versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756
J. bras. pneumol. vol.41 no.4 São Paulo jul./ago. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132015000004531
Em virtude de sua elevada incidência e mortalidade, o câncer de pulmão é um grande desafio para a oncologia moderna. Estima-se que tenha havido 27.330 novos casos de câncer de pulmão em 2014 no Brasil.1 Estimativas globais recentes indicam que haja 1,6 milhões de novos casos e 1,4 milhões de mortes por câncer de pulmão a cada ano; a maioria (55%) dos casos ocorre em países em desenvolvimento.(2,3) Historicamente, as taxas de resposta do carcinoma pulmonar de células não pequenas (CPCNP) à quimioterapia citotóxica clássica variam de 20 a 30%; a mediana da sobrevida global é tipicamente de 8-10 meses.4 O recente desenvolvimento de novos agentes terapêuticos cujos alvos são ativados de modo aberrante em células cancerosas, particularmente nas vias de transdução de sinais, abriu novas perspectivas de tratamento de CPCNP.
Dentre os componentes do fenótipo neoplásico, os receptores de superfície celular são potenciais alvos terapêuticos e têm sido o foco de intensa pesquisa, pois desempenham um papel importante nos processos de proliferação, sobrevivência e invasão celular. Alcançou-se notável progresso com o advento dos tyrosine-kinase inhibitors (inibidores de tirosina quinase) do EGFR (EGFR-TKIs), que são capazes de inibir a transdução de sinais do EGFR. Dentre os pacientes com CPCNP, aqueles com tumores que abrigam mutações ativadoras do gene EGFR podem se beneficiar do tratamento com um EGFR-TKI. É, portanto, importante que esses pacientes sejam corretamente identificados na prática clínica. Dez anos depois de as mutações ativadoras do gene EGFR terem sido reconhecidas como sendo os mais importantes preditores de resposta a EGFR-TKIs,(5,6) o presente artigo irá revisar a literatura relativa à via de sinalização do EGFR e a mutações ativadoras do gene EGFR, além de discutir as implicações desse conhecimento na prática diária.
Os receptores de superfície celular, que são proteínas localizadas na membrana plasmática, desempenham um papel fundamental na fisiologia celular e tissular. Esses receptores são ativados por estímulos provenientes do ambiente externo (ligantes), gerando sinais intracelulares que são transduzidos por múltiplas cascatas moleculares, em que a fosforilação sucessiva de substratos ativa a transcrição de genes envolvidos na proliferação, diferenciação, invasão, angiogênese, metástase e resistência à apoptose celular. A família de receptores ErbB, também conhecida como família c-erb-B ou família de human EGFRs (HERs, receptores do fator de crescimento epidérmico humano), tem quatro membros: EGFR (ou c-erb-B1 ou HER-1), c-erb-B2 (ou HER-2/neu), c-erb-B3 (ou HER-3) e c-erb-B4 (ou HER-4). A estrutura do EGFR, descrita pela primeira vez na década de 1960 por Cohen,7 compreende três domínios: o domínio extracelular (a porção N-terminal); o domínio transmembrana e o domínio C-terminal intracelular (uma porção hidrofóbica com atividade de tirosina quinase). O domínio extracelular confere especificidade de ligação; os ligantes incluem o próprio EGF, TGF-α, anfirregulina e betacelulina.8 O domínio intracelular é capaz de fosforilar resíduos de tirosina dentro do próprio receptor (autofosforilação) e de proteínas envolvidas na transdução de sinais.
A interação entre ligantes do EGFR e o domínio extracelular do receptor leva a sua dimerização,9 que promove a ativação do domínio tirosina quinase localizado no domínio intracelular do receptor. Uma vez ativado, este último domínio promove a autofosforilação de locais específicos dentro do domínio C-terminal do EGFR.10 A transdução de sinais então continua por meio da interação entre esses locais de autofosforilação e proteínas que contêm um domínio SH2 ou um domínio de ligação à fosfotirosina.11 Vários sítios de fosforilação foram identificados no domínio C-terminal do EGFR, cada qual levando à interação com diferentes tipos de moléculas e à ativação de diversas vias celulares. A principal delas é a via Ras/Raf/mitogen-activated protein kinase (MAPK, proteína quinase ativada por mitógeno), na qual a proteína adaptadora Grb2 liga-se a resíduos fosforilados de tirosina do EGFR, ativando assim a proteína Son of sevenless.12 Essa proteína por sua vez ativa a proteína G Ras, o que inicia uma cascata de fosforilação de MAPKs, que são quinases serina/treonina específicas. Essas proteínas por sua vez ativam a transcrição gênica relacionada com diversas funções reguladoras, incluindo a divisão, motilidade e adesão celular.13 Outra importante via relacionada com o EGFR e ativada no CPCNP é a via mediada pela PI3K, responsável pela ativação da quinase serina/treonina Akt. Com o alvo da rapamicina em mamíferos, a Akt participa da regulação de muitos processos celulares, tais como o metabolismo glicolítico, a apoptose, a proliferação e a angiogênese.14
O papel que o EGFR desempenha na carcinogênese tornou-se mais claro após a identificação (na década de 1980) da proteína oncogênica v-erb-B, relacionada com o vírus da eritroblastose aviária e estruturalmente semelhante ao EGFR.15 Dentre os mecanismos que levam a um aumento da atividade proliferativa, da capacidade de invasão, da angiogênese e da resistência à quimioterapia e à radioterapia estão a estimulação parácrina e autócrina no microambiente tumoral por meio do aumento da produção de ligantes (principalmente de EGF e TGF-α), da superexpressão de moléculas de EGFR na membrana de células tumorais e de mutações ativadoras do gene EGFR, todos os quais afetam suas vias de transdução de sinais.16
Como estudos esclareceram o papel do EGFR na carcinogênese, tem crescido o interesse na inibição da atividade de tirosina quinase do EGFR. Os primeiros EGFR-TKIs foram sintetizados na década de 1990. O gefitinibe (ZD1839; AstraZeneca, Londres, Inglaterra), um derivado da 4-anilinoquinazolina, foi o primeiro EGFR-TKI a obter a aprovação do Food and Drug Administration (FDA) dos EUA. Em 2003, o FDA aprovou o uso do gefitinibe para o tratamento de CPCNP avançado após o insucesso da terapia convencional.17 Em 2004, outro EGFR-TKI, o erlotinibe (OSI-774; Genentech, Roche Group, South San Francisco, CA, EUA) foi aprovado pelo FDA para o tratamento de CPCNP após o insucesso da quimioterapia citotóxica.18 Mais recentemente (em 2014), o afatinibe (BIBW-2992; Boehringer Ingelheim Pharmaceuticals, Ingelheim am Rhein, Alemanha), um bloqueador irreversível da família ErbB, também foi aprovado pelo FDA para uso clínico em pacientes que nunca foram submetidos a quimioterapia e cujos tumores abrigam mutações ativadoras do gene EGFR.19
A inibição da atividade de tirosina quinase do EGFR, reversivelmente (pelo gefitinibe ou erlotinibe) ou irreversivelmente (pelo afatinibe), ocorre em virtude da competição entre essas drogas e moléculas de ATP por sítios de ligação no domínio C-terminal (sítios catalíticos) do receptor. O bloqueio da fosforilação desses sítios impede a transdução de sinais através de componentes a jusante da via por meio do bloqueio da ativação das vias MAPK e PI3K/Akt/alvo da rapamicina em mamíferos, por exemplo.20 Consequentemente, esses ITQ interferem em aspectos importantes da viabilidade tumoral, levando a redução da proliferação, sobrevivência e angiogênese de células cancerosas e promovendo sua apoptose por meio do aumento de sua sensibilidade aos efeitos tóxicos da quimioterapia e radioterapia.21
Antes da identificação de mutações ativadoras do gene EGFR como preditoras de resposta a EGFR-TKIs,(5,6) foram realizados ensaios clínicos em populações não selecionadas de pacientes com CPCNP avançado. Dois ensaios de fase II sequenciais em que se avaliou a atividade do gefitinibe em pacientes com CPCNP previamente tratados com quimioterapia citotóxica mostraram taxas de resposta de até 19%, mediana de sobrevida global de aproximadamente 8 meses e sobrevida em um ano de até 35%.(22,23) No entanto, em dois ensaios de fase III sequenciais, o uso do gefitinibe com quimioterapia convencional baseada em platina como tratamento de primeira linha não se mostrou superior ao placebo com quimioterapia, sem diferenças significativas no tocante às taxas de resposta ou à sobrevida global.(24,25) Da mesma forma, dois ensaios de fase III independentes mostraram que o uso do erlotinibe com quimioterapia citotóxica não melhorou nem as taxas de resposta nem a sobrevida global em comparação com o uso da quimioterapia apenas.(26,27)
Entre agosto de 2001 e janeiro de 2003, foi realizado um ensaio internacional randomizado controlado por placebo, em que se examinou o tratamento com erlotinibe após o insucesso da quimioterapia-padrão para CPCNP em 731 pacientes com CPCNP avançado anteriormente tratados com quimioterapia de primeira ou segunda linha baseada em platina.28 Naqueles pacientes (alguns dos quais foram tratados no Brasil), o erlotinibe resultou em melhora na sobrevida global [mediana de 6,7 meses no grupo erlotinibe vs. 4,7 meses no grupo placebo; razão de risco (RR) = 0,70; p < 0,001] e na sobrevida em um ano (31% vs. 22%). A taxa de resposta foi também mais alta no grupo erlotinibe (8,9% vs. < 1%; p < 0,001). É digno de nota que os autores do estudo supracitado identificaram subgrupos específicos de pacientes nos quais o tratamento com erlotinibe proporcionou maior benefício: pacientes com adenocarcinoma; pacientes do sexo feminino; pacientes de ascendência asiática e pacientes sem história de tabagismo. Esses resultados corroboraram a literatura emergente a respeito de quais pacientes são mais propensos a obter benefício clínico com o uso de EGFR-TKIs.(22,23,29) Um estudo com desenho semelhante comparou o gefitinibe com placebo em 1.692 pacientes com CPCNP avançado refratário e demonstrou que a mediana da sobrevida livre de progressão foi significativamente maior no grupo de pacientes tratados com gefitinibe (2,2 meses vs. 1,8 meses; RR = 0,61; p < 0,001).30 No entanto, o estudo supracitado foi considerado um estudo negativo, pois não houve diferença significativa no desfecho primário, isto é, na sobrevida global. Outro ensaio de fase III com uma população não selecionada comparou o gefitinibe com o docetaxel em 1.443 pacientes com CPCNP avançado após o insucesso da quimioterapia de primeira linha baseada em platina.31 Naquele estudo, o gefitinib não se mostrou inferior ao docetaxel no tocante à mediana da sobrevida global (7,6 meses vs. 8,0 meses; RR = 1,02). É digno de nota que o pemetrexede também se mostrou comparável ao docetaxel nesse cenário.32
O trabalho independente de dois grupos levou à seminal descoberta de que os tumores que respondem a EGFR-TKIs tipicamente abrigam mutações ativadoras, na maioria das vezes localizadas no éxon 19 (del19) ou no éxon 21 (L858R) do gene EGFR.(5,6) Essas mutações provocam alterações estruturais no sítio de ligação à ATP do domínio intracelular do EGFR, aumentando assim a afinidade com ITQ e levando a respostas clínicas. Embora os quatro primeiros éxons que codificam o domínio tirosina quinase do EGFR (éxons 18 a 21) tenham sido identificados como os principais locais de mutações ativadoras, pequenas deleções no éxon 19 e mutações pontuais no éxon 21 correspondem a mais de 90% dessas mutações. 33Outras mutações, menos comuns, também foram identificadas, incluindo substituições de nucleotídeos específicos no códon 719 do éxon 18 (G719S) e inserções no códon 20.34 Deleções no éxon 19 e a mutação L858R levam a um estado receptor constitutivamente ativado, bem como a uma maior resposta após a estimulação com ligantes.35 Demonstrou-se também que essas mutações levam à ativação constitutiva da Akt, o que se traduz em maior sobrevida.36 Mutações ativadoras do gene EGFR foram observadas em 8-15% de todos os casos de CPNPC em todo o mundo e em 25-30% dos casos no Brasil.(37,38)
Alguns dos pacientes que exibem resposta inicial a ITQ de primeira geração (erlotinibe e gefitinibe) apresentam progressão da doença, e muitos deles apresentam mutações secundárias do gene EGFR ou amplificação de MET. Aproximadamente 50% desses pacientes têm tumores que abrigam a mutação T790M, e outros 20%, aproximadamente, têm tumores com amplificações de MET.(39,40) Estão sendo estudados inibidores específicos da mutação T790M (AZD9291 e CO1696) e potenciais inibidores de MET (onartuzumabe e tivantinibe).40 No entanto, nenhum deles mostrou-se clinicamente eficaz nesse cenário.41 O afatinibe, um EGFR-TKI de segunda geração, é um bloqueador irreversível da família ErbB que é eficaz em pacientes com as mutações mais comuns e parece ser eficaz inclusive em pacientes com as mutações menos comuns, incluindo a mutação T790M no éxon 20, que é um dos principais mecanismos de resistência a EGFR-TKIs de primeira geração.39
Os achados descritos acima prepararam o caminho para uma nova geração de ensaios clínicos cujo objetivo foi avaliar o desempenho de EGFR-TKIs em populações selecionadas por apresentarem mutações ativadoras do gene EGFR. Os resultados dos principais estudos estão resumidos na Tabela 1.
Em um ensaio clínico de fase III no qual o EGFR-TKI gefitinibe foi comparado com a associação carboplatina-paclitaxel em pacientes com adenocarcinoma pulmonar avançado - o estudo IPASS, realizado na Ásia - foram incluídos pacientes com características clínicas sabidamente associadas a uma maior taxa de resposta a ITQ.42 Os pacientes, todos os quais eram não fumantes ou ex-fumantes leves, foram aleatoriamente divididos de modo a receber tratamento de primeira linha com gefitinibe ou com a associação carboplatina-paclitaxel. A taxa de sobrevida livre de progressão em um ano foi maior no grupo gefitinibe do que no grupo carboplatina-paclitaxel (24,9% vs. 6,7%). Além de alcançar seu objetivo primário de demonstrar a não inferioridade do gefitinibe como tratamento de primeira linha para adenocarcinoma pulmonar avançado em pacientes clinicamente selecionados, o estudo IPASS também demonstrou a superioridade do gefitinibe nesse cenário. Além disso, a avaliação retrospectiva da mutação EGFR em amostras tumorais demonstrou que, mesmo na população clinicamente selecionada do IPASS, a resposta ao gefitinibe apresentou forte correlação com a presença de mutações ativadoras do gene EGFR, corroborando seu papel preditivo. Nos pacientes nos quais as mutações foram confirmadas, a taxa de resposta objetiva ao gefitinibe foi de 71,2%, contra 47,3% para a associação carboplatina-paclitaxel, ao passo que o inverso foi observado nos pacientes sem mutações, que apresentaram taxas de resposta objetiva ao gefitinibe e à associação carboplatina-paclitaxel de 1,1% e 23,5%, respectivamente. Os dados do IPASS também demonstram que tumores que abrigam mutações ativadoras do gene EGFR são mais quimiossensíveis, com taxas de resposta mais altas que as de tumores selvagens. Maemondo et al.43 também avaliaram o gefitinibe, comparando-o à associação carboplatina-paclitaxel, como terapia de primeira linha em pacientes cujos tumores abrigavam mutações ativadoras do gene EGFR. Os autores observaram que a mediana da sobrevida livre de progressão nos pacientes tratados com gefitinibe foi de 10,8 meses, o dobro dos 5,4 meses observados nos pacientes tratados com a associação carboplatina-paclitaxel. Além disso, as taxas de sobrevida livre de progressão em um e dois anos foram de 42,1% e 3,2%, respectivamente, no grupo gefitinibe, contra 8,4% e 0%, respectivamente, no grupo carboplatina-paclitaxel. Finalmente, a taxa de resposta objetiva foi significativamente maior no grupo gefitinibe do que no grupo carboplatina-paclitaxel (73,7% vs. 30,7%).43 Em um estudo semelhante, Mitsudomi et al.44 compararam o gefitinibe com a associação cisplatina-docetaxel como tratamento de primeira linha para pacientes com mutações. Como nos outros estudos citados, a mediana da sobrevida livre de progressão e a taxa de resposta objetiva foram melhores no grupo gefitinibe (9,2 meses vs. 6,3 meses e 62,1% vs. 32,2%, respectivamente).
Um ensaio de fase III no qual o EGFR-TKI erlotinibe foi comparado à associação gemcitabina-carboplatina mostrou que o erlotinibe proporcionou ganhos significativos na sobrevida livre de progressão (mediana: 13,1 meses vs. 4,6 meses) e na taxa de resposta objetiva (83% vs. 36%).45 Outro ensaio de fase III com o erlotinibe, chamado estudo EURTAC,46foi o primeiro a compará-lo com quimioterapia baseada em platina como terapia de primeira linha em pacientes brancos com mutações ativadoras do gene EGFR. Os autores do estudo também relataram que, em comparação com a quimioterapia citotóxica, o tratamento com erlotinibe proporcionou ganhos significativos na sobrevida livre de progressão (mediana: 9,7 meses vs. 5,2 meses) e na taxa de resposta objetiva (58% vs. 15%).
Em um ensaio de fase III denominado estudo LUX-Lung 3,47 o afatinibe foi comparado com o padrão atual (a associação cisplatina-pemetrexede) para o tratamento de primeira linha de pacientes asiáticos e não asiáticos com adenocarcinoma. Os autores observaram que a sobrevida livre de progressão foi significativamente melhor no grupo afatinibe (mediana: 11,1 meses vs. 6,9 meses). Naquele estudo, a superioridade do afatinibe em relação à associação cisplatina-pemetrexede foi ainda maior em pacientes com mutações comuns, tais como del19 e L858R. É digno de nota que o estudo LUX-Lung 3 tenha usado a associação cisplatina-pemetrexede, que é considerada mais eficaz, como tratamento de referência. Em um ensaio de fase III subsequente, denominado ensaio LUX-Lung 6,48 o afatinibe foi comparado à associação gemcitabina-cisplatina em pacientes asiáticos com tumores que abrigavam mutações EGFR. A mediana da sobrevida livre de progressão e a taxa de resposta foram melhores no grupo afatinibe do que no grupo gemcitabina-cisplatina (11 meses vs. 5,6 meses e 67% vs. 23%, respectivamente).48 Comparações entre ensaios indicam que o afatinibe proporciona a maior sobrevida livre de progressão. Uma análise combinada recente dos estudos LUX-Lung 3 e LUX-Lung 6 (o maior dos ensaios do tipo) sugeriu um ganho global de sobrevida com o afatinibe em comparação com a quimioterapia, principalmente em pacientes cujos tumores abrigam deleções no éxon 19.49
Tabela 1 Ensaios randomizados com EGFR-TKI em populações selecionadas ricas em mutações ativadoras do gene EGFR.
Referência | N | Prevalência de mutações EGFR | TKI | Taxa de resposta* | Sobrevida livre de progressão* | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
(%) | (mediana em meses) | |||||||||
(%) | TKI | QT | p | TKI | QT | RR | p | |||
Mok et al.42 | 1.217 | 60 | G | 71 | 47 | < 0,001 | 10,0 | 6,0 | 0,48 | < 0,001 |
Maemondo et al.43 | 230 | 100 | G | 74 | 31 | < 0,001 | 10,8 | 5,4 | 0,36 | < 0,001 |
Mitsudomi et al.44 | 177 | 100 | G | 62 | 32 | < 0,0001 | 9,2 | 6,3 | 0,49 | < 0,0001 |
Zhou et al.45 | 165 | 100 | E | 83 | 36 | < 0,0001 | 13,0 | 4,6 | 0,16 | < 0,0001 |
Rosell et al.46 | 174 | 100 | E | 58 | 15 | < 0,0001 | 9,7 | 5,2 | 0,37 | < 0,0001 |
Sequist et al.47 | 345 | 100 | A | 56 | 23 | 0,001 | 11,1 | 6,9 | 0,58 | 0,001 |
Wu et al.48 | 364 | 100 | A | 67 | 23 | < 0,001 | 11,0 | 5,6 | 0,28 | < 0,0001 |
A: afatinibe; QT: quimioterapia; E: erlotinibe; G: gefitinibe; RR: razão de risco; e TKI: tyrosine-kinase inhibitor (inibidor de tirosina quinase). *Em pacientes com mutações EGFR.
Embora a atividade dos EGFR-TKIs de primeira e segunda geração seja evidentemente melhor que a da quimioterapia tradicional, não se observou diferença na sobrevida global entre populações ricas em mutações. Na maioria dos pacientes com mutações EGFR, o tratamento de segunda linha com um EGFR-TKI foi usado naqueles que apresentaram progressão da doença após a quimioterapia, obscurecendo assim o efeito que o tratamento com esses agentes teve na sobrevida global, algo que se observou nos ensaios IPASS e EURTAC.(46,50) Consequentemente, quando os resultados dos genótipos do EGFR não estiverem disponíveis, sugerimos que se inicie a quimioterapia citotóxica convencional baseada em platina em pacientes com sintomas relacionados com o tumor e que se introduza um EGFR-TKI somente após a detecção de uma mutação. Um EGFR-TKI pode também ser usado como terapia de manutenção ou mesmo como tratamento de segunda linha, já que se demonstrou que os EGFR-TKIs não têm nenhum impacto negativo na sobrevida.51
Um dos efeitos adversos comuns dos EGFR-TKIs é a erupção cutânea papulopustular (acneiforme), que é na verdade um fator prognóstico e preditivo favorável de resposta a essas drogas. Outros efeitos adversos relatados incluem sintomas gastrintestinais (tais como hiperbilirrubinemia, diarreia, náusea e anorexia), dispneia, fadiga e edema, embora todos esses efeitos sejam geralmente bem tolerados e controláveis.52
Todos os EGFR-TKIs penetram, em maior ou menor grau, a barreira hematoencefálica e são, portanto, eficazes no tratamento de pacientes com metástases do sistema nervoso central, além de serem bem tolerados por esses pacientes.53 O tratamento com um EGFR-TKI é particularmente útil quando essas metástases são pequenas, pois em alguns casos permite que se adie a radioterapia ou a cirurgia.53 Um recente estudo de fase II confirmou que é viável continuar o tratamento com EGFR-TKIs (erlotinibe) em pacientes com doença progressiva assintomática - com base nos critérios de avaliação de resposta em tumores sólidos - e mostrou que esse tratamento não tem impacto na sobrevida global.54 No entanto, os antiácidos que modificam o pH gástrico podem afetar a absorção e, assim, reduzir a eficácia dos EGFR-TKIs.55
Como as mutações ativadoras podem prever os benefícios dos EGFR-TKIs, é claramente necessário realizar a genotipagem precisa das amostras tumorais obtidas de pacientes com CPCNP. Em alguns estudos, provou-se que é possível realizar o rastreio em larga escala dessas mutações. As mutações ativadoras mais estudadas (mutações EGFR, mutações KRAS e o rearranjo EML4-ALK) geralmente são mutuamente exclusivas. Portanto, na prática diária, os médicos podem interromper a investigação molecular quando uma dessas mutações é identificada. Vale notar que não se investiga rotineiramente a presença dessas mutações em pacientes com carcinoma de células escamosas, pois elas ocorrem em apenas 5% deles. Além disso, mesmo que uma mutação ativadora seja identificada, não há nenhuma evidência clara de que o tratamento com EGFR-TKIs traga benefícios em casos de carcinoma de células escamosas.56
Atualmente, existem diretrizes que recomendam o rastreio de mutações EGFR em pacientes com adenocarcinoma pulmonar avançado candidatos a terapia de primeira linha com erlotinibe, gefitinibe ou afatinibe, independentemente do performance status (estado de desempenho) ou da história de tabagismo. No entanto, no cenário da terapia adjuvante, não se recomenda que se incorpore esse rastreio à rotina clínica, em virtude da escassez de dados sobre o uso de EGFR-TKIs em pacientes com doença localizada ou localmente avançada.57 Recomenda-se que se dê maior atenção aos pacientes com adenocarcinoma e àqueles que nunca fumaram. Idealmente, as amostras para teste molecular devem ser coletadas no momento da classificação histológica do tumor; o tempo ideal para a entrega dos resultados é ≤ 7 dias. Deve-se ter em mente que o rastreio de mutações em amostras de sangue ainda é considerado experimental.58 Deve-se considerar cuidadosamente o tipo de biópsia, levando-se em conta o número de células malignas que provavelmente estarão presentes na amostra, pois algumas técnicas de detecção de mutações exigem grandes frações de células tumorais na amostra. O tecido para teste molecular pode ser obtido por meio de broncoscopia, mediastinoscopia, toracoscopia, biópsia pleural (para derrame pleural maligno) ou biópsia percutânea guiada por TC. A ultrassonografia endobrônquica com biópsia transbrônquica também pode ser útil em casos seletos. A obtenção de amostras de osso é possível, embora devam ser processadas apenas por laboratórios com experiência, de modo a evitar perdas. No entanto, deve-se dar preferência a outros locais de biópsia, caso estejam disponíveis.
Descrito pela primeira vez por Sanger em 1977,59 o sequenciamento direto do DNA tem contribuído muito para o desenvolvimento da biotecnologia, culminando com o sequenciamento de uma grande parte do genoma humano. O método baseia-se na chamada reação de didesoxi, na qual didesoxinucleotídeos (ddNTPs) são usados a fim de interromper a replicação do material genético, gerando, assim, segmentos de diferentes tamanhos. Os ddNTPs marcados com fluorescência são capazes de revelar a sequência de bases do DNA na amostra por meio da análise das diversas bandas assim geradas. Embora esteja bem estabelecido e seja confiável, o sequenciamento direto exige amostras que contenham uma grande fração de células tumorais, geralmente mais de 30% da amostra, uma porcentagem que não é facilmente obtida, pois a maior parte do material obtido por meio de biópsia frequentemente compõe-se de tecido não neoplásico. Novos métodos de sequenciamento têm grande potencial de aplicação no futuro; dentre eles, o pirossequenciamento é digno de nota, pois é capaz de detectar mutações em amostras que contenham apenas 0,2% de células tumorais. Essa técnica extremamente sensível pode ser usada para detectar mutações EGFR em amostras de derrame pleural que contenham apenas 10% de células neoplásicas. No entanto, o método ainda não está amplamente disponível e exige equipamento sofisticado e caro.60
A técnica de PCR pode ser usada não apenas para amplificar o material genético, mas também para detectar mutações de interesse. Um dos métodos de PCR mais comumente usados para este último fim é o amplification refractory mutation system (ARMS, sistema de mutação refratária à amplificação), que se baseia na atividade diferencial da enzima Taq DNA polimerase durante a amplificação de sequências que têm pontos de incompatibilidade em 3'. Os primers (iniciadores) usados na reação de ARMS, quando se emparelham com sequências que sofreram mutação, geram pontos de incompatibilidade, permitindo a detecção de mutações por meio da identificação de diferenças nos padrões de bandas gerados. Kimura et al.61 relataram resultados interessantes a partir do uso da técnica ARMS em amostras com menos de 1% de material contendo EGFR mutante. De acordo com o Colégio Americano de Patologia, os laboratórios devem usar testes de EGFR que sejam capazes de identificar mutações em espécimes com pelo menos 50% de células cancerosas, embora tenha recentemente incentivado o uso de testes mais sensíveis que possam detectar mutações em espécimes com menos de 10% de células cancerosas.62A técnica conhecida como TaqMan PCR usa sondas que são específicas para as sequências selvagens e mutantes do EGFR. A presença de sequências que sofreram mutação é indicada pelos picos de fluorescência gerados. Jian et al.63 conseguiram identificar mutações em amostras com pelo menos 10% de material contendo EGFR mutante.63 Essa abordagem facilita o teste porque há apenas uma etapa, sem necessidade de processamento pós-PCR. Variações da técnica de PCR incluem outros métodos sensíveis que empregam a amplificação seletiva de sequências que sofreram mutação. Essas variações, que apresentam elevada sensibilidade em amostras com baixas proporções de material contendo EGFR mutante, incluem o ensaio de PCR enriquecido com mutantes, peptide nucleic acid-locked nucleic acid PCR clamping e o processo de amplificação inteligente. Por meio do ensaio de PCR enriquecido com mutantes, Asano et al.64 detectaram mutações que estavam presentes em apenas 0,05% das amostras tumorais avaliadas. Essas técnicas oferecem novas possibilidades para a elaboração de testes diagnósticos que sejam capazes de detectar mutações de modo menos invasivo, muitas vezes com amostras pequenas.
A técnica de RFLP baseia-se no uso de enzimas de restrição, que clivam sequências de material genético em locais específicos. Consequentemente, segmentos de DNA de diferentes tamanhos são gerados de acordo com a presença de mutações. Esses segmentos por sua vez apresentam diferentes padrões de mobilidade eletroforética, o que permite a detecção de mutações por meio da análise dos padrões de bandas observados. Por meio desse método, Pan et al.65 detectaram mutações que estavam presentes em baixas proporções (6,25% para deleções no éxon 19 e 3,25% para L858R).
Outras técnicas
Já foram descritos vários outros métodos para detectar mutações EGFR. Sondas concebidas especificamente para detectar alelos que sofreram mutação, tais como a sonda cycleave, emitem um pico de fluorescência na presença da mutação e apresentaram bons resultados com amostras nas quais pelo menos 5% das células abrigavam mutações.66Outros métodos incluem o chamado ensaio de alteração de mobilidade de loop-hybrids, a técnica de polimorfismo de conformação de fita simples e a HPLC. A HPLC, que é um meio de caracterizar de maneira abrangente a sequência de DNA que está sendo estudada, e não apenas as mutações já conhecidas, apresentou boa sensibilidade em amostras com apenas 1% de material mutante.67 Finalmente, se anticorpos marcados forem voltados contra proteínas EGFR mutantes resultantes da transcrição de genes EGFR com mutações ativadoras conhecidas, a imuno-histoquímica pode ser usada para detectar mutações de interesse. A validação da imuno-histoquímica para mutações específicas na prática clínica é ansiosamente aguardada, pois essa técnica poderia facilitar sobremaneira a identificação dos pacientes com maior probabilidade de se beneficiar do tratamento com EGFR-TKIs.68
As mais recentes diretrizes para a classificação de adenocarcinoma pulmonar recomendam que se inclua a genotipagem do EGFR no algoritmo de diagnóstico.69 A seleção adequada de pacientes que sejam potenciais candidatos à terapia com EGFR-TKIs torna-se ainda mais importante quando se consideram outras alterações genéticas observadas em adenocarcinomas pulmonares, tais como mutações RAS, translocações da quinase do linfoma anaplásico e amplificação de HER-2. Algumas dessas alterações parecem ser mutuamente exclusivas e também podem ser alvo de terapias específicas em desenvolvimento ou já em uso clínico.70Projetos de escala genômica que avaliem múltiplas alterações genéticas em amostras de pacientes têm apresentado resultados promissores e podem levar à identificação de alvos relevantes para futura intervenção.71 Dados do Cancer Genome Atlas sugerem que o adenocarcinoma pulmonar pode ser classificado pelo subtipo molecular com base em leituras de sequenciamento de nova geração; a nova nomenclatura para os subtipos transcricionais é a seguinte: unidade respiratória terminal (anteriormente denominado bronquioide), proximal-inflamatório (anteriormente denominado escamoide) e proximal-proliferativo (anteriormente denominado magnoide). Os adenocarcinomas que apresentam mutações ativadoras do gene EGFR estão agrupados no subtipo unidade respiratória terminal. Os outros dois subtipos (proximal-inflamatório e proximal-proliferativo) não parecem estar associados a tumores com EGFR mutante.72
Em pacientes com CPCNP avançado com tumores com EGFR selvagem, o uso de EGFR-TKIs não pode ser considerado uma opção válida de tratamento de segunda linha após o insucesso de um esquema baseado em platina.73 Em pacientes com mutações ativadoras conhecidas, um ITQ pode ser usado como tratamento de primeira linha e deve ser mantido até que haja progressão da doença clinicamente documentada.(74,75) Essa abordagem típica da "medicina personalizada" representa uma nova fronteira na oncologia moderna, em que o tratamento de cada paciente com câncer será escolhido de acordo com as alterações genéticas presentes nos tumores, o que significa tratar o paciente certo com a droga certa, na dose certa e no momento certo.