versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465
Esc. Anna Nery vol.21 no.4 Rio de Janeiro 2017 Epub 07-Ago-2017
http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2016-0366
Ao longo do tempo, o partejar sofreu inúmeras mudanças. No final do século XIX, as mulheres pariam seus filhos com o auxílio de parteiras, em seu próprio domicílio.1 A presença dos médicos era solicitada somente quando havia alguma intercorrência na hora do parto.
Gradualmente, foram sendo introduzidas novas práticas no processo de parturição, tornando o parto medicalizado. Após a segunda guerra mundial, no século XX, com os avanços técnico-científicos e o desenvolvimento das ciências médicas, a gestação e o nascimento tornaram-se eventos hospitalares, nos quais eram utilizados meios tecnológicos e cirúrgicos.1 Nessa época, a Igreja e o Estado começaram a preocupar-se também com as questões relacionadas à saúde e cuidados da população.2
A partir dessas modificações, o aumento de intervenções no ciclo gravídico-puerperal e a excessiva medicalização contribuíram para um novo cenário de parturição, no qual a mulher passou a ser submetida a procedimentos desnecessários e sua autonomia deixou de ser respeitada. Os profissionais de saúde, consequentemente, passaram a ganhar destaque ao realizar esses procedimentos e tornaram-se os principais protagonistas deste evento.3
Ainda, nesse contexto, a mulher passou a ser internada precocemente no hospital. Neste, recebe poucas informações sobre os procedimentos aos quais será submetida, permanece sozinha ao longo do trabalho de parto (TP) e tem sua privacidade invadida.4
Atualmente, sabe-se que essas intervenções e condutas têm o potencial de desqualificar o cuidado fornecido à mulher durante o parto, desconsiderando os seus direitos e de sua família nesse processo. Diante disso, mudanças têm sido propostas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), bem como pelo Ministério da Saúde e alguns órgãos não governamentais. Essas mudanças enfatizam o cuidado prestado às mulheres, incluindo o resgate do parto natural. Isso também têm estimulado a atuação de enfermeiras obstetras e equipes qualificadas na assistência à gestação e ao parto, além de ações de incentivo para que o parto seja tratado como um processo fisiológico, conduzido a partir da perspectiva da humanização.5
A atenção humanizada ao parto refere-se à necessidade de um novo olhar, compreendendo-o como uma experiência verdadeiramente humana. Acolher, ouvir, orientar e criar vínculo são aspectos fundamentais no cuidado às mulheres, nesse contexto.6
O conceito de humanização, neste estudo, envolve atitudes, práticas, condutas e conhecimentos pautados no desenvolvimento saudável dos processos de parto e nascimento, respeitando a individualidade e valorizando as mulheres.7 Adotou-se o conceito de humanização conforme propõe o Programa de Humanização do Pré-natal e Nascimento (PHPN), o qual foi constituído em 2000, com o intuito de qualificar a atenção pré-natal no que tange ao seu acesso e cobertura, mas também aprimorar a atenção aos processos parturitivo e puerperal.8
De acordo com o PHPN, a humanização abrange o acolhimento digno à tríade mulher-bebê-família a partir de condutas éticas e solidárias. Para isso, é necessária a organização da instituição com um ambiente acolhedor em que prevaleçam práticas que rompem com o tradicional isolamento imposto à mulher. Também abrange a incorporação de práticas e procedimentos que possam contribuir para o acompanhamento e a evolução do parto e do nascimento, abandonando condutas despersonificadas e intervencionistas, que acarretam em riscos à saúde materno-infantil.8
O PHPN trouxe inúmeras recomendações de práticas clínicas e abordagens terapêuticas com base em evidências científicas, como a inserção de um acompanhante de livre escolha da mulher, a qualificação das relações interpessoais entre profissionais e parturientes, a produção de espaços de construção de saberes e informações, a participação, autonomia e maior controle decisório da mulher sobre o seu corpo, entre outros.9 A humanização da assistência tem papel importante para garantir que um momento único, como o parto, seja vivenciado de forma positiva e enriquecedora. Nessa direção, este estudo orientou-se pela questão de pesquisa: "Quais os significados atribuídos por enfermeiras de um centro obstétrico ao parto humanizado?", sendo que o objetivo foi conhecer os significados atribuídos ao parto humanizado por enfermeiras de um centro obstétrico.
Esta pesquisa caracterizou-se como um estudo com abordagem qualitativa, de campo e descritivo. O campo para a realização da pesquisa foi o Centro Obstétrico (CO) de um hospital de ensino do sul do Brasil. Destaca-se que, no município, este é o hospital de referência em atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para 42 municípios da região.
