versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.32 no.3 São Paulo 2020 Epub 24-Jan-2020
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20192018287
A literatura caracteriza o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) como um contínuo de alterações na comunicação social, com manifestações heterogêneas que afetam o desenvolvimento com diferentes níveis de gravidade, acarreta prejuízos precoces na socialização e comunicação, bem como comportamentos e interesses restritos e estereotipados(1,2). Os distúrbios como a hipo e a hiper-responsividade sensorial sempre foram frequentes na população com TEA, porém apenas a partir da quinta edição do Manual de Diagnóstico e Estatísticas dos Transtornos Mentais (DSM-5) estes foram relatados como manifestações comuns(3-6).
Os estudos que investigam os distúrbios sensoriais auditivos no TEA apresentam duas vertentes. A primeira é voltada à melhor compreensão dos mecanismos de escuta temporal e de percepção de fala no ruído(7,8); a segunda destina-se à análise da resposta a determinado estímulo acústico, caracterizado por um comportamento desproporcional em função das características sonoras (CDS)(9).
Na primeira vertente, os estudos mostraram que sujeitos com TEA apresentaram respostas mais longas à percepção de variações temporais dos estímulos acústicos, assim como resultados inferiores em condições de escuta frente ao ruído(8). Estes resultados caracterizam a presença do transtorno de processamento auditivo(10), entidade clínica que também é comumente descrita em outras condições que afetam o desenvolvimento, como dislexia, distúrbio específico de linguagem, disfluência, déficit do transtorno de atenção e hiperatividade, entre outras(11,12). É importante ressaltar que os testes comportamentais da avaliação do processamento auditivo exigem do sujeito avaliado a compreensão das instruções do teste e sua cooperação, resposta motora e/ou verbal, dependendo do teste, que exige o “timing” preciso da reposta(10), habilidades estas que estão prejudicadas no TEA.
A segunda vertente busca caracterizar, entender e investigar a ocorrência do CDS, que é nomeado com diferentes termos, sendo as mais comuns hipersensibilidade auditiva (HSA)(8,13) e hiperacusia (HPA)(14-17). A existência da divergência na nomenclatura para designar o CDS no TEA já foi observada e ponderada anteriormente(9,18), assim como as repercussões que tais designações geram no conflito da informação para a forma como foram estudadas(9). De fato, Tyler et al.(19) já chamaram atenção para o fato de que estas terminologias na área da ciência da audição não são sinônimas.
A HSA refere-se teoricamente aos limiares de sensitividade melhores que os considerados como “normais”, sendo esta impossível de ser mensurada, ou seja, pesquisada(19). Os limiares auditivos considerados como adequados, sem perda auditiva, variam de -10 a +15, 20 ou 25 dB NA, dependendo da idade e do critério adotado(20-22), baseado nas recomendações de calibração do instrumento de medição(23,24). Estudos que investigaram comparativamente a sensitividade auditiva (limiares tonais) em sujeitos com e sem TEA, todos sem perda auditiva, revelaram que as diferenças encontradas entre as duas populações é insignificante(13,15).
A HPA, por sua vez, refere-se à queixa de incômodo e/ou irritabilidade frente a determinado som ou sons, em que outras pessoas que compartilham o mesmo ambiente e exposição sonora não relatam o mesmo(9). O uso de questionários/inventários específicos, padronizados e validados(25-27) pode auxiliar na identificação da população de risco para HPA; entretanto, atualmente, o teste padrão ouro para sua identificação é o limiar psicoacústico de desconforto, que, nesta condição, ocorre em uma intensidade menor que o usual(19). Este mesmo teste já foi recomendado como ferramenta útil para a população com TEA(18), pressupondo assim que o CDS no TEA pode-se configurar na HPA.
Leekam et al.(28) relataram que os distúrbios sensoriais chegam a acometer até 90,0% dos sujeitos com TEA. Segundo os mesmos autores, o distúrbio sensorial auditivo apresenta menor frequência que o visual e o proprioceptivo, mas é interessante observar que enquanto a ocorrência destas duas últimas modalidades aumentou de frequência em função da gravidade do TEA, a auditiva se manteve estável(28). A ocorrência do CDS no TEA é heterogênea, entre 16,2% e 69,0%, se computadas as diferentes terminologias HSA, HPA e hiper-responsividade (HRA)(8,13,14,29). É importante observar que a literatura descreve a ocorrência da HPA em 1,9 a 9,2% dos adultos e idosos(30), e em 3,4% da população infantil, todos sem TEA(26).
