versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol. vol.41 no.2 São Paulo abr./jun. 2019 Epub 06-Dez-2018
http://dx.doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-2018-0108
A hipertensão arterial resistente (HAR) vem sendo estudada em diferentes populações desde o fim do século passado. No entanto, somente em 2008 foi publicada, pela American Heart Association, a primeira diretriz sobre o tema, que uniformizou a sua definição, estabeleceu os principais fatores de risco e causas secundárias e sistematizou a abordagem diagnóstica e terapêutica desses pacientes.1 Desde então, vários estudos têm demonstrado a alta morbimortalidade associada à HAR, resultando na proposta de novos esquemas terapêuticos (com a inclusão definitiva da espironolactona como quarta droga), além de terapias intervencionistas em busca de um controle pressórico mais adequado.
Na tentativa de definir um perfil de pacientes de maior risco e que, portanto, mais se beneficiariam dessas novas terapias, surgiu em 2012 a definição Hipertensão Arterial Refratária (HARf).2 Esses indivíduos seriam aqueles com pior controle pressórico e possivelmente pior prognóstico cardiovascular.
A despeito de a via final comum da hipertensão arterial (HA) envolver, sobretudo, os processos de retenção hidrossalina e de aumento do tônus simpático, a literatura corrente tem sugerido, em âmbito global, a existência de diversos fenótipos com variáveis clínicas e prognósticas presuntivamente distintas, em um espectro que varia desde a HA de fácil controle até a HAR e, mais recentemente, a HARf.2
Nessa perspectiva, conquanto a HARf represente um fenótipo extremo da HAR, estudos recentes têm apontado para dicotomias em sua fisiopatogenia, com destaque para a tendência de que a primeira seja atribuída majoritariamente a uma atividade simpática exacerbada e a segunda, a uma inapropriada retenção hidrossalina decorrente da hiperatividade do Sistema Renina Angiotensina Aldosterona.3-6 Desse modo, muito embora sejam interpretadas de forma pragmática em um continuum, torna-se imperativa, sobretudo na era pós-antagonistas de receptores mineralocorticoides,7-9 uma adequada compreensão da prevalência de HARf nas diferentes populações, bem como das suas diferenças clínicas e prognósticas nos casos de hipertensos resistentes.
HAR é definida como a pressão arterial (PA) de consultório não controlada, apesar do uso de 3 ou mais anti-hipertensivos em doses otimizadas e com diferentes mecanismos de ação, preferencialmente incluindo um diurético apropriado à função renal, ou ainda pacientes com PA controlada em uso de 4 ou mais drogas.1,10
Em paralelo, a definição de HARf vem evoluindo desde 2012,2 sendo atualmente considerada como a falência no controle pressórico de consultório, apesar do uso de 5 ou mais classes de anti-hipertensivos, incluindo um diurético tiazídico de longa ação (preferencialmente a clortalidona) ou de alça, de acordo com o ritmo de filtração glomerular estimado, além de um antagonista do receptor mineralocorticoide (como a espironolactona) como quarta droga.7
A prevalência de HAR, a partir da avaliação multicêntrica de diversas coortes, é estimada entre 10-20% dos indivíduos tratados.11-14 O aumento da prevalência contrasta com a melhora no controle pressórico nos últimos 30 anos, porém se explica pelo envelhecimento progressivo da população e pela pandemia da obesidade.15 Análises que excluam a pseudorresistência são necessárias para elucidar a verdadeira prevalência de HAR.8,16 No Brasil, o Estudo Longitudinal Brasileiro de Saúde do Adulto (ELSA), em uma coorte de mais de 15.000 indivíduos entre 35 e 74 anos, encontrou uma prevalência de HAR de 11%.17
