versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.85 no.1 São Paulo jan./fev. 2019
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2017.10.010
O hipoparatireoidismo (HipoPT) decorre da disfunção de produção e/ou secreção de paratormônio (PTH) ativo pelas glândulas paratireoides.1 O HipoPT tem muitas causas e as mais frequentes são as cirurgias de paratireoidectomia e tireoidectomia.2 Após a tireoidectomia total, a incidência de HipoPT pós-operatória varia de 0,5% a 6,6%.2 Entretanto, prevalências de até 20% já foram relatadas, 3-6 depende da extensão e complexidade da cirurgia, que são maiores nas neoplasias malignas, como o câncer de tireoide, principal indicação para tireoidectomia total. 7-9 Nesses casos, o esvaziamento do compartimento central cervical é um fator de risco para hipoparatireoidismo definitivo.10
HipoPT definitivo após tireoidectomia total é caracterizado por hipocalcemia persistente e níveis baixos ou inadequados de PTH por mais de seis meses após a cirurgia.11 O tratamento inclui o protocolo de suplementação de cálcio e vitamina D1 para controlar as manifestações clínicas da hipocalcemia, para manter os níveis adequados de cálcio (Ca), fósforo (P) e o produto Ca-P.12 Para esse tratamento e em muitas outras situações em que a substituição do Ca é indicada, o carbonato de cálcio (CaCO3) é o sal de Ca mais frequentemente prescrito devido à sua maior porcentagem de Ca elementar13 e melhor absorção no pH normal ou ácido do estômago. 2,14,15 Indivíduos saudáveis devem ingerir CaCO3 com as refeições ou um alimento específico para aumentar a biodisponibilidade do mineral.16 Ainda assim, para o HipoPT, no qual o suplemento de Ca está associado à manutenção da qualidade de vida e à sobrevivência do paciente, nenhum estudo avaliou a influência do protocolo de ingestão de CaCO3 sobre certos parâmetros, como calcemia e fosfatemia. Além disso, em indivíduos normais, a calcemia é rigorosamente controlada por um sistema de retroalimentação (feedback) que envolve muitos fatores, especialmente o PTH. 1,17,18 Esse sistema mantém os níveis de Ca séricos constantes, mesmo quando ocorre uma sobrecarga de Ca, o que prejudica a avaliação do efeito temporal da ingestão de CaCO3. Nesse sentido, os pacientes com HipoPT podem ser um bom modelo para avaliar o impacto real dos protocolos de ingestão de CaCO3 na calcemia e fosfatemia.
Assim, o presente estudo investigou como os níveis séricos de Ca, P e produto Ca-P variam ao longo do tempo após três protocolos de ingestão de CaCO3 por mulheres com HipoPT definitivo secundário a tireoidectomia total.
Estudo cruzado que avaliou três protocolos de formas de ingestão, com um intervalo de uma semana entre as avaliações. Todos os pacientes foram submetidos aos três protocolos.
O tamanho da amostra foi calculado de acordo com o desenho cruzado do estudo, considerando uma diferença de 10% entre as formas de tratamento e um coeficiente de variação de 10%.19 De acordo com essa análise, a amostra deveria conter pelo menos 12 indivíduos. Os dados foram coletados de pacientes submetidos à tireoidectomia total secundária a carcinoma diferenciado de tireoide (CDT) entre 1994 e 2010 no Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina de Botucatu (Unesp). Doze mulheres entre 18 e 50 anos foram selecionadas. Essas pacientes, que não tinham outras comorbidades, foram diagnosticadas com HipoPT definitivo, hipocalcemia persistente e níveis baixos ou inadequadamente normais de PTH sérico durante pelo menos um ano após a tireoidectomia total.4 Elas foram acompanhadas regularmente em regime ambulatorial.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, sob protocolo nº 4332-2012, de acordo com a Declaração de Helsinque de 1975, com aprovação do Registro de Ensaio Clínico (Número: 4332-2012) e todas as participantes assinaram um termo de consentimento livre e informado antes de serem incluídas no estudo.
Testes foram feitos para avaliar os níveis séricos de Ca, P e do produto Ca-P ao longo do tempo após três protocolos diferentes de suplementação com CaCO3: após um jejum durante a noite, tomado com 200 mL de água; após um jejum durante a noite, tomado com 200 mL de suco de laranja SuFresh® (Wow Indústria Comércio, Caçapava, Brasil); e tomado com 200 mL de água logo após o café da manhã (pãozinho com margarina e café adoçado). A dose de CaCO3 foi de 1282 mg (Oscal®, Sanofi Aventis, Suzano, Brasil), equivalente a 500 mg de Ca elementar, que é a dose habitualmente prescrita para pacientes com HipoPT, que tomam 1-3 g de Ca elementar por dia,2 com média de 1,5 g/dia dividido em duas ou três doses. A ordem dos protocolos foi variada por sorteio para minimizar a possibilidade de um deles influenciar o outro.