Os mecanismos fisiopatológicos da HPA, independentemente da população acometida, ainda não são totalmente conhecidos, nem dos CDS nos TEA. Existem algumas hipóteses para a HPA, sendo três delas as mais frequentes. A primeira diz respeito à plasticidade homeostática do Sistema Nervoso Central, que é responsável pela precisão da codificação neural, por meio da regulação e da adaptação dos diferentes estímulos sonoros aos quais os indivíduos são expostos(31,32). A segunda refere-se à reorganização tonotópica nas áreas primárias após danos nos receptores, sendo que neste processo haveria um aumento de representação de determinadas frequências, acarretando em desconforto auditivo(33,34). A terceira hipótese está relacionada a uma falha na modulação das fibras eferentes do sistema olivococlear, que se projetam à cóclea, especificamente às células ciliadas externas, que são responsáveis pela regulação da amplificação do som(35).
A falta de homogeneização na terminologia para designar o CDS no TEA já foi apontada anteriormente(9). O uso de diferentes terminologias para designar uma manifestação frequente na respectiva condição não permite identificar a ferramenta, o método, o contexto e o comportamento observado. Não permite ao leitor identificar se elas se referem ao sintoma e/ou ao sinal clinico, o que influencia no pouco conhecimento sobre o comportamento característico do TEA.
A presente revisão tem por objetivo elucidar como o uso das principais terminologias para caracterizar os CDS no TEA se relacionam com os respectivos instrumentos de investigação. Também objetiva-se descrever a ocorrência do fenômeno e os desfechos dos respectivos mecanismos envolvidos nesta resposta.
Os artigos aqui estudados foram selecionados a partir de buscas nas bases de dados: PubMed, PsycINFO, Web of Science, Scielo e Lilacs. Para a realização da busca dos trabalhos, foram utilizados os seguintes descritores: “autism”, “hyperacusis” e “auditoryperception”, com as seguintes combinações: “autism AND hyperacusis” e “autism AND auditoryperception”, sem limite inferior de data e com publicação até setembro de 2017. A seleção dos descritores utilizados no processo de revisão foi efetuada mediante consulta aos descritores em ciência da saúde.
As referências resultantes da busca foram analisadas segundo os critérios de inclusão estabelecidos, a saber: sujeitos com diagnóstico de TEA de qualquer faixa etária; referência no título e/ou resumo do CDS, aceitando os seguintes termos HRA, HSA e HPA; resumo disponível; Artigos em inglês, espanhol e português brasileiro; série de casos, estudos de prevalência e incidência, coorte e ensaios clínicos. Os artigos selecionados foram lidos na íntegra e o passo seguinte foi excluir aqueles que não apresentaram no método o instrumento utilizado para identificação da ocorrência do CDS ou aqueles que estudaram os distúrbios sensoriais, porém não especificaram as modalidades. As etapas do referido processo estão apresentadas no Fluxograma (Figura 1).
O estudo foi conduzido por dois dos autores, de forma independente e, posteriormente, os dados coletados foram confrontados. Na existência de incompatibilidade no dado coletado, um terceiro profissional foi convidado para que houvesse um senso comum. As perguntas da pesquisa foram: forma (e.g. questionamento aos parentes, questionários/inventários/teste) para obtenção da informação do CDS; o termo utilizado; realização ou não de teste auditivo, se sim, quais; e os resultados.
Com o objetivo de caracterizar o nível de evidência dos trabalhos, foi empregada a Newcastle-Ottawa Scale(36), que analisa três categorias principais: seleção da amostra, a comparabilidade dos dois grupos e como o desfecho é mensurado. O escore total pode variar de 1 a 10, em que a pontuação maior ou igual a seis, segundo a proposta da escala, é indicadora de qualidade.
A partir dos descritores, foram obtidos 692 trabalhos, os quais, após análise pelos critérios de inclusão e exclusão, resultaram em 13 estudos, correspondendo a 1,8% (13/692) da amostra inicial. Na Tabela 1, estão apresentados os trabalhos selecionados com os respectivos termos utilizados para designar o CDS, os instrumentos de investigação, assim como os principais resultados. Nesta seção, os 13 trabalhos serão referenciados pela ordem cronológica de publicação e não pelos autores.
