versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol. vol.41 no.3 São Paulo jul./set. 2019 Epub 08-Nov-2018
http://dx.doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-2018-0155
Entender os mecanismos, avaliar e definir o melhor manejo da pressão arterial (PA) em pacientes que recebem terapias de substituição renal por meio de hemodiálise (HD) ou diálise peritoneal (DP) é um desafio significativo para os profissionais de saúde. Embora a PA seja medida com freqüência no ambiente de tratamento de diálise, aspectos relacionados à técnica de medição empregada podem ser insatisfatórios. Várias outras ferramentas estão agora disponíveis e sendo usadas em ensaios clínicos e na prática clínica para avaliar e tratar a PA elevada em pacientes com doença renal crônica (DRC)1,2. Diferentes níveis de PA podem ser observados no mesmo paciente em situações distintas, que incluem avaliações antes, durante ou após a sessão de diálise, e em casa, utilizando medidas ambulatoriais (MAPA), sendo frequente e substancialmente menores do que durante a diálise3.
Em pacientes com doença renal terminal (DRT) recebendo diálise, a pressão arterial elevada é comum e geralmente mal controlada4. Embora a sobrecarga de volume e a retenção de sódio pareçam ser os principais mecanismos patogênicos da hipertensão nessa população, outros fatores como aumento da rigidez arterial, ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, apnéia do sono, ativação do sistema nervoso simpático e uso de eritropoetina recombinante também podem estar envolvidos5.
A associação entre hipertensão e risco de doença cardiovascular tem sido bem documentada na população geral, mas em pacientes em diálise o risco associado é pouco compreendido e ainda apresenta relatos paradoxais e inesperados6. A presença de DRC no estágio 5-D está associada a um risco várias vezes aumentado de mortalidade cardiovascular, em comparação com controles pareados por idade e sexo sem DRC7. Estudos epidemiológicos mostraram que a pressão arterial sistólica (PAS), a pressão arterial diastólica (PAD) e os fatores de risco tradicionais para doenças cardiovasculares estão associados a danos em órgãos-alvo, incluindo rigidez vascular e resultados ruins em pacientes em diálise. De fato, o aumento e a diminuição da PAS estão associados a doenças cardiovasculares (DCV) e a diminuição da PAS após hipertensão prévia também está associada a resultados adversos8. Enquanto esperamos pela revisão das diretrizes do KIDGO para pressão sanguínea DRC, até o momento não há nenhuma diretriz para a população em diálise abordando essa importante questão. Assim, o objetivo desta revisão é fornecer uma análise crítica das informações disponíveis sobre a epidemiologia, os mecanismos patogênicos e os principais pilares sustentadores do manejo da pressão arterial no estágio 5-D da DRC, com base no conhecimento atual.
Hipertensão arterial (pressão arterial > 140/90 mmHg) é comum em pacientes submetidos à diálise regular, com prevalência de 70-80% entre os pacientes em hemodiálise regular9 e apenas a minoria tem controle adequado da pressão arterial. A situação para pacientes em diálise peritoneal (DP) não é diferente, e a variabilidade relatada para a prevalência de hipertensão é ainda maior, variando de aproximadamente 30 a mais de 90%10. Essa variabilidade está relacionada principalmente a diferenças nas definições utilizadas para diagnosticar a hipertensão e as ferramentas aplicadas em vários estudos5. Estudos epidemiológicos em pacientes em hemodiálise nos EUA, usando diferentes formas de definir a hipertensão, revelaram que 72 a 88% de todos os pacientes estudados apresentavam PA elevada4,11,12. No entanto, nesses estudos, uma alta proporção de pacientes com pressão arterial elevada estava tomando agentes anti-hipertensivos e o número de pacientes com pressão controlada era baixo, entre 30% e 50%4,11.