Por sua vez, a prevalência de hipertensos refratários tem sido estimada por um número limitado de estudos, merecendo destaque a análise prospectiva realizada por Dudenbostel,18 que a reportaram como em torno de 5% dentre os hipertensos resistentes encaminhados a um centro clínico de referência. Adicionalmente, no estudo REGARDS19 foram descritas taxas semelhantes (3,6%) entre os resistentes controlados e não controlados, destacando a sua baixa prevalência (0,5%) quando comparados a todos os indivíduos hipertensos. Recentemente, a avaliação do registro espanhol de MAPA (Spanish Ambulatory BP Monitoring Registry) mostrou uma prevalência de hipertensos refratários de 8% entre os resistentes (16,9%).20
A HAR é imputada majoritariamente à hiperatividade do SRAA e seu consequente excesso de retenção hidrossalina, o que é sugerido pelo impacto que a terapia diurética desempenha na redução dos níveis pressóricos de modo proporcional à depleção do volume intravascular efetivo.21 Esse mecanismo parece ser multifatorial, sendo proporcional à idade; presença de doenças como obesidade, doença renal crônica estabelecida e diabetes; raça afro-americana; consumo excessivo de sódio na dieta e, sobremaneira, ao status de hiperaldosteronismo.22
Em contraste, a HARf seria menos volume-dependente, já que, por definição, seu tratamento com associação de drogas diuréticas é falho em atingir os alvos pressóricos estabelecidos.4,5 Dessa forma, os refratários parecem sofrer maior influência catecolaminérgica, apresentando menores níveis de aldosterona plasmática e também menor excreção de sódio urinário em 24 horas. Estudos recentes em hipertensos refratários, em comparação aos resistentes, obtiveram índices discriminantes do tônus simpático: frequência cardíaca elevada, maior excreção de noradrenalina na urina de 24 horas e maior resistência vascular periférica.4,18,23
Hipertensos resistentes tendem a ter maior idade, ao sobrepeso e à obesidade. Comorbidades comumente associadas incluem doença renal crônica (DRC) estabelecida, diabetes, apneia obstrutiva do sono, hipertrofia ventricular esquerda (HVE), doenças cardiovasculares e cerebrovasculares e, por fim, status de hiperaldosteronismo.1,10,11,24
Por seu turno, hipertensos refratários, em comparação com os resistentes controlados, são afro-americanos em maior proporção, mais jovens e, predominantemente, mulheres.21 Quanto às principais comorbidades descritas temos: insuficiência cardíaca,18 acidente vascular cerebral,2 doença renal crônica com elevada albuminúria, diabetes, Síndrome Metabólica, doenças cardiovasculares19 e hipertrofia ventricular esquerda.2
No caso de um paciente com possível diagnóstico de HAR, deve-se levar em consideração vários fatores para a investigação diagnóstica (Tabela 1).
Tabela 1 Abordagem diagnóstica na hipertensão resistente26
Abordagem Diagnóstica |
---|
1) Checar adesão à terapêutica |
2) Ajustar esquema anti-hipertensivo |
3) Solicitar exames complementares iniciais (v. Tabela 2) |
4) Pesquisa de HA secundária: |
• Apneia obstrutiva do sono; |
• Hiperaldosteronismo; |
• Estenose de artéria renal; |
• Doença renal crônica. |
5) Avaliação do controle pressórico (MAPA) |
Nota: MAPA, Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial.
O primeiro passo é afastar causas comuns de pseudorresistência: má técnica da medida de PA (em especial o tamanho adequado do manguito para pacientes obesos), má adesão à terapêutica farmacológica e não farmacológica (dieta hipossódica, atividade física e perda de peso), e esquema terapêutico inadequado, em especial em relação ao uso e às doses de diuréticos prescritas.1,27,28 Uma vez afastada a pseudorresistência, recomenda-se seguir as seguintes etapas:
Apesar de as definições da HAR e da HARf se basearem na medida da PA de consultório > 140/90 mmHg, a realização obrigatória da MAPA é determinante na avaliação inicial desses pacientes11,28 (Tabela 2), tendo em vista que constitui um instrumento crucial no diagnóstico e no acompanhamento desses pacientes, dadas a grande prevalência (37% em diferentes séries) e a magnitude do fenômeno do jaleco branco observado nesses indivíduos.11,28 Ademais, a MAPA permite classificar os hipertensos resistentes em 4 grupos distintos (Figura 1), o que interfere nas condutas diagnóstica e terapêutica a serem seguidas: HAR verdadeira (PA de consultório ≥ 140/90 mmHg, e tanto PA diurna ≥ 135/85 mmHg ou noturna ≥ 120/70 mmHg), HAR do jaleco branco (PA de consultório ≥ 140/90 mmHg e tanto PA diurna < 135/85 mmHg e PA noturna < 120/70 mmHg), HAR mascarada (PA de consultório < 140/90 mmHg e tanto PA diurna ≥ 135/85 mmHg ou PA noturna ≥ 120/70 mmHg) e HAR controlada (PA de consultório < 140/ 90 mmHg e tanto PA diurna < 135/85 mmHg e PA noturna < 120/70 mmHg).11,28,29
Tabela 2 Exames complementares iniciais
Exames | Indicações |
---|---|
MAPA de 24 horas | Avaliação do fenômeno do jaleco branco e do padrão pressórico noturno |
Glicemia/HbA1c | Rastreio de intolerância à glicose/diabetes mellitus |
Lipidograma | Rastreio de dislipidemia |
Ácido úrico | Avaliar hiperuricemia pelo uso de diuréticos. Possível marcador prognóstico |
Potássio sérico | Avaliação da calemia antes do início da espironolactona, rastreio de hiperaldosteronismo primário |
Avaliação renal: | |
Creatinina sérica | Cálculo do ritmo de filtração glomerular estimado (MDRD ou CKD-EPI) por fórmulas disponíveis em: http://ckdepi.org/equations/gfr-calculator/ |
Exame de urina | Verificar alterações no sedimento urinário |
Proteinúria, albuminúria e creatininúria | Cálculo da razão proteinúria/creatininúria ou albuminúria/creatininúria para avaliação de lesão subclínica ou doença renal estabelecida |
Ultrassonografia renal | Verificar alterações anatômicas |
ECG de repouso | Avaliação de hipertrofia ventricular esquerda (índices de voltagem e presença de padrão de strain de VE) |
Notas: MAPA, Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial; HbA1c, hemoglobina glicada; ECG, eletrocardiograma; VE, ventrículo esquerdo.
Figura 1 Classificação de hipertensos resistentes em 4 subgrupos de acordo com a PA de consultório e de MAPA: controlados, HAR mascarada, jaleco branco e HAR verdadeira (reproduzido com autorização)28
Dentre os pacientes com HAR verdadeira, o fenômeno do jaleco branco ainda não foi adequadamente estudado no subgrupo de indivíduos com HARf. Em uma análise que avaliou HARf no registro espanhol,20 a prevalência do fenômeno do jaleco branco foi menor entre os refratários em relação aos resistentes (26,7% versus 37,1%, p < 0,001). Em estudo recente prospectivo com um pequeno grupo de hipertensos refratários, foi encontrada uma prevalência de apenas 6,5%,30 sugerindo que tal fenômeno seja bem menos comum naqueles com HARf.
Além disso, a MAPA é fundamental no acompanhamento desses pacientes de alto risco cardiovascular, já que é a única forma não invasiva fidedigna de avaliar o comportamento noturno da PA. Na prática clínica, isso permite ajuste do esquema terapêutico baseado na cronoterapia.31,32 É aconselhável que hipertensos resistentes utilizem pelo menos uma das drogas anti-hipertensivas no período noturno,31,32 tendo sido demonstrada inclusive a sua capacidade para reverter o padrão adverso do descenso noturno.33
É sabido que o padrão não dipper é o mais comum entre hipertensos resistentes, atingindo até 65% desses pacientes,11 considerado um importante marcador de prognóstico, principalmente para a ocorrência de doença coronariana.34 Adicionalmente, os níveis pressóricos da MAPA nos 3 períodos, em especial no período noturno, são fortes preditores de doença cerebrovascular.35
O registro espanhol de MAPA comparou hipertensos resistentes e refratários e identificou níveis pressóricos mais elevados nesses últimos, com menor descenso noturno. A prevalência do padrão não dipper e dipper reverso entre os resistentes foi de 42,7% e 19,3%, respectivamente; enquanto entre os refratários foi de 45,2% e 26,0%.20
Na primeira avaliação, é necessário estabelecer o perfil metabólico desses pacientes, bem como a função renal (creatinina sérica, cálculo do ritmo de filtração glomerular estimado e albuminúria). (Tabela 2).