Autor/ Terminologia | Casuística (n) e faixa etária | Instrumento de investigação do sintoma | Exames/testes realizados | Principais resultados | |
---|---|---|---|---|---|
1 | Khalfa et al. (2004)(25) HPA |
GTEA=11 GC=11 9-17 anos |
Questionamento aos parentes | Auditiva – psicoacústica | - limiares para tons puros sem diferença entre os grupos - GTEA apresentou medidas de limiares de desconforto e campo dinâmico da audição, menores que o GC - HPA em 63,0% no GTEA vs. 27,0% GC - O campo dinâmico da audição foi menor em 4 e 8 kHz, independentemente do grupo |
2 | Danesh e Kaf (2012)(16) HSA |
GTEA = 18 GC = 12 6-14 anos X = 8 anos |
Não utiliza | 1. Emissões Otoacústicas Evocada resposta sensorial – orelha interna 2. Efeito Inibitório das emissões otoacústica resposta sensório-neural/ subcortical |
- GTEA apresentou menores amplitudes de resposta que o GC - GTEA apresentou valores menores do efeito de supressão que o GC e eles foram maiores para a orelha esquerda do que para a direita - Quanto menor a idade maior o valor de supressão, sem diferenças entre as idades em cada um dos grupos |
3 | Matsuzaki et al. (2012)(37) HSA |
GTEA = 18 anos X = 9 GC = 12 anos X = 10 |
Infant/Toddler Sensory Profile (Dunn, 2002)(38) | Auditiva – Magnetoencefalografia | - o escore do questionário definiu a presença de HSA e subdividiu o GTEA em com e sem HSA - As medidas de amplitude das componentes M50 e M100 não foram diferentes entre os grupos, independentemente do escore do questionário - Latência da M50 houve diferença apenas entre o GTEA com HSA quando comparado com o GC - Latência da M100, houve diferença entre os três grupos GTEA com HSA > GTEA sem HSA > GC |
4 | Thabet e Zaghloul (2013)(39) HSA |
GTEA=14 GC=15 2,7- 8 anos X= 3 ± 1 anos |
Relato informal de parentes | 1. PEATE resposta neural – subcortical 2. Imagem − Tomografia de orelha interna |
- limiar eletrofisiológico sem diferença entre os grupos - Latências absolutas das componentes I e III e latências interpicos I – III, sem diferenças entre os grupos - Latência absoluta da componente V do GTEA precoce e intervalos III – V e I – V com valores menores que o GC - 29% do GTEA apresentou imagens compatíveis com deiscência dos canais semicirculares |
5 | Bhatara et al. (2013)(7) HSA |
GTEA=17 GC=17 X=10-14 anos |
1. Sensory Profile (Dunn, 1999)(40) 2. Adolescent/adult sensory profile (Dunn, 2002)(38) |
Auditiva – psicoacústica | - Adolescentes com TEA apresentaram maiores pontuações no perfil sensorial do que o grupo neurotípico - O grupo com TEA necessita de uma relação sinal ruído maior do que o grupo controle para compreender as palavras no teste de fala com ruído -Grupo com TEA: prejudicada discriminação de frequências |
6 | Bhatara et al. (2013)(41) HSA |
GTEA=33 GC=35 10-19 anos |
1. Salk and McGill Musical Inventory | Não utilizou | - Os adolescentes com TEA (68%) apresentaram hipersensibilidade auditiva na infância com maior frequência do que no grupo controle (17%). - Mesmo com a hipersensibilidade, o interesse pela música nos indivíduos com TEA foi o mesmo do grupo controle - O desempenho verbal e o QI não preveem a hipersensibilidade auditiva, assim como a idade cronológica também apresentou uma correlação negativa à hipersensibilidade. |
7 | Thabet (2014)(42) HSA |
GTEA=14 GC=15 2-4 anos |
Não consta | Não utilizou | - Grupo estudo: aumento de amplitude da VEMP em cinco sujeitos - A VEMP demonstrou capacidade diagnóstica na diferenciação da hipersensibilidade causada pela síndrome da deiscência do canal semicircular ou por atípico desenvolvimento cortical. |
8 | Matsuzaki et al. (2014)(43) HSA |
GTEA=21 GC=15 X= 9 anos ± 1 |
1. Infant/ToddlerSensory Profile (Dunn, 2002)(38) | Magnetoencefalografia | - Grupo com TEA e hipersensibilidade auditiva mostrou respostas com latências (M50/ M100) mais prolongadas do que os outros grupos; - A latência mostrou-se significantemente relacionada com a severidade da hipersensibilidade auditiva |
