versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.22 no.12 Rio de Janeiro dez. 2017
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320172212.08212016
The scope of this article is to analyze the influence of hospitalizations by infectious diseases (diarrhea and pneumonia) and parasitism in nutritional evolution, over the period of a year, among children enrolled in municipal public day care centers. Mothers of children in a cohort were asked about previous hospitalization due to diarrhea and pneumonia, as well as in relation to the elimination of worms, during the period of one year of attendance at day care centers. Anthropometrics were measured at each visit. An adjusted model to examine the relationship between infections experienced and growth outcomes (weight and height) was applied. In a subset analysis of 269 children followed up at every visit over the course of 12 months, hospitalization due to pneumonia and parasite infection were associated with decelerated growth in weight and height. Parasitic infection and pneumonia were associated with growth impairment in terms of weight and height.
Key words Child day care centers; Infection; Parasites; Pneumonia; Diarrhea
Apesar de que crianças assistidas em creches apresentam maior vulnerabilidade à aquisição de processos infecciosos, os quais podem repercutir negativamente no estado nutricional1-4, apontase, também, a assistência a creches como fator protetor do estado nutricional5,6. Dessa forma, parece ser que a oferta de alimentos e os cuidados oferecidos nas creches1-4 predominam na expressão do estado nutricional. Nessa conjuntura, estabelece-se o reconhecimento da desnutrição como resultado da ingestão alimentar insuficiente e de doenças infecciosas repetidas e graves, fenômeno que pode levar à hospitalização da criança. Assim, desnutrição e processos infecciosos constituem um círculo vicioso no qual a desnutrição aumenta a gravidade e/ou prolonga a duração dos processos de infecções e vice-versa, ou seja, um ciclo no qual a desnutrição é tanto desfecho quanto fator de risco de doenças infecciosas. As condições de vida, do ambiente e o acesso a serviços de saúde permeiam essa relação7-9.
Doenças infecciosas, parasitárias e do aparelho respiratório encontram-se entre as principais causas de internação hospitalar em crianças no Brasil. As doenças diarreicas agudas também formam parte desse quadro e têm nas regiões Norte e Nordeste do país as maiores taxas. Esses elementos apresentam-se relevantes na medida em que fundamentam a necessidade de medidas direcionadas à diminuição das internações hospitalares por causas específicas preveníveis. Ainda, a efetividade do sistema de saúde deve considerar a hospitalização como consequência do agravamento de uma condição clínica que não teve atenção de saúde efetiva em momento oportuno9-11.
Partindo da hipótese de que as doenças infectocontagiosas influenciam a evolução do estado nutricional, objetivou-se analisar a influência das hospitalizações por doenças infecciosas (diarreia e pneumonia) e do parasitismo na evolução nutricional, ao longo de um ano, entre crianças assistidas em creches públicas municipais.
Este é um estudo de coorte prospectiva integrado ao projeto “Saúde e nutrição das crianças assistidas em creches públicas do município de Campina Grande (PB)”. Compreendeu coleta de dados em dois momentos diferentes, com intervalo de 12 meses entre a primeira (outubro a novembro de 2011) e a segunda observação (outubro a novembro de 2012). A coleta de dados referiu-se à situação das crianças das creches públicas do município de Campina Grande (PB) pertencentes à Secretaria de Educação.
O município de Campina Grande está localizado no Agreste Paraibano, distante 120 km de João Pessoa, capital do Estado da Paraíba. O mesmo possui uma área territorial de 671 Km2 e uma população constituída de 402.912 habitantes (estimativa atual). Por dispor de uma posição geográfica privilegiada, Campina Grande é um polo de convergência, com aproximadamente 232 municípios, tanto da Paraíba, quanto de estados vizinhos, cujos habitantes se deslocam para o município em busca dos serviços oferecidos, entre os quais os de saúde.
Ao todo funcionavam, no momento da coleta de dados da primeira observação, 25 creches públicas em bairros distintos do município, situadas em áreas carentes. Segundo a localização, 23 creches estavam na zona urbana e duas na zona rural. Segundo a faixa etária, apenas oito creches apresentavam atendimento em berçário (crianças entre 4 e 20 meses) e 93% das crianças tinham 24 meses ou mais de idade. O tempo de permanência da criança na creche era integral (8 horas diárias) ou parcial (4 horas diárias), com quantidade de refeições diárias equivalentes.