Em contraste com a associação incerta entre os registros de PA pré-dialítica e a mortalidade cardiovascular, estudos prospectivos mostraram que a PA interdialítica, registrada como PA domiciliar ou pela monitorização ambulatorial da pressão arterial em pacientes em hemodiálise, tem uma associação mais clara com mortalidade e eventos cardiovasculares13), (14. Em um estudo transversal conduzido na Itália com pacientes em diálise peritoneal usando a definição da OMS/ISH, a prevalência de PA elevada foi de 88% 15. Em outros estudos, a média de PA de 24 horas não foi diferente entre pacientes em diálise peritoneal automatizada e diálise peritoneal ambulatorial contínua12,16, e houve correlações positivas do índice de massa ventricular esquerda com as medidas de PA e carga pressórica16. A pressão arterial elevada diagnosticada fora da unidade de diálise com monitorização domiciliar ou ambulatorial da PA está intimamente relacionada à mortalidade3,13. Além disso, os pacientes em diálise muitas vezes não apresentam a diminuição normal da PA à noite,17 aumentando seu risco para o desenvolvimento de hipertrofia ventricular esquerda e mortalidade cardiovascular.18 De fato, Foley et al.19 observaram que cada aumento de 10 mmHg na PA média estava independentemente associado a um aumento progressivo da prevalência de hipertrofia ventricular esquerda concêntrica, desenvolvimento de insuficiência cardíaca recorrente e doença cardíaca isquêmica de novo. Adicionalmente, o grau de atrofia cerebral e a pressão pré-dialítica, bem como a atrofia cerebral e a duração da hipertensão, apresentam uma correlação muito alta20. Esses dados sugerem que a hipertensão de longo prazo é frequentemente não bem controlada, e representa um fator de risco significativo para eventos cardiovasculares em pacientes com DRC em hemodiálise.
O diagnóstico da hipertensão na população geral baseia-se em diferentes diretrizes disponíveis, como as diretrizes americana, brasileira e europeia, aumentando a complexidade e a controvérsia do problema21-23. A diretriz da National Kidney Foundation - Kidney Diseases Outcomes Quality Initiative estabeleceu que a hipertensão em pacientes em hemodiálise é diagnosticada quando a PA pré-diálise é > 140/90 mmHg ou quando a PA pós-diálise é > 130/80 mmHg,24 mas o exame peridialítico convencional pode não ser preciso. As medidas de PA pré e pós-diálise são obtidas pela equipe da unidade de diálise, muitas vezes sem a atenção necessária para com a técnica correta de mensuração.1,2 Além disso, outros fatores podem determinar uma leitura imprecisa da PA pré e pós-diálise, como o efeito do jaleco branco, medo de agulhagem incorreta na fístula arteriovenosa, flutuações no volume e tempo limitado para relaxamento (o paciente está ansioso para iniciar a diálise).25 Além disso, a baixa acurácia diagnóstica dos registros de PA peri-dialítica foi bem estabelecida por uma metanálise, mostrando que as leituras de pressão arterial pré e pós-diálise fornecem estimativas imprecisas da PA interdialítica média registrada pelo monitoramento ambulatorial da PA de 44 horas.26 Assim, uma alternativa poderia ser a utilização da média da medida da PA intradialítica, que pode proporcionar maior sensibilidade e especificidade na detecção da hipertensão interdialítica, quando comparada às avaliações da PA pré e pós-diálise.27
No entanto, as medidas da PA obtidas fora das unidades de diálise são frequentemente necessárias para diagnosticar a hipertensão em pacientes em diálise. O monitoramento domiciliar da PA é amplamente aplicado e fortemente recomendado para diagnóstico e tratamento da hipertensão na população geral 28. Além disso, a PA medida em casa demonstrou alta reprodutibilidade a curto prazo de uma semana para outra e está fortemente associada a índices de lesão de órgãos-alvo, como rigidez aórtica e hipertrofia ventricular esquerda (HVE)29. Atualmente, muitos autores sugerem que a monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA) pode ser o método padrão-ouro para o diagnóstico da hipertensão em pacientes em diálise2,12. Estudos observacionais sugerem claramente que a MAPA prediz mortalidade por todas as causas e cardiovascular melhor do que a PA peri-dialítica13. A MAPA tem a vantagem de registrar a PA à noite, pois muitos pacientes em diálise apresentam um padrão noturno de PA sem queda, associado à HVE e à mortalidade cardiovascular30. Entretanto, a MAPA é inconveniente para muitos pacientes em diálise com alta carga de tratamento, alta prevalência de distúrbios do sono e, eventualmente, comprometimento de membros superiores bilaterais com fístula arteriovenosa. Portanto, a monitorização domiciliar da PA parece ser uma abordagem simples e eficaz para avaliar a PA e tomar decisões terapêuticas em pacientes em diálise31. A Tabela 1 apresenta informações para o diagnóstico de hipertensão em pacientes em diálise. Em contraste com o declínio típico da PA durante a sessão de hemodiálise, 10 a 15% dos pacientes em hemodiálise exibem uma elevação paradoxal da pressão intradialítica32, e embora essa resposta anormal tenha sido reconhecida há muito tempo, a razão exata ainda não é bem conhecida. A hipertensão intradialítica pode ser definida como um aumento de pelo menos 15 mmHg na PA média durante a diálise ou um aumento de pelo menos 10 mmHg na PA sistólica durante ou imediatamente após a diálise em um certo número de sessões de diálise (as últimas três ou quatro sessões de diálise)33.