Os níveis séricos basais de Ca, P, magnésio (Mg), fosfatase alcalina (ALP), proteínas e frações totais, PTH e 25-Hidroxivitamina D antes da administração de CaCO3 foram mensurados independentemente de cada protocolo. Após a administração de CaCO3, os níveis séricos de Ca e P foram medidos a cada 30 minutos durante cinco horas (11 amostras por participante).
Os níveis séricos de Ca e P foram expressos como média e desvio-padrão. As amostras independentes foram analisadas por análise de variância (Anova), seguida do teste de comparação múltipla de Tukey para distribuição simétrica, ajustaram-se os modelos lineares gerais com distribuição gama, seguido pelo teste de comparações múltiplas de Wald para dados assimétricos. A correlação de Pearson foi feita entre a área sob a curva (AUC) de Ca e os níveis séricos de 25-Hidroxivitamina D e entre a AUC de Ca e a idade das mulheres. Todas as análises foram feitas com os aplicativos estatísticos SAS para Windows® versão 9.3 e SigmaStat 3.5. O nível de significância foi estabelecido em 5%.
As mulheres tinham uma média de 43 anos e a maioria era branca. O tempo médio entre a tireoidectomia e os testes foi de 8,6 anos. Todas as pacientes foram tratadas com CaCO3, com uma ingestão média de Ca elementar de 856 mg, e a maioria também tomou calcitriol (tabela 1).
Tabela 1 Características gerais e tratamento efetivo da hipocalcemia crônica dos 12 pacientes com hipoparatireoidismo definitivo devido a tireoidectomia total para carcinoma diferenciado de tireoide
Características gerais | n = 12 |
---|---|
Idade (anos)a | 43,3 ± 7,3 |
Brancob | 11 (91,7%) |
Nível de escolaridade: segundo ano do ensino médiob | 4 (33,2%) |
Várias profissõesb | 7 (58,3%) |
Tempo após a tireoidectomia (anos)a | 8,60 ± 5,4 |
Uso de suplementação com CaCO3 b | 12 (100%) |
Dose de suplementação com CaCO3 (mg/dia)a | 2.141 ± 1193 |
Ingestão de cálcio elementar (mg/dia)a | 856 ± 477 |
Uso de suplemento de calcitriolb | 10 (83,3%) |
Dose do suplemento de calcitriol (µg/dia)a | 0,38 ± 0,18 |
aValores expressos como média ± DP.
bn (%); n, número de pacientes; CaCO3, carbonato de cálcio.
Os níveis basais médios hormonais e bioquímicos não diferiram significantemente (p > 0,05) entre os três protocolos de ingestão de CaCO3 (tabela 2). Calcemia e fosfatemia apresentaram curvas semelhantes, independentemente do protocolo de ingestão de CaCO3. Os níveis médios de Ca estavam abaixo do limite inferior de normalidade e os níveis médios de P estavam no intervalo de referência (Figs. 1 e 2). O produto Ca-P permaneceu abaixo de 55 mg2/dL2 em todos os momentos e sua variação temporal foi similar nos três protocolos (fig. 3).
Tabela 2 Níveis séricos basais bioquímicos e hormonais
Séricos | Suplementação com CaCO3 | p-valor | ||
---|---|---|---|---|
Água | Suco | Café da manhã | ||
Cálcio (mg/dL) | 8,54 ± 3,32 | 8,54 ± 3,32 | 8,73 ± 3,32 | 0,809 |
Fósforo (mg/dL) | 3,8 ± 0,69 | 3,74 ± 0,72 | 4 ± 0,65 | 0,640 |
Magnésio (mg/dL) | 1,93 ± 0,17 | 1,88 ± 0,13 | 1,92 ± 0,17 | 0,693 |
Proteína total (g/dL) | 6,84 ± 0,58 | 6,89 ± 0,55 | 7,05 ± 0,76 | 0,716 |
Albumina (g/dL) | 3,93 ± 0,38 | 3,98 ± 0,24 | 3,98 ± 0,38 | 0,939 |
Globulina (g/dL) | 2,91 ± 0,34 | 3,25 ± 1,00 | 3,08 ± 0,48 | 0,482 |
Fosfatase alcalina (U/L) | 72,58 ± 12,2 | 74 ± 15,8 | 71,33 ± 12,7 | 0,840 |
25-Hidroxivitamina D (ng/mL) | 32,19 ± 10,2 | 33,36 ± 11,6 | 32,87 ± 9,56 | 0,964 |
PTH (pg/mL) | 12,36 ± 8,66 | 14,01 ± 9,63 | 12,46 ± 8,04 | 0,876 |
TSH (µLU/mL)a | 1,21 ± 2,88 | 0,92 ± 2,01 | 0,9 ± 2,36 | 0,896 |
FT4 (ng/mL) | 1,34 ± 0,28 | 1,35 ± 0,31 | 1,33 ± 0,38 | 0,990 |
Valores expressos como média ± DP. Testes estatísticos: Anova seguido por teste de Tukey.
