On-line version ISSN 1982-0194
Acta paul. enferm. vol.29 no.6 São Paulo Nov./Dec. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201600096
Medidas para aumentar o conforto e reduzir a apreensão durante todas as fases do trabalho de parto devem ter seu início durante a gestação, por meio da educação e aconselhamento durante o pré-natal, para que as mulheres sejam capazes de fazer escolhas.1
Deste modo, as intervenções não farmacológicas são consideradas ferramentas auxiliares na assistência ao trabalho de parto, sendo apoio na redução da dor, estresse taxa de cesariana, refletindo na qualidade da assistência obstétrica prestada.2-4
O banho quente ou hidroterapia constitui método não farmacológico que utiliza água quente a 37oC como objeto terapêutico, oferecendo benefícios diversos durante o trabalho de parto, como maior tolerância à dor, redução do estresse, regulação do padrão das contrações uterinas e satisfação com o processo da parturição, por meio de maior autonomia da mulher sobre suas escolhas e também a possibilidade da participação ativa do acompanhante.2,5-7
O efeito do calor local durante o banho estimula a redistribuição do fluxo sanguíneo muscular, aumentando o relaxamento e conforto.2,5,8 Seu custo-efetividade é bom, uma vez que se trata de técnica de fácil acesso e baixo custo.6
O exercício perineal com bola suíça facilita a adoção de postura vertical da parturiente em acento cômodo, promovendo o bem-estar e mobilidade pélvica.9Oferece alívio ao desconforto pélvico, reduz a duração do trabalho de parto. Eficaz para redução da necessidade de medicação analgésica, anestesia epidural e ocorrência de cesariana.9,10
O uso combinado das terapias banho quente associado aos exercícios perineais com a bola suíça durante a fase de dilatação está relacionado com relevante redução da dor da parturiente e promoção do conforto em relação ao uso isolado destas terapias.2
As práticas clínicas baseadas em evidências que favoreçam e estimulem o parto normal são recomendadas e devem ser estimuladas.11
Justifica-se a importância desta pesquisa como cooperação nas evidências que embasem a prática dos enfermeiros obstetras e outros profissionais envolvidos na assistência às parturientes, contribuindo para mudança de postura, no contexto contemporâneo, na assistência ao parto e modificação da atenção obstétrica no Brasil.
O objetivo do presente estudo foi conhecer a influência do uso das intervenções não farmacológicas, banho quente de aspersão e/ou exercícios perineais com bola suíça, sobre a progressão do trabalho de parto.
Ensaio clínico randomizado e controlado com distribuição aleatória nos três grupos de estudo (GA) Banho Quente, (GB) Exercícios Perineais com Bola Suíça e (GC) Intervenções Combinadas, usando medidas repetidas pré e pós-teste. O período de coleta foi de junho de 2013 a fevereiro de 2014, em dois hospitais públicos da cidade de São Paulo, Brasil, os quais utilizam métodos de alívio da dor na assistência obstétrica de forma rotineira, além de permitirem a presença do acompanhante.
Os critérios de inclusão foram: idade mínima de 18 anos, feto único e vivo, apresentação cefálica, não possuir patologia clínica ou obstétrica, dilatação cervical entre 3 a 8 cm, idade gestacional a termo. Os critérios de exclusão foram: indicação de parto cesárea, analgesia, portadoras de transtornos mentais, usuárias de drogas, que realizaram menos de seis consultas pré-natais.
O cálculo amostral foi realizado a partir de estudo piloto, no qual foi utilizado o programa G* Power, teste ANOVA, nível de significância de 0,05 e poder de teste 0,80, A amostra foi composta por 43 parturientes em cada grupo.
Esta pesquisa obedeceu aos princípios da Declaração de Helsinki, sendo aprovada inicialmente pelos hospitais envolvidos, pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo no 1200/11 e registrada no Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos (ReBEC) RBR-84 XPRT.
Uma equipe de enfermeiras obstetras foi capacitada especialmente para a coleta dos dados, orientando às parturientes elegíveis sobre finalidade e procedimentos deste estudo, solicitando consentimento (TCLE) e randomização.
Antes de realizar as intervenções, as parturientes foram avaliadas quanto à frequência das contrações uterinas, batimentos cardíacos fetais, dilatação cervical e descida da apresentação fetal nos planos de De Lee. Os dados sociodemográficos e obstétricos foram obtidos do prontuário e também em entrevista com as parturientes.