Tabela 1 Diagnóstico de hipertensão em pacientes em diálise
A hipertensão em pacientes em diálise deve ser baseada na medição domiciliar da PA ou avaliação por MAPA. |
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● Mensuração domiciliar da PA na hemodiálise: uma PA media ≥ 135/85 mmHg obtida ao longo de 6 dias sem diálise, durante um período de 2 semanas, com as medidas sendo feitas em um ambiente tranquilo, com o paciente sentado com apoio para as costas e braços, após 5 minutos de repouso, e com duas medidas feitas em intervalo de 1-2 minutos. |
● PA domiciliar na diálise peritoneal: uma PA media ≥ 135/85 mmHg ao longo de 7 dias consecutivos, sob as condições descritas acima. |
● MAPA em pacientes em hemodiálise: uma PA media ≥ 130/80 mmHg ao longo de 24 horas de monitoramento durante um dia sem diálise do meio da semana, e, se possível, estendido para 44 horas. |
● MAPA na diálise peritoneal: uma PA média ≥ 130/80 mmHg ao longo de 24 horas de monitoramento. |
● Para pacientes em hemodiálise: quando nem o MAPA, nem a mensuração domiciliar da PA estão disponíveis, o diagnóstico pode ser feito com base em mensurações da PA tomadas no consultório em um dia sem diálise no meio da semana, usando-se a técnica padrão descrita acima. |
● Para pacientes em diálise peritoneal: PA no consultório ≥ 140/90 mmHg, obtida por meio da técnica padrão descrita acima. |
Adaptado de Sarafidis et al.5
A fisiopatologia da hipertensão em pacientes em diálise é complexa e multifatorial6,12. Uma seleção de fatores de risco potencialmente envolvidos no desenvolvimento da hipertensão em pacientes em diálise está listada na Figura 1. O aumento do débito cardíaco, resistência vascular periférica ou ambos resultam em elevação da pressão arterial em pacientes em diálise. Em primeiro lugar, o volume intravascular excessivo é o principal fator patogênico da hipertensão em pacientes em diálise, e essa expansão do volume extracelular é mais provável de ser observada em pacientes com doença renal terminal em estágio avançado (DRT)5. Há mais água corporal total em pacientes hipertensos em hemodiálise quando comparados a normotensos34, e quando fluidos corporais excessivos são removidos e o peso seco é atingido com diálise lenta e mais freqüente, a PA pode ser melhorada em aproximadamente 90% dos pacientes35. De fato, perturbações na auto-regulação vascular podem ocorrer em pacientes com DRT hipervolêmicos, a saber, o aumento inadequado da angiotensina II em relação ao volume, aumento da reatividade vascular a pressores endógenos e aumento do débito cardíaco na presença de alta resistência vascular periférica36. Em muitos casos, a hipertensão está relacionada ao ganho de peso durante o intervalo entre duas sessões de diálise e a PA pode ser melhorada pela correção do volume extracelular, embora os resultados obtidos em diferentes estudos sejam contraditórios. De fato, alguns estudos observaram que o estado do volume afeta a PA interdialítica37, enquanto outras séries não confirmaram essa relação38. Além disso, existe uma correlação entre a perda de peso durante a hemodiálise e a redução da PAS39; e a sensibilidade ao volume é maior em pacientes hipertensos do que em pacientes normotensos em diálise40.
Também já foi relatado que a normalização do volume extracelular do paciente ajuda a melhorar o ritmo circadiano da PA, que pode ser anormal na presença de expansão de volume41. Em pacientes que permanecem hipertensos apesar da ultrafiltração intensiva, o excesso de sódio e volume pode desempenhar apenas um papel secundário. Além disso, a falta de correlação entre o volume extracelular e a PA nesses pacientes já foi descrita anteriormente42. Curiosamente, Titze et al.43 recentemente descreveram um sistema desconhecido de armazenamento de sódio, particularmente ligado a glicosaminoglicanos na pele, que não promove atividade osmótica. Este novo compartimento, com concentrações de sódio de 180-190 meq/L, age como um tampão para o sódio exógeno. De maneira inadequada, esse estoque de sódio pode ser liberado no sangue, resultando em hipervolemia e estresse oxidativo, ou induzindo a ativação de mecanismos celulares envolvidos na fibrose tecidual. De fato, em pacientes em hemodiálise, sódio e água na pele e músculos estão aumentados e o fator de crescimento endotelial vascular (VEGF) está reduzido quando comparado a indivíduos saudáveis pareados por idade, e esse fenômeno pode contribuir para a hipertensão44.
