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Hiperinsulinismo e hiperglicemia: fatores de risco para recorrência de vertigem postural paroxística benigna

Hiperinsulinismo e hiperglicemia: fatores de risco para recorrência de vertigem postural paroxística benigna

Autores:

Guilherme Webster,
Patrícia Maria Sens,
Márcio Cavalcante Salmito,
José Diogo Rijo Cavalcante,
Paula Regina Bonifácio dos Santos,
Ana Lívia Muniz da Silva,
Érica Carla Figueiredo de Souza

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Otorhinolaryngology

versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686

Braz. j. otorhinolaryngol. vol.81 no.4 São Paulo jul./ago. 2015

http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2014.09.008

Introdução

A vertigem postural (ou posicional) paroxística benigna (VPPB) é a causa mais comum de tontura na população adulta, sendo definida como uma síndrome vestibular periférica.1 - 3 Predomina no gênero feminino e na faixa etária acima dos 50 e 60 anos. Ademais, aproximadamente 30% dos idosos com idade superior a 70 anos irão apresentar pelo menos um episódio de VPPB ao longo da vida, o que demonstra elevada incidência.4 , 5

A maior parte dos casos tem a etiologia dita idiopática. Na VPPB secundária, algumas causas já são determinadas, tais como: traumatismo cranioencefálico, pós-operatório de cirurgia otológica, insuficiência vertebrobasilar, neuronite vestibular e doença de Ménière.6 Contudo, poucos estudos relacionam alterações metabólicas à VPPB, ou mesmo definindo-as como uma causa de VPPB secundária.7

Diversas condições metabólicas podem afetar o aparelho cocleovestibular.8 - 12 Alterações no metabolismo do carboidrato, mais precisamente no metabolismo da glicose, têm sido associadas a causas frequentes de distúrbios da orelha interna.8 - 12

Nos distúrbios dos carboidratos, em especial da glicose, propõem-se que nos pacientes portadores de diabetes mellitus (cronicamente hiperglicêmicos), as alterações observadas na análise histopatológica são as microangiopatias e as neuropatias periféricas.11 , 13 Sabendo que a vascularização da orelha interna é realizada por ramos terminais, tais alterações podem comprometer a função vestibular devido à diminuição do aporte sanguíneo para este órgão.

Estudo post-mortem de ossos temporais de Yoda et al.10 verificaram que pacientes portadores de diabetes mellitus do tipo 1 apresentavam uma prevalência de debris de otoconias oriundos do utrículo muito maior do que os pacientes hígidos, além de verificarem que a prevalência desta migração de debris também aumentava proporcionalmente aos anos de doença. Sendo assim, a probabilidade de que a VPPB ocorra nos pacientes portadores de diabetesmellitusdo tipo 1 é maior. Cohen et al.14observaram 20% de prevalência de diabetesmellitus em indivíduos com VPPB entre 65 e 74 anos, 43% em indivíduos acima de 75 anos.

A taxa de recorrência de VPPB, na literatura, varia entre 20% a 30%.1 , 15 Diversos aspectos têm sido relatados com o desenvolvimento de recorrência, tais como idade, sexo e etiologia da VPPB;1 , 15 contudo, a sua correlação com distúrbios metabólicos ainda é incerta.

O objetivo do presente estudo foi avaliar a influência dos distúrbios do carboidrato na recorrência da VPPB idiopática.

Método

Esta pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética em pesquisa do hospital onde foi realizado, segundo protocolo número CAEE: 06181512.2.0000.5442.

Trata-se de um estudo de coorte contemporânea longitudinal, no qual foram avaliados os prontuários dos pacientes que tinham o diagnóstico de vertigem posicional paroxística benigna objetiva do ambulatório de Otoneurologia, do departamento de Otorrinolaringologia de um hospital terciário durante o período compreendido entre dezembro de 2009 até maio de 2013, tendo sido necessária a revisão do mesmo por mais de uma vez, caso houvesse recorrência da doença.

Foram incluídos os pacientes com diagnóstico de vertigem postural paroxística benigna idiopática objetiva que mantivessem o acompanhamento no ambulatório de Otoneurologia até a alta do mesmo (a qual era dada apenas após o paciente não apresentar sintomas por seis meses), e que tivessem realizado a curva glicoinsulinêmica de 3 horas solicitada.

