versão impressa ISSN 1808-8694
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.80 no.4 São Paulo jul./ago. 2014
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2014.05.003
Histiocitose de células de Langerhans (HCL) caracteriza-se por proliferação clonal de células de Langerhans exibindo grânulos de Birbeck e positividade imunoistoquímica para S100 e CD1A.1 Origina-se de uma possível transformação maligna ou proliferação funcional das células de Langerhans em resposta a estímulos externos.2 Na cavidade oral, pode manifestar-se raramente como hipertrofia gengival ou ulcerações na mucosa jugal, palato e língua.3 O diagnóstico deve ser realizado após profunda investigação, excluindo-se as diversas possibilidades semelhantes.
Várias modalidades terapêuticas têm sido sugeridas para a HCL, como injeção intralesional de corticosteroide, antibióticos, esteroides, radiação e quimioterapia. Opções cirúrgicas variam de grandes ressecções a abordagens mais conservadoras, e muitos casos apresentam resolução após simples biópsia.4
O presente trabalho traz um relato de HCL em cavidade oral, enfatizando a raridade da lesão, bem como a importância do diagnóstico diferencial, tratamento e seguimento adequado desses pacientes.
Paciente de dez anos, masculino, leucoderma, procurou o serviço de Estomatologia queixando-se de "ferida no céu da boca", com duração de três meses. Ao exame intraoral, foi observada lesão ulcerada, avermelhada, medindo aproximadamente 1 cm, em gengiva palatina adjacente ao primeiro molar superior, que apresentava anel ortodôntico (fig. 1A). Após tratamento periodontal, não houve resolução, sendo sugerida a hipótese de paracoccidioidomicose. Biópsia incisional revelou lesão composta predominantemente por células poligonais, por vezes exibindo citoplasma granular (fig. 1B) compatível com HCL, confirmado por forte positividade imunoistoquímica para S100 (fig. 1C) e CD1A (fig. 1D). O tratamento foi quimioterapia e remoção cirúrgica da lesão. Durante dez anos, o paciente foi examinado semestralmente, sem apresentar sinais clínicos de recidiva. Durante a última consulta, em vista do tempo decorrido, foram solicitados exames de cintilografia óssea e tomografia computadorizada do osso temporal para uma avaliação mais precisa, sendo excluída a possibilidade de recidiva ou metástase.
Figura 1 A, Imagem clínica intraoral mostrando lesão ulcerada e avermelhada em gengiva palatina adjacente ao primeiro molar superior. B, Fotomicrografia mostrando lesão neoplásica caracterizada pela presença de células poligonais, por vezes exibindo citoplasma granular em meio a numerosos vasos sanguíneo e infiltrado inflamatório composto por linfócitos, neutrófilos e eosinófilos (HE ×400). C, Achados imunoistoquímicos mostraram positividade para S100 (×200). D, Achados imunoistoquímicos mostraram positividade para CD1A (×400).
A etiopatogênese da HCL não está completamente estabelecida, sendo proposta uma possível natureza reacional ou neoplásica. Alguns autores sugerem ainda a existência de um distúrbio na regulação do sistema imune e uma predisposição familiar,5 com alta frequência na infância, como ocorre no presente relato.
As apresentações clínicas da HCL se confundem com diversas alterações, podendo fazer diagnóstico diferencial com doença periodontal, malignidades como carcinoma epidermoide ou linfoma, bem como lesões granulomatosas ou ulcerativas características de infecções fúngicas, dificultando o diagnóstico, especialmente quando há acometimento de múltiplos órgãos.2 Faz-se necessária, portanto, uma profunda investigação em lesões que apresentem persistência após tratamento. Na cavidade oral, geralmente se apresenta como ulceração da mucosa associada a lesões ósseas subjacentes,6 o que não foi observado no caso em questão.
Seu diagnóstico pode ser confirmado pela detecção de grânulos de Birbeck característicos (corpos X) ou anticorpos monoclonais específicos aos antígenos de superfície (CD1).6 No caso apresentado, o diagnóstico foi estabelecido após pesquisa imunoistoquímica para caracterização do tipo celular em proliferação.
A abordagem terapêutica depende da extensão da doença e o tratamento local é normalmente eficiente para formas limitadas a um único órgão, como observado no caso descrito, entretanto, podem ocorrer algumas complicações, como disfunção hipofisária, com destaque para diabetes e doenças neurodegenerativas.5 Uma análise retrospectiva de pacientes com HCL revelou alta porcentagem de sobrevida (93%) em dez anos, sendo a maioria dos indivíduos de baixo risco, sem envolvimento de medula óssea, baço, fígado ou pulmões.1 O paciente ora descrito se apresenta sem recidiva ou metástase após dez anos de acompanhamento, entretanto, o seguimento em longo prazo é necessário para a detecção e o controle de possíveis sequelas de apresentação tardia.3
O presente relato discute as informações clínico-laboratoriais da HCL, objetivando enfatizar a importância do diagnóstico diferencial, tratamento adequado e acompanhamento em longo prazo, com prevenção de complicações e/ou recidiva.