versão impressa ISSN 1808-8694
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.80 no.3 São Paulo maio/jun. 2014
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2013.02.001
O fibrohistiocitoma benigno é uma entidade clínica descrita pela primeira vez por Stout,1 em 1967. Afeta frequentemente a pele exposta ao sol, porém pode ocorrer em outros órgãos, incluindo lesões intraósseas.2 Nestes casos, a manifestação clínica é a dor e o aumento de volume do osso afetado.
Apresentamos um caso de fibrohistiocitoma benigno na mastoide esquerda que surgiu há dois anos, cujo anatomopatológico mostrou tratar-se de tumor da mesma natureza que a paciente apresentou há 15 anos no ouvido oposto.
Na literatura, a descrição deste tumor acometendo a mastoide é rara, e não encontramos descrição semelhante com acometimento bilateral e com tempo de aparecimento diferente entre os lados.
Paciente feminina, 56 anos, com dores na região retroauricular esquerda há um mês, e que irradiavam para cabeça e face deste mesmo lado. Apresentava dor à palpação na região mastoidea esquerda, com otoscopia e avaliação auditiva normal bilateralmente. Referia ter sido operada para retirada de um tumor no ouvido oposto há 15 anos, com diagnóstico de fibrohisticitoma benigno.
A tomografia computadorizada evidenciava sinais de mastoidectomia à direita e lesão lítica com material de densidade de partes moles em cavidade mastoidea à esquerda. Ambas as orelhas médias estavam normais.
A ressonância magnética mostrava conteúdo de alto sinal em T2 ocupando as células mastoideas esquerdas, com espessamento meníngeo na tenda cerebelar e na fossa craniana média ipsilateral, que tiveram realce com o gadolíneo (fig.1).
A paciente foi submetida à mastoidectomia esquerda com remoção da parede posterior do conduto auditivo externo. A lesão ficava restrita à cavidade mastoidea, respeitava a membrana timpânica, orelha média e o tégmen mastoideo. O estudo histológico comprovou tratar-se do fibrohistiocitoma benigno.
A cavidade cirúrgica, após três meses de pós-operatório, apresentou boa cicatrização, porém a paciente referia agravamento da cefaleia e dor facial que se situava na projeção da arcada dentária superior esquerda. Foi encaminhada para o grupo de dor e tratada clinicamente, tendo ficado assintomática somente dois anos após a cirurgia.
O fibrohistiocitoma é uma afecção rara que ocorre numa larga faixa etária, entre cinco e 75 anos. Compreende em torno de 1% de todos os tumores ósseos,3 sendo mais comum nos ossos dos membros inferiores e com predisposição para a recidiva.4 Há poucos relatos mostrando acomentimento do osso temporal, sendo a maior parte constituída por tumores malignos. O diagnóstico diferencial pode ser feito com processo inflamatório agudo, lesão tumoral benigna (tumor gigantocelular e o fibroma ossificante) ou lesão maligna (fibrossarcoma e osteossarcoma). A ressonância magnética afastou a possibilidade de processo inflamatório, mostrando tratar-se de tumor sólido. Revelou a presença de paquimeninge extensa, com espessamento de provável natureza inflamatória da meninge na área paratrigeminal. Embora a cirugia tenha removido a lesão, o provável o envolvimento ósseo e meníngeo por contiguidade pode explicar a cefaleia e a otalgia referidas pela paciente no pós-operatório, já que não foi detectada comunicação com a fossa média.5 , 6 Este envolvimento também pode justificar a recidiva destes tumores, o que torna difícil apontar a cura e mostra a necessidade de acompanhamento por longos períodos. Devido à raridade, as taxas de recidivas são variáveis e de difícil determinação.
Não encontramos na literatura comprometimento semelhante ao exibido neste relato, com o envolvimento bilateral dos ossos temporais, extensão meníngea, características histológicas semelhantes e aparecimento tanto tempo depois da lesão inicial.
Embora raro, o fibrohistiocitoma benigno de osso temporal é uma afecção que pode ser encontrada e deve ser lembrada como diagnóstico diferencial dos tumores do ouvido. As características clínicas e radiológicas devem atentar o médico assistente para uma maior investigação, mesmo em casos de bilateralidade, como o exibido neste relato.