9 | Donkers et al. (2015)(44) HRA |
GTEA=29 GC=30 4-12 anos |
1. The Sensory the Tactile Defensiveness 2. Discrimination Test-Revised 3. Sensory Processing Assessment for Young 4. Sensory Experiences Questionnaire 5. Sensory Profile |
PEALL resposta neural – subcortical e cortical |
- Foi observada para sons padrões, a relação entre a onda P1 e N2: respostas de P1 maiores e N2 atenuada, hiper-responsividade auditiva mais severa. - P1 atenuada e N2 atenuada, hiper-responsividade mais leve. |
10 | Danesh et al. (2015)(29) HRA |
GTEA=55 4-42 anos X= 17 |
1. Hyperacusis Questionnaire (Khalfa et al., 2002)(45) | Não utilizou | - 69% dos sujeitos relataram hiperacusia - 35% relataram zumbido - Maior prevalência de hiperacusia e zumbido na população com TEA do que na população em geral. |
11 | Green et al. (2015)(46) HRA |
GTEA=19 GT = 19 9-17 anos X = 14 |
1. Short Sensory Profile. 2. Sensory Over-Responsivity Scales (SORS) |
Ressonância funcional | - Não houve diferença de ativação de atividade entre os grupos para a estimulação auditiva, mas houve para a tátil, e para a estimulação concomitante, o GTEA apresentou maior resposta que o GC. - Houve correlação positiva entre o escore da SORS e a ativação das áreas corticais. - Não houve diferença entre os grupos para o início da habituação, mas uma vez iniciado o processo, ele foi mais lento no GTEA e no GTEA, e com SOR, ele foi mais lento. im para o tempo Quando comparado ao GC o GTEA apresentou: |
12 | Dunlop et al. (2016)(8) HRA |
GTEA=16 20-52 anos GC=31 19-51anos |
1. Auditory Attention and Distress Questionnaire | Auditiva – psicoacústica | - Houve diferença significativa entre o limiar de desconforto do GC e do GTEA com hipersensitividade, sendo esse último grupo com menores valores. |
13 | Wilson et al. (2017)(17) HPA |
GTEA=18 GC=14 10-16 anos |
1. Hyperacusis Questionnaire (Khalfa et al., 2002)(45) | Auditiva – eletroacústica | - Correlação positiva entre a gravidade da hiperacusia e a supressão das EOAT. -O efeito de supressão é maior em todas as frequências do GTEA com HPA severa quando comparado ao GTEA sem HPA severa e o GC. |
Legenda: HSA=hipersensibilidade auditiva; QI-quociente de inteligência; HRA=hiper-responsividade auditiva; HPA=hiperacusia; GTEA=grupo com Transtorno do Espectro Autista; GC= grupo controle; PEATE=potencial evocado auditivo de tronco encefálico; VEMP=vestibular evoked myogenic potential; PEALL=potencial evocado auditivo de longa latência; TEA=transtorno do espectro autista; EOAT=emissão otoacústica evocada auditiva transiente
O uso de questionários padronizados para investigação e caracterização do CDS foi empregado em 69,2% (9/13) dos trabalhos (estudos 3, 5, 6, 8, 9, 10, 11, 12 e 13). O questionário mais frequente foi o Sensory Profile (estudo 5), se contabilizadas suas três versões, Short Sensory Profile (estudo 11), Infant/Toddler Sensory Profile (estudos 3 e 8), Adolescent/adult Sensory Profile (estudo 5). Outro questionário que se repetiu foi o Hyperacusis Questionnaire (estudos 10 e 13). Os outros 30,8% (4/13) não utilizaram questionários estruturados e em três deles a identificação do CDS foi por meio de relatos dos familiares (estudos 1, 4 e 7).
Dos nove estudos com uso de questionários, apenas 33,3% (3/9) (estudos 6, 10 e 11) os utilizaram como ferramenta exclusiva, enquanto os demais 66,7% (6/9) associaram seu uso a algum teste da função auditiva.
Dos 13 estudos, 76,9% (10/13) investigaram a audição por medidas psicoacústicas e/ou objetivas, com diferentes testes: limiar de desconforto (estudos 1 e 12); emissão otoacústica evocada com e sem efeito de supressão (estudos 2 e 13); magnetoeletrografia (estudos 3 e 8); avaliação comportamental do processamento auditivo (estudos 5 e 12); avaliação eletrofisiológica de curta e longa latência, e o miogênico vestibular (estudos 4, 9 e 7, respectivamente).
