versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol. vol.38 no.4 São Paulo out./dez. 2016
http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20160061
O ácido úrico sérico tem recentemente sido considerado um biomarcador em potencial, independentemente prevendo o desenvolvimento de hipertensão, diabetes mellitus e doença renal crônica.1-3 Também foi relatado que o ácido úrico sérico elevado prediz o desenvolvimento de nefropatia no diabetes tipo 1.4-7 No entanto, pouco se sabe sobre o papel do ácido úrico sérico na predição de nefropatia no diabetes tipo 2.
Neste número da Brazilian Journal of Nephrology, Fouad et al.8 realizaram um estudo caso-controle em adultos egípcios, com e sem diabetes tipo 2, comparados por idade, gênero e índice de massa corporal (IMC). O estudo incluiu 986 participantes; 250 controles não-diabéticos: 352 com diabetes tipo 2 por menos de 5 anos e 384 com diabetes tipo 2 por mais de 5 anos.
Os participantes dos três grupos eram igualmente obesos, com IMC médio entre 30 e 32 kg/m2. A observação mais importante foi que o ácido úrico sérico apresentou um aumento gradual entre os grupos e, globalmente, 32% dos indivíduos com diabetes tipo 2 exibiram hiperuricemia (definida como ácido úrico sérico > 7,0 mg/dl). Além disso, o aumento do ácido úrico sérico correlacionou-se com piora da hipertensão, da albuminúria e da função renal.
O artigo é interessante por várias razões. Em primeiro lugar, alguns estudos sobre diabetes mellitus relataram que o ácido úrico sérico é menor do que o observado em indivíduos não diabéticos, o que tem sido atribuído ao aumento da TFG (hiperfiltração) e ao baixo controle glicêmico (HbA1c elevado).9,10 No entanto, Bo et al.11, observaram que os indivíduos com diabetes tipo 2 e com doença renal tendiam a ter níveis séricos mais elevados de ácido úrico.
No estudo de Fouad et al.8 o ácido úrico sérico esteve mais alto em indivíduos com diabetes tipo 2, com os níveis mais altos de ácido úrico sérico observados naqueles com controle glicêmico deficiente. Uma possível explicação fornecida pelos autores foi que seus pacientes já tinham doença renal com queda da eTFG, motivo pelo qual a hiperfiltração - que é comumente observada no início da doença renal diabética, não foi observada.
Isto pode correlacionar-se ao facto de que indivíduos com diabetes tipo 2 muitas vezes têm outras comorbidades, incluindo hipertensão e/ou doença vascular, que podem levar ao desenvolvimento precoce de doença renal, o que é normalmente observado durante os primeiros anos de diabetes tipo 1. Também é possível que outros fatores de risco possam estar desempenhando um papel importante na causa da doença renal precoce nessa população. Um fator de risco proposto recentemente é o estresse por calor e a desidratação, que podem ser mais comuns entre os indivíduos que vivem em ambientes quentes.12
Existem algumas limitações do estudo que valem a pena mencionar. Em primeiro lugar, não está claro se o ácido úrico sérico elevado em indivíduos com diabetes tipo 2 refletiria uma pior função renal neste grupo. Teria sido interessante determinar se o ácido úrico sérico esteve elevado independentemente da eTFG em indivíduos com diabetes tipo 2.
Em segundo lugar, o estudo foi transversal e, portanto, não é possível determinar a causalidade, isto é, se o ácido úrico sérico elevado mediou o desenvolvimento da nefropatia. No entanto, a observação de que a hiperuricemia era comum em indivíduos com diabetes tipo 2 em comparação com os indivíduos não-diabéticos do grupo controle, com níveis semelhantes de obesidade, é fascinante, como é o aumento gradual do ácido úrico sérico com a duração da diabetes.
Temos muito mais a aprender sobre o papel do ácido úrico no diabetes mellitus e na doença renal diabética. Alguns estudos preliminares sugerem que a redução do ácido úrico sérico pode melhorar a resistência à insulina em indivíduos com insuficiência cardíaca ou síndrome metabólica.13,14 Outros pequenos estudos sugerem que a redução do ácido úrico sérico pode melhorar a nefropatia diabética.15
É também interessante que o potencial benefício da redução do ácido úrico sérico pode ocorrer primariamente em indivíduos usando agentes que bloqueiam o sistema renina-angiotensina. Por exemplo, um estudo egípcio relatou acentuada exacerbação da doença renal não-diabética quando os agentes de redução do ácido úrico sérico foram interrompidos, mas apenas nos que não tomaram inibidores da ECA.16 Atualmente há um grande ensaio clínico em andamento na América do Norte para determinar se a redução do ácido úrico sérico seria capaz de interromper ou retardar o desenvolvimento da nefropatia em indivíduos com diabetes tipo 1.17
Parece importante desenvolver um estudo semelhante em indivíduos com diabetes tipo 2. No entanto, dadas as potenciais toxicidades do alopurinol, não recomendamos redução rotineira do ácido úrico sérico em pacientes com diabetes tipo 2, mas reservaríamos tal tratamento para aqueles com gota, litíase de ácido úrico ou com hiperuricemia grave (ácido úrico sérico > 9,0 mg/dl).