versão impressa ISSN 0047-2085versão On-line ISSN 1982-0208
J. bras. psiquiatr. vol.66 no.4 Rio de Janeiro out./dez. 2017
http://dx.doi.org/10.1590/0047-2085000000171
To identify psychiatric conditions and socio-bio-demographic aspects associated with attempted suicide.
The sample consisted of 240 patients of both sexes, aged 18 to 68 years, 120 patients comprised the control group and the experimental group 120. The instruments used were a socio-bio-demographic questionnaire and the Mini International Neuropsychiatric Interview (MINI).
A higher presence of stressors in the experimental group, the main ones being the experience of an emotional separation and the existence of family conflicts, the most common psychiatric condition in the population studied was generalized anxiety disorder and more associated with suicidal behavior it was major depression.
These results add the importance of investigating the presence of generalized anxiety disorder as another suicide vulnerability factor.
Key words: Attempted suicide; poisoning; socioeconomic factors; risk factors
O suicídio é caracterizado como a morte causada por danos autoinflingidos diante da presença de qualquer grau de intenção para a morte1. Em 2001, o suicídio representou 1,4% do fardo global de doenças, e as projeções indicam que atingirá 2,4% no ano de 20202.
No panorama brasileiro, as taxas de mortalidade por suicídio oscilam entre 3,5 e 4,6 óbitos por 100 mil habitantes. Entre os anos de 1998 e 2000, houve um aumento de 32,8% no índice de suicídio em homens, considerando-se todas as faixas etárias3.
O crescimento das taxas de suicídio nos últimos vinte anos aumentou entre 200% a 400%, sobretudo em jovens e, independente da delimitação precisa desse índice, sabe-se que ele está aumentando consideravelmente. O mais preocupante é que, embora tais números sejam alarmantes, a quantidade de tentativas de suicídio é cerca de 10 a 20 vezes maior que o suicídio consumado4.
As tentativas de suicídio diferem dos suicídios exitosos, por apresentarem um comportamento não fatal, porém potencialmente danoso1. Estima-se que, para cada suicídio, existem pelo menos dez tentativas suficientemente sérias a ponto de exigir atenção médica e, para cada tentativa de suicídio registrada, existem quatro não conhecidas5.
Nos suicídios exitosos o método mais utilizado no Brasil é o enforcamento, seguido da morte por projétil de arma de fogo. Já nas tentativas de suicídio com sobrevivência, o mais comum são as intoxicações exógenas, nas quais se encontram a ingestão de inseticidas, superdosagem de medicamentos e ingestão de produtos para limpeza doméstica, dentre outros6.
Há um amplo conjunto de fatores de risco para o comportamento suicida, dentre eles os mais frequentemente apontados para todas as faixas etárias são a existência de transtornos mentais, sobretudo depressão e alcoolismo, perdas recentes, perdas de figuras parentais na infância, conflitos familiares, marcados principalmente pelo desamparo5-7.
A maioria dos estudos realizados quanto ao comportamento suicida é desenvolvida a partir dos suicídios exitosos, ou seja, por meio da consumação da morte, o que não favorece a identificação de dados acerca da prevalência ou incidência de tentativas de suicídio. No Brasil, por exemplo, não há dados relativos a quantidade de tentativas de suicídio, seus motivos e aspectos sociobiodemográficos associados. Estima-se que os coeficientes das tentativas de suicídio sejam cerca de dez vezes superiores aos do suicídio exitoso, sabendo-se ainda que, entre 15% e 25% das pessoas que tentaram suicídio, mas não conseguiram, tentarão se matar no próximo ano e 10% o consumará nos próximos dez anos8.
Diante disso, o objetivo do presente estudo foi identificar os aspectos sociobiodemográficos e as principais condições psiquiátricas associadas à tentativa de suicídio em uma amostra de pessoas que efetivou a tentativa entre 10 e 24 horas antes da entrevista, o que pode ter sido um fator decisivo para uma avaliação mais precisa dos elementos investigados.
