versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.25 no.5 São Paulo set./out. 2013
http://dx.doi.org/10.1590/S2317-17822013000500010
A Fonoaudiologia compreende ações individuais e coletivas que visam à promoção, proteção e recuperação da saúde da população nos aspectos da linguagem, voz, audição e motricidade oral. As ações preventivas fornecem suporte, sobretudo, para a gerência de projetos e programas e para a sua inserção na gestão de serviços de saúde( 1 ).
O conhecimento da prevalência, da incidência e dos fatores de risco em crianças com menos de seis anos de idade com alterações na aquisição e desenvolvimento de linguagem diminuirá o impacto na sua vida acadêmica e também nas relações sociais( 2 ).
Vários estudos descrevem a prevalência e incidência das alterações de linguagem em crianças( 3 , 4 ). Contudo, poucos são os que indicam os fatores de risco para estas alterações. Fatores de risco são aspectos do comportamento individual ou do estilo de vida, exposição ambiental, características hereditárias ou congênitas associados a uma condição relacionada à saúde( 5 , 6 ).
Estudos evidenciam que variáveis raciais e socioeconômicas são predisponentes às desordens da comunicação( 7 - 9 ).
Não foram localizadas referências nacionais sobre os fatores de risco para as diversas alterações fonoaudiológicas. Neste contexto, fica evidente a necessidade de estudos que os identifiquem em crianças com diferentes tipos de alteração fonoaudiológica, para que a elaboração de ações vinculadas a políticas públicas de saúde possam ser baseadas em evidências.
O objetivo deste estudo é identificar os principais fatores de risco relacionados à criança e seus pais associados às alterações fonoaudiológicas.
Trata-se de uma pesquisa do tipo descritivo e prospectivo, desenvolvida com todas as crianças atendidas na Clínica de Fonoaudiologia do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) no período de março de 2010 a julho de 2012.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FMUSP, processo nº 057/11, e todos os pais/responsáveis pelas crianças assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Participaram do estudo 170 crianças e seus respectivos pais/responsáveis, que procuraram atendimento fonoaudiológico na referida clínica-escola.
Os critérios para inclusão foram: faixa etária até cinco anos de idade e queixa nas áreas de audição, voz, fala, linguagem e sistema miofuncional orofacial.
Na triagem fonoaudiológica, utilizou-se o Protocolo para identificação de fatores de risco para a alteração de linguagem e fala (PIFRAL). O protocolo foi desenvolvido pelos autores do presente artigo para esta pesquisa especificamente, com base em estudos anteriores sobre os fatores de risco para a comunicação( 2 , 10 , 11 ).
O PIFRAL é um formulário com 29 itens direcionados aos pais/responsáveis (Quadro 1) e compreende questões sociodemográficas (idade, gênero, raça declarada e escolaridade da criança; idade, escolaridade e profissão dos pais; local da residência), sobre a família (número de irmãos, ordem de nascimento, gemelaridade, tempo que passam com os filhos, língua utilizada em casa), informações sobre os períodos pré, peri e pós-natal e temperamento da criança.
Na rotina do atendimento clínico do Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Atenção Primária à Saúde, solicitou-se que os pais/responsáveis das crianças atendidas na triagem respondessem ao formulário PIFRAL individualmente.
Os dados coletados eram de natureza quantitativa e qualitativa. Mais especificamente, as variáveis referentes aos aspectos educacionais foram categorizadas como "até ensino médio incompleto" e "a partir de ensino médio completo"; as variáveis de nível socioeconômico foram subdivididas de acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa( 12 ); as de classificação ocupacional levaram em conta a Classificação Brasileira de Ocupações( 13 ); e as que dizem respeito ao temperamento da criança foram categorizadas segundo Klein e Linhares( 14 ).
Os dados foram tabulados e submetidos à análise descritiva e inferencial por meio do Χ2 para descrever as possíveis variações do grupo estudado, segundo as variáveis estipuladas. Também foi realizado o Teste t de Student para verificação da significância estatística entre as variáveis estudadas.
O tempo médio entre a percepção do problema e a realização da triagem fonoaudiológica foi 16 meses, sendo que o aparecimento da queixa ocorreu em média aos 33 meses de vida.