A intervenção terapêutica banho quente foi realizada utilizando aspersão com água quente com jato direcionado à região lombo-sacra, na temperatura média de 37 graus Celsius (oC) aferida com termômetro digital Akso®. As parturientes, foram orientadas a adotar a posição de pé ou sentada para sua realização do banho durante 30 minutos.2,5,6
A intervenção terapêutica exercício perineal foi realizada utilizando bola suíça. As parturientes foram orientadas a sentar-se sobre a bola, com a perna flexionada, formando ângulo de 90º, joelhos afastados e região plantar dos pés apoiada no chão, realizando movimentos de propulsão e rotação pélvica, durante 30 minutos.2,9
A bola utilizada foi Gynboll® 60 cm de diâmetro. Para segurança, a bola foi inflada e posicionada sobre uma superfície firme e antiderrapante, certificando-se de não haver objeto perfurante no piso do ambiente. A limpeza e proteção da bola foram realizadas por meio da lavagem com água e sabão, desinfecção com álcool a 70% e envolvida com filme de plástico após cada uso.
A intervenção combinada, isto é, realização do banho quente sentada sobre a bola suíça durante 30 minutos, foi executada conforme técnicas e precauções relacionadas às intervenções descritas anteriormente.
Após decorridos 30 minutos da realização das intervenções, todos os parâmetros descritos anteriormente foram novamente avaliados. Foram também registrados o tempo decorrido entre a intervenção e o nascimento e o tipo de parto.
Para variáveis contínuas foi utilizada média e desvio-padrão, para natureza categórica foi utilizada proporção. Análise univariada foi usada para avaliar efetividade entre as intervenções e correção de Bonferroni para as comparações múltiplas. Para intenção de tratar foram realizadas imputações por meio de regressão sequencial. Todas as análises foram conduzidas no Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 21 e nível de significância de 0,05.
Foram elegíveis no recrutamento desta pesquisa 137 parturientes, destas 09 foram excluídas antes da randomização. Desta forma, 128 parturientes foram randomizadas e alocadas aleatoriamente nos três grupos de intervenções, divididos em GA: Banho Quente (n=44), GB: Bola Suíça (n=45) e GC: Banho Quente e Bola Suíça associados (n= 39) (Figura 1).
A tabela 1 apresenta as características sociodemográficas e obstétricas das 128 participantes do estudo. Houve homogeneidade entre os grupos.
Tabela 1 Distribuição das parturientes segundo as características sociodemográficas e obstétricas
Características | (GA) Banho Quente | (GB) Bola Suíça | (GC) Banho Quente e Bola Suíça associados | n | p-value |
---|---|---|---|---|---|
Idade (média/dp) | 26,04 (5,4) | 27,24 (6,47) | 24,56 (4,9) | 128 | 0,101* |
Cor branca | 56,80 | 44,40 | 44,70 | 127 | 0,158† |
Escolaridade 8-11 anos | 61,40 | 75,60 | 73,70 | 127 | 0,639† |
Estado civil solteira | 50,00 | 64,40 | 47,40 | 127 | 0,367† |
Ocupação não trabalha | 56,80 | 53,30 | 42,10 | 127 | 0,345‡ |
Idade gestacional (média/dp) | 39,6 (1,01) | 39,6 (1,16) | 39,6 (1) | 128 | 0,731* |
Número de gestações (média/dp) | 1,95 (1,36) | 2,24 (1,33) | 1,79 (0,97) | 128 | 0,246* |
Paridade (média/dp) | 0,75 (1,16) | 0,71 (0,91) | 0,56 (0,75) | 128 | 0,511* |
Número de abortos (média/dp) | 0,2 (0,46) | 0,4 (0,88) | 0,23 (0,48) | 128 | 0,313† |
*Teste ANOVA, †Teste Exato de Fisher, ‡Teste de Qui-quadrado
Nenhuma parturiente utilizou analgesia durante qualquer uma das intervenções, 24 receberam anestesia após participarem da pesquisa (GA=15,9%, GB=24,4%, GC=15,4%), 108 tiveram parto vaginal (GA=86,4%,GB=80,0% ,GC=87,2%), 20 tiveram parto cesárea (GA=13,6%, GB=20,0%, GC=12,8%), o bem estar fetal foi monitorado por meio da cardiotocografia, 10 fetos tiveram liberação de mecônio no líquido amniótico (GA=9,1%, GB=4,7%, GC=10,3%), todos recém-nascidos tiveram Ápgar >7 no 5 minuto de vida, 115 parturientes tiverem a presença do acompanhante durante o trabalho de parto (GA=88,6% , GB=88,9%, GC=92,3%), as parturientes tiveram, em média, 8 consultas pré-natal e cerca de 90% não realizou curso de preparo para o parto.
Os resultados foram comparados com os níveis pré-intervenções e verificou-se que o comportamento dos desfechos diferiu entre os grupos de estudo.
A avaliação da efetividade entre as intervenções para ocorrência dos desfechos está demonstrada na tabela 2.