As participantes do estudo foram seis enfermeiras que atuavam no CO do hospital. Na época, ao todo, atuavam oito enfermeiras. As enfermeiras participantes atuavam em turnos de trabalho distintos. Como critérios de inclusão, elencaram-se as enfermeiras que possuíam curso de graduação em enfermagem e que atuavam no CO do hospital. Já como critérios de exclusão, as enfermeiras que estavam afastadas ou de férias no período da realização da coleta de dados.
A coleta dos dados se deu no mês de setembro de 2014, a partir do desenvolvimento da técnica de entrevista semiestruturada. Nas perguntas, foram questionados o significado do termo "humanização" e os aspectos gerais que as enfermeiras consideravam importantes sobre a temática. As entrevistas tiveram cerca de 20 a 25 minutos de duração, sendo finalizadas/interrompidas quando se deu a saturação dos dados, isto é, quando o objetivo foi respondido e verificou-se a redundância nos dados.10
A entrevista semiestruturada permitiu às entrevistadas a possibilidade de discorrerem acerca do objeto de estudo, sem se prenderem aos questionamentos formulados ou às respostas e condições prefixadas pela pesquisadora. Configurou-se um instrumento privilegiado para a coleta de dados, uma vez que permitiu fornecer uma representatividade do grupo de enfermeiras, revelando, assim, seus sistemas de valores, normas e símbolos.10
As entrevistas foram gravadas em áudio, com prévia autorização e, após, foram transcritas visando à análise e interpretação. Destaca-se que foi sugerida às participantes a realização da entrevista em outro local e data. Contudo, de acordo com suas disponibilidades e respeitando o local definido por elas, as coletas ocorreram no local de trabalho das participantes, pois acreditavam que não comprometeriam a assistência às usuárias.
Adotou-se a proposta operativa como método de análise dos dados. Ela é dividida em dois níveis operacionais: exploratório e interpretativo.10 O primeiro nível operacional incluiu o conhecimento do contexto sócio histórico do grupo estudado. Já o segundo nível operacional, definido como interpretativo, consistiu no encontro com os fatos empíricos, com o intuito de encontrar a lógica interna, as projeções e as interpretações dos depoimentos das participantes.
Essa fase foi dividida em duas etapas, que foram a ordenação e classificação dos dados. A ordenação compreendeu o momento no qual foram transcritas e organizadas as falas das participantes, criando, assim, um mapa horizontal das descobertas no trabalho em campo; e a classificação de dados que consistiu no processo de construção do conhecimento de maneira mais complexa, percorrendo as seguintes etapas: a leitura horizontal e exaustiva dos textos, em que ocorreu a construção das categorias empíricas; a leitura transversal, na qual houve a separação do material por temas, categorias ou unidades de sentido, e a aproximação de elementos semelhantes; a análise final que abrangeu a análise do material empírico ancorada no referencial teórico; e o relatório final que consistiu na síntese e apresentação dos resultados desta pesquisa.
Toda a pesquisa amparou-se na condução ética, sendo respeitados os dispositivos legais da Resolução nº 466/2012.11 O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa. Foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido às participantes. Este documento foi elaborado em duas vias, das quais uma ficou em posse das participantes e a outra dos pesquisadores. Para preservar o anonimato, foi utilizado o sistema alfanumérico na apresentação das falas das enfermeiras, por meio da letra E, acompanhada de numeração (E1, E2, E3...), conforme a ordem das entrevistas.
As enfermeiras encontravam-se na faixa etária compreendida entre os 24 e 52 anos. As participantes concluíram a graduação em enfermagem entre os anos de 1994 e 2013. Uma afirmou ter concluído o curso de especialização em enfermagem obstétrica e pediátrica, duas possuíam especialização em enfermagem obstétrica, uma fez a residência multiprofissional em saúde materno-infantil e duas estavam desenvolvendo a residência multiprofissional na mesma área.
Em relação ao estado civil, identificaram-se duas casadas, duas solteiras e duas em união consensual. O tempo de atuação na área de saúde da mulher variou de um mês até 18 anos. Assim, a partir da análise do material coletado, emergiu o núcleo de sentido "A humanização do parto: desvelando significados e práticas assistenciais entre enfermeiras".
Infere-se que, quando o primeiro contato da parturiente com o serviço de saúde é baseado em ações pautadas no acolhimento e atenção às demandas de saúde, contribui-se para um cuidado humanizado e qualificado. Esclarecer sobre a rotina e os procedimentos que serão realizados também auxilia para que o processo de parturição seja vivenciado de maneira tranquila e confiante pela mulher.