aAjuste na faixa de distribuição (dados assimétricos); significância, p < 0,05.CaCO3, carbonato de cálcio; FT4, tiroxina livre; PTH, paratormônio; TSH, hormônio tireotrófico.Valores de referência: cálcio 8,4-10,2 mg/dL; fósforo 2,5-4,5 mg/dL; magnésio 1,6-2,3 mg/dL; proteína total 6,3-8,2 g/dL; albumina 3,5-5 g/dL; globulina 1,4-3,2 g/dL; fosfatase alcalina 35-104 U/L; 25- Hidroxivitamina D 30-60 ng/mL; PTH 11-65 pg/mL; TSH 0,4-4 µLU/mL; FT4 0,8-1,8 ng/mL.
Figura 1 Evolução do cálcio sérico após suplementação com carbonato de cálcio de acordo com as diferentes formas de ingestão. A, médias e erros-padrão; B, C e D, gráficos de dispersão de cálcio sérico em jejum com água, com suco de laranja e após o café da manhã, respectivamente.
Figura 2 Evolução do fósforo sérico após suplementação com carbonato de cálcio de acordo com as diferentes formas de ingestão. A, médias e erros-padrão; B, C e D, gráficos de dispersão de fósforo sérico em jejum com água, com suco de laranja e após o café da manhã, respectivamente.
Figura 3 Evolução dos valores do produto cálcio-fósforo (Ca-P) expresso como erro-padrão médio, após suplementação com carbonato de cálcio de acordo com as diferentes formas de ingestão.
As médias do pico, tempo para o pico e AUC para os níveis séricos de Ca, P e produto Ca-P não diferiram de acordo com o protocolo de ingestão de CaCO3 (tabela 3) , mesmo após o ajuste das doses de CaCO3, Ca elementar e calcitriol (dados não mostrados).
Tabela 3 Pico máximo, tempo para o pico e área sob a curva de cálcio e fósforo séricos e área sob a curva do produto cálcio-fósforo
Sérico | Suplementação com CaCO3 | p-valor | |||
---|---|---|---|---|---|
Água | Suco de laranja | Café da manhã | |||
Cálcio | Pico máximo (mg/dL) | 8,63 ± 0,87 | 8,77 ± 0,55 | 8,95 ± 0,38 | 0,477 |
Tempo para o pico (min) | 202,5 ± 85,9 | 182,5 ± 57,8 | 152,5 ± 94,5 | 0,326 | |
AUC (mg/dL.min) | 2433 ± 239 | 2577 ± 214 | 2506 ± 121 | 0,226 | |
Pico máximo (mg/dL) | 4,04 ± 0,76 | 4,03 ± 0,69 | 4,12 ± 0,66 | 0,945 | |
Fósforo | Tempo para o pico (min) | 142 ± 92,1 | 135 ± 99,0 | 167 ± 107 | 0,706 |
AUC (mg/dL.min) | 1203 ± 173 | 1052 ± 119 | 1128 ± 320 | 0,981 | |
Produto Ca-P | Pico máximo (mg2/dL2) | 34,3 ± 6,55 | 35,8 ± 7,34 | 34,5 ± 6,41 | 0,827 |
Tempo para o pico (min) | 180 ± 85,9 | 187 ± 85,9 | 192 ± 100 | 0,944 | |
AUC (mg2/dL.min2) | 9038 ± 1645 | 8846 ± 1365 | 9094 ± 1095 | 0,900 |
Valores expressos como média ± DP.Testes estatísticos: Anova seguido por teste de Tukey; significância: p < 0,05.AUC, área sob a curva; CaCO3, carbonato de cálcio; produto Ca-P, produto cálcio-fósforo.