Na ocasião, todas as crianças devidamente cadastradas e frequentando as creches consideraram-se elegíveis para participar do estudo, totalizando 2749 crianças, das quais 199 atendidas em berçário. Excluíram-se as crianças gêmeas, adotadas, de mães com idade inferior a 18 anos e aquelas com problemas físicos que dificultassem a avaliação antropométrica, o que gerou 166 exclusões. No caso de crianças irmãs nas creches, uma delas foi sorteada para o estudo.
Baseado no procedimento amostral para descrição da proporção12, calculou-se a necessidade de constituir uma amostra representativa de 335 crianças. Considerou-se uma prevalência estimada (p) de déficit de estatura em crianças menores de cinco anos de 7,0%13, um erro amostral (d) de 3%, e um nível de 95% de confiança (Z2 = 1,962). O valor calculado (n=252) foi acrescido em 10% para perdas e recusas, mais efeito de delineamento amostral de 1,2, perfazendo o total de 335. Tamanhos amostrais proporcionais foram considerados para o estudo de crianças segundo a zona de localização da creche (urbana, rural) e a idade da criança (menores de dois anos, dois anos ou mais).
Para a seleção da amostra, nesse primeiro momento, 14 creches foram selecionadas por sorteio aleatório simples, sendo uma selecionada entre as localizadas na zona rural e duas entre aquelas com atendimento de berçário. Posteriormente, com posse da lista das crianças assistidas nas creches, foram selecionadas de forma sistemática 15 crianças de 24 meses ou mais por creche de pequeno porte (3 creches), 20 por creche de mediano porte (3 creches), 25 por creche de grande porte (5 creches) e 35 na creche sorteada da zona rural. Em cada uma das duas creches sorteadas com atendimento de berçário, foram selecionadas 35 crianças menores de dois anos.
Na segunda observação, com o intuito de diminuir as perdas, três tentativas de visitas (uma na creche e duas no domicílio) foram realizadas. As mães foram estimuladas a participar mediante o desenvolvimento de atividades, como o retorno dos resultados da avaliação do estado nutricional das crianças realizado na primeira visita e ações educativas sobre alimentação, nutrição e doenças infecciosas.
Foram coletadas informações, para o presente estudo, tanto na primeira quanto na segunda observação. Em ambas as ocasiões, as mães responderam um questionário relacionado à situação de saúde e nutrição de seus filhos, previamente testado. Na primeira observação, os questionários foram aplicados nas creches e, na segunda, nas creches ou no domicílio. O Quadro 1 mostra a caracterização das variáveis de estudo.
Variáveis dependentes (contínuas) |
Segundo momento do estudo -. Peso/Idade (escore-Z) -. Estatura/Idade (escore-Z) -. Peso/Estatura (escore-Z) -. Peso (kg) -. Estatura (cm) Segundo momento do estudo – primeiro momento do estudo -. Diferença de Peso/Idade (escore-Z) -. Diferença de Estatura/Idade (escore-Z) -. Diferença de Peso/Estatura (escore-Z) -. Diferença de peso (kg) -. Diferença de estatura (cm) |
Variáveis independentes (dicotômicas: não, sim) |
Segundo momento do estudo -. Hospitalizações por diarreia no período de um ano de permanência da criança na creche -. Hospitalizações por pneumonia no período de um ano de permanência da criança na creche -. Parasitismo no período de um ano de permanência da criança na creche |
Variáveis de confusão |
Primeiro momento do estudo -. Idade da criança (≥ 24 meses, < 24 meses) -. Sexo da criança (masculino, feminino) -. Internamento da criança por mais de 12 horas (não, sim) -. Morbidade (diarreia, febre, vômito, tosse, perda de apetite) da criança nos últimos 15 dias (ausência de qualquer condição, presença de qualquer condição) -. Tempo de permanência da criança na creche (integral: 8 horas, parcial: 4 horas) -. Alfabetização materna (sim, não) -. Sistema de esgoto domiciliar (rede de esgoto, outro) -. Destino domiciliar do lixo (coletado, não coletado) -. Tipo de água para beber no domicílio (tratada ou mineral, não tratada) -. Condições do sanitário no domicílio (individual com descarga, outro) -. Número de pessoas no domicílio (≤ 6, > 6) -. Peso/Idade (adequado, inadequado): usada para as variáveis dependentes Peso/Idade (escore-Z), peso (kg) e estatura (cm) -. Estatura/Idade (adequado, inadequado): usada apenas para a variável dependente Estatura/Idade (escore-Z) -. Peso/Estatura (adequado, inadequado): usada apenas para a variável dependente Peso/Estatura Segundo momento do estudo Percepção materna sobre o peso da criança (normal, sobrepeso, baixo peso) Percepção materna sobre a evolução do peso da criança (aumento, estável, diminuição) |
Os dados antropométricos foram obtidos com os mesmos procedimentos e pela mesma equipe nas duas observações. As medições foram realizadas de acordo com normas técnicas padronizadas, obedecendo aos procedimentos recomendados pela OMS14.