A presente pesquisa constitui um estudo descritivo, observacional e transversal, desenvolvido no Hospital da Restauração, hospital público da cidade do Recife/PE, que consta de uma das unidades do Centro de Assistência Toxicológica (CEATOX), o qual compõe uma rede brasileira de assistência a cuidados e pesquisas na área de intoxicação, o Sistema Nacional de Intoxicação (SINITOX). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos do Hospital da Restauração – PE, sob protocolo nº 0015.0.102.000-10.
Os pacientes internados no hospital por intoxicação exógena foram encaminhados pelo CEATOX à referida pesquisa e convidados a participar, e os entrevistados do grupo controle foram selecionados de forma não aleatória (sexo e faixa etária compatível com as dos participantes do grupo experimental) a partir da lista de pacientes internados no hospital que receberiam alta médica no respectivo dia da entrevista, que nunca apresentou tentativa de suicídio (a maioria foi atendida pelo setor de trauma ou pela clínica médica e cirurgia geral).
A amostra foi aleatoriamente constituída por 240 indivíduos, de ambos os sexos, com idade entre 18 e 60 anos. Todos os entrevistados expressaram seu aceite mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A coleta das informações e aplicação dos instrumentos foi realizada na própria instituição hospitalar, após a alta médica do paciente.
A aplicação de todos os instrumentos foi acompanhada pela pesquisadora, responsável pelo estudo, em uma sala reservada do hospital e o tempo de preenchimento versava em torno de 30 a 40 minutos. Ao final, a ficha era colocada em um envelope, lacrada e depositada em uma caixa (urna).
Para a descrição sociobiodemográfica da amostra, foi utilizada uma ficha contendo dados pessoais autoaplicável, elaborada pela pesquisadora, baseada na escala de estressores psicossociais (presença de morte de parentes, gravidez indesejada, doença incapacitante, abuso físico ou sexual, perda de emprego) e nos Critérios de Classificação Socioeconômica Brasil, desenvolvidos pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP, 2015), com dados sobre os componentes sociais (como ordem de nascimento, número de irmãos, nível de escolaridade dos pais, número de pessoas que convivem na casa) e econômicos.
Para avaliar a presença de condições psiquiátricas associadas, foi utilizado a Mini International Neuropsychiatric Interview (MINI) na versão brasileira 5.0.0, que é uma entrevista diagnóstica padronizada breve, compatível com os critérios do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – quarta edição (DSM-IV) e da Classificação Internacional de Doenças – décima edição (CID-10) e destinada à utilização na prática clínica e na pesquisa em atenção primária e em psiquiatria8.
O estudo-piloto foi realizado com 20 participantes, a fim de observar a exequibilidade da pesquisa, e nenhuma alteração foi realizada.
Os pacientes que apresentaram condições psiquiátricas associadas foram encaminhados aos serviços de assistência à saúde. O(s) acompanhante(s) dos pacientes foi (foram) orientado(s) e esclarecido(s) sobre a pesquisa, instruído(s) sobre os aspectos relacionados ao ato suicida e orientado(s) sobre algumas ações de cuidados.
Foram utilizadas técnicas de estatística descritiva e, a fim de comparar os dois grupos, para cada uma das variáveis analisadas, utilizaram-se os testes Qui-quadrado de Mc-Nemar, Qui-quadrado de Pearson ou o teste Exato de Fisher quando as condições para utilização do teste Qui-quadrado não foram verificadas (técnicas de estatística inferencial). A margem de erro utilizada na decisão dos testes estatísticos foi 0,05.
Inicialmente serão apresentados os resultados dos aspectos demográficos e socioeconômicos coletados nos dois grupos, presentes na Tabela 1. As idades entre grupos não apresentaram diferença significativa por terem sido assim deliberadamente selecionadas, o que é fundamental em estudos com grupo controle.