Foram excluídos os pacientes com diagnóstico de vertigem postural paroxística benigna subjetiva ou outras causas de tontura não associadas à VPPB, bem como os pacientes que evadiram ou descontinuaram o acompanhamento antes da alta, que não realizaram os exames solicitados ou os pacientes com diagnóstico e tratamento prévios para VPPB. Também foram excluídos os pacientes que apresentaram diagnóstico de VPPB secundária de etiologia determinada, tais como, traumatismo cranioencefálico, doença de Ménière, neuronite vestibular, pós-operatório de cirurgia otológica e insuficiência vertebrobasilar.

Foi realizado um levantamento dos prontuários de todos os pacientes que possuíam o diagnóstico de VPPB cadastrados no ambulatório de Otoneurologia da clínica de Otorrinolaringologia. Nestes prontuários, foram coletados os dados de data do diagnóstico.

Avaliou-se, tanto qualitativamente como quantitativamente, a recorrência da doença, sendo que a recorrência foi definida como o quadro clínico que apresentou desaparecimento da vertigem e nistagmo de posicionamento após as manobras de reposicionamento (MRE), avaliados através das manobras de Dix-Hallpike e Roll test, porém, com retorno desses sinais e sintomas verificado pelo otorrinolaringologista, no decorrer do acompanhamento pelo período de até seis meses. Estes pacientes ficaram novamente assintomáticos após a repetição das MRE. Por fim, classificou-se como VPPB persistente aquele paciente em que o nistagmo e a vertigem não desapareceram com a realização periódica das manobras sob a supervisão de um otorrinolaringologista. Enfatizo que as recorrências dos episódios de VPPB foram avaliadas através da anamnese e manobra de Dix-Hallpike e Roll test.

Os resultados da curva glicêmica foram analisados e classificados de acordo com os critérios da Associação Americana de Diabetes (AAD) publicados em 2013, e a interpretação da curva insulinêmica foi baseada nos critérios propostos por Kraft (1975).14 , 15 Sendo assim, os pacientes foram classificados em quatro grupos, segundo o resultado das curvas glicoinsulinêmicas: pacientes com exames normais, pacientes com intolerância à glicose (que segundo a AAD, são chamados de pré-diabéticos), pacientes com hiperinsulinismo e pacientes com hiperglicemia (que segundo a AAD, são chamados de diabéticos), tendo sido avaliada a relação com a recorrência de VPPB nestes pacientes.

Utilizou-se o teste do Qui-quadrado para avaliar de forma quantitativa qual a relação das alterações do metabolismo do carboidrato com o índice de recorrência. O nível de significância estatística adotado foi de p = 0,05.

Resultados

No presente estudo, foram avaliados 103 prontuários de pacientes que apresentavam vertigem postural paroxística benigna durante o período compreendido entre dezembro de 2009 a 31 de maio de 2013. Destes, 31 pacientes foram excluídos do trabalho, sendo 11 pacientes excluídos por terem VPPB subjetiva; cinco por não serem encontradas as fichas de atendimento no arquivo médico do hospital; sete por não terem realizados os exames solicitados e/ou pararem o seguimento clínico, e oito pacientes por não serem considerados idiopáticos. Com isso, a casuística final foi composta por 72 pacientes, cuja amostra foi dividida da seguinte forma:

- No exame glicoinsulinêmico com resultado normal (fig. 1), verificou-se um risco relativo (RR) de 0,2225; com um p = 0,03054.

Figura 1. Distribuição dos pacientes com recorrência de VPPB quanto ao exame glicoinsulinêmico dentro da normalidade. 

- No exame glicoinsulinêmico com resultado de intolerância à glicose (fig. 2), verificou-se um risco relativo (RR) de 0,6315; com um p = 0,096.

Figura 2. Distribuição dos pacientes com recorrência de VPPB quanto à intolerância à glicose. 

- No exame glicoinsulinêmico com resultado de hiperinsulinemia (fig. 3), verificou-se um risco relativo (RR) de 4,6647; com um p = 0,0015.

Figura 3. Distribuição dos pacientes com recorrência de VPPB quanto ao exame com hiperinsulinemismo. 

- No exame glicoinsulinêmico com resultado de hiperglicemia (fig. 4), verificou-se um risco relativo (RR) de 2,4761; com um p = 0,0123.