A idade [r = 0,063 (água), r = -0,14 (suco), r = 0,08 (café da manhã)] e as concentrações séricas de 25-Hidroxivitamina D [r = 0,18 (água), r = 0,28 (suco), r = 0,20 (café da manhã)] não se correlacionaram (p > 0,05) com a AUC de Ca.
O HipoPT pode ser uma consequência da tireoidectomia total, 3,20 que é o tratamento mais frequente para CDT,21 uma neoplasia cuja incidência aumentou consideravelmente nos últimos anos. 22,23 Pacientes com HipoPT definitivo exigem tratamento por toda a vida com sais de Ca para controlar a calcemia, a fosfatemia e o produto Ca-P 2,12,24 O CaCO3 é o sal mais comumente usado com esse propósito devido à sua maior porcentagem de Ca elementar13 com boa absorção.14 Não foram encontrados estudos que avaliaram a calcemia, fosfatemia e o produto Ca-P em diferentes protocolos de ingestão de CaCO3, em pacientes com HipoPT após tireoidectomia,.
Esse estudo comparou três protocolos de suplementação com CaCO3, equivalente a 500 mg de cálcio elementar. O Ca sérico ao longo do tempo não diferiu em relação ao protocolo. Os níveis médios de Ca sérico permaneceram no limite inferior da normalidade, como recomendado para pacientes com HipoPT.12 A calcemia de mulheres saudáveis não variou ao longo do tempo após a suplementação com CaCO325 Por outro lado, o Ca sérico de mulheres com síndrome do ovário policístico aumentou significantemente.26 No entanto, a comparação dos resultados do estudo com indivíduos com secreção normal de PTH é inadequada. Além disso, embora os objetivos terapêuticos pareçam ter sido alcançados, a análise individual dos três protocolos de ingestão mostrou que aproximadamente 41% dos valores séricos de Ca estavam abaixo do limite inferior da normalidade. A hipocalcemia pode ter efeitos desconhecidos na saúde.
Os picos de calcemia variaram de 8,6 a 8,9 mg/dL e os tempos para o pico variaram de 152 a 202 minutos, com um AUC de 2.433 a 2.577 mg/dL.min independentemente do protocolo de ingestão de CaCO3. Os picos permaneceram na metade inferior da normalidade, o que é desejável em pacientes com HipoPT porque o Ca sérico nesses pacientes deve permanecer baixo, apesar dos efeitos adversos da hipocalcemia.12 Esses valores são diferentes dos relatados por Tondapu et al.,27 que estudaram a suplementação de CaCO3 em pacientes submetidos à cirurgia de derivação gástrica em Y de Roux e encontraram um pico de 9,2 mg /dL, tempo para o pico de 126 min e AUC de 3.240 mg/dL.min. Os diferentes resultados são justificados pelo fato de que tanto a calcemia quanto a AUC dependem da ação do PTH, que era normal na amostra estudada.27 O PTH controla a calcemia rigorosamente, conforme demonstrado por um estudo cruzado de mulheres saudáveis que comparou a ingestão de CaCO3 e placebo e não encontrou diferenças no pico de Ca e AUC.25 Eventualmente, a idade e a suficiência de vitamina D das pacientes pode ter influenciado os resultados obtidos. No entanto, não foram encontradas associações significantes entre esses parâmetros e a AUC do Ca.
O tempo para o pico do estudo foi mais alto do que o relatado em outras pesquisas,27 o que também pode ser o resultado de PTH baixo. Ainda assim, Wang et al.28 avaliaram mulheres saudáveis na pré-menopausa e encontraram um tempo para o pico de Ca de 240 min, mais alto do que o tempo para o pico do estudo. Por outro lado, Heller et al.29 avaliaram mulheres saudáveis na pós-menopausa e encontraram um tempo para o pico de 174 minutos, semelhante ao tempo do estudo.