O papel da secreção excessiva de renina em relação ao volume e ao sódio tem sido reconhecido como um fator importante na patogênese da hipertensão em pacientes em diálise. É bem conhecido que a ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona ocorre mesmo em pacientes com DRT em tratamento dialítico,45 resultando em hipertensão dependente de renina refratária à diálise. Além disso, o hiperaldosteronismo secundário contribui para a hipertensão e recentemente ficou claro que, além da hipertensão, a aldosterona pode ter inúmeras ações independentes da pressão arterial que, sob condições de alta concentração salina, é prejudicial ao rim, coração e vasculatura.46
O aumento da rigidez arterial ocorre com frequência em pacientes em diálise, principalmente relacionado ao metabolismo de distúrbios de cálcio e fosfato, resultando em calcificação vascular.47 Envelhecimento vascular prematuro e enrijecimento arterial são observados com a progressão da DRC e na DRT. Esse envelhecimento acelerado está associado à remodelação externa de grandes vasos, caracterizada por aumento do raio arterial que não é totalmente compensado pela hipertrofia da parede arterial. O enrijecimento arterial em pacientes com DRC e DRT é de origem multifatorial, com extensas calcificações arteriais representando uma co-variável maior.48 Em pacientes em diálise, a rigidez arterial avaliada pela velocidade da onda de pulso aórtica (VOP) está intimamente relacionada à PA interdialítica elevada, e o aumento da VOP enfraquece a amplitude circadiana da PA sistólica e da pressão de pulso.49
O aumento da atividade do sistema nervoso simpático pode contribuir para a hipertensão em pacientes com doença renal terminal.50 A descarga simpática foi 2,5 vezes maior em pacientes em diálise do que em indivíduos normais e esta alta não foi correlacionada com a concentração plasmática de noradrenalina ou com a atividade da renina plasmática.51 A sobrecarga hídrica de mais de 6% do peso corporal resulta na ativação do sistema nervoso simpático52 e a inibição da enzima conversora de angiotensina (ECA) pode resultar em redução dessa hiperatividade simpática.53 A vasodilatação dependente do endotélio é prejudicada na uremia, e a deficiência de óxido nítrico (NO) ocorre em pacientes com insuficiência renal terminal, contribuindo para a hipertensão em pacientes em hemodiálise e diálise peritoneal.54 A produção de NO pelo endotélio vascular é inibida pela dimetil-arginina assimétrica (ADMA), que se acumula em pacientes com DRC, particularmente naqueles com complicações ateroscleróticas.55 No entanto, nenhuma correlação significativa foi observada entre as concentrações de ADMA e BP em pacientes em diálise.34 Além disso, a deficiência de renalase, uma enzima produzida pelo rim que metaboliza catecolaminas e substâncias semelhantes a catecolaminas, pode contribuir para o aumento da atividade do sistema nervoso simpático na DRC.56
A disfunção endotelial pode contribuir para a hipertensão em pacientes em diálise por meio de vários mecanismos. Pacientes com DRC apresentam disponibilidade reduzida de NO medida em vasodilatação dependente de NO, e esse fenômeno pode estar relacionado à redução da produção de NO.57 De fato, altos níveis circulantes de dimetil-arginina assimétrica (ADMA), um inibidor da NO sintase endógena, são observados em pacientes com DRC,58 e em pacientes em hemodiálise por DRT, a ADMA está associada com doença cardiovascular e mortalidade59. Além disso, a endotelina-1 pode ter um papel importante no desenvolvimento da hipertensão intradialítica,60 que ocorre regularmente em 10 a 15% dos pacientes em hemodiálise61.
Em 20 a 30% dos pacientes com DRC, a administração regular de eritropoietina recombinante humana (rHuEPO) é acompanhada por hipertensão "de novo" ou agravamento da hipertensão preexistente e o aumento da PA ocorre dentro de algumas semanas a meses após o início da rHuEPO.62 Grekas et al. (40) observaram hipertensão em 62% dos pacientes em hemodiálise tratados com rHuEPO, mas apenas em 38% daqueles que não receberam rHuEPO. Um aumento na massa de hemácias durante ou após a correção da anemia leva a aumentar a viscosidade sanguínea e pós-carga cardíaca63 e pode contribuir para a hipertensão nesses pacientes, mas o aumento da PA pode ocorrer mesmo antes do aumento do hematócrito64. Outros fatores relacionados à hipertensão induzida pela rHuEPO em pacientes com DRC incluem liberação de endotelina, disfunção endotelial vascular, hipertensão preexistente, elevação do cálcio livre no citosol nas células musculares lisas vasculares, inibição da síntese de NO, e rápida correção da anemia65. Além disso, doses mais altas de rHuEPO, níveis mais altos de hemoglobina alvo66 e, possivelmente, a modalidade de diálise67 foram associados a uma maior resposta da PA.