A terminologia HSA foi designada em 61,5% (8/13), seguida da HPA 23,1% (4/13) e, por último, o termo HRA em 15,4% (2/13) (Tabela 1).
Não foi observada uma relação entre o uso da terminologia com os instrumentos utilizados para identificação do comportamento de magnitude desproporcional ao som. Por exemplo, a HSA foi identificada com questionários estruturados (estudos 3, 5, 6, 8 e 12), pela queixa dos parentes (estudo 2) e por meio de testes psicoacústicos e/ou eletrofisiológicos (estudos 3, 7 e 8). O mesmo ocorreu para o uso da HPA, que foi estudada com o teste psicoacústico do limiar de desconforto (estudo 1), por questionário específico (estudo 10) e eletroacústico (estudo 13).
A ocorrência de comportamento desproporcional para estímulos acústicos independentemente da terminologia variou de 47,4 a 69,0% (estudos 6, 10 e 11). A porcentagem de 47,4% foi apresentada no estudo 11 e refere-se à hiper-responsividade auditiva e visual, ao mesmo tempo. A frequência identificada nos estudos 6 e 10 foi semelhante, 68 e 69%, respectivamente.
A HPA foi especificamente investigada em apenas 15,4% (2/13) dos trabalhos (estudos 1 e 12) e ambos reportaram diferenças significativas do limiar de desconforto e/ou campo dinâmico da audição entre sujeitos com e sem TEA, com os valores do primeiro grupo menores quando comparados aos do segundo. A queixa da HPA foi investigada por meio de questionário específico em dois estudos, 10 e 13.
Os resultados dos estudos dos testes auditivos e vestibulares e suas correspondências quanto ao tipo de teste em relação ao tipo de resposta e mecanismos avaliados (sensoriais vs. neurais) com as respectivas estruturas correspondentes, estão apresentados na Tabela 1.
Em relação aos critérios da Newcastle-Ottawa para estudos do tipo caso controle, dos 13 trabalhos, 11 deles (84,6%) atingiram o escore total superior a seis, que abrangem os critérios de seleção para constituição dos grupos, comparabilidade entre eles e chances de exposição para a condição estudada (estudos 1, 2, 3, 5, 6, 8, 9, 10, 11, 12, 13). Dentre todos os critérios, um deles foi o menos cumprido, a ausência da avaliação para exclusão do diagnóstico de TEA nos grupos controle (estudos 2, 3, 9, 10, 11).
A presente revisão sistemática de literatura teve como objetivo identificar uma possível relação entre o uso das terminologias para estudar o CDS no TEA com as ferramentas utilizadas em sua busca. Também foram estabelecidos como objetivos identificar a ocorrência do CDS e o desfecho em relação aos mecanismos fisiológicos envolvidos da mesma.
Com relação aos instrumentos de avaliação do CDS, observou-se que a maioria dos estudos utilizou questionários, porém os questionários utilizados foram diversos(7,8,17,37-46), sendo que um deles possui diferentes versões em função da idade do sujeito(38,40) e que, em sua maioria, foram respondidos pelos pais, professores e/ou cuidadores(7,37,43,44,46).
Essa diversidade pode sugerir a ausência de uma ferramenta padrão ouro na investigação do CDS no TEA, que pode ser justificada por dois aspectos. O primeiro é a heterogeneidade das manifestações do TEA, variando da ausência da interação comunicativa e social à sua presença de maneira funcional; assim, um único instrumento pode ser mais indicado a uma parcela dos sujeitos com a condição, mas não aos demais. O segundo aspecto é voltado para a idade cronológica, pois questionários, mesmo de observação dos responsáveis, devem ser adaptados para comtemplar características de cada faixa etária.
A ocorrência do CDS em sujeitos com TEA, nos estudos aqui analisados, está dentro do relatado pela literatura para essa população, embora esta seja extremamente variável, de 18 a 90,0%(25,29,41,46-50). O interessante é constatar que dois dos estudos, de grupos distintos, apresentaram uma frequência semelhante, 68,0 e 69,0%(25,29). Outro estudo relatou a ocorrência da queixa em 47,4%, contudo foram computados a hiper-responsividade visual concomitante à auditiva(46). Se partirmos da similaridade da descrição do CDS com a HPA, as porcentagens do CDS relatadas acima são superiores às de HPA na população pediátrica, sem TEA e/ou perda auditiva, que é de 3,2 a 17,1%(19,26,51,52).
