versão impressa ISSN 1809-2950versão On-line ISSN 2316-9117
Fisioter. Pesqui. vol.26 no.4 São Paulo out./dez. 2019 Epub 02-Dez-2019
http://dx.doi.org/10.1590/1809-2950/18029426042019
El objetivo de este estudio fue identificar, a partir de una revisión sistemática, variables clínicas, instrumentales y demográficas asociadas con un mayor riesgo de caída en individuos con esclerosis múltiple (EM), con base en datos prospectivos. La búsqueda se realizó en las bases de datos: Medline, Web of Science, Bireme y CINAHL, utilizando los descriptores “esclerosis múltiple”, “caídas”, “caídas accidentales”, “riesgo de caídas”, “control postural” y “equilibrio”, seguido de búsquedas manuales. Se consideraron elegibles los estudios de cohorte prospectivos con un período de seguimiento mínimo de caídas de tres meses, que evaluaron la asociación de una variable demográfica, clínica o instrumental en relación con el mayor riesgo de caídas en individuos con EM. La escala modificada de Newcastle-Ottawa se utilizó para evaluar la calidad metodológica de los estudios incluidos. Se identificaron 357 estudios, 12 de los cuales se incluyeron en la revisión sistemática, con un total de 1.270 pacientes incluidos. De estos, 740 (58,26%) pacientes tuvieron uno o más episodios de caída, 396 (31,18%) presentaron episodios de caída recurrentes (2≥caídas en el período estipulado), y 530 (41,74%) no presentaron ningún episodio. Con excepción de la espasticidad y del impacto de la doble tarea en la velocidad de la marcha, todas las variables investigadas presentaron resultados conflictivos en cuanto a sus asociaciones a mayor riesgo de caídas. Se requieren más estudios que presenten homogeneidad de los fenotipos clínicos de pacientes con EM, además del uso de instrumentos de evaluación validados, para establecer una asociación robusta de otras variables clínicas, instrumentales y demográficas con mayor riesgo de caída.
Palabras clave| Esclerosis Múltiple; Caídas Accidentales; Riesgo de Caídas; Revisión Sistemática
A esclerose múltipla (EM) é uma doença crônica, desmielinizante e neurodegenerativa que acomete o sistema nervoso central, constituindo uma das principais fontes de incapacidade em adultos ocidentais1), (2. Os índices de EM vêm crescendo de forma alarmante na maioria dos países, chegando a mais de 2,5 milhões indivíduos em todo o mundo3. Esta doença requer atenção especial do sistema de saúde brasileiro, pois estima-se a prevalência de aproximadamente 8,69 casos de EM a cada 100.000 habitantes4, o que pode representar uma enorme carga para os recursos de saúde e socioeconômicos ao longo prazo.
A etiologia da doença ainda não está completamente elucidada, entretanto, acredita-se que seja uma doença de caráter autoimune resultante da interação entre fatores ambientais e genéticos5), (6. A grande distribuição de lesões é reconhecida como uma das principais consequências da doença e resulta em uma variedade de sinais e sintomas, como fraqueza muscular, parestesias, dor, fadiga, hipersensibilidade ao calor e alterações visuais, sensitivas, motoras, gastrointestinais, esfincterianas e cognitivas5), (7.
As consequências destes agravos associados à EM representam grande preocupação e podem potencializar a incidência de quedas8. Estudos prévios demonstraram que mais de 50% dos indivíduos com EM apresentam um episódio de queda durante um período de três a seis meses de acompanhamento, ocasionando fraturas, limitações na realização das atividades de vida diária (AVD), restrições na participação e redução na percepção da qualidade de vida9)- (11. Além disso, entre 62% e 78% dos episódios de queda acontecem em casa no período diurno, em sua maioria durante a realização de AVD básicas como transferências, marcha entre cômodos e higiene pessoal12), (13.