Tabela 1 Distribuição em categorias da faixa etária da população do estudo
Variáveis | Grupo | Valor de p | |||
---|---|---|---|---|---|
| |||||
Experimental | Controle | ||||
| |||||
N | % | N | % | ||
Faixa etária* | |||||
Até 29 anos | 62 | 51,7% | 65 | 54,2% | |
30 a 39 anos | 28 | 23,3% | 28 | 23,3% | p (1) = 0,469 |
40 anos ou mais | 30 | 25% | 27 | 22,5% | |
Gênero | |||||
Feminino | 75 | 62,5% | 76 | 63,2% | |
Masculino | 44 | 36,7% | 45 | 37,5% | |
Estado civil | |||||
Solteiros | 56 | 46,7% | 48 | 40% | |
Casados | 29 | 24,2% | 29 | 24,2% | p (1) = 0,303 |
União estável | 14 | 11,7% | 24 | 20% | |
Divorciado | 14 | 11,7% | 16 | 13,3% | |
Viúvo | 7 | 5,8% | 3 | 2,5% | |
Escolaridade* | |||||
Analfabeto | 11 | 9,2% | 5 | 4,2% | |
Ensino fundamental | 64 | 53,8% | 68 | 57,1% | p (1) = 0,158 |
Ensino médio | 35 | 29,4% | 41 | 34,5% | |
Ensino superior | 10 | 7,6% | 6 | 4,2% | |
Religião* | |||||
Não possui | 30 | 25% | 28 | 23,3% | |
Católico | 55 | 45,8% | 57 | 47,5% | p (1) = 0,904 |
Protestantes | 31 | 25,8% | 33 | 27,5% | |
Espíritas | 4 | 3,3% | 2 | 1,7% | |
Situação trabalhista* | |||||
Autônomo | 37 | 30,8% | 37 | 30,8% | |
Registro formal | 26 | 21,7% | 32 | 26,7% | |
Aposentado | 4 | 3,3% | 1 | 0,8% | p (1) = 0,194 |
Benefício | 4 | 3,3% | 11 | 9,2% | |
Outros | 49 | 40,8% | 39 | 32,5% | |
Renda* | |||||
Até 1 salário-mínimo | 86 | 72,4% | 96 | 81% | p (1) = 0,184 |
Mais de 1 salário-mínimo | 34 | 27,6% | 24 | 19% | |
Número de filhos* | |||||
Nenhum | 55 | 46,2% | 41 | 33,6% | |
Um | 25 | 20,2% | 26 | 21,8% | |
Dois | 16 | 13,4% | 18 | 15,1% | p (1) = 0,356 |
Três | 15 | 12,6% | 20 | 16,8% | |
Quatro ou mais | 9 | 7,6% | 15 | 12,6% | |
Total | 120 | 100% | 120 | 100% |
* Por meio do teste t-Student Pareados; (1) Por meio do teste de McNemar.
No que se refere à prevalência do sexo dos participantes da pesquisa, mais de 60% das pessoas que tentaram suicídio eram do sexo feminino. Destaca-se que mais de 40% não tinham filhos e pouco mais de 47% eram solteiros.
No que se refere à escolaridade, pouco mais de 50% dos participantes de cada grupo possuíam ensino fundamental e cerca de 70% daqueles que tentaram suicídio tinham renda familiar de até um salário-mínimo.
Sobre a variável religião, foi observado que maior percentual era de pessoas católicas (cerca de 45%).
Na Tabela 2 são descritos os resultados quanto às pessoas que residem com os pesquisados. Houve associação significativa entre morar apenas com o pai e a presença de tentativa de suicídio (p = 0,001), descrita por mais de 35% dos entrevistados com comportamento suicida; assim como diferença significativa entre o grupo controle e experimental quanto a residir apenas com a mãe (p = 0,047), enquanto 13,3% das pessoas que tentaram suicídio moravam apenas com a mãe. Esse percentual foi de 24,2% no grupo controle.