Tabela 2 Distribuição das intervenções segundo a efetividade para os desfechos
Desfecho | GA - GC média DP | p-value | GB - GC média DP | p-value | GA - GB média DP | p-value |
---|---|---|---|---|---|---|
Dilatação cervical (cm) | -0,0158(0,27) | 0,954 | -0,3623(0,273) | 0,188 | 0,3464(0,26) | 0,194 |
Descida da apresentação (DeLee) | -0,079(0,1968) | 0,688 | -0,1577(0,19) | 0,428 | 0,078(0,18) | 0,679 |
Frequência das contrações (num/min) | -0,301(0,074) | <0,001 | -0,115(0,07) | 0,315 | -0,1860(0,07) | 0,025 |
Frequência cardíaca fetal basal (bpm/min) | 0,9678(0,72) | 0,546 | -2,75(0,71) | <0,001 | 3,72(0,69) | <0,001 |
Tempo entre intervenção e nascimento (min) | 41,18(34,57) | 0,236 | 74,16(34,39) | 0,09 | -32,97(33,32) | 0,324 |
A dilatação cervical foi semelhante entre os grupos ao entrarem na pesquisa, com 5 cm de dilatação, aumentando em todos os grupos após receberem as intervenções. Porém, o grupo que usou Banho Quente e Bola Suíça associados (GC) foi mais efetivo para o aumento da dilatação cervical, sem diferença estatisticamente significante, em relação aos grupos que usaram as intervenções isoladas (6,69 cm / p=0,194).
Houve progressão da descida da apresentação fetal no canal do parto em todos os grupos após as intervenções. O grupo Banho Quente e Bola Suíça associados (GC) (p=0,688) mostrou maior progressão da apresentação e foi mais efetivo para este desfecho quando realizados isoladamente, Banho Quente (GA) (p=0,428) e Bola Suíça (GB) (p=0,679).
A frequência das contrações uterinas aumentou nos três grupos de intervenções. Os grupos que usaram o Banho Quente e Bola Suíça associados (GC) (p<0,001) e com Bola Suíça (GB) (p=0,025) mostraram diferença estatisticamente significante em relação ao grupo Banho Quente (GA).
A frequência cardíaca fetal basal (FCF basal) manteve-se dentro dos limites da normalidade antes e depois das intervenções. Foram efetivos para o aumento da frequência cardíaca fetal, os grupos Banho Quente (GA) (p<0,001) e Banho Quente e Bola Suíça associados (GC) (p<0,001), que mostraram diferença estatisticamente significante em relação ao grupo Bola Suíça (GB).
O tempo entre as intervenções e o nascimento foi menor no grupo Banho Quente e Bola Suíça associados (GC), com duração 216,85 minutos. O uso das intervenções associadas foi mais efetivo para a redução do tempo do trabalho de parto em 41,18 minutos em relação ao Banho Quente (GA) que durou 255,05 minutos (p = 0,236) e em 74,16 minutos relação ao grupo Bola Suíça (GB) que durou 288,41 minutos (p = 0,09), porém não mostrou diferença significante.
Nossa pesquisa, ao avaliar a influência do uso das intervenções não farmacológicas Banho Quente e Exercícios Perineais com Bola Suíça sobre a progressão do trabalho de parto, evidenciou que o grupo das intervenções associadas (GC Banho Quente e Bola Suíça associados) mostrou ser clinicamente favorável à progressão do trabalho de parto e a ocorrência do parto normal em relação ao uso isolado das intervenções estudadas.
As parturientes que receberam o Banho Quente e Bola Suíça associados (GC) utilizaram menos analgesia, tiveram maior ocorrência de parto normal (87,2%), maior progressão da dilatação cervical e melhor evolução da descida da apresentação fetal, aumento da frequência das contrações uterinas (p<0,001) e da frequência cardíaca fetal (p<0,001), maior redução no tempo de duração do trabalho de parto em 41,18 minutos em relação ao Banho Quente (GA) e 74,16 minutos relação ao grupo Bola Suíça (GB).