Revisões sistemáticas com meta-análise identificaram que utilização de dispositivo auxiliar na marcha, disfunções cognitivas e no equilíbrio, maior nível de incapacidade, além de um subtipo progressivo (primário ou secundário) da doença se encontram associados com maior risco de quedas nesta população. Entretanto, esses estudos incluíram, em sua maioria, investigações que avaliaram as quedas de forma retrospectiva, o que pode ocasionar uma subestimação da frequência de quedas e minimização da validade dos achados14,15. Adicionalmente, Gunn et al. (2015) (16 identificou que, embora programas de treinamento de AVD, marcha e equilíbrio promovam benefícios na funcionalidade de indivíduos com EM, a magnitude deste efeito não impacta significativamente nas medidas de desfecho relacionadas com quedas.
Até o presente momento, nenhuma revisão sistemática elucidou os fatores associados com a ocorrência de quedas acidentais em indivíduos com EM selecionando apenas dados coletados prospectivamente por meio de diários de queda durante o período mínimo de três meses, conforme preconizado pelas diretrizes europeias para o estudo de quedas17. Uma vez que o desenvolvimento desta revisão sistemática contribui substantivamente para tomada de decisão em saúde, a identificação de fatores associados com maior risco de quedas pode ser valiosa para o desenvolvimento, avaliação e implementação de programas de intervenção eficientes voltados à prevenção de quedas.
Portanto, este estudo teve como objetivo identificar, a partir de uma revisão sistemática, variáveis clínicas, instrumentais e demográficas associadas a maior risco de queda em indivíduos com EM com base em dados prospectivos.
Este artigo consiste em uma revisão sistemática de estudos de coorte prospectivos. A revisão foi realizada de acordo com as recomendações Prisma (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses), buscando padronização da condução do estudo e do relato de revisões sistemáticas.
A fim de ampliar ou restringir a busca, utilizamos os operadores booleanos (AND, OR). A pesquisa foi conduzida nas bases de dados eletrônicas Medline, Web of Science, Bireme e CINAHL utilizando os descritores “esclerose múltipla”, “quedas”, “quedas acidentais”, “risco de quedas”, “controle postural”, “equilíbrio” e seus respectivos termos correlatos em inglês. Referências dos artigos encontrados também foram consultadas buscando a identificação de mais estudos. Toda a literatura publicada até a última busca realizada, conforme os critérios estabelecidos, foi considerada; os artigos foram incluídos se estivessem disponíveis em inglês, português, espanhol e francês. A última busca foi realizada no mês de abril por dois indivíduos com treinamento e experiência na utilização de bases de dados.
Foram considerados elegíveis os artigos originais de acordo com os seguintes critérios de inclusão: (1) coortes prospectivas publicadas entre janeiro de 2008 e abril de 2018; (2) identificação de variáveis clínicas, instrumentais e demográficas associadas com o risco de queda; (3) acompanhamento das quedas prospectivamente durante o período mínimo de três meses17. Por sua vez, os seguintes critérios de exclusão foram adotados: (1) avaliação da incidência de quedas de forma retrospectiva; (2) acompanhamento da incidência de quedas durante períodos menores que três meses; (3) resumos, dados não publicados e artigos de revisão.
Devido ao nível limitado de evidências encontradas, não foi possível estratificar indivíduos com EM conforme o seu nível de incapacidade, logo, todos os estudos foram incluídos independentemente do fenótipo clínico de EM. As medidas de desfecho foram variáveis relacionadas a maior risco de quedas, incluindo parâmetros como marcha, percepções dos pacientes, equilíbrio, utilização de dispositivos auxiliares ou de medicamentos, além de testes e escalas baseados em desempenho (como a escala de equilíbrio de Berg e o timed up and go test).
Ademais, em decorrência da grande variedade de definições de queda e classificações para indivíduos que apresentam episódios de queda, estas variáveis não foram consideradas nos nossos critérios de inclusão.