Tabela 2 Descrição do grau de parentalidade das pessoas com quem os pacientes residiam
Variáveis | Grupo | Valor de p | |||
---|---|---|---|---|---|
| |||||
Experimental | Controle | ||||
| |||||
N | % | N | % | ||
Com quem residem | |||||
Pai (2) | 43 | 35,8% | 21 | 17,5% | p (1) = 0,001* |
Mãe (2) | 16 | 13,3% | 29 | 24,2% | p (1) = 0,047* |
Irmãos (2) | 33 | 27,5% | 35 | 29,2% | p (1) = 0,883 |
Cônjuge (2) | 42 | 35% | 54 | 45% | p (1) = 0,126 |
Filhos (2) | 47 | 39,2% | 59 | 49,2% | p (1) = 0,111 |
Avós (2) | 11 | 9,2% | 6 | 5% | p (1) = 0,302 |
Sobrinhos (2) | 8 | 6,7% | 7 | 5,8% | p (1) = 1,000 |
Tios (2) | 6 | 5% | 1 | 0,8% | p (1) = 0,063 |
Amigos (2) | - | - | 2 | 1,7% | ** |
Outros (2) | 20 | 5% | 19 | 15,8% | p (1) = 1,000 |
Total | 120 | 100% | 120 | 100% |
* Diferença significativa ao nível de 5,0%.
** Não foi possível determinar devido a não coincidência no número de categorias.
(1): Por meio do teste de McNemar.
A presença de possíveis condições psiquiátricas, avaliadas durante a entrevista, é apresentada na Tabela 3, em que os transtornos mais frequentes entre os pesquisados foram o transtorno de ansiedade generalizada e o episódio depressivo maior, com percentual mais elevado no grupo experimental que no controle.
Tabela 3 Avaliação de possíveis condições psiquiátricas presentes na população estudada
Grupo | Valor de p | ||||
---|---|---|---|---|---|
| |||||
Experimental | Controle | ||||
| |||||
N | % | N | % | ||
MINI | |||||
Episódio depressivo maior (2) | 36 | 55,4 | 11 | 16,9 | P (1) < 0,001* |
Episódio depressivo maior com características melancólicas (2) | 5 | 7,7 | 2 | 3,1 | p (1) = 0,453 |
TAG (2) | 37 | 56,9 | 37 | 56,9 | p (1) = 1,000 |
TEPT (2) | 4 | 6,2 | 2 | 3,1 | p (1) = 0,687 |
2Transtorno distímico (2) | 3 | 4,6 | 4 | 6,2 | p (1) = 1,000 |
Episódio hipomaníaco (2) | 2 | 3,1 | 1 | 1,5 | p (1) = 1,000 |
Síndrome psicótica (2) | 7 | 10,8 | 2 | 3,1 | p (1) = 0,125 |
Dependência de álcool (2) | 6 | 9,2 | 11 | 16,9 | p (1) = 0,267 |
Abuso de álcool (2) | 7 | 10,8 | 13 | 20,0 | p (1) = 0,210 |
Dependência de alucinógenos (2) | 2 | 3,1 | 4 | 6,2 | p (1) = 0,687 |
Dependência de canabinoides (2) | 2 | 3,1 | 3 | 4,6 | p (1) = 1,000 |
Esquizofrenia (2) | 3 | 4,6 | -- | -- | ** |
Dependência de solventes | 2 | 3,1 | 2 | 3,1 | p (1) = 1,000 |
Risco de suicídio | 1 | 1,5 | -- | -- | ** |
Total | 120 | 100% | 120 | 100% |
* Diferença significativa ao nível de 0,05; ** Não foi possível determinar devido a não coincidência no número de categorias.
(1): Por meio do teste de McNemar.
(2): Só foram as frequências das respostas citadas.
