( 9 ) Com base no melhor do nosso conhecimento, esse parece ser o primeiro relato a demonstrar o aspecto de uma hérnia intercostal transdiafragmática à RM.
O tratamento desses casos é cirúrgico, envolvendo a redução da hérnia, sutura do defeito diafragmático e aproximação dos arcos costais. Em virtude da possibilidade de recorrência, há a possibilidade de se realizar reforço com uma tela protética.