Estas intervenções não farmacológicas são usadas como terapia auxiliar durante o trabalho de parto e muito conhecidas em todo o mundo. Os estudos, na sua maioria, descrevem seu uso isolado e comparam a efetividade com outras intervenções, abordando principalmente o manejo da dor do trabalho de parto.2,5,6,9
Fazem parte das estratégias internacionais de políticas para atenção à mulher durante a gestação, trabalho de parto e parto.10,12,13 Seu uso deve ser respeitado e incentivado pelos profissionais que prestam assistência ao parto, se for da escolha da parturiente realizá-los.11 São intervenções disponíveis que podem ser usadas de forma isolada ou combinada, promovendo o suporte contínuo, o bem-estar materno e favorecendo a evolução do trabalho parto.2,6,9,14
Estudos revelam que o uso do banho quente durante o trabalho de parto é uma escolha materna cada vez maior. Está relacionado, de forma significativa, na redução da necessidade de analgesia epidural, quando comparados com parturientes que não o utilizaram. O uso precoce do banho quente (dilatação menor que 5 cm) relaciona-se com maior utilização de analgesia em relação às mulheres que usam a intervenção com dilatação acima de 5 cm.7
O banho quente proporciona alívio da dor, ansiedade, aumenta o conforto e proporciona sentimentos positivos durante o trabalho de parto,5,6principalmente quando combinado ao exercício perineal com bola suíça.2 Seu uso facilita uma abordagem onde o profissional proporciona atenção centrada na mulher, o que acarreta em benefícios na progressão do trabalho de parto.7
O uso da bola suíça para realização de exercícios perineais durante o trabalho de parto é uma estratégia na prática obstétrica como terapia auxiliar para promoção do conforto e alívio da dor, progressão do trabalho de parto e favorecimento da posição vertical.15 Esta intervenção propicia menor uso de medicalização e parto cesariana.2,9,10 Porém, até o momento, poucos ensaios clínicas foram realizados sobre este tema que embasassem seus efeitos sobre a progressão do trabalho de parto e desfecho do parto, estando a maior parte dos estudos voltados ao alívio da dor.
A compreensão dos benefícios relacionados ao uso da bola suíça encontra-se no fato da posição vertical favorecer a força da gravidade e o alinhamento do eixo fetal com a pelve materna, a descida e progressão fetal no canal de parto, auxiliada pelo relaxamento causado pelo exercício muscular perineal. Desta maneira, os efeitos da posição e movimentação pélvica durante o trabalho de parto podem estar relacionados com a redução do desconforto materno,2 facilitação da circulação uterina, aumentando a intensidade das contrações, o que pode diminuir a duração do tempo do trabalho de parto, facilitando a progressão fetal no canal do parto, como também reduzindo a possibilidade de ocorrência de trauma perineal e necessidade da episiotomia.9,10,16
Para as parturientes que usaram esta terapia houve redução da dor, aumento da participação ativa da mulher, ocorrência de menor uso de anestesia peridural, menor duração do primeiro estágio do trabalho de parto e menor índice de parto cesáreo em relação ao grupo controle.9
Uma descrição detalhada em registros de centros de atendimentos à gestante sobre o uso da bola suíça, durante a gestação e trabalho de parto, pode servir como instrumento auxiliar para a padronização do seu uso pelos profissionais em relação à promoção do conforto da mulher e auxílio na evolução do parto.9,16
O Programa Maternidade Segura, adotado pelo Ministério da Saúde, faz referências às práticas utilizadas no manejo do trabalho de parto que promovam o bem-estar materno, fazendo menção aos métodos de alívio da dor e promoção do conforto como “práticas que demonstram ser úteis e devem ser estimuladas”. Sendo assim, a tentativa de desfecho do trabalho de parto em parto vaginal deve ser uma atitude que auxilie neste processo e proporcione apoio para a parturiente.17
Inquéritos sobre taxa de partos operatórios na América Latina revelam que cerca de 850.000 cesarianas são realizadas desnecessariamente a cada ano. O Brasil está entre os países cujas taxas de cesáreas são elevadas, próximo de 50%. A proporção crescente das taxas de cesáreas no Brasil elevou-se de 52,3% em 2010 para 55,6% em 2012, e segundo o Ministério da Saúde, este índice chega a 82% na rede privada e 37,5% na rede pública de saúde.18
Portanto, o incentivo ao parto normal está relacionado ao auxílio na tentativa da redução das taxas de cesarianas desnecessárias. A formulação de políticas públicas, a autonomia das mulheres e mudança da prática assistencial durante o período do pré-natal e parto podem contribuir para a redução de cesáreas desnecessárias.19
A aplicabilidade dos resultados deste estudo se dá por embasar, por meio de evidências, o uso de intervenções não farmacológicas empiricamente usadas por enfermeiras obstetras e outros profissionais que prestam auxílio às parturientes, e oferecendo maior conforto, liberdade, autonomia à estas mulheres e ainda estimulando o parto normal no Brasil.
Nosso estudo evidenciou que o uso do banho quente e exercícios perineais com bola suíça modificam a progressão do trabalho de parto. A combinação destas intervenções demonstrou maior relevância clínica ao processo da parturição. Recomendamos a combinação do Banho Quente associado ao Exercício com Bola Suíça durante o trabalho de parto, uma vez que se mostrou mais efetiva para modificações no progresso da parturição, menor tempo do trabalho de parto e maior ocorrência do parto normal do que o uso isolado destas intervenções.