A HPA foi identificada em apenas dois dos estudos(8,25), conforme recomendação de especialistas da área(19,26,31). O resultado demonstrou que as crianças com TEA, por eles estudadas, apresentaram limiares acústicos de desconforto em intensidades mais baixas que as usuais(8,25).
Os outros estudos que utilizaram testes auditivos para a investigação do CDS no TEA partiram do pressuposto de que o sintoma é mais frequente na condição e tiveram como objetivo a avaliação do envolvimento ou não dos mecanismos do sistema nervoso auditivo central (SNAC)(8,16,39,42). Dois dos estudos demonstraram que crianças com TEA apresentaram alteração da sincronia neural das vias auditivas, tanto em nível subcortical como cortical(39,44). Outro estudo(7) relatou pior escore no teste comportamental de fala no ruído, mecanismo de escuta monótica de baixa redundância que compõe o processamento auditivo(10,53). Estudos de imagem identificam a atenuação do ruído em detrimento da mensagem verbal como um mecanismo que se inicia nos núcleos cocleares (tronco baixo) e se estende ao colículo inferior (tronco alto) e áreas corticais(54).
Embora estes resultados descritos acima enfoquem a via auditiva aferente, existe a hipótese de que a HPA, independentemente da população, seja modulada pelo sistema eferente auditivo, principalmente pelo feixe medial olivococlear(17,54). Esta foi a hipótese estudada por dois dos estudos com TEA, Danesh e Kaf(16) e Wilson et al.(17), que relataram que as crianças com TEA apresentaram valores de respostas para o efeito inibitório coclear (supressão das emissões otoacústicas) menores que as do grupo sem TEA, evidenciando uma falha na modulação sensório-neural.
Dois estudos foram incluídos na revisão sistemática, sem, no entanto, utilizar testes auditivos, os estudos de Thabet e Zaghloul(39) e Thabet(42). Os trabalhos partiram da premissa de que os sujeitos com TEA apresentam CDS, denominada por eles de HSA, e este sintoma auditivo é comumente achado em sujeitos com deiscência do canal semicircular (labirinto posterior da orelha interna)(39). Partindo deste pressuposto, os autores investigaram o Potencial Evocado Miogênico Vestibular (VEMP) no grupo com TEA, acompanhado de exame de imagem para identificação da deiscência do canal vestibular e, assim, identificaram sua presença no grupo com TEA, encontrada em seis crianças de um total de 14, porém, das seis, cinco tinham HSA(42). Em virtude das características anatomofisiológicas da orelha interna, entre labirinto anterior e posterior, os presentes autores julgaram como pertinente a permanência desses dois trabalhos.
Conforme descrito inicialmente, as diferentes metodologias utilizadas nos estudos dificultaram a comparação destes, principalmente com relação aos resultados dos testes e exames audiológicos. Existem indícios de que no CDS no TEA, independentemente da terminologia, há o envolvimento das vias auditivas aferentes neurais subcorticais e corticais, assim como da via eferente.
O fato de não ter sido estipulado limite mínimo de data para a pesquisa na base de dados contribuiu para que, de um total de 692 estudos, apenas 13 deles atendessem aos critérios estabelecidos, que foram, de certa forma, rígidos, mas necessários para os objetivos do trabalho. Mesmo assim, dos 13 selecionados, apenas nove deles utilizaram testes auditivos e seis investigaram o CDS com duas ferramentas distintas, o questionário e pelo menos um teste auditivo. Estes resultados evidenciam a necessidade de mais estudos para que se possa compreender melhor a relação dos resultados dos testes audiológicos nos indivíduos com TEA com CDS.
O termo HSA foi o mais utilizado para nomear o CDS no TEA, seguido de HPA e HRA, contudo não foi constatada qualquer relação entre os termos e a respectiva ferramenta de investigação. O uso de questionários foi o instrumento mais utilizado para estudo da ocorrência do CDS, que variou de 42,1 a 69,0%. Os testes auditivos, quando realizados, mostraram o envolvimento das vias neurais auditivas, aferente e eferente, na resposta do CDS no TEA. A melhor compreensão do CDS no TEA pode contribuir para intervenções terapêuticas específicas na população com TEA.