A apnéia do sono é altamente prevalente e pode estar relacionada à sobrecarga de volume68 em pacientes em diálise. A hipoxemia noturna na apnéia do sono tem sido associada a maior PAS noturna e maior espessura relativa da parede ventricular esquerda30 e hipertensão resistente,12,69 enquanto o índice de apnéia-hipopnéia obstrutiva é significativamente reduzido após hemodiálise com redução da sobrecarga de líquidos.70
O hiperparatireoidismo secundário também pode resultar em hipertensão na população com doença renal terminal por mecanismos que incluem a entrada de cálcio nas células musculares lisas da parede do vaso. No entanto, a paratireoidectomia não conseguiu corrigir a hipertensão em pacientes em hemodiálise crônica.71 Em contraste, a terapia com vitamina D ativada para o hiperparatireoidismo secundário resultou em reduções significativas na pressão média.72
Em pacientes em diálise, os níveis plasmáticos do peptídeo natriurético atrial α-humano (α-ANP) estão elevados, refletindo a expansão do volume extracelular. Os valores de α-ANP diminuem após a diálise, mas permanecem elevados em pacientes com alteração hemodinâmica do átrio esquerdo.65 Semelhante ao α-ANP, a concentração de peptídeo natriurético cerebral (BNP) é maior em pacientes em hemodiálise do que em voluntários saudáveis, e o BNP é diminuído de forma menos eficiente pelo procedimento de diálise.73 Franz et al.74 observaram que, em pacientes em hemodiálise com hipertensão moderada ou grave, os níveis de fragmentos pró-ANP e α-ANP foram maiores do que em pacientes com hipertensão leve. De fato, os peptídeos natriuréticos cardíacos estão relacionados à massa ventricular esquerda e predizem mortalidade cardiovascular em pacientes em diálise.6
Embora tenha sido estabelecido que a restrição de sal interdialítico ou a remoção intradialítica de sal e fluidos é eficaz na redução da PA, o sucesso ao longo do tempo é muito raro.75 Outros estudos foram realizados na população em diálise para investigar o impacto da restrição de sal nos níveis pressóricos. Ozkahya et al.,76 enfatizaram a restrição de sódio, interrompendo todos os fármacos anti-hipertensivos e intensificando a ultrafiltração, observaram não apenas redução significativa nos níveis de PA, mas também na espessura da parede do ventrículo esquerdo. O mesmo grupo observou, em outro estudo, que a restrição de cloreto de sódio a < 6 g/dia determinou a normalização dos níveis de PA após 36 meses.77
Como o concentrado de sódio do dialisato é geralmente maior que o do soro do paciente, ele pode influenciar a sede pós-diálise, o ganho de peso interdialítico e a PA. Além disso, o balanço salino é positivo com a ingestão habitual de sódio e o uso de soluções salinas para manter o volume plasmático durante a UF e para tratar episódios de hipotensão durante o tratamento dialítico. Baixo nível de sódio no dialisato resultou em menor sódio plasmático intra e inter-dialítico quando comparado com alto dialisato de sódio,78 e uma diálise com programação variável de sódio de 155 meq/L a 135mEq/L resultou em redução do uso de drogas anti-hipertensivas, sem alterações na PA pré-sistêmica quando comparada à concentração de sódio no dialisato de 140 meq/L.79
Dados atuais de vários estudos observacionais12,80 e de um estudo prospectivo de coorte81 sugerem uma associação em "U" entre a PA pré-HD e a mortalidade. Isso significa que a pressão arterial abaixo de certos níveis pode ser mais prejudicial do que níveis elevados, especialmente quando os pacientes apresentam cardiomiopatia grave, que frequentemente modifica a relação entre PA e mortalidade, determinando uma sobrevida muito baixa em pacientes com insuficiência renal terminal e PAS < 115 mmHg.82 Por outro lado, PAS pós-diálise > 180 e PAD > 90 mmHg estiveram associadas ao aumento da mortalidade cardiovascular e devem ser tratadas de forma agressiva.83 Essa epidemiologia reversa da PA e a mortalidade cardiovascular dificultam o estabelecimento de um alvo real e confiável para os níveis de PA em pacientes em diálise. No entanto, diretrizes internacionais para doença cardiovascular recomendam nível de PA menor que 140/90 mmHg no início da semana. Contudo, essa recomendação não deve ser aplicada uniformemente em situações de diálise,12,84 pois a abordagem agressiva para o controle da PA pode aumentar o risco de hipotensão intra-dialítica sintomática e suas conseqüências.