As crianças menores de dois anos tiveram o comprimento medido por meio de antropômetro infantil de madeira (Alturexata®) com amplitude de 130 cm e subdivisões de 0,1 cm. As crianças de dois anos ou mais tiveram a altura medida por meio de estadiômetro (WCS®), com amplitude de 200 cm e subdivisões de 0,1 cm. Todas as crianças foram pesadas em balança eletrônica do tipo plataforma, com capacidade para 150 kg e graduação em 100g (Tanita UM-080®). Na pesagem, foi permitida apenas uma peça íntima leve e no caso de crianças que usavam fraldas, estas foram retiradas. O peso de crianças de colo foi calculado pela diferença entre o peso da mãe com a criança no colo e o peso da mãe. As medições foram realizadas, sempre na presença da mãe, em duplicata, aceitando-se variação de 0,3 cm para medida de estatura e 100 g para medida de peso. Se esses limites fossem eventualmente ultrapassados, repetia-se a mensuração, anotando-se as duas medições com valores mais próximos, utilizando sua média para efeito de registro.
Os escores-Z de Peso/Idade, Estatura/Idade e Peso/Estatura das crianças foram calculados com o programa WHO Anthro 2009. Tomou-se como referência a população do Multicentre Growth Reference Study, atualmente recomendado pela OMS15.
Com o objetivo de assegurar a validação da digitação, os dados foram digitados com dupla entrada utilizando-se o programa Excel (Microsoft Inc., Estados Unidos). Após o término da digitação, os dois bancos de dados foram cruzados com a utilização do aplicativo Validate do programa Epi Info v. 6.04b (WHO/CDC, Atlanta, Estados Unidos), possibilitando assim verificar a consistência dos dados e gerando o banco final que foi usado para análise estatística.
O teste t de student foi utilizado para comparar as médias de peso (kg), estatura (cm) e dos escores-Z dos índices antropométricos Peso/Idade, Estatura/Idade e Peso/Estatura nas duas observações. Em análises bivariadas foram estimados modelos de regressão linear generalizados, com função de ligação identidade e distribuição normal das variáveis dependentes, com as variáveis independentes. Em análises multivariadas foram estimados os coeficientes das variáveis independentes ajustados pelas variáveis de confusão. Para cálculo do nível de significância foi aplicado o teste de heterogeneidade de Wald. Todas as conclusões foram tomadas ao nível de significância de 5%. O programa utilizado para as análises estatísticas foi o SPSS v17.0.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual da Paraíba. Todas as mães das crianças que participaram do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
No primeiro momento do estudo, das 335 crianças sorteadas, 13 mães recusaram participar da pesquisa; 14 não compareceram à creche ou não estavam acompanhadas pela mãe no dia da coleta de dados e, em 9, foi impossível realizar a avaliação antropométrica, totalizando o estudo de 299 crianças. No segundo momento, com a perda de 27 crianças, 272 puderam ser reavaliadas (de dois anos ou mais, pois na primeira visita a idade mínima das crianças era de 12 meses). As três crianças que, na ocasião da segunda visita, tinham ultrapassado os cinco anos, foram desconsideradas, totalizando a análise de dados correspondentes a 269 crianças neste estudo.