Após a busca dos artigos nas bases de dados predeterminadas e remoção dos artigos duplicados, três autores (LGO Silva, TKM Melo e EC Barboza) avaliaram títulos e resumos buscando identificar estudos que explorassem o tema de interesse. Posteriormente, os três autores individualmente aplicaram os critérios de inclusão e exclusão após a leitura do texto completo. No caso de discrepâncias, buscavam discutir o artigo em questão e deliberar até o consenso.
O nome do primeiro autor, periódico, ano de publicação, desenho do estudo, frequência de quedas, tamanho e características sociodemográficas da amostra, tempo de acompanhamento (em meses) e resultados das medidas de desfecho associadas com maior risco de queda foram extraídas dos estudos elegíveis para a elaboração de tabelas.
Os resultados são apresentados utilizando o odds ratio (OR), e os seus respectivos valores do intervalo de confiança (IC) a 95%. O OR é utilizado para identificar se determinada variável de exposição é um fator de risco para uma medida de desfecho em particular18. Um OR=1 indica nenhuma diferença entre grupos; um OR>1 indica maior chance de a medida de desfecho ocorrer no grupo exposto; um OR<1 indica menor chance de a medida de desfecho ocorrer no grupo exposto.
A qualidade dos artigos foi avaliada utilizando a escala de Newcastle-Ottawa. Trata-se de uma escala válida para a avaliação da qualidade metodológica de estudos não aleatorizados19. Devido à ausência de uma nota de corte validada na literatura, os artigos foram avaliados conforme a classificação de risco de viés utilizada por uma revisão sistemática de um tópico similar15. Portanto, os estudos foram classificados como baixo risco de viés (6-9 pontos), médio risco de viés (4-5 pontos) e alto risco de viés (1-3 pontos).
Identificamos 357 estudos após a busca nas bases de dados e um estudo por meio da consulta de referências dos artigos encontrados, restando 318 estudos após a remoção das duplicatas.
A avaliação dos títulos e resumos resultou em 43 estudos rastreados para aplicação dos critérios de elegibilidade. Desta forma, 12 artigos foram selecionados para a realização da revisão sistemática, conforme ilustrado no diagrama de fluxo (Figura 1). Nilsagård et al. (9 apresentou resultados de medidas de desfecho na mesma população em dois estudos distintos, portanto, apenas os achados do estudo inicial foram incluídos para evitar duplicação.
Foram incluídos 1.270 indivíduos com EM a partir dos 12 artigos selecionados. Dos pacientes, 740 (58,26%) apresentaram um ou mais episódios de queda, 396 (31,18%) apresentaram episódios de queda recorrentes (2≥quedas no período estipulado) e 530 (41,74%) não apresentaram nenhum episódio de queda (Tabela 1).
Tabela 1 Características dos estudos selecionados
Primeiro autor/ano | Tamanho da amostra | % Quedas (≥1) | % Quedas recorrentes (≥2) | % Quedas graves | Tempo de acompanhamento | Variáveis relacionadas à queda |
---|---|---|---|---|---|---|
Nilsagård (2009)10 | 76 | 63,15% (48) | 57,89 (44) | NA | 3 meses | Idade, EDSS, sexo, utilização de medicamentos, espasticidade, subtipo de EM, uso de um dispositivo auxiliar de marcha, sensibilidade, medo de quedas, escala de equilíbrio de Berg, timed up and go test, four square step test, 12-item multiple sclerosis walking scale, disfunções do trato urinário, dupla tarefa, cognição |
Kasser (2011)20 | 92 | 52% (48) | 35% (32) | NA | 12 meses | Marcha, força muscular, equilíbrio, orientação sensorial |
Prosperini (2013)21 | 100 | 41% (41) | 19% (19) | 2% (2) | 3 meses | Escala de equilíbrio de Berg e posturografia estática |
Gunn (2013)22 | 148 | 70,3% (104) | 52,7% (78) | NA | 3 meses | Espasticidade, idade, sexo, subtipo de EM, disfunções do trato urinário, EDSS, uso de um dispositivo auxiliar de marcha, utilização de medicamentos e cognição |