Assim, ao conceituar a humanização do parto, pode-se entendê-la como um movimento pautado na individualidade e singularidade feminina, valorizando o protagonismo da mulher e permitindo uma maior congruência do cuidado com o sistema cultural de crenças e valores.7,8 Tal situação pode ser observada nas falas, a seguir:
A humanização do parto é um conjunto de condutas, atitudes, posturas, desde o acolhimento da paciente, na conversa, quando ela chega no hospital, a forma como tu aborda ela (E2).
É realizar um acolhimento integral, desde a porta de entrada do hospital, por parte da equipe médica e de enfermagem, para a paciente e familiares que estão acompanhando. A orientação da conduta, do que se vai fazer com ela, a internação, todo o trabalho de parto, tudo com orientação prévia, com explicação (E3).
Percebe-se que o acolhimento realizado e as orientações fornecidas foram considerados pelas enfermeiras como meios para a humanização do parto. Nota-se, ainda, que essas ações são importantes no cuidado prestado, não só para a mulher que chega ao serviço de saúde, como também para a família que a acompanha.
O acolhimento compreende um momento oportuno para que a equipe de saúde possa demonstrar atenção, interesse e disponibilidade, buscando conhecer e compreender as expectativas da parturiente e sua família, esclarecendo as dúvidas relacionadas à gestação e ao parto. O acolhimento tende a facilitar a relação da parturiente com os profissionais, evitando, assim, situações de estresse e angústia para a mulher e sua família.12
Além do acolhimento relatado pelas enfermeiras, pode-se observar, nas entrevistas, o incentivo à deambulação, ao posicionamento livre, à expressão de sentimentos e anseios e à participação ativa da mulher no processo de nascimento.
As técnicas não farmacológicas para o alívio da dor, como a deambulação e o posicionamento livre, na visão das entrevistadas, são práticas que devem ser realizadas no sentido de melhorar a assistência prestada e torná-la humanizada.
Humanização do parto é tu saber quais são os anseios da gestante, permitir que ela se expresse, que ela possa gritar, se ela acha que aquilo vai aliviar. Ela também pode, sim, ter um posicionamento livre, não ficar presa no leito (E1).
É saber como que ela quer que seja esse parto, se ela quer um parto sentada, se ela quer de outra forma, ela que tem que escolher, não cabe a nós, como profissionais, julgarmos isso (E5).
Compreende-se, a partir das falas das participantes, que a utilização de técnicas de conforto da dor e a participação ativa da mulher são práticas vinculadas à humanização do parto. Essas práticas tendem a contribuir para que a parturiente tenha mais liberdade e autonomia. Corroborando com este estudo, autores13 identificaram que as enfermeiras também enfatizaram a importância de a mulher ter autonomia para a livre movimentação durante o trabalho de parto. Pondera-se que esta é uma prática que favorece a progressão do feto, mas que também segue os desígnios corporais femininos e proporciona maior conforto à parturiente.
Apesar dessas evidências, reconhece-se que, em muitas maternidades, a mulher continua sendo orientada a permanecer restrita ao leito, em decúbito lateral esquerdo, durante o processo de parturição. Embora esta posição contribua para o fluxo útero-placentário e renal, se comparada a outras posições, é necessário estimular a mulher a adotar a posição que desejar. Dentre estas, reforça-se que a deambulação, assim como outras posições não oferecem riscos obstétricos e ainda colaboram para a redução do processo parturitivo, especialmente no que tange a sua duração, diminuindo, também, a necessidade de analgesia.13
As enfermeiras desta pesquisa também acreditavam que a humanização do parto pressupõe a atenção centrada na mulher, incentivando a substituição de práticas intervencionistas por práticas menos invasivas e direcionando os cuidados a partir de condutas mais humanizadas.
É não realização de procedimentos desnecessários, iatrogenias (E3).
Não ter ações invasivas que não são necessárias, episiotomia, enema, tricotomia, toques sucessivos e mais de uma pessoa avaliando ela (mulher) várias vezes (E1).
Percebe-se, nas falas das depoentes, que o respeito ao protagonismo da mulher consiste em uma atitude que está imbricada no processo de humanização do parto. Para isso, é fundamental evitar práticas e procedimentos que, atualmente, são considerados como invasivos ou não mais indicados.