Hipertensos refratários têm maior prevalência de diabetes (48,1% versus 33,5%, p < 0,001) e de dislipidemia (61,9% versus 51,7%, p < 0,001) do que os resistentes.20 A associação entre DRC e HAR está bem estabelecida, tanto como causa como consequência da falência terapêutica. Além disso, a albuminúria moderadamente elevada e a redução do ritmo de filtração glomerular36 identificam pacientes de alto risco CV37,38 e a redução da albuminúria pode ser um objetivo terapêutico nesses pacientes.39
Na avaliação de HARf do registro espanhol, identificou-se maior prevalência de pacientes refratários com RFG < 60 mL/min/1,73 m2 (32,1% versus 23,6%, p < 0,001) e albuminúria moderadamente elevada (38,3% versus 24,5%, p < 0,001) em relação aos resistentes.20
O ECG é uma ferramenta útil, de baixo custo e facilmente disponível mesmo na atenção primária à saúde (Tabela 2). A identificação da HVE no ECG é importante marcador de que já existe lesão subclínica em desenvolvimento, em pacientes muitas vezes com PA de consultório controlada e que estão evoluindo com HAR mascarada ou HAR noturna isolada.8,9 Esse diagnóstico pode impactar na escolha do esquema terapêutico, a julgar pela preferência de um inibidor do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) visando à regressão da HVE.40 O diagnóstico de HVE pelo ECG implica aumento do risco CV, ao passo que sua prevenção ou regressão evolutiva, em melhora do prognóstico.40
A HVE diagnosticada pelo ECG foi mais prevalente entre os refratários do que entre os resistentes no estudo do registro espanhol de MAPA (27,6% versus 14,9%, p < 0,001).20
Por definição, todo indivíduo sob suspeita de HAR ou HARf deve ter excluídas, mediante suspeita diagnóstica, as causas mais comuns de HA secundária, com destaque para a apneia obstrutiva do sono (AOS), o hiperaldosteronismo primário, a estenose de artéria renal e a presença de doença renal crônica parenquimatosa (Tabela 3).41
Tabela 3 Principais causas de HA secundária, sinais indicativos e rastreamento diagnóstico
Achados clínicos | Suspeita diagnóstica | Estudos adicionais |
---|---|---|
Ronco, sonolência diurna, Síndrome Metabólica | Apneia Obstrutiva do Sono | Questionário STOP-BANG, Escala de Sonolência de Epworth. Padrão ouro: Polissonografia com 5 ou mais episódios de apneia e/ou hipopneia por hora de sono |
HAR e/ou com hipopotassemia (não obrigatória) e/ou com nódulo adrenal | Hiperaldosteronismo primário (hiperplasia ou adenoma de adrenais) | Determinações de aldosterona (> 15 ng/dL) e renina plasmática; cálculo da relação aldosterona/renina > 30. Testes confirmatórios (supressão com fludrocortisona ou infusão salina). Exames de imagem: TC helicoidal com cortes finos ou RNM |
Edema, anorexia, fadiga, anemia, ureia e creatinina elevadas, alterações do sedimento urinário ou anatômicas | Doença renal parenquimatosa | Exame de urina, cálculo do RFG estimado, US renal com alterações, pesquisa da relação albuminúria e proteinúria/creatininúria |
Sopro abdominal, edema agudo de pulmão súbito, alteração da função renal por medicamentos que bloqueiam o SRAA | Doença renovascular | US com Doppler de artérias renais e/ou renograma, angiografia por RNM ou TC, arteriografia renal |
HA episódica ou persistente com cefaleia, sudorese profusa e palpitações | Feocromocitoma | Catecolaminas plasmáticas e/ou urinárias de 24h e/ou metanefrinas plasmáticas e/ou urinárias de 24h TC e RNM |
Fonte: Adaptado de Malachias MVB et al. 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial.9
Notas: TC, tomografia computadorizada; RNM, ressonância magnética; RFG, ritmo de filtração glomerular; US, ultrassonografia; SRAA, sistema renina angiotensina-aldosterona.
Outras causas como coarctação de aorta, Síndrome de Cushing, hipo ou hipertiroidismo e acromegalia devem ser investigadas apenas em situações em que existam estigmas da doença.
A obesidade está, ao lado do sedentarismo, da ingesta de sal, do tabagismo e do etilismo, fortemente relacionada à falência do tratamento anti-hipertensivo, sendo um dos principais fatores de risco para HAR.1,11,34,42 Sendo assim, torna-se fundamental reforçar a importância das mudanças de estilo de vida:8
Reduzir a ingesta de sal (< 2,0 g de sódio/dia correspondentes a 5,0 de sal);
Adotar a dieta DASH - Diet Approaches to Stop Hypertension;43
Perder peso: preferencialmente manter IMC < 25/kg/m2;
Fazer atividade física: após avaliação cardiológica, prescreva exercícios aeróbicos, treinamento de resistência dinâmica e isométrica em base semanal (pelo menos 30 minutos por 5 a 7 dias/semana);
Interromper o tabagismo, preferencialmente de modo assistido;
Reduzir o consumo de álcool;
Evitar substâncias que aumentam a PA.