Hoang (2014)23 | 210 | 60% (126) | 32,85% (69) | 57,9% (121) | 6 meses | Equilíbrio, destreza manual, velocidade da marcha, cognição |
Cameron (2015)24 | 248 | 57,66% (143) | NA | 44,35% (110) | 6 meses | Disfunções do trato urinário |
Nilsagård (2016)25 | 47 | 47% (22) | 29% (14) | NA | 3 meses | Teste de caminhada de 6 minutos e distância máxima percorrida |
Mazumder (2015)26 | 54 | 75,9% (41) | 63% (34) | 44,4% (24) | 12 meses | Medo de quedas |
Etemadi (2017)27 | 60 | 63,33% (38) | 43,3% (26) | NA | 6 meses | Dupla tarefa |
Zelaya (2017)28 | 51 | 62,74% (32) | 29% (15) | NA | 3 meses | Disfunções do trato urinário |
Comber (2018)29 | 100 | 56% (56) | 34% (34) | NA | 3 meses | Utilização de medicamentos |
Tajali (2017)30 | 84 | 49% (41) | 37% (31) | NA | 6 meses | Timed up and go test, medo de quedas, 12-item multiple sclerosis walking scale, dupla tarefa |
TOTAL | 1.270 | 58,26% (740) | 31,18% (396) | 42% (257) | média: 5,5 meses |
EDSS: escala expandida do estado de incapacidade de Kurtzke; EM: esclerose múltipla.
Os estudos apresentaram, em sua maioria, baixo e médio risco de viés (Tabela 2). Todos os estudos relataram as quedas de forma prospectiva, utilizando diários de queda e lembretes mensais por meio de ligações ou e-mails como estratégia, buscando promover maior adesão e reduzir o viés de memória. Os períodos de acompanhamento variaram de três meses a um ano, apresentando média de 5,5 meses de acompanhamento. A qualidade metodológica dos estudos incluídos oscilou entre 6 e 8 pontos (Tabela 2), conforme a escala adaptada de Newcastle-Ottawa15), (19.
Tabela 2 Escala de Newcastle-Ottawa adaptada15), (19 para avaliação da qualidade metodológica dos estudos não aleatorizados incluídos nesta revisão sistemática
Estudo | Seleção | Comparabilidade | Desfechos | Pontuação | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
A | B | C | D | E | F | G | ||
Nilsagård (2009) | * | * | * | ** | * | * | 7 | |
Kasser (2011) | * | * | * | ** | * | * | * | 8 |
Prosperini (2013) | * | * | * | ** | * | * | * | 8 |
Gunn (2013) | * | * | * | ** | * | * | * | 8 |
Hoang (2014) | * | * | * | ** | * | * | * | 8 |
Cameron (2015) | * | ** | * | * | * | 6 | ||
Nilsagård (2016) | * | * | * | ** | * | * | * | 8 |
Mazumder (2015) | * | * | * | ** | * | * | * | 8 |
Etemadi (2017) | * | * | * | ** | * | * | * | 8 |
Zelaya (2017) | * | ** | * | * | * | 6 | ||
Comber (2018) | * | * | * | ** | * | * | * | 8 |
Tajali (2017) | * | * | * | ** | * | * | * | 8 |
* Ponto; A: representatividade - verdadeiramente representativo (*) (inclui todos os tipos de EM e níveis de incapacidade); alguma representatividade (*) (limitada a classificação específica de EM ou nível de incapacidade); grupo de conveniência (0) (limitado a um grupo específico ou nível de incapacidade); sem descrição (0); B: seleção de sujeitos não expostos - mesma comunidade (*); oriundos de outra comunidade (0); sem descrição (0); C: método de avaliação dos fatores de risco - medidas objetivas validadas (*); medidas objetivas não validadas (*); autorrelato (0); sem descrição (0); D: comparabilidade dos sujeitos - grupo-controle com EDSS e idade (**); grupo-controle com idade (*); sem grupo-controle controle (0); E: avaliação dos desfechos: observação externa ou medidas validadas (*); diário prospectivo (*); autorrelato retrospectivo (0); não realizado ou não descrito (0); F: período de observação - maior que três meses (*); menor que três meses (0); G: follow-up apropriado: completo (*) (todos sujeitos contidos); sujeitos que não fizeram follow-up não causam viés ou é uma descrição de perda prevista (*); follow-up menor que 80% e não houve descrição da perda (0).