A maioria dos pacientes no estágio 5 da DRC desenvolve um balanço de sódio positivo e um aumento no volume extracelular (VEC), com sobrecarga de sal e água desempenhando um papel central no desenvolvimento da hipertensão. O alto consumo de sal mostrou-se associado a uma alta PAS pré-diálise e doença cardiovascular.85 A normalização do equilíbrio de sódio e fluidos é fundamental para controlar a PA e reduzir os eventos cardiovasculares, conforme indicado pela diretriz mais recente;6 a restrição dietética de sal deve estar abaixo de 5-6 g/dia e o ganho de peso interdialítico não deve exceder 0,8 kg/dia. De fato, em pacientes em diálise peritoneal, o excesso de sal e água são os determinantes mais importantes da PA elevada,12,86 e muitos autores recomendam restrição de sal (< 5g/dia) para todos os pacientes em diálise peritoneal, a menos que haja evidência de contração de volume.87 Tais metas dietéticas são particularmente importantes na perda da função renal residual e quando o paciente tem um elevado transporte de membrana que interfere negativamente na ultrafiltração.
Outra maneira de regular o volume de líquidos dos pacientes em diálise, particularmente em hemodiálise, é definir um peso seco adequado (PS). Na prática clínica, o PS é geralmente estabelecido por um declínio progressivo no peso corporal pós-diálise durante um período de 4-8 semanas após o início da hemodiálise de manutenção.88 Este PS pós-diálise pode ser definido como o peso corporal pós-diálise em que o VEC está dentro da faixa normal ou o valor da PA alvo sem a necessidade de medicação anti-hipertensiva.6 Essas definições, obviamente, não podem ser aplicadas àqueles pacientes que são hipotensos devido à cardiomiopatia. Em contraste, estabelecer um PS para pacientes em DP é muito complicado, e motivo de debates frequentes. Existem algumas tentativas de monitorar o estado volêmico dos pacientes em DP com bioimpedância multifreqüencial e os resultados são aceitáveis.12,89
A história clínica e o exame físico podem ajudar a detectar aumentos mais óbvios do VEC, mas, em geral, a avaliação do PS utilizando parâmetros clínicos apresenta baixa sensibilidade.90 Tentativas foram feitas para determinar o PS pelo dispositivo de bioimpedância (BIA),91 monitorando a resistência regional e a resistividade na panturrilha, mostrando que o peso alvo prescrito pode diminuir com o tempo, melhorando o controle da PA. Outros dispositivos de BIA que avaliam a composição corporal completa, fornecem leituras do estado da PA e do VEC que podem ser úteis no acompanhamento do equilíbrio de fluidos e informações sobre o aumento do risco de mortalidade quando há super-hidratação.92 Estudos randomizados controlados demonstraram que a otimização do PS por métodos de bioimpedância é segura e capaz de melhorar o controle da PA em pacientes em diálise12,93.
Outros métodos para avaliar o VEC incluem a medição do diâmetro da veia cava, que requer tempo para o equilíbrio pós-diálise e é dependente do operador94. A ultrassonografia pulmonar pode detectar congestão pulmonar assintomática em pacientes em hemodiálise, e o escore BL-US (ultrassonografia de linhas B) resultante é um preditor forte e independente de morte e eventos cardíacos nessa população95.
Aumentar a concentração de sódio no dialisante acima dos valores pré-diálise pode ajudar a reduzir os episódios de hipotensão intradialítica, mas pode levar ao aumento do ganho de peso pela sede aumentada6. Pode ser melhor ajustar a concentração de dialisato de sódio para corresponder ao sódio plasmático pré-diálise do paciente e não usar o dialisato de sódio mais alto. O uso de dextrose hipertônica em vez de solução salina no manejo da hipotensão intradialítica e cãibras também aumenta o potencial para um balanço de sódio neutro. A restrição de sal na dieta é útil para a otimização da DP e o controle da pressão arterial em pacientes em diálise. Vários estudos têm relatado consistentemente uma diminuição no ganho de peso interdialítico, redução associada nos níveis de PA e redução mais significativa na massa ventricular esquerda12,96.