A Tabela 1 mostra que tanto o peso quanto a estatura das crianças mudou no período de 12 meses de permanência na creche, com variação positiva e significativa. Para os escores-Z de Peso/Idade, Estatura/Idade e Peso/Estatura não houve variação ao longo do tempo. Segundo os resultados da tabela 2, as hospitalizações por pneumonia estiveram negativamente associadas ao escore-Z de Estatura/Idade após um ano de permanência da criança na creche. As crianças hospitalizadas por pneumonia no último ano tiveram 0,822 escores-Z de Estatura/Idade a menos (IC95% -1,567; -0,078), comparadas às crianças sem antecedentes de hospitalizações por pneumonia.
Variáveis antropométricas | Média (IC95%) | ||
---|---|---|---|
Outubro-novembro, 2011 | Outubro-novembro, 2012 | Valor-p* | |
Peso (kg) | 16,68 (13,72;19,64) | 18,67 (15,16;22,18) | < 0,001 |
Estatura (cm) | 101,04 (93,06;109,02) | 106,84 (98,94;114,74) | < 0,001 |
Peso/Idade (escore-Z) | 0,096 (-0,944;1,136) | 0,099 (-0,962;1,158) | 0,929 |
Estatura/Idade (escore-Z) | -0,483 (-1,573;0,607) | -0,478 (-1,488;0,532) | 0,906 |
Peso/Estatura (escore-Z) | 0,552 (-0,448;1,552) | 0,572 (-0,438;1,582) | 0,636 |
*teste t de student.
Escores-Z | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Peso/Idade (escore-Z) | Estatura/Idade (escore-Z) | Peso/Estatura (escore-Z) | |||||
Bruta | Ajustada | Bruta | Ajustada | Bruta | Ajustada | ||
β (IC95%) | β (IC95%) | β (IC95%) | β (IC95%) | β (IC95%) | β (IC95%) | ||
Hospitalizações por diarreia no último ano | |||||||
Não | Referência | Referência | Referência | Referência | Referência | Referência | |
Sim | 0,380 (-0,171;0,932) |
0,446 (-0,052;0,945) | 0,186 (-0,340;0,712) | 0,263 (-0,252;0,779) | 0,391 (-0,135;0,917) | 0,410 (-0,051;0,870) | |
Valor-p* | 0,177 | 0,079 | 0,488 | 0,317 | 0,145 | 0,081 | |
Hospitalizações por pneumonia no último ano | |||||||
Não | Referência | Referência | Referência | Referência | Referência | Referência | |
Sim | -0,717 (-1,459;0,026) |
-0,365 (-1,092;0,363) |
-0,972 (-1,677;-0,27) |
-0,822 (-1,567;-0,078) |
-0,143 (-0,857;0,570) |
0,252 (-0,420;0,925) |
|
Valor-p* | 0,059 | 0,326 | 0,007 | 0,030 | 0,693 | 0,462 | |
Parasitismo no último ano | |||||||
Não | Referência | Referência | Referência | Referência | Referência | Referência | |
Sim | -0,190 (-0,516;1,313) |
-0,175 (-0,470;0,120) |
-0,211 (-0,520;0,099) |
-0,212 (-0,516;0,092) |
-0,078 (-0,389;0,233) |
-0,055 (-0,328;0,218) |
|
Valor-p* | 0,252 | 0,244 | 0,182 | 0,171 | 0,623 | 0,692 |
Diferenças de escores-Z | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Diferença de Peso/Idade (escore-Z) | Diferença de Estatura/Idade (escore-Z) | Diferença de Peso/Estatura (escore-Z) | |||||
Bruta | Ajustada | Bruta | Ajustada | Bruta | Ajustada | ||
β (IC95%) | β (IC95%) | β (IC95%) | β (IC95%) | β (IC95%) | β (IC95%) | ||
Hospitalizações por diarreia no último ano | |||||||
Não | Referência | Referência | Referência | Referência | Referência | Referência | |
Sim | -0,171 (0,148;- 0,461) |
-0,082 (-0.368;0,203) |
-0,294 (-0,632;0,044) |
-0,201 (-0,538;0,136) |
-0,082 (-0,184;0,372) |
-0,058 (-0,301;0,418) |
|
Valor-p* | 0,250 | 0,572 | 0,088 | 0,242 | 0,077 | 0,098 | |
Hospitalizações por pneumonia no último ano | |||||||
Não | Referência | Referência | Referência | Referência | Referência | Referência | |
Sim | -0,258 (-0,650;0,134) |
-0,115 (-0,530;0,300) |
0,229 (-0,430;0,488) |
0,332 (-0,158;0,821) |
-0,340 (-0,825;0,145) |
-0,353 (-0,875;0,168) |
|
Valor-p* | 0,197 | 0,586 | 0,173 | 0,185 | 0,169 | 0,184 | |
Parasitismo no último ano | |||||||
Não | Referência | Referência | Referência | Referência | Referência | Referência | |
Sim | -0,166 (-0,336;0,005) |
-0,141 (-0,308;0,027) |
-0,390 (-0,679;0,161) |
-0,211 (-0,622;0,187) |
-0,197 (-0,408;0,014) |
-0,181 (-0,393;0,030) |
|
Valor-p* | 0,057 | 0,100 | 0,013 | 0,039 | 0,068 | 0,092 |
b: coeficiente de regressão; IC95%: Intervalo de Confiança 95%;
*teste de heterogeneidade de Wald.