Houve predomínio de crianças entre quatro e cinco anos (30,0%), do gênero masculino (69,4%) e de raça declarada branca pelos pais (63,5%) (Tabela 1). O grau de parentesco predominante do informante foi a mãe (90,0%) e o nível socioeconômico dominante B1 (R$ 4.558,00 a 8.098,00) e B2 (R$ 2.327,00 a 4.557,00) (24,1% cada).
Tabela 1 Caracterização das 170 crianças que participaram do estudo
Informação demográfica | Classificação | Frequência | % |
---|---|---|---|
0–12meses | 1 | 0,6 | |
1–2 anos | 12 | 7, 1 | |
Faixa etária | 2–3 anos | 26 | 15.3 |
3–4 anos | 47 | 27,6 | |
4–5 anos | 84 | 49,4 | |
Gênero | Masculino | 118 | 69,4 |
Feminino | 52 | 30,6 | |
Branca | 108 | 63,5 | |
Raça | Amarela | 3 | 1, 8 |
Parda | 37 | 21,8 | |
Negra | 22 | 12,9 | |
Mãe | 153 | 90,0 | |
Grau de parentesco do informante com a criança | Pai | 11 | 6,5 |
Avó | 5 | 2,9 | |
Tia | 1 | 0,6 | |
A1 | 4 | 2,4 | |
A2 | 9 | 5,3 | |
B1 | 41 | 24,1 | |
Nível socioeconômico * | B2 | 41 | 24,1 |
C1 | 29 | 17, 1 | |
C2 | 39 | 22,9 | |
D | 7 | 4,1 | |
E | 4 | 2,4 |
*De acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa
A maioria das crianças participantes do estudo frequentava escola (76,5%), e a maioria das mães (56,5%) e dos pais (46,5%) tinha entre 28 e 38 anos, sendo os homens significativamente (p<0,001) mais velhos que as mulheres.
A média de idade das mães ao nascimento das crianças era 29 anos (mínima de 18 anos; máxima de 44 anos; moda de 33). A maioria delas (85,5%) e dos pais (82,4%) tinha ensino médio completo, e a distribuição da escolaridade não diferiu entre as mães e os pais (p=0,453).
Houve porcentagem maior de mães (38,8%) na categoria "não trabalha", com apenas 3,0% dos pais na mesma situação. As categorias foram reagrupadas para que a análise estatística pudesse ser realizada. A posição 1 (englobou as categorias de 0 a 2, incluindo membros das forças armadas, do poder público e profissionais de Ciências e Artes); Posição 2 (categorias 3 a 5, incluindo técnicos de nível médio, trabalhadores de serviços administrativos e vendedores do comércio); Posição 3 (categorias 6 a 9, contemplando trabalhadores agropecuários, de serviços industriais e reparação/manutenção); e a posição "não trabalha" englobou pais desempregados, aposentados e trabalhadores do lar (Tabela 2).
Tabela 2 Caracterização da ocupação dos pais
Posição | Frequência | % | χ 2 | GL | Valor de p | |
---|---|---|---|---|---|---|
1 | 22 | 12.9 | ||||
2 | 66 | 38.8 | ||||
Mãe | 3 | 16 | 9.4 | |||
Não trabalha | 66 | 38.8 | ||||
71.571 | 3 | <0.001* | ||||
1 | 26 | 15.9 | ||||
Pai | 2 | 84 | 51.2 | |||
3 | 49 | 29.9 | ||||
Não trabalha | 5 | 3.0 |
*Resultados significantes (p<0,05) - Χ2
Legenda: gl = graus de liberdade
Com relação à questão geográfica, 61,2% dos sujeitos residiam na cidade de São Paulo, sendo que destes 67,3% moravam na região Oeste. Dentre os que não moravam na capital paulista, 40,9% eram provenientes de Osasco.
Dos 170 sujeitos, 87 (51,2%) eram filhos únicos. Dos 83 que tinham irmãos, a maioria (31,76%) era filho mais novo. Verificou-se ainda que 4,1% eram gêmeos.
A maioria dos pais (48,2%) passava entre quatro e oito horas por dia com as crianças, e a maioria das famílias (98,2%) era falante do Português Brasileiro.
A frequência de fatores de risco nesta população foi organizada de acordo com o período de ocorrência: pré, peri ou pós-natal referente a fatores isolados e associados. Foi aplicado o Teste t de Student que demonstrou diferença estatisticamente significativa entre as variáveis estudadas (Tabela 3).