A heterogeneidade observada em relação aos métodos de avaliação e relato das medidas de desfecho, além da variabilidade dos períodos de acompanhamento, dificulta a realização da revisão sistemática com metanálise, impedindo uma análise crítica do tópico de interesse.
Três estudos (424 participantes) avaliaram a associação entre a utilização de medicamentos e maior risco de quedas10), (29), (24. Medicações do sistema geniturinário e hormônios sexuais ocasionam maior chance de o indivíduo apresentar um ou mais episódios de queda (OR=4,16; IC 95%=1,294−13,369) ou dois ou mais episódios de queda (OR=5,154; IC 95%=1,427−18,609) (29. Adicionalmente, para cada medicação do sistema nervoso utilizada, as chances de queda aumentam 43% (OR=1,43; IC 95%=1,09−1,93), enquanto a utilização de medicamentos antineoplásicos e imunossupressores resultaram em redução de 48% da chance de quedas (OR=0,52; IC 95%=0,28−0,95) (24. Em contraposição, a associação entre o consumo de medicamentos e quedas não foi observada por Nilsagård et al. (10 (OR=1,22; IC 95%=0,45−3,27).
Três estudos (278 participantes) buscaram avaliar a associação entre o medo de quedas e maior risco de quedas. Dois estudos avaliaram o medo de cair por meio da falls efficacy scale-international, uma escala validada para a avaliação do medo de queda em indivíduos com EM, enquanto um estudo utilizou o autorrelato dos pacientes. O medo de quedas encontrou-se fortemente associado com o risco de quedas recorrentes nos próximos três meses (OR=1,22; IC 95%=1,04−1,43) (26, enquanto esta associação não foi observada nos estudos de Nilsagård et al. (10 e Gunn et al. (22, apresentando respectivamente OR=1,01 (IC 95%=0,96−1,06) e OR=0,95 (IC 95%=0,57−1,58).
A relação entre as disfunções do trato urinário e quedas foi investigada por três estudos (275 participantes) (10), (22), (28. Diferentes métodos baseados no autorrelato dos pacientes foram utilizados para obtenção das medidas de desfecho relacionadas com as disfunções do trato urinário. Indivíduos que apresentaram episódios de queda obtiveram maior prevalência de disfunções do trato urinário quando comparado a indivíduos que não apresentaram episódios de queda28. Quedas recorrentes encontraram-se associadas com urgeincontinência urinária (OR=57,57; IC 95%=3,43−966,05) (28 e com disfunções urinárias frequentes (OR=1,08; IC 95%=0,41−2,80) (10. Em contraposição, o autorrelato da presença de urgência urinária não se encontrou associado com maior probabilidade de um indivíduo vivenciar um episódio de queda (OR=1,08; IC 95%=0,41−2,80) (22.
Dois estudos (224 participantes) avaliaram a associação entre a utilização de um dispositivo auxiliar para a marcha e maior risco de quedas10), (22. Interessantemente, a utilização de um dispositivo auxiliar encontrou-se associada com maior chance de o indivíduo apresentar quedas (OR=2,27; IC 95%=1,23−4,37), potencialmente aumentando em 5 vezes se o indivíduo utilizasse o dispositivo auxiliar em sua residência e em ambiente externo10. Em contraste, Gunn et al. (22) não observou associação entre a utilização de um dispositivo auxiliar para a marcha e maior risco de quedas (OR=1,16; IC 95%=0,55-2,42).