A assistência pautada em intervenções e na utilização de tecnologias e procedimentos invasivos pode reservar à mulher o papel de coadjuvante, transferindo o protagonismo do processo de parturição aos profissionais de saúde. Tal situação implica no aumento da razão da mortalidade materna e contribui para o desrespeito aos direitos reprodutivos.3
Quanto às práticas e técnicas mencionadas nas falas das participantes, destacam-se, principalmente, a tricotomia, o enema, a indução do parto e a medicalização. O enema de rotina ainda é uma prática comum em muitas maternidades, sendo seu uso justificado para reduzir a duração do trabalho de parto e a própria contaminação da região perineal.14 Porém, a literatura revela que não há evidência científica sobre sua eficácia, a exemplo de uma revisão sistemática da literatura, a qual comprovou que a realização deste procedimento não contribui para a redução da infecção puerperal e neonatal.15
Em relação à tricotomia, outro procedimento comum nos serviços, sua prática é realizada com a justificativa de reduzir a infecção e facilitar a técnica de sutura, quando é necessária a episiotomia ou em caso de laceração. Entretanto, sabe-se que o seu uso rotineiro aumenta o risco de infecção por doenças, como o vírus da imunodeficiência humana (HIV) e hepatites.14 Assim, é possível perceber que algumas práticas e procedimentos intervencionistas não são recomendados e tampouco possuem base científica para que sejam utilizados nas instituições.
Na perspectiva das entrevistadas, a humanização do parto também requer uma nova postura dos profissionais. Essa postura diz respeito às relações entre profissional e paciente, à empatia, à sensibilidade e ao respeito à individualidade. Conforme as falas, a seguir, pode-se identificar o quanto a empatia e o respeito são importantes na prestação de cuidados e na realização de práticas humanizadas.
Significa empatia, tu se colocar um pouco no lugar do outro. Pensar o que tu queria, saber o que é importante para ela, qual é o sentimento dela, saber que ela tem um nome, uma identidade, não é mãezinha, paizinho (E4).
A gente, na verdade, tem que se colocar no lugar. Como a gente gostaria de ser tratada naquele momento? É o mais importante, porque a gente está tão "bitolada" com o dia a dia que acaba não se colocando no lugar e vai fazendo as coisas no automático (E1).
Nas falas das enfermeiras, a empatia e o respeito estão diretamente relacionados ao modo de tratar as pessoas, à forma de abordar, de esclarecer as dúvidas ou de, simplesmente, ouvir as necessidades da paciente e conhecer as demandas que ela traz ao serviço de saúde. Apreende-se, assim, que a humanização surge da tentativa de reforçar os princípios da integralidade, equidade e acessibilidade, preconizados pelo SUS.
Os achados de autores16 ratificam as falas das entrevistadas, ao afirmar que atitudes de empatia, sensibilidade e respeito refletem positivamente na resolutividade dos serviços de saúde e no atendimento às demandas dos usuários. Nessa direção, as definições apresentadas pelas depoentes também estão apoiadas nas políticas públicas e recomendações do Ministério da Saúde, que resgatam a humanização do parto e os princípios do SUS.14
Autores destacam que humanizar a assistência do parto e nascimento implica na mudança de atitudes e de condutas, por meio de uma assistência que garanta o respeito e a sensibilidade com o trinômio mulher-criança-família. A humanização precisa ir além de tratar bem as pessoas, envolvendo a valorização dos sujeitos e o respeito às suas singularidades.
Pondera-se, mediante análise das falas das enfermeiras, que humanizar o parto e o nascimento envolve a revisão de ações e condutas dos profissionais de saúde. Por conseguinte, acredita-se também que a formação e a frequente atualização profissional e da própria gestão das instituições são fundamentais para a implementação de práticas humanizadas, o que é ratificado na fala, a seguir:
Eu acredito que parte da formação dos profissionais, de estarem em constante atualização facilita para que eles entendam as práticas mais adequadas e necessárias. O profissional que não busca atualização, não segue esses novos protocolos do Ministério da Saúde, fica um pouco mais limitado com as ações de há muito tempo atrás. Assim como o gestor da instituição, também é importante dar estímulo aos profissionais e trabalhar junto à equipe. Também as reuniões e encontros de equipe para discussão e ver como estão as rotinas (E3).
A partir da fala desta entrevistada, compreende-se a importância de atualização profissional no que se refere ao cuidado à saúde da mulher em processo de parturição. A realização de reuniões de equipe e discussão da prática cotidiana nos serviços surgem, nesse contexto, também como uma ferramenta para ser utilizada no dia a dia desses profissionais.