Tabela 3 Informações sobre os fatores de risco nos períodos pré, peri e pós-natal das 170 crianças
Período | Fatores de risco | Não | Sim | Não soube informar | Valor de p | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Frequência | % | Frequência | % | Frequência | % | |||
Antecedentes familiares (alteração de linguagem) | 104 | 61,2 | 65 | 38,2 | 1 | 0,6 | ||
Pré natal | Uso de drogas, medicamentos, álcool ou fumo durante a gravidez | 128 | 75,3 | 42 | 24,7 | 0 | 0.0 | <0,001* |
Intercorrências | 105 | 61,8 | 65 | 38,2 | 0 | 0,0 | ||
Prematuridade | 136 | 80,0 | 34 | 20.0 | 0 | 0,0 | ||
Baixo peso ao nascimento | 153 | 90,0 | 17 | 10,0 | 0 | 0,0 | ||
Peri natal | APGAR abaixo de 4 no 1° minuto e abaixo de 6 no 5° minuto | 166 | 97,6 | 4 | 2,4 | 0 | 0,0 | <0,001* |
Internações | 108 | 63,5 | 62 | 36,5 | 0 | 0,0 | ||
Alteração ou síndrome genética | 149 | 87,6 | 21 | 12,4 | 0 | 0,0 | ||
Pós natal | Patologia neurológica ou psiquiátrica | 136 | 80,0 | 34 | 20,0 | 0 | 0,0 | <0,001* |
Doença crônica | 139 | 81,8 | 31 | 18,2 | 0 | 0,0 | ||
Exposição a algum tipo de violência | 139 | 81,8 | 30 | 17, 6 | 1 | 0,6 | ||
Hábitos Orais Deletérios | 84 | 49,4 | 86 | 50,6 | 0 | 0.0 |
*Resultados significativos (p<0,05) - Teste t de Student
No período pré-natal, 31,2% das crianças não apresentaram fatores de risco. Os predominantes foram a presença de antecedentes familiares e intercorrências durante a gestação, sendo que cada um deles teve 38,2% de ocorrência. Em percentual menor, houve uso de drogas, medicamentos, álcool ou fumo durante a gravidez (24,7%). As intercorrências (p<0,001) e os Antecedentes familiares (p<0,001) são significativos para esta população.
No período perinatal, 75,9% das crianças não apresentaram fatores de risco. O fator prematuridade é significativo (p<0,001) em relação aos outros fatores: baixo peso ao nascimento e APGAR abaixo de 4 no 1° minuto e abaixo de 6 no 5° minuto para este grupo.
No período pós-natal, 81,2 % das crianças apresentaram fatores de risco, sendo que este período é o que concentra a maior ocorrência de fatores de risco. Os hábitos orais deletérios foram significativos (p<0,001) em relação a todos os outros fatores do mesmo período: internações, alteração ou síndrome genética, patologia neurológica e psiquiátrica, doença crônica e exposição a algum tipo de violência. Ainda no período pós-natal, analisando o segundo item com maior ocorrência, internações por longos períodos, observamos diferença significativa (p<0,001) em relação aos outros menos ocorrentes no mesmo período.
É interessante notar que nos três períodos o fator de risco isolado aparece com maior frequência quando comparado com os fatores de risco associados.
Os temperamentos afetivo e tímido tiveram a maior frequência 69,4% e 27,6% respectivamente; seguidos de: difícil (18,8%), agressivo (12,9%) e medroso (11,2%).
No intuito de traçar uma associação entre a hipótese diagnóstica e as demais varáveis do estudo, foram excluídos da amostra, apenas para esta análise, os sujeitos que apresentaram duas ou mais hipóteses diagnósticas. Portanto, no cruzamento de hipótese diagnóstica e demais variáveis, o número de sujeitos é de 125. A variável Hipótese Diagnóstica foi categorizada como: Alteração de linguagem característica do espectro do autismo (ALCEA); Alteração de aquisição e/ou desenvolvimento de linguagem receptiva e/ou expressiva (ALADRE); Transtorno fonológico (TF); Alteração do sistema miofuncional orofacial (ASMO); Alteração de linguagem característica de síndrome ou comprometimento neurológico (ALCSN) e Alteração de voz (AV). Todos os diagnósticos foram obtidos após avaliação fonoaudiológica completa e quando necessário, realizado em equipe multidisciplinar (geneticista, neurologista, psiquiatra e etc.) Houve predomínio do gênero masculino em todas estas categorias, confirmado estatisticamente (Tabela 4).