O nível de incapacidade avaliado por meio da escala expandida do estado de incapacidade de Kurtzke (EDSS) foi associado com maior risco de quedas em dois estudos (224 participantes) (10), (22. As chances de um indivíduo apresentar um episódio de queda eram dobradas a cada ponto adicionado na EDSS (OR=1,99; IC 95%=1,22−3,40) (10, embora nenhuma relação tenha sido observada em outro estudo incluído (OR=0,81; IC 95%=0,49−1,35) (22.
O impacto da realização de dupla tarefa em relação a maior risco de quedas foi explorado por três estudos (220 participantes) (10), (27), (30. Diferentes instrumentos de avaliação foram utilizados entre os estudos, incluindo o timed up and go (TUG) cognitivo, GAITRite e alterações na velocidade da marcha durante a realização do teste de caminhada de 2 minutos (2MW) e do teste de caminhada cronometrada de 25 pés (T25FW). O custo da dupla tarefa na velocidade da marcha ocasionou maior chance de um indivíduo apresentar quedas recorrentes (OR=1,23; IC 95%=1,02−4,45) (27, enquanto a realização de tarefas cognitivas durante a realização do TUG, 2MW e T25FW não se encontrou associada com quedas futuras10), (30.
Dois estudos (224 participantes) elencaram como uma das variáveis associadas a maior risco de queda a avaliação da espasticidade por meio da escala de Ashworth10), (22. Os autores observaram que a pontuação de 1 na escala está associada com maior risco de queda quando comparado a pontuações superiores (OR=7,88; IC 95%=2,16−28,80), indicando uma relação não linear entre as variáveis22. Adicionalmente, Nilsagård et al. (10 encontrou um aumento de 14% na chance de um indivíduo apresentar um episódio de queda a cada ponto acrescentado na escala modificada de Ashworth.
Indivíduos que apresentaram episódios de queda tiveram pior desempenho na escala de equilíbrio de Berg quando comparados a indivíduos que não apresentaram quedas (p<0,001) (21. As pontuações médias entre os indivíduos na escala oscilaram entre 28 e 56 pontos para indivíduos sem quedas, e entre 9 e 58 para indivíduos que apresentaram episódios de queda10. Pior desempenho no teste não se encontrou associado com maior risco de quedas durante o período de observação (OR=0,94; IC 95%=0,85−1,01) (10), (21.
Três estudos investigaram a associação entre as funções cognitivas e quedas utilizando diferentes instrumentos de avaliação e diferentes aspectos do processamento cognitivo10), (22), (23. Hoang et al. (23 demonstraram que quedas frequentes se encontravam associadas com pior desempenho no teste de trilhas A e B, indicando a influência da redução das funções executivas em relação aos episódios de queda.
Disfunções cognitivas não estiveram associadas com maior risco de queda nos estudos de Gunn et al. (22 e Nilsagård et al. (10, entretanto, os instrumentos de avaliação utilizados abrangem aspectos específicos da cognição que podem não refletir maior risco de queda, demandando a avaliação de outros aspectos do processamento cognitivo.
O subtipo recorrente-remitente (RR) foi o mais prevalente na maioria dos estudos incluídos, seguido do subtipo progressivo secundário (PS) e primário (PP). Embora indivíduos que apresentavam o subtipo progressivo (PP ou PS) estivessem mais propensos a apresentar episódios de queda quando comparados com o subtipo RR, nenhuma associação estatística entre um subtipo RR, PS ou PP e maior risco de quedas foi observado nos estudos incluídos10), (22.
Os achados em relação à influência de utilização de medicamentos, dupla tarefa, subtipo de EM, utilização de dispositivo auxiliar, disfunções do trato urinário, cognição, medo de quedas e nível de incapacidade no aumento do risco de quedas apresentaram divergências. No entanto, a espasticidade foi diretamente associada com maior risco de um indivíduo com EM apresentar episódios de queda.