O pilar inicial do tratamento da HAR consiste na associação de, no mínimo, três classes de drogas distintas: i) um diurético apropriado, geralmente clortalidona para função renal normal, ou furosemida na presença de DRC ou de outros estados edematosos; 2i) um inibidor do SRA (inibidor da enzima conversora da angiotensina ou bloqueador dos receptores AT1 de angiotensina II); 3i) um bloqueador de cálcio do tipo diidropiridínico.1,8,9,27 Embora a hidroclorotiazida seja amplamente prescrita mundialmente, o diurético tiazídico símile de escolha para esses pacientes é a clortalidona, por sua ação mais prolongada e maior eficácia anti-hipertensiva.8,9 Em pacientes com DRC estágios 4 ou 5, ou com ritmo de filtração glomerular estimado inferior a 30 mL/min, diuréticos de alça devem ser utilizados e administrados pelo menos 2 vezes ao dia.8,9
Em situações particulares, a exemplo de doença coronariana, ICC e arritmias, um betabloqueador pode substituir o bloqueador de canal de cálcio no esquema terapêutico inicial com 3 medicações.8,9,27
O tratamento da HAR deve se apoiar sobre a intensificação da terapia diurética, com destaque para a espironolactona como quarta droga, na medida em que sua associação com tiazídicos provê substancial efeito aditivo na redução dos níveis pressóricos.6,7,18,44 No ASPIRANT Trial,45-47 quando associada a espironolactona na dose de 25 mg vs. placebo, houve diminuição significativa da PAS, particularmente no grupo de idosos. Mesmo em pacientes resistentes com DRC a espironolactona deve ser uma opção, a menos que cause hipercalemia.48,49
Recentemente, o estudo ReHOT - estudo multicêntrico desenvolvido no Brasil - comparou a eficácia da espironolactona com a clonidina quando utilizada como quarta droga no tratamento de hipertensos resistentes. Ambas as drogas reduziram a PA de consultório e de MAPA, sem diferença significativa no controle pressórico atingido. Porém, a espironolactona reduziu mais a PA sistólica e diastólica de vigília e de 24 horas, não havendo diferenças em relação ao sono. Além disso, a clonidina possui pior posologia, induziu maior quantidade de efeitos adversos, com pior tolerância e provável impacto negativo sobre a adesão em longo prazo. Considerou-se, portanto, que a espironolactona foi superior à Clonidina no tratamento da HAR.50
Quando não se atinge o controle pressórico na MAPA com essas 4 drogas, um quinto medicamento deve ser associado. É possível utilizar betabloqueadores (preferencialmente os com efeito vasodilatador, como carvedilol, bisoprolol51 ou nebivolol). Os alfa-agonistas centrais (clonidina ou doxazosina51) e os vasodilatadores diretos (hidralazina ou minoxidil) podem ser usados como quinta ou sexta drogas, com bom efeito anti-hipertensivo, apesar de não reduzirem a morbimortalidade cardiovascular.8,9
Remetendo ao conceito de hipertensão refratária, a falência à terapia adequada e otimizada passou a impor novas alternativas de tratamento, tais como algumas modalidades de intervenção "simpaticolíticas".18,24 Entre as novas estratégias terapêuticas, destacamos os seguintes procedimentos:
Trata-se do sistema Rheos, um dispositivo programável, constituído por um gerador de impulsos que ativam os barorreceptores carotídeos por radiofrequência. O ensaio clínico Rheos Pivotal Trial não detectou benefícios significativos em longo prazo.52
A denervação simpática percutânea transluminal renal por meio de cateteres foi avaliada principalmente em estudos denominados SYMPLICITY.53 Várias metanálises, incluindo uma revisão da Cochrane, não confirmaram os resultados aparentemente promissores.54-56 Os autores recomendam que se aguardem novos trials centrados no paciente, com períodos de seguimento e tamanho de amostra maiores, e principalmente com procedimentos padronizados.54
Embora com resultados controversos em relação ao controle pressórico de hipertensos resistentes,57 o uso do CPAP pode ser indicado como tratamento adjuvante em pacientes com AOS moderada a severa, desde que a adesão seja superior a períodos de 4 horas/noite, restabelecendo significativamente o padrão dipper e melhorando a qualidade de vida.58
O dispositivo coupler utilizado no estudo ROX Control HTN demonstrou diminuições significativas da PA e das complicações advindas da HAR em pacientes submetidos a anastomose ilíaca central.59 Porém, trata-se de um estudo isolado, ainda necessitando de mais comprovações clínicas.