Enquanto os episódios de hospitalizações não influenciaram as diferenças nos parâmetros antropométricos entre a segunda e a primeira visita (Tabelas 2 e 3), o parasitismo no último ano produziu uma diminuição significativa de 0,211 (IC95% -0,622; 0,187) no escore-Z de Estatura/Idade (Tabela 2) e de 0,441kg (IC95% -0,870; -0,011) no peso (Tabela 3), em relação às crianças sem parasitismo no período. As hospitalizações por pneumonia e o parasitismo foram eventos que influenciaram negativamente tanto o peso (kg) quanto a estatura (cm) das crianças após um ano de permanência das mesmas nas creches (Tabela 3).
Peso e Estatura | |||||
---|---|---|---|---|---|
Peso (kg) | Estatura (cm) | ||||
Bruta | Ajustada | Bruta | Ajustada | ||
β (IC95%) | β (IC95%) | β (IC95%) | β (IC95%) | ||
Hospitalizações por diarreia no último ano | |||||
Não | Referência | Referência | Referência | Referência | |
Sim | -0,982 (-0,669;2,625) | -0,963 (-0,707;2,760) | -0,862 (-2,718;1,068) | -0,793 (-2,059;1,053) | |
Valor-p* | 0,238 | 0,264 | 0,376 | 0,332 | |
Hospitalizações por pneumonia no último ano | |||||
Não | Referência | Referência | Referência | Referência | |
Sim | -0,629 (-2,024;0,792) | -0,614 (-1,068;-0,170) | -0,544 (-1,076;0,721) | -0,782 (-1,166;0,898) | |
Valor-p* | 0,023 | 0,008 | 0,025 | 0,039 | |
Parasitismo no último ano | |||||
Não | Referência | Referência | Referência | Referência | |
Sim | -0,489 (-1,045;0,083) | -0,414 (-0,780;-0,011) | -1,933 (-2,916;-0,941) | -0,942 (-1,972;0,046) | |
Valor-p* | 0,091 | 0,039 | 0,009 | 0,015 |
Diferenças de Peso e de Estatura | |||||
---|---|---|---|---|---|
Diferença de peso (kg) | Diferença de estatura (cm) | ||||
Bruta | Ajustada | Bruta | Ajustada | ||
β (IC95%) | β (IC95%) | β (IC95%) | β (IC95%) | ||
Hospitalizações por diarreia no último ano | |||||
Não | Referência | Referência | Referência | Referência | |
Sim | -0,220 (-0,990;0,550) | -0,126 (-0,707;0,760) | -0,892 (-2,182;0,398) | -0,786 (-2,077;0,505) | |
Valor-p* | 0,576 | 0,218 | 0,175 | 0,233 | |
Hospitalizações por pneumonia no último ano | |||||
Não | Referência | Referência | Referência | Referência | |
Sim | -0,909 (-1,944;0,127) | -0,574 (-1638;0,490) | -1,111 (-2,247;0,015) | -0,427 (-1,093;0,186) | |
Valor-p* | 0,085 | 0,291 | 0,072 | 0,199 | |
Parasitismo no último ano | |||||
Não | Referência | Referência | Referência | Referência | |
Sim | -0,494 (-0,945;-0,043) | -0,441 (-0,870;-0,011) | -0,343 (-1,106;0,419) | -0,294 (-1,057;0,469) | |
Valor-p* | 0,032 | 0,044 | 0,377 | 0,450 |
b: coeficiente de regressão; IC95%: Intervalo de Confiança 95%;
*teste de heterogeneidade de Wald.