A necessidade de identificar fatores que contribuem negativamente no risco de quedas é crucial em indivíduos com EM, pois estes diferentes elementos interagem como agentes decisivos e predisponentes para menor mobilidade e desempenho físico prejudicado. Nesse aspecto, entendemos que o risco de quedas é um evento que requer atenção, visto que pode ser um agravante associado com o nível de incapacidade e um potencial causador do declínio da qualidade de vida, o que pode comprometer significativamente as atividades cotidianas desses indivíduos9), (31.
Embora nossos resultados apresentem tamanho inferior de amostra e incluam apenas investigações que analisaram as quedas de forma prospectiva, nossos achados em relação à frequência de quedas são similares quando comparados às revisões sistemáticas que investigaram variáveis associadas com o risco de queda incluindo majoritariamente estudos de coorte retrospectivos14), (15. Dados prévios demonstraram que veteranos com EM possuem probabilidade duas vezes maior de apresentar quedas lesivas quando comparados a veteranos sem EM32. Adicionalmente, apesar de quedas graves apresentarem grande impacto financeiro e pessoal, apenas quatro estudos relataram a quantidade de quedas que resultaram em lesões26), (21), (23. Portanto, recomenda-se que os próximos estudos descrevam a incidência de quedas lesivas e busquem compreender os desfechos negativos associados a este agravo. Por fim, é possível que os resultados conflitantes observados entre os estudos sejam resultantes dos diferentes métodos de avaliação das variáveis, variabilidade da composição amostral e períodos de acompanhamento divergentes.
Um achado importante desta revisão foi que a espasticidade está associada com maior risco de um indivíduo apresentar episódios de queda. Estudos prévios demostraram que a espasticidade está associada com maior risco de quedas em indivíduos com acidente vascular encefálico33), (34. Portanto, a compreensão do impacto da espasticidade de membros inferiores é crucial para identificar complicações e desenvolver programas de reabilitação, pois desempenha um papel importante para o desenvolvimento de contraturas, limitações da função motora e redução da qualidade de vida35)- (37. Entretanto, ressaltamos que os instrumentos utilizados para avaliação da espasticidade apresentam limitações quanto a sua validade e confiabilidade para indivíduos com EM, demandando o desenvolvimento de novos instrumentos para a avaliação38.
Durante a avaliação da associação entre presença de disfunções do trato urinário e maior risco de quedas, três estudos utilizaram questionários distintos que não são validados para obtenção dos sintomas urinários. Ademais, diferentes critérios para classificação dos indivíduos que apresentavam quedas podem minimizar a validade dos achados e dificultar a comparação entre os estudos. São diversos mecanismos complexos que podem contribuir para a associação entre disfunções do trato urinário e quedas, incluindo a presença de urgeincontinência, que pode ocasionar aumento na velocidade da marcha em indivíduos com EM de forma insegura para ir ao banheiro, ou decorrente dos efeitos adversos de medicamentos utilizados para o controle da bexiga neurogênica28), (39.
Por conseguinte, a alteração no equilíbrio é um dos sintomas mais comuns na EM, o que pode desencadear insegurança na marcha e quedas21), (40. O equilíbrio é um dos pilares para toda habilidade motora voluntária, portanto, necessita de uma intensa integração entre os sistemas visual, vestibular e somatossensorial para a sua manutenção41. A identificação de alterações do equilíbrio como fator associado com risco de quedas em indivíduos com EM é essencial, pois permite desenvolver estratégias de tratamento e prevenção específicas, além de promover a otimização de programas de reabilitação40. Neste contexto, a escala de equilíbrio de Berg é um instrumento utilizado frequentemente para avaliação de alterações no equilíbrio em indivíduos com EM42. Uma recente revisão sistemática com metanálise não demonstrou nível de evidência forte o suficiente que justifique a utilização da escala de equilíbrio de Berg para identificar risco de quedas em indivíduos com EM, portanto, ainda que indivíduos que apresentam episódios de queda possuam pior desempenho na escala quando comparado àqueles que não apresentam, este instrumento deve ser utilizado com cautela devido à natureza multifatorial das quedas43.
A associação entre o uso de medicamentos e maior risco de quedas já está estabelecida em adultos mais velhos e idosos44), (45. Por outro lado, a utilização de medicamentos múltiplos, principalmente anticolinérgicos, é comum em indivíduos com EM, potencialmente ocasionando efeitos colaterais como visão turva e tontura24. Portanto, a modificação da prescrição é um potencial alvo modificável para a prevenção de quedas. Notavelmente, os estudos incluídos nesta revisão apresentaram amostras com subtipos de EM distintos, ocasionando resultados divergentes entre a associação da utilização de medicamentos e quedas.
O medo de quedas é uma característica clínica de etiologia multifatorial presente em aproximadamente 60% dos indivíduos com EM11), (46, que potencialmente resulta em declínio funcional e limitação da realização das AVD46), (47. Neste estudo, o medo de quedas apresentou resultados conflitantes quanto a sua associação com o risco de quedas, no entanto, esta variável não deve ser negligenciada durante a elaboração de programas de reabilitação, devido aos comprometimentos funcionais associados a esta condição. Desse modo, recomenda-se o desenvolvimento de intervenções multifacetadas que incluam aspectos motores e cognitivos durante sua abordagem terapêutica10), (26), (22.
Embora a heterogeneidade amostral e dos métodos de avaliação tenham impossibilitado a realização da metanálise, ocasionando a sumarização dos principais achados, este estudo é a primeira revisão sistemática a buscar identificar fatores associados com maior risco de queda unicamente por meio de estudos que avaliaram as quedas utilizando dados prospectivos por um período mínimo de três meses, conforme preconizado pelas diretrizes europeias para o estudo de quedas17. Além disso, as definições divergentes entre a conceituação de queda e classificação dos indivíduos que apresentam os episódios de queda nos estudos incluídos destacam-se como limitações desta revisão.
É importante salientar que, pela grande variedade de manifestações clínicas correspondentes aos focos de lesões disseminados, não se deve esperar que indivíduos diagnosticados com EM tenham a mesma evolução clínica48. Entretanto, mesmo com a heterogeneidade dos perfis é possível identificar fatores inerentes à doença que estejam associados a maior risco de queda utilizando o arcabouço teórico preconizado pela Classificação Internacional de Funcionalidade, para posteriormente serem iniciadas intervenções voltadas para a sua prevenção. Deste modo, conhecer os fatores de risco torna possível implementar estratégias com vistas à redução da incidência e danos das quedas, além de promover uma qualificação do cuidado em saúde.
Ante o exposto, programas de reabilitação voltados à promoção e prevenção de quedas em indivíduos com EM devem atentar-se a variáveis intrínsecas (físicas, cognitivas e comportamentais) e extrínsecas (fatores ambientais e utilização de tecnologia assistiva), a fim de se compreender a interação destes componentes em cada situação específica de queda. Ademais, as intervenções que incorporam marcha, equilíbrio e treinamento de tarefas funcionais apresentam maior efeito na redução de quedas em comparação com outros tipos de intervenção que visam apenas o treinamento de mobilidade (programas de treino de marcha ou mobilidade, no geral) (49. Em todas as dimensões dos programas de prevenção de queda, ressalta-se a potencialidade do trabalho multidisciplinar para uma abordagem integral dos fenômenos que interferem nos fatores de risco. Deste modo, a ação multiprofissional demanda a realização de estratégias compartilhadas pelos vários profissionais de saúde.
De acordo com os resultados desta revisão sistemática, a espasticidade e o impacto da dupla tarefa na velocidade da marcha encontraram-se associados com maior risco de queda em indivíduos com EM. Nossos achados reforçam a necessidade de desenvolver mais estudos que contemplem perfis clínicos similares de EM, além da utilização de instrumentos de avaliação validados para a identificação de outras potenciais variáveis associadas com maior risco de quedas.