Tabela 4 Associação entre a hipótese diagnóstica e o gênero
ALCEA | ALADRE | TF | ASMO | ALSN | AV | Total | χ 2 | GL | Valor de p | ||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Gênero | Masculino | 28 | 17 | 26 | 9 | 6 | 6 | 92 | |||
Feminino | 5 | 6 | 7 | 2 | 8 | 5 | 33 | 11,855 | 5 | 0,037* | |
Total | 33 | 23 | 33 | 11 | 14 | 11 | 125 |
*Diferença estatística (p<0,05) - Χ2
Legenda: ALCEA = alteração de linguagem com característica do espectro do autismo; ALADRE = alteração de aquisição e/ou desenvolvimento de linguagem receptiva e/ou expressiva; TF = transtorno fonológico; ASMO = alteração do sistema miofuncional orofacial; ALSN = alteração de linguagem em criança com síndrome ou com comprometimento neurológico; AV = alteração de voz; gl = graus de liberdade
Devido à distribuição irregular das hipóteses diagnósticas nas diferentes categorias (temperamento, idade, escolaridade e profissão dos pais, ordem de nascimento dos filhos, língua falada, local de residência e fatores pré, peri e pós-natais), não foi possível aplicar o teste estatístico para concluir se houve ou não associação entre estas variáveis e cada uma das hipóteses diagnósticas, da mesma forma que realizado com as alterações fonoaudiológicas como um todo e descrito acima.
O estudo teve por objetivo identificar os principais fatores de risco relacionados à criança e seus pais associados às alterações fonoaudiológicas.
Noventa por cento dos informantes era a mãe da criança (Tabela 1), das quais grande parte (38,8%) é trabalhadora do lar (Tabela 2), convivendo com a criança mais que 4 horas por dia, tendo assim maior disponibilidade para acompanhar a criança nas consultas. Entretanto, este fato não garante a qualidade do tempo gasto em situações de interação mãe-criança. A maioria das mulheres não relatou momentos de brincadeiras com os filhos ou contação de histórias, por exemplo. O tempo é gasto com cuidados físicos: alimentação, higiene e transporte.
Realizou-se levantamento das informações referentes aos pais das participantes, visto que estudos apontam a relevância dos fatores relacionados a eles para o desenvolvimento( 4 , 15 ). Sabe-se que quanto maior a participação comunicativa dos pais nas fases de desenvolvimento e aprendizado da criança, maiores as chances dela se desenvolver de acordo com o esperado para a sua idade( 16 ).
Observou-se que a média da idade das mães ao nascimento das crianças era de 29 anos, indicando que as mulheres estão adiando a maternidade. Estudos relatam que a idade da mãe no período gestacional pode ser considerada um fator de risco para alterações fonoaudiológicas, tais como as síndromes( 4 ).
A faixa etária das participantes variou de um a cinco anos, sendo predominante entre quatro e cinco (49,4%). Estudos realizados anteriormente também ressaltam a prevalência de sujeitos em idade pré-escolar na identificação das alterações de linguagem( 17 - 20 ).
Na amostra, observou-se maioria de meninos (69,4%), corroborando a literatura nacional e internacional( 2 - 4 , 18 ). O fato de a criança ser do gênero masculino foi considerado um fator de risco importante para alterações de linguagem, justificado pela lentidão na maturação do sistema nervoso de meninos, a qual permite maior vulnerabilidade a alterações em geral, e também na influência do hormônio testosterona, que impede a morte celular e dificulta a realização de conexões adequadas, podendo prejudicar o bom desenvolvimento das áreas voltadas para as habilidades linguísticas destes sujeitos( 21 ).
No que diz respeito à raça ou cor da pele autodeclarada, observou-se prevalência da branca (63,5%). Não foram encontrados artigos relacionando esta característica às alterações fonoaudiológicas. No Brasil, encontramos diversas miscigenações de raças e etnias e, neste contexto, observou-se que alguns pais tiveram dúvidas no momento de realizar a classificação e se apoiavam na cor das crianças para fazê-lo.
A maioria dos sujeitos apresentou temperamento tímido (69,4%) e afetivo (27,6%). Segundo pesquisas realizadas, comportamentos mais afetivos podem influenciar positivamente nos aspectos relacionados ao desenvolvimento, sendo ainda necessários estudos mais aprofundados sobre as relações entre variáveis individuas e ambientais( 14 ). Em relação à timidez, pode-se inferir ser reflexo da alteração fonoaudiológica ou uma barreira para novas experiências, aspecto de extrema importância para o bom desenvolvimento infantil.