No que se refere ao sexo, mais de 60% da amostra foi constituída por mulheres, com idade inferior a 30 anos, o que corrobora com demais dados científicos sobre o comportamento suicida, os quais afirmam ser as mulheres mais vulneráveis ao risco de suicídio que os homens9-11.
Estar solteiro foi o estado civil mais frequente entre as pessoas que tentaram suicídio. Apesar de os dados nacionais e internacionais afirmarem e discutirem sobre a vulnerabilidade de pessoas divorciadas, viúvas ou solteiras ao suicídio12-15, o presente estudo não encontrou diferença significativa entre o estado civil daqueles que tentaram suicídio e o grupo controle, já que a maioria deste grupo também revelou estar solteiro.
Esse dado pode estar associado à faixa etária dos participantes e uma tendência contemporânea a retardar a vivência conjugal e não necessariamente a dificuldades em encontrar parceiros, seja por déficit em habilidades sociais ou tendência a isolamento social. A maioria das pessoas que referiu estar solteira nos dois grupos tinha menos que 25 anos, assim estar solteiro, por si só, em uma faixa etária que é considerada promissora para novos relacionamentos não designa necessariamente uma vivência de solidão duradoura, e assim não parece determinar ideias ou atos de morte voluntária.
Um dado relevante é que houve diferença entre os grupos quanto a morar com o pai ou a mãe. A diferença revela que a maioria dos sujeitos que tentou suicídio morava com o pai, sem contar com a figura materna em casa, o que pode indicar a existência de suporte familiar deficitário, sobretudo, ao considerar que culturalmente o papel de acolhimento e supressão de necessidades afetivas é atribuído à mãe16.
A maior parte dos sujeitos que tentou suicídio revelou não ter algum filho e o número de pessoas que efetivou a tentativa foi inversamente proporcional ao número de filhos, ou seja, quanto mais filhos, menor o número de atos suicidas na população estudada.
Tal achado encontra consonância com a literatura, que aponta como um dos principais fatores protetores para uma eventual tentativa de suicídio ou ideação suicida a presença de crianças em casa ou a existência de filhos16.
Ainda com base no estudo mencionado anteriormente, bem como no de Hilton et al.17, outro fator considerado protetor para o risco de suicídio foi compartilhar de algum tipo de religião em seitas ou religiões que afirmam a existência de reencarnações.
Tortolero e Roberts18 afirmam que a presença de religiosidade, por si só, não protege o indivíduo. Essa função é apenas observada em pessoas que praticam uma religião que propõe a existência de vivências reencarnatórias, pois estas proporiam a necessidade de enfrentamento em situações adversas, incentivando a resiliência a partir da crença na existência de compromissos do passado para sua evolução.
Na população analisada, não houve diferença significativa quanto à religiosidade entre aqueles que tentaram suicídio e os que nunca tentaram. Contudo, no que se refere à avaliação intragrupal, a diferença encontrada entre os sujeitos que tentaram suicídio parece corroborar com os achados da literatura17,18. Mais de 45% dos entrevistados revelaram praticar a religião católica ou protestante, enquanto apenas cerca de 3% eram espíritas.
No que tange à escolaridade, diferentemente do que foi encontrado em alguns estudos5,7 que mencionavam a associação entre o risco de suicídio e menor grau de escolarização, estes não foram considerados isoladamente determinantes para o ato suicida e não apresentaram diferença significativa com o grupo controle.
Porém, tal dado pode estar indiretamente associado à ideação suicida por se relacionar com problemas financeiros e aumento da pobreza familiar, citados em algumas pesquisas como fatores que aumentam a probabilidade para empreender ações suicidas19,20.
A maioria da amostra (mais de 40%) que tentou suicídio revelou estar desempregada e mais de 80% tinham renda inferior a um salário-mínimo. Além de interferir na realização e conclusão de projetos de vida, essa condição pode contribuir com a percepção de pouco senso de controle das situações, considerando o controle externo do ambiente como algo fatalista. Pensar assim, muitas vezes, faz o indivíduo acreditar que há pouca chance de mudar a forma de perceber a própria realidade, o que suscita desesperança e estresse21,22.