Figura 4. Distribuição dos pacientes com recorrência de VPPB quanto ao exame com hiperglicemia. 

Discussão

A tontura é um importante fator limitante para o dia a dia da população em geral, acentuando-se nos idosos, por configurar um fator limitante aos movimentos, bem como interferir nas atividades domésticas e, até mesmo, sociais.16 Os idosos perdem a autonomia, tornando-se dependentes, deteriorando ainda mais a qualidade de vida.17 - 20 Uma consequência importante da tontura são as quedas, principalmente na população acima de 60 anos, pois os efeitos causados são ainda mais graves.4 No Brasil, somente no ano de 2010, 6.802 idosos morreram em decorrência de quedas,21 um dado alarmante em saúde pública e que pode, em parte, ser justificado pela VPPB no idoso.4

Apesar de a vertigem postural paroxística benigna ser uma entidade reconhecida há décadas, sua etiologia continua sendo predominantemente idiopática.6 , 22 , 23 No entanto, poucos estudos têm sido realizados para esclarecer qual a relação da VPPB com outras comorbidades, e o quanto elas poderiam influenciar na severidade da doença e no prognóstico destes quadros.

Na literatura médica, há indícios de que os distúrbios metabólicos possam estar associados à VPPB;7 - 12 contudo, a relação causal é difícil de ser confirmada, haja vista que a observação das alterações histopatológicasin vivo não são possíveis. Estes distúrbios metabólicos podem agir como fator etiológico principal da disfunção vestibular ou, também, como fator agravante de uma vestibulopatia pré-existente.9

Os pacientes com intolerância à glicose não apresentaram significância estatística em relação ao número de recorrências quando comparados aos indivíduos normais. Este achado pode sugerir que este grau de alteração do metabolismo do carboidrato não seja significante para estar associado à evolução da VPPB, mas nenhuma afirmativa pode ser feita até que um número maior de pacientes com intolerância à glicose e VPPB seja avaliado.

Já o hiperinsulinismo pode trazer um impacto negativo na hemostasia da orelha interna, em virtude das características iônicas e metabólicas da estria vascular, a qual é responsável pela manutenção do potencial endococlear através da secreção de potássio no espaço endolinfático.8 , 9 Além disso, o labirinto é muito sensível a pequenas variações nos níveis plasmáticos de insulina devido ao grande número de receptores insulínicos no saco endolinfático.11

Baseado nesses sinais sugestivos de que o metabolismo da glicose possa estar associado aos quadros de vertigem postural paroxística benigna, o presente trabalho encontrou algumas relações, tais como: o paciente portador de hiperinsulinemia tem um RR 4,6 vezes maior de apresentar recorrência de VPPB do que a população geral, com significância estatística. Assim como o paciente portador de hiperglicemia possui um RR de 2,47 vezes maior de apresentar recorrência de VPPB, também com significância estatística. Já o paciente que apresentar um exame de curva glicoinsulinêmica normal tem um RR de 0,22 com significância estatística. Ou seja, apresentar um valor normal pode ser um fator protetor para recorrência de VPPB.

Tanimoto et al.24 chegaram à constatação de que o único fator de risco para recorrência de VPPB seria a presença de hidropsia endolinfática. Uma vez que a literatura é bem sólida com relação à associação entre o hiperinsulinismo e a hidropsia endolinfática, podemos questionar se, na verdade, não seria o hiperinsulinismo subjacente à hidropsia endolinfática o real fator de risco para os valores de recorrência encontrados pelo autor na sua casuística.

Outrossim, Tanimoto et al.24 afirmaram que a recorrência da vertigem postural paroxística benigna estaria mais associada a causas secundárias do que a forma idiopática de VPPB. Esta afirmação, somada aos resultados do presente estudo, faz levantar a hipótese da existência de uma forma de VPPB secundária aos distúrbios do metabolismo da glicose.

Conclusão

Os distúrbios do metabolismo da glicose estão relacionados à recorrência de VPPB no grupo avaliado. Neste estudo, verificou-se que tanto o hiperinsulinismo como a hiperglicemia se comportaram como fatores de risco para a recorrência de VPPB idiopática, assim como o fato de não haver alteração na curva glicoinsulinêmica se mostrou como um fator protetor.

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