A hemodiálise convencional é freqüentemente associada a altas taxas de ultrafiltração (UF), o que aumenta o risco de cãibras musculares e episódios hipotensivos. Os sintomas são tratados por infusão intravenosa de solução salina, o que favorece a expansão do VCE, a hipertensão e o risco de desenvolver HVE. A prescrição de sessões de diálise mais longas ou mais frequentes permite a diminuição das taxas de UF e reduz o risco de complicações intradialíticas97, melhorando a HVE98 e a função cardíaca99. As sessões de hemodiálise mais freqüentes do que o esquema convencional, de três vezes por semana, reduzem a PA de maneira mais consistente e requerem menos medicações anti-hipertensivas para atingir o mesmo controle da PA12,100. As diretrizes da European Best Practices recomendam que a duração da sessão de hemodiálise não seja determinada apenas por um resultado ótimo de KT/V, mas pelo estabelecimento de pelo menos três sessões de diálise de 4 horas cada para garantir o status ideal do volume101.
Além disso, no estudo FREEDOM (102), um estudo de coorte prospectivo de HD diária curta, o número médio de agentes anti-hipertensivos prescritos diminuiu de 1,7 para 1,0 em 1 ano, enquanto o percentual de pacientes que não receberam anti-hipertensivos aumentou de 21 para 47%. Kotanko et al. (103) analisaram os efeitos de sessões de hemodiálise mais freqüentes sobre o controle da PA em um estudo controlado randomizado, incluindo pacientes em tratamento diurno e noturno, diariamente em HD, versus três sessões semanais de HD, e observaram após doze meses uma redução sustentada e significativa em ambos os sistemas diastólico e sistólico da PA, bem como no número de prescrições de medicamentos anti-hipertensivos. A HD noturna parece reduzir acentuadamente a resistência periférica total e a noradrenalina plasmática e restaurar a vasodilatação dependente do endotélio. Em conclusão, as informações acima indicam que a HD intensiva, em geral, reduz a PA e a necessidade de medicamentos anti-hipertensivos.
Ao prescrever medicamentos anti-hipertensivos para pacientes no estágio 5 de DRC submetidos à diálise, é preciso estar ciente de que a farmacocinética pode estar alterada pela excreção renal prejudicada e pela capacidade de absorção do medicamento. Além disso, a adesão reduzida, os efeitos colaterais e os custos financeiros podem ter um impacto na eficácia do tratamento. Outros problemas relacionados a essa população especial são a ocorrência de hipotensão intradialítica e trombose de acesso vascular.104 Adicionalmente, alguns medicamentos anti-hipertensivos também são cardioprotetores, diminuindo o risco de morte por doença cardiovascular. Exemplos de drogas nessa categoria são os inibidores do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), os bloqueadores beta-adrenérgicos, os bloqueadores dos canais de cálcio (BCCs) e os inibidores da aldosterona (para pacientes que não fazem diálise). A angiotensina II tem sido implicada na disfunção endotelial, na proliferação do músculo liso, na ruptura da placa aterosclerótica e na HVE, esta última ocorrendo mesmo quando a PA é controlada6. Na população geral, o uso de bloqueadores do SRAA diminui eventos cardiovasculares105 em pacientes com disfunção ventricular esquerda e com doença arterial coronariana estável. Da mesma forma, na população sem DRT, o uso clínico de β-bloqueadores confere proteção cardiovascular106 e os BCC diminuem os níveis de cálcio intracelular produzidos pelo hiperparatireoidismo secundário e alteram o perfil lipídico, o que pode reduzir o risco cardiovascular107.
Estudos com drogas anti-hipertensivas em pacientes em diálise com DRC mostraram resultados limitados, e duas metanálises de ensaios randomizados concluíram que o verdadeiro mérito desses medicamentos (SRAA, BCCs, bloqueadores β-adrenérgicos) não está bem estabelecido108,109. As duas meta-análises confirmaram que o tratamento com agentes anti-hipertensivos esteve associado à redução de eventos cardiovasculares, mas quando pacientes normotensos foram incluídos na análise, os efeitos benéficos das drogas ficaram marcadamente diminuídos, tornando-se não significativos. Mais importante ainda, nenhum dos ensaios incluídos nestas meta-análises visou especificamente os níveis de PA. De acordo com esses dados, o controle da PA por medicamentos anti-hipertensivos leva a melhores desfechos cardiovasculares, no entanto, um esquema preferencial para controle da PA e redução da mortalidade ainda não foi estabelecido.