A Tabela 4 resume as principais diferenças observadas até então em diferentes coortes, entre os hipertensos resistentes e os refratários.
Tabela 4 Fatores relacionados à hipertensão resistente e à hipertensão refratária
Características | HA resistente | HA refratária |
---|---|---|
Prevalência | 10-20% | 5% |
Mecanismo | Volume dependente | Hiperatividade simpática |
Gênero | Mulheres | Mulheres |
Idade | Mais velhos | Mais jovens |
Obesidade | ↑ | ↑↑ |
Diabetes | ↑ | ↑↑ |
Dislipidemia | ↑ | ↑↑ |
Hipertrofia ventricular esquerda | ↑↑ | ↑↑↑ |
Albuminúria moderadamente elevada | ↑ | ↑↑ |
RFG estimado < 60 mL/min/1,73m2 | ↑ | ↑↑ |
Doença coronariana | ↑ | ↑ |
Doença cardiovascular prévia | ↑↑ | ↑↑↑ |
Apneia do sono | ↑ | Indeterminado |
Aldosterona | ↑ | ↔ |
Sal | ↑ | ↔ |
Nota: RFG, ritmo de filtração glomerular.
A despeito de a via final comum da HA envolver os processos de retenção hidrossalina e de aumento do tônus simpático, tem-se sugerido a existência de diversos fenótipos com variáveis clínicas e prognósticas presuntivamente distintas, em um espectro que varia desde a hipertensão arterial de fácil controle até a HAR e, mais recentemente, a HARf.
Desse modo, muito embora sejam interpretadas como um continuum de um mesmo processo, é interessante observar que parecem ter diferentes mecanismos fisiopatológicos, sugerindo duas condições distintas.
Comparados com pacientes cuja hipertensão é mais facilmente controlada, hipertensos resistentes tendem a ter maior idade, ao sobrepeso e à obesidade. Comorbidades comumente associadas incluem doença renal crônica estabelecida, diabetes, apneia/hipopneia obstrutiva do sono, doenças cardio e cerebrovasculares, todas envolvendo status de hiperaldosteronismo. O fenômeno do jaleco branco de grande magnitude é observado nesses pacientes quando submetidos à MAPA. Dessa forma, a MAPA é mandatória no diagnóstico e acompanhamento de hipertensos resistentes.
Por sua vez, hipertensos refratários, em comparação com os resistentes controlados, são afro-americanos em maior proporção, mais jovens e, predominantemente, mulheres. Quanto às comorbidades, há uma nuance de variações em função de cada coorte avaliada, em um espectro que varia desde a ICC, o AVC, a DRC estabelecida com elevada albuminúria e a HVE. O fenômeno do jaleco branco é menos evidente nesses pacientes.
O tratamento de hipertensos resistentes deve se apoiar na intensificação da terapia diurética, com a ressalva de a espironolactona ser determinante como quarta droga do esquema anti-hipertensivo, na medida em que sua associação com tiazídicos provê substancial efeito aditivo na redução dos níveis tensionais, com destaque para a clortalidona.
Nesse sentido, remetendo-se ao conceito de hipertensão refratária, a falência à terapia diurética otimizada passou a impor novas alternativas de tratamento para este subgrupo, em que pese as modalidades de intervenção "simpaticolíticas", a exemplo do desenvolvimento de novas drogas, da denervação renal e da estimulação de barorreceptores, ainda não claramente estabelecidas.
Em paralelo àqueles com hipertensão arterial de fácil controle, como seria esperado, hipertensos resistentes apresentam pior prognóstico cardiovascular e cerebrovascular, mas não existem até o momento estudos longitudinais com dados estatisticamente relevantes que determinem o desfecho comparativo com o grupo de refratários.
Portanto, HAR e HARf constituem-se desafios na prática clínica e devem ser abordados como entidades clínicas distintas, preferencialmente por profissionais especialistas e capazes de identificar comorbidades concorrentes e prover um tratamento específico, diversificado e individualizado.