A maioria dos estudos que investigaram determinantes do crescimento infantil, inclusive os direcionados especificamente às crianças que frequentam creches, tem adotado o delineamento transversal, que, por limitação do mesmo, não é capaz de identificar o dinamismo do crescimento das crianças nem a direção das associações5,6. Essa limitação estende-se à investigação sobre a associação entre o estado nutricional e o adoecimento por doenças infecciosas nas crianças assistidas em creches, tema pouco abordado na literatura1. Nesse sentido, esta investigação disponibiliza, oportunamente, informações longitudinais das variações temporais dinâmicas do estado nutricional antropométrico de crianças, com ênfase na causalidade relacionada a doenças infectocontagiosas.
Os valores médios dos índices antropométricos ao longo dos 12 meses de vida das crianças deste estudo situaram-se nos padrões da eutrofia. No entanto, não foi possível observar diferenças estatísticas relacionadas a esses índices, considerando as mudanças ao longo dos 12 meses de estudo. Apesar de poucos estudos terem desenvolvido análises similares, considerando como população de referência o standard de crescimento estabelecido pela OMS em 200614, resultados diferentes foram encontrados em outros estudos, nos quais houve variação temporal do estado nutricional favorável16,17. Os resultados encontrados neste estudo podem estar circunstanciados às melhorias nas condições de vida da população brasileira, explicativas do declínio da desnutrição no país18,19, condicionando à aproximação dos parâmetros antropométricos aos que seriam proporcionados pela plenitude do potencial genético quando superadas as condições adversas do meio ambiente. Esses argumentos apresentam suporte, ainda, considerando que a leitura dos indicadores de peso (kg) e de estatura (cm), ao longo do período do estudo, indica uma realidade na qual as crianças apresentaram aumentos significativos de peso e de estatura.
Ao explorar possíveis variáveis preditoras das médias do índice estatura/idade (escore Z) e da estatura (cm), após um ano de permanência da criança na creche, observou-se estimativa negativa quando a criança foi hospitalizada por pneumonia. Em um estudo de casos e controles realizado na cidade de Pelotas, os autores constataram que as internações por doenças respiratórias agudas estiveram influenciadas pela estatura para idade20. Por sua vez, baseado em dados de uma coorte, o comprimento para idade associou-se à maior incidência de hospitalizações por pneumonia aos três meses de vida21. Com crianças menores de cinco anos do Estado de Pernambuco, estudo seccional constatou associação entre o internamento por pneumonia e o retardo estatural22. Nas análises parece ser importante delimitar o internamento por pneumonia, havendo estudos nos quais não foi possível encontrar a associação quando atentados apenas à informação do internamento ou não, sem prescrever a causa23,24. Esse conhecimento é condizente com a concepção da pneumonia como uma das mais graves doenças na infância25 e, ainda, importante para o sistema de saúde, principalmente no contexto das doenças por condições sensíveis à atenção primária10,11. Assim, constata-se uma literatura consistente, a partir de desenhos epidemiológicos diferentes, que sugere a pneumonia como doença infecciosa que condiciona o crescimento linear das crianças.