A formação dos profissionais de saúde tem sido discutida em estudos relacionados à humanização do parto, a exemplo, cita-se a formação médica na área da obstetrícia, que tem apontado falhas frente às atuais propostas de humanizar a assistência e o cuidado. As condutas médicas ainda se baseiam, em sua maioria, na utilização de intervenções desnecessárias, enquanto a formação da enfermagem obstétrica revela condutas diferenciadas e humanizadas que respeitam a fisiologia do parto.5,17,18 Assim, é necessária a inserção da temática da humanização nos programas institucionais de capacitação e nas ações de educação permanente em saúde, bem como na formação profissional, como eixo transversal, potencializando uma formação diferenciada em saúde.19 A inclusão dessa temática configura uma estratégia que pode contribuir para a introdução de um novo modelo de assistência ao parto pautado em práticas humanizadas.
A humanização do parto, reconhecida como uma política pública de saúde, foi compreendida pelas enfermeiras entrevistadas como um conjunto de condutas, atitudes e posturas, ausentes de julgamentos e baseadas no diálogo, na empatia e no acolhimento da usuária e de seus familiares; o fornecimento de orientações e informações quanto às condutas a serem adotadas; a valorização da parturiente e a sua personificação enquanto sujeito de direitos e necessidades. Para as entrevistadas, a humanização do parto envolve, ainda, a realização de procedimentos comprovadamente benéficos à saúde materno-infantil e o abandono de técnicas desnecessárias e invasivas, como a episiotomia, o enema, a tricotomia e os toques vaginais sucessivos; e a constante atualização profissional desenvolvida nas reuniões de equipe, ancorada em evidências científicas atuais e estimulada pelos gestores da instituição.
Nesse processo, a humanização implica no respeito às escolhas, individualidades e singularidades de cada parturiente. Percebe-se, portanto, que as enfermeiras têm conhecimento sobre as políticas e recomendações do Ministério da Saúde e da OMS e que acreditam que a humanização se encontra em um processo lento, permeada por muitos desafios.
Nas falas das enfermeiras entrevistadas, emergiu a importância do empoderamento das usuárias e o resgate do parto como um evento natural e fisiológico. Neste, a mulher é assistida pelo profissional de saúde conforme as suas necessidades, podendo atuar como sujeito ativo e partícipe que tem preservados os seus direitos como usuária e também como mulher.
Compreender o significado da humanização do parto e suas implicações positivas na vida da mulher é ter um posicionamento voltado para a atenção aos usuários. Nesse sentido, para que o profissional de saúde possa oferecer um parto e nascimento humanizados, em primeiro lugar, faz-se necessário dar voz às parturientes, ouvir suas queixas, anseios, dúvidas e expectativas e, a partir disso, delinear as mudanças necessárias na cena do parto. Caso contrário, perpetuarão cenários caracterizados por uma estrutura física precária, onde atuam profissionais de saúde centrados nas técnicas e intervenções e orientados por normas e rotinas medicalizadoras, que desrespeitam os direitos das mulheres.
Acredita-se que este estudo permitiu desvelar o significado do parto humanizado, compreendido pelas enfermeiras desta pesquisa. Como implicações do estudo, pondera-se que esta pesquisa pode servir de subsídio para que outros profissionais de saúde e os próprios gestores sejam instigados em relação às mudanças necessárias no cenário de parturição, para promover a sua humanização.
O estudo pode permitir, ainda, reflexões sobre o cuidado fornecido à parturiente, buscando modos de cuidar que contribuam para o seu protagonismo. Espera-se, ao mesmo tempo, que o estudo possa auxiliar a equipe de saúde, e não apenas os enfermeiros na avaliação quanto a sua prática profissional e, com isso, possibilitar reflexões sobre a importância de valorizar as singularidades de cada indivíduo que vivencia esse evento, além de formular estratégias para a humanização do cuidado à parturiente e sua família.
Entretanto, é importante considerar que esta pesquisa foi desenvolvida com enfermeiras de uma instituição e cenário de prática obstétrica específicos, o que pode representar uma limitação do estudo, se houver uma generalização dos resultados. Além disso, compreende-se que o tempo de atuação das participantes no campo da saúde da mulher também pode ter configurado uma limitação deste estudo. Contudo, as participantes representavam quase que a totalidade das enfermeiras que atuavam no serviço.
Sugere-se, assim, que sejam realizados estudos em diferentes instituições envolvendo um quantitativo maior de profissionais de saúde, de diferentes categorias profissionais, além de enfermeiras, como foi o caso deste estudo. Infere-se que conhecer e compreender outros contextos pode ser interessante, uma vez que cada instituição e profissional de saúde pode atribuir um significado distinto para a temática.