No que tange às doenças psiquiátricas ou à presença de tratamento psiquiátrico, foi identificada diferença significativa entre o grupo controle e o grupo de pessoas que tentou suicídio. Estas realizaram cerca de quatro vezes mais algum tratamento psiquiátrico que os sujeitos do grupo controle.
A maioria dos participantes que tentou suicídio apresentou transtorno de ansiedade generalizada (TAG). Apesar de as pesquisas encontradas na revisão da literatura afirmarem não haver evidências significativas para a associação do referido transtorno no aumento de tentativas de suicídio ou ideias de morte1,4,15,20, esse dado parece fornecer uma nova contribuição para alertar sobre a necessidade de investigação acerca da influência do TAG no risco de suicídio.
Maior parte dos entrevistados que tentou suicídio apresentou, além do TAG, o transtorno depressivo maior. Essa amostra pode apresentar transtorno de ansiedade associada a outro transtorno psiquiátrico como a depressão, o que poderia diferir da manifestação do transtorno de ansiedade sem outra condição psiquiátrica comórbida.
Além disso, pode existir a ocorrência de subtipos sindrômicos dentro do espectro da doença depressiva. Assim, algumas manifestações da depressão poderiam ter maior quantidade de sinais e sintomas ansiosos ou somáticos, além da sintomatologia depressiva clássica4,20,23.
Apesar de não haver clareza se os sinais e sintomas de ansiedade identificados no grupo de sujeitos que tentou suicídio são componentes de outro transtorno e assim diferentes do que foi apresentado pelo grupo controle, é importante ressaltar tal questão, a fim de considerá-la para posteriores avaliações em outros estudos.
Como mencionado anteriormente, houve diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos quanto à presença de transtorno depressivo maior. Mais de 50% dos participantes que tentaram suicídio apresentaram sinais e sintomas compatíveis com essa condição psiquiátrica no momento da entrevista, enquanto menos de 17% dos sujeitos do grupo controle preencheram critérios do MINI para esse transtorno.
Tal resultado corresponde aos dados da literatura científica sobre a temática estudada, pois afirma que o diagnóstico mais frequente entre as pessoas que tentaram suicídio ou têm ideias suicidas é o transtorno depressivo15,20,24.
Após o transtorno de ansiedade generalizada e transtorno depressivo maior, as condições psiquiátricas mais frequentes na amostra investigada do grupo de pessoas que tentaram suicídio foram a síndrome psicótica e o abuso de álcool, corroborando com os dados presentes na literatura1,2,25.
Vale ressaltar que, apesar de os transtornos psiquiátricos identificados na amostra das pessoas que tentaram suicídio condizerem com os demais estudos científicos, os quais afirmam a relação entre a presença de determinadas doenças psiquiátricas e risco de suicídio, exceto quanto ao transtorno depressivo maior, não houve diferença significativa entre os dois grupos estudados, o que pode sugerir que a doença psiquiátrica, por si só, não determina o risco de morte voluntária.
A partir do presente estudo foi possível avaliar que cerca de 60% dos entrevistados eram do sexo feminino, e morar apenas com o pai apresentou associação significativa com o comportamento suicida (35,8%). A condição psiquiátrica mais associada à tentativa de suicídio foi o transtorno depressivo (55,4%), e o transtorno de ansiedade generalizada estava presente em mais da metade dos entrevistados dos dois grupos.
Ressalta-se a necessidade do desenvolvimento de outros estudos que abordem o paciente pouco tempo após a tentativa de suicídio, a fim de promover análises e correlações que irão contribuir na elaboração de perfis considerados de risco, possibilitando o delineamento de estratégias preventivas.