Em revisão sistemática da literatura, incluindo artigos de estudos longitudinais desenvolvidos em vários países, constatou-se o efeito negativo da morbidade por diarreia na estatura das crianças. No estudo, a chance de déficit de estatura aos 24 meses de idade foi proporcional à quantidade de episódios de diarreia e à quantidade de dias com episódios antes dos 24 meses26. Esses resultados são consistentes com a hipótese que associa o risco de déficit de estatura à gravidade dos episódios de diarreia9,26,27. Episódios repetidos ou persistentes de diarreia produzem má-absorção de nutrientes ou incapacidade no uso de nutrientes apropriados à manutenção da saúde8. Os resultados divergentes do presente estudo podem estar condicionados pela idade das crianças observadas (dois anos ou mais), uma vez que as crianças de idades inferiores são as de maior suscetibilidade9,27. Entretanto, estudo seccional desenvolvido com crianças menores de cinco anos do Estado de Pernambuco constatou associação entre o internamento por diarreia e o retardo estatural22. Por sua vez, a associação também não foi verificada em outras localidades do país9,27. A divergência entre esses achados pode advir das representações próprias para cada tempo e espaço dos fatores de risco, estabelecendo-se melhorias nos indicadores de saúde e nutrição das crianças brasileiras marcadas pela desigualdade, com diminuição acentuada na incidência da diarreia e dos seus desfechos (hospitalização e mortalidade infantil) inclusive na região Nordeste28-30.
Segundo os resultados apresentados, a referência materna ao parasitismo apresentou associação com indicadores de peso e de estatura, o que se sugere devido ao aparecimento ou agravamento da desnutrição associado a mecanismos como lesão da mucosa, exsudação intestinal, má -absorção de micronutrientes, alteração do metabolismo de sais biliares, competição alimentar, diminuição do apetite, favorecimento da proliferação bacteriana e hemorragias31,32. Esses resultados condizem com os de outros estudos, inclusive longitudinais, que têm reportado a influência das infecções parasitárias nos indicadores antropométricos de peso e estatura das crianças33-37.
O fato de, neste estudo, o crescimento ponderal e de peso para a idade no período de um ano de frequência das crianças à creche ter sido influenciado apenas pelo adoecimento por parasitose, e não por diarreia e pneumonia, pode ter explicações relacionadas com as maiores taxas de morbidade das parasitoses e sua associação tanto com diarreia crônica quanto com pneumonia1,31,38. Além disso, sinaliza-se o controle da desnutrição aguda e global entre as crianças brasileiras, representando, assim, o déficit de estatura o principal signo da desnutrição no país12,28, pressuposto que pode, ainda, ter influenciado a ausência de efeitos da hospitalização por diarreia e por pneumonia nesses indicadores. Não obstante, algumas pesquisas têm constatado a perda ponderal associada ao adoecimento/internação por pneumonia20,21,39.
No que concerne à população específica deste estudo, a relevância dos resultados sobressai, considerando que a convivência coletiva e aglomerada das crianças em creches possibilita a transmissão de doenças infecciosas1. A partilha de ambientes aumenta o risco de pneumonia por causa da facilidade de transmissão de agentes patogênicos através da respiração, bem como o risco de doenças infecciosas causadoras de diarreia, acrescentando riscos às incidências das principais causas de hospitalização na infância (pneumonia e diarreia)1,20,21. Por sua vez, as condições inadequadas de higiene, de saneamento básico e de educação sanitária facilitam a disseminação de doenças parasitárias1,32,40. O risco de parasitoses intestinais é particularmente alto entre as crianças do Nordeste, uma das regiões mais pobres e populosas do Brasil tropical40. A transmissão feco -oral representa, ainda, uma maior vulnerabilidade das crianças institucionalizadas em creches para alguns parasitas38. Na conjuntura anterior, a disponibilidade de água e as condições higiênico-sanitárias constituem importantes fatores na prevenção da desnutrição ao ter impactos diretos no desenvolvimento de doenças infecciosas, particularmente a diarreia8.
Por fim, deve-se enfatizar que o estado nutricional é diretamente influenciado pela infecção, mas, constitui, ao mesmo tempo, um dos principais moduladores da resposta imune, e, portanto, é importante determinante do risco de doenças infecciosas41. Assim, este padrão de interação sinérgico entre infecção e estado nutricional induz à coexistência e influência mútua desses dois agravos, tornando difícil identificar o que é causa e o que é efeito1. Esse fenômeno é crucial à compreensão da dinâmica populacional das infecções, é particularmente importante nas crianças assistidas em creches, por sua maior vulnerabilidade, e alerta para os benefícios advindos da adoção de medidas preventivas conjuntas1,41.
Os resultados sugerem o comprometimento do crescimento em termos de peso e estatura, devido a processos parasitários e à hospitalização por pneumonia.