A fosfatemia de indivíduos normais tem um ritmo circadiano, com um nadir em torno de 10 da manhã e um pico em torno de duas da tarde, geralmente varia de 2,4 a 3,6 mg/dL.30 A fosfatemia é afetada pela ingestão de alimentos. Valderas et al.31 avaliaram a fosfatemia durante três horas após uma refeição-padrão e encontraram valores médios de fosfatemia que variaram de 3,1 a 3,5 mg/dL. Às oito horas, o horário da primeira coleta de sangue, a fosfatemia dos participantes variou de 2,7 a 5,7 mg/dL. As últimas amostras de sangue foram coletadas às 13h, quando os indivíduos normais apresentaram elevação discreta de fósforo sérico.30 O pico de fosfatemia, o tempo para o pico e a AUC foram semelhantes nos três protocolos de ingestão de CaCO3, independentemente da ingestão de alimentos. Os valores máximos de pico variaram de 4,03 a 4,12 mg/dL, tempo para o pico variou de 135 a 167 min e a AUC variou de 1.052 a 1.203 mg/dL.min. Embora a fosfatemia média estivesse dentro do intervalo de referência, cerca de 10% dos participantes apresentavam níveis de P além dos limites recomendados, especialmente acima, o que pode afetar negativamente seu controle metabólico. No HipoPT, a hiperfosfatemia é quase tão prejudicial quanto a hipocalcemia. A hiperfosfatemia está associada a menor reabsorção óssea32 e calcificação dos gânglios basais33 e artérias coronárias. 34,35 Em indivíduos normais, a hiperfosfatemia diminui a calcemia, o que estimula a secreção de PTH e, consequentemente, aumenta a calcemia. Assim, em pacientes com HipoPT, a hiperfosfatemia piora a hipocalcemia ainda mais, devido à deficiência de PTH.36 A fosfatemia deve ser rigorosamente monitorada para evitar flutuações significantes, uma vez que a hipofosfatemia também pode ter efeitos negativos, pois está associada, por exemplo, a maior mortalidade infantil.37 Curiosamente, por causa da hipocalcemia, o CaCO3 também pode ser usado para controlar a hiperfosfatemia.38
No HipoPT, o produto Ca-P deve ficar abaixo de 55 mg2/dL2, 39 para evitar a precipitação de complexos do produto Ca-P em tecidos moles, como gânglios basais, cristalino e rins,11 e calcificação vascular, 33,40,41 especialmente nas artérias coronárias.35 Além dos processos orgânicos, distúrbios neuropsicológicos têm sido associados a alterações no produto Ca-P.42 No HipoPT não tratado, a calcemia diminui e a fosfatemia aumenta, de modo que o produto Ca-P não deveria mostrar alteração. Na verdade, esse produto não se alterou em ratos submetidos à paratireoidectomia.32 No entanto, quando esses pacientes recebem suplementos de Ca para corrigir a hipocalcemia, o produto Ca-P pode aumentar. No presente estudo, todos os valores do produto Ca-P estavam abaixo do limite superior recomendado e os valores médios do produto Ca-P foram semelhantes nos três protocolos de ingestão de CaCO3.
Este estudo tem algumas limitações, como o pequeno tamanho da amostra. No entanto, o tamanho da amostra foi calculado estatisticamente com base no desenho do estudo. Outra limitação é a dose relativamente baixa de Ca usada (500 mg de Ca elementar), o que pode ter contribuído para as variações temporais similares dos parâmetros do estudo nos três protocolos de ingestão de CaCO3. Ainda assim, outros estudos que usaram a mesma dose observaram mudanças significantes, com aumento da calcemia. 26,29,43 Além disso, a dose de estudo seria a dose recomendada para pacientes com HipoPT, uma vez que a dose recomendada de 1-3 g de Ca elementar por dia é dividida em duas ou três doses.2 De fato, uma vez que a solubilidade intestinal máxima do CaCO3 é atingida, doses mais elevadas não serão absorvidas.44 Outra limitação seria a avaliação do Ca sérico total em vez do Ca ionizado, que é efetivamente ativo no sangue. No entanto, a medida do Ca total é mais disponível na prática clínica e, como não houve diferenças entre os níveis séricos de albumina nas três situações avaliadas, considerou-se que essa medida poderia ser usada.2 Apesar das limitações, o presente estudo é o primeiro a avaliar a variação temporal da calcemia e da fosfatemia após a suplementação com CaCO3 em pacientes com HipoPT. Além disso, esse distúrbio endócrino pode ser um modelo para a avaliação do CaCO3 em si, sem a influência do PTH nas variações temporais de calcemia e fosfatemia. Uma vez que nossos achados sugerem que uma melhor absorção de Ca nos pacientes com HipoPT não requerem a ingestão do sal após as refeições, talvez essa conclusão possa ser extrapolada para outras condições que requerem suplementação de Ca.
As variações temporais de calcemia, fosfatemia e do produto Ca-P em mulheres com hipoparatireoidismo definitivo secundário à tireoidectomia total são semelhantes independentemente do protocolo de suplementação de CaCO3 (água, suco ou café da manhã). Portanto, considerando apenas a calcemia e a fosfatemia, essas pacientes podem ingerir CaCO3 com água ou suco de laranja, ou após o café da manhã, após um jejum durante a noite.