Observou-se maior ocorrência de filhos únicos (51,2%), seguidos por filhos mais novos (31,8%), o que indica que a ordem de nascimento pode influenciar no desenvolvimento da fala e linguagem( 19 ). Algumas pesquisas indicaram limitações em habilidades sociais, maior incidência de comportamentos problemáticos e intervenções terapêuticas na infância de filhos únicos. Por outro lado, estes aspectos já foram atribuídos à monitoração excessiva e à superproteção parental. O filho único é tanto o alvo das elevadas expectativas parentais, geralmente reservadas para os primogênitos, quanto recebe favores e cuidados típicos para um filho caçula( 6 ).
Em relação aos caçulas, uma hipótese a ser considerada é a divisão do tempo de atenção que a mãe dispensa entre os filhos após o nascimento de uma nova criança: ela não conta com a mesma disposição e tempo considerando o momento em que tinha um número menor de filhos. Outro fato a ser levantado é que os pais têm tendência a infantilizar o caçula por um período de tempo maior, o que faz com que o "manhês" acabe se mantendo por um período mais extenso que o esperado. Com isso, o sujeito não recebe reconhecimento suficiente por suas realizações( 22 ), como falar uma palavra corretamente, por exemplo, e pode desistir de tentar a pronúncia correta por falta de reforço positivo.
Houve maior frequência de indivíduos das classes B1 e B2 (48,2%), cuja renda mensal varia de R$ 2.327,00 a 8.098,00. Entretanto, as classes C2 e C1 (40%) seguem muito próximas. O nível socioeconômico é um fator capaz de aumentar o risco para alterações fonoaudiológicas. Contudo, a sua real influência para o desenvolvimento da fala e linguagem ainda não é conclusiva, sendo necessárias pesquisas mais aprofundadas neste aspecto( 19 ). Vale ressaltar que a desvantagem socioeconômica tem sido apontada como fator de risco ao desenvolvimento, pois a criança que vive em um ambiente de pobreza está mais suscetível a conviver com a violência, vizinhança de risco, instabilidade familiar e privação de estímulos que podem resultar em problemas de comportamento e socialização, prejudicando a aprendizagem e o desenvolvimento da linguagem.
Observou-se que a maioria das crianças participantes do estudo reside na cidade de São Paulo, mais especificamente na Zona Oeste, onde está localizada a clínica de Fonoaudiologia da FMUSP. Na região existe apenas uma fonoaudióloga contratada para atender à população de seis Unidades Básicas de Saúde, além de duas fonoaudiólogas do Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Fica evidente a necessidade de contratação de um número maior de profissionais desta especialidade devido à grande demanda pelos serviços fonoaudiológicos.
As variáveis bilinguismo e gemelaridade não serão considerados fatores de risco para a alteração da linguagem neste estudo, pois apenas três sujeitos falavam outra língua além do português e sete crianças tinham irmão gêmeo. Desta forma, o baixo número de sujeitos não permite generalizações. Entretanto, sabe-se que a aquisição da linguagem em gêmeos acontece de forma atípica( 23 ) e que crianças bilíngues apresentam menor variação lexical e maior tempo para acesso lexical em relação às monolíngues( 24 ).
Considerando a amostra estudada, foram levantados os fatores de risco dos períodos pré, peri e pós-natal, conforme a Tabela 3, sendo as intercorrências durante o período gestacional expressivas, concordando com outros pesquisadores( 20 ). Segundo o Ministério da Saúde( 25 ), o principal objetivo da atenção pré-natal é "acolher a mulher desde o início da gravidez, assegurando no fim da gestação o nascimento de uma criança saudável e a garantia do bem-estar materno e neonatal".
Neste período, também observou-se grande ocorrência dos antecedentes familiares em crianças com alteração fonoaudiológicas. Assim como relatado em outros estudos, o histórico familiar apresenta grande influência no aparecimento de alterações fonoaudiológicas nas gerações seguintes( 2 , 9 , 11 , 19 ). O impacto do histórico familiar pode estar relacionado a influências genéticas ou ambientais, ou a uma combinação de ambos.