Quanto à hemodiálise, faltam estudos para definir o alvo ideal da pressão arterial para reduzir os eventos cardiovasculares. No entanto, um estudo recente merece alguns comentários. Um estudo controlado randomizado descreveu um benefício significativo na função cardíaca de pacientes em diálise peritoneal com o uso de espironolactona, além de um inibidor do SRAA, sem qualquer risco adicional de hipercalemia110. Finalmente, não há estudos suficientes comparando os benefícios de uma classe de anti-hipertensivos em relação a outro para pacientes em DP. No entanto, o impacto positivo dos inibidores do SRAA na função renal residual e na preservação da membrana peritoneal encontrados em alguns estudos deu alguma popularidade a essas classes de drogas anti-hipertensivas111,112.
As recomendações sobre drogas anti-hipertensivas em pacientes em diálise com DRC baseiam-se em seus efeitos na redução da PA, efeitos colaterais e efeitos cardiovasculares protetores. O uso de inibidores do SRAA, bloqueadores β-adrenérgicos e BCCs é desejável em pacientes em diálise, devido a seus efeitos na atividade da renina plasmática, na redução da atividade simpática e na diminuição dos níveis de cálcio intracelular, respectivamente6. Além de qualquer preferência individual, não há evidências fortes que recomendem uma classe específica de medicamento anti-hipertensivo em relação à outra na população em diálise com DRC, e apenas poucos estudos clínicos demonstraram alguns efeitos cardiovasculares benéficos da inibição do SRAA e bloqueadores β-adrenérgicos nesses pacientes113,114. Os inibidores do SRAA devem ser usados em pacientes com DRC-VD porque esses agentes são particularmente benéficos para doenças cardíacas frequentemente observadas em pacientes em diálise, e são eficazes na redução da massa ventricular esquerda e na mortalidade115,116. Especificamente relacionado a esse tópico de interesse, há um estudo de fase 3 em andamento avaliando a espironolactona 25 mg (bloqueio da aldosterona para Avaliação da Melhoria na Saúde na Doença Renal Crônica Terminal (ACHIEVE) - https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT03020303), e sua finalidade é determinar se a espironolactona reduz a morte ou hospitalização por insuficiência cardíaca, e se a droga é bem tolerada em pacientes que necessitam de diálise.
Hipertensão e insuficiência cardíaca (IC) são condições frequentemente observadas na população com DRC e a hiperatividade simpática desempenha um papel importante nesse cenário, tornando os β-bloqueadores adequados para o tratamento de ambas as condições117. Uma metanálise concluiu que o tratamento com betabloqueadores melhorou a mortalidade por todas as causas em pacientes com DRC e insuficiência cardíaca118. Além disso, alguns estudos prospectivos demonstraram que o uso de β-bloqueadores está associado à redução do risco de mortalidade em pacientes em hemodiálise114,119. Mais recentemente, outro agente terapêutico, o sacubitril-valsartan, foi aprovado para uso em pacientes com IC e esse agente de dupla ação potencializa as funções dos peptídeos natriuréticos e inibe o sistema renina-angiotensina 120, com potencial benefício para pacientes com DRC.
Finalmente, a remoção de um fármaco anti-hipertensivo durante as sessões de diálise (por exemplo, β-bloqueadores) pode predispor os pacientes a um descontrole da PA121 e a farmacocinética dos inibidores da ECA é bastante diferente, determinando a suplementação pós-diálise de medicamentos em alguns casos. Alguns medicamentos com efeitos anti-hipertensivos de longa duração (Atenolol e Lisinopril) podem ser administrados três vezes por semana, aumentando assim a farmaco-aderência12,122.
A hipertensão é freqüentemente diagnosticada na população em diálise, é de difícil manejo e associada a um risco aumentado de doença cardiovascular. A complexa fisiopatologia dessa condição explica a grande dificuldade de seu tratamento. Atualmente, a superioridade da pressão arterial auto-mensurada no domicílio na pré-hemodiálise é convincente e outras ferramentas de investigação, como a monitorização ambulatorial da pressão arterial, estão se tornando mais aplicadas em populações com DRC. Em geral, todos os medicamentos anti-hipertensivos podem ser usados na população em diálise, com o ajuste adequado da dose determinado pela depuração durante as sessões de diálise. O uso combinado de terapias não farmacológicas, particularmente dietética de sódio, ajuste de sódio no dialisato e uso de drogas anti-hipertensivas (preferencialmente cardioprotetoras) pode ser a melhor prática para otimizar o controle da pressão arterial. Ensaios clínicos randomizados com drogas anti-hipertensivas visando reduzir a mortalidade ainda são necessários, bem como uma diretriz definitiva do controle da PA na população em diálise. Além disso, intervenções não farmacológicas com diferentes modalidades ou esquemas de diálise e restrição de sódio devem ser adequadamente testadas nesta população de alto risco.