Ainda no periodo pré-natal encontra-se o fator de risco relacionado ao uso de bebidas, drogas, álcool ou fumo durante a gestação. Diversos estudos citam os malefícios causados pela utilização de substâncias agressivas ao feto como tabaco, drogas e álcool( 26 - 27 ), que podem interferir no desenvolvimento do feto, ocasionando futuras alterações prejudiciais também ao desenvolvimento da linguagem da criança.
O fator de risco significativo no período peri-natal foi a prematuridade, corroborando estudos anteriores que afirmam que o atraso na maturação fisiológica neurobiológica causado pela prematuridade prejudica aspectos da plasticidade neuronal (muito ativa neste período), alterando o desenvolvimento de diversos aspectos, incluindo o da linguagem( 2 , 10 , 28 , 29 ).
No período pós-natal, o fator de estatisticamente significativo foi a existência de hábitos orais deletérios, seguido por internações. Os hábitos orais deletérios prejudicam a formação e funcionalidade dos órgãos fono-articulatórios( 30 ); enquanto as internações abalam o quadro emocional da criança. Ambos os aspectos (físico e emocional) se interrelacionam com o desenvolvimento de fala e linguagem, e a associação de fatores de risco pós-natais pode influenciar seriamente no desenvolvimento de linguagem( 4 ).
Nota-se que a queixa fonoaudiológica tem início aproximadamente aos 33 meses de vida. O tempo médio entre a percepção do problema e a realização da triagem fonoaudiológica foi de 16 meses, ou seja, quando a criança comparece à triagem fonoaudiológica já está com quatro anos de idade. Este fato indica que o período considerado ideal para a aquisição e desenvolvimento da linguagem oral (receptiva e expressiva), devido a maior plasticidade neuronal, passou, e as consequências na qualidade de vida serão maiores quanto maior for o atraso para o início da intervenção fonoaudiológica( 4 ).
Não foi objetivo do presente estudo analisar as diferentes hipóteses diagnósticas encontradas ou estabelecer um perfil epidemiológico da população estudada, mas uma análise de causalidade e risco. Contudo, vale ressaltar que houve uma distribuição irregular das mesmas o que não permite uma análise estatística relacionando cada hipótese diagnóstica com um determinado fator de risco, com exceção do gênero, confirmando que o gênero masculino apresenta maior risco de alterações fonoaudiológicas (p=0,037) independente da patologia, corroborando estudos internacionais(2,4,17) (Tabela 4).
O perfil sociodemográfico dos participantes que procuraram atendimento na clínica-escola pública é de famílias de crianças residentes na região Oeste da capital paulsita e da cidade de Osasco, do gênero masculino, entre quatro e cinco anos de idade, que frequentam escola e são declaradas de raça branca. Os pais encontram-se no nível sócioeconômico B1 e B2, com escolaridade no nível de ensino médio, tendo ocupação relacionada à categoria técnico de nível médio, trabalhadores de serviços administrativos e vendedores do comércio; e, com mães cuja média de idade materna na gestação era de 29 anos.
O PIFRAL mostrou-se uma ferramenta de facil aplicação, que auxilia na identificação dos fatores de risco para alterações fonoaudiológicas de forma irrestrita das diferentes áreas de audição e linguagem.
Observou-se que o intervalo entre a suspeita da alteração e a realização da triagem ainda é relativamente alto, sendo necessária maior atenção para este fato com o objetivo de diagnóstico e intervenção precoces.
Os fatores de risco identificados em crianças com alterações fonoaudiológicas, que participaram do presente estudo e tiveram significância estatística são: ser do gênero masculino, ser filho único, ter histórico de alteração fonoaudiológica na família, intercorrências durante a gestação, prematuridade, hábitos orais deletérios e longas internações pós-natal.
Sugere-se que as crianças que apresentam um ou mais fatores de risco citados acima, devam ser acompanhadas periodicamente quanto ao desenvolvimento da comunicação (fala, voz, linguagem, audição e motricidade orofacial) e se necessário, encaminhadas para intervenção precoce.
Faz-se necessário o aumento da amostra de crianças com alterações fonoaudiológicas e a relação delas com o grupo controle para que haja maior compreensão sobre os fatores de risco e a relação destes com os diferentes diagnósticos fonoaudiológicos.
*GMDS foi responsável pela coleta e tabulação dos dados; MIVC acompanhou a coleta e colaborou com a análise dos dados; DRMA foi responsável pelo projeto e delineamento do estudo e orientação geral das etapas de execução